O
estudo do cânon se refere às questões do reconhecimento e compilação daqueles
livros que foram classificados como “inspirados”, portanto, como tendo
autoridade para servirem de regra de fé e prática para todos os cristãos.
O
termo latino “cânon” tem origem grega [kavwv]
que, por sua vez, se origina do hebraico kaneh [קנה], palavra do Antigo
Testamento que significa "vara ou cana de medir" (Ez 40.3). Mesmo em
época anterior ao cristianismo, essa palavra era usada de modo mais amplo, com
o sentido de padrão ou norma, além de cana ou unidade de medida. Deste modo,
como coloca Tenney: “Em gramática,
significava uma regra; em cronologia, uma tabela de datas; e em literatura uma
lista de obras que podiam ser corretamente atribuídas a determinado autor”
(1967, p. 427).
No
Novo Testamento o termo é usado em sentido figurado, referindo se a padrão ou
regra de conduta (GI 6.16; 2Co 10.13-16). Posteriormente, os livros que vieram
a compor o cânon neotestamentário passou a significar “padrão” de fé e prática, adquirindo assim o status de Escrituras
Sagradas, no mesmo “padrão” do cânon
das Escrituras hebraicas. Por volta da época de Atanásio (c.
350), o conceito de cânon bíblico ou de Escrituras normativas já estava em pleno
desenvolvimento. A palavra cânon aplicava-se
à Bíblia inteira, com seus dois Testamentos e como explica Geisler essa
autoridade era exercida no sentido ativo e no sentido passivo: “No sentido ativo, a Bíblia é o cânon pelo qual tudo o
mais deve ser julgado. No sentido passivo, cânon significava a regra ou padrão
pelo qual um escrito deveria ser julgado inspirado ou dotado de autoridade” (1997,
p. 61-62).
Originalmente,
os livros do Novo Testamento estiveram circulando separados e individualmente [1] e de mediato não foram tratados como inspirados, ainda que já fossem tidos como
normativos, como explica Cullmann:
Na época em que foram compostos os 27 escritos, eles ainda
não eram ‘Escritura Sagrada’. ... a Escritura Sagrada, para os autores do Novo
Testamento, era o Antigo Testamento. Quando introduzem citações pela formula:
‘para que se cumprisse o que está escrito’, não se referem senão ao Antigo Testamento
(1979. p.113).
Gradualmente
estes livros foram sendo colecionados para formar o que nós agora conhecemos
como o Novo Testamento, que veio a se constituir no cânon da Sagrada Escritura,
composto pelos livros da Bíblia Hebraica – Antigo Testamento, mais os livros
cristãos – o Novo Testamento. Pela providência de Deus, os vinte e sete livros
do Novo Testamento foram colocados à parte de muitos outros escritos durante os
primórdios da igreja. Eles foram preservados para comporem o padrão do Novo
Testamento por causa de sua inspiração e autoridade apostólica.
Cada
um dos livros foi preservado pelas pessoas ou comunidades a quem foram
destinadas originalmente, como por exemplo os dois volumes escritos por Lucas e
que ele dedica especificamente à Teófilo ou a carta de Paulo enviada a Filemom
ou à igreja dos filipenses, ou ainda, como no caso das epístolas gerais, às comunidades
que estavam espalhadas em determinada região e por fim o Apocalipse que inicialmente
é destinada às sete igrejas da Ásia Menor.
Esses
documentos foram paulatinamente circulando fora do âmbito de seus destinatários
de origem, devido ao seu conteúdo normativo e gradualmente eles foram
colecionados e posteriormente foram formalmente reconhecidos pela igreja como textos
inspirados, portanto, Escrituras Sagradas. Esse processo foi longo, cerca de
350 anos, como pode ser visualizado no quadro das Evidências Literárias.
Este processo durou cerca de 350 anos.
Paralelamente a estes vinte e
sete livros proliferou um número expressivo de outras literaturas de cunho
cristão, de maneira que foi necessário estabelecer alguns critérios para se
verificar a autenticidade dos livros a serem selecionados: (1) o livro foi escrito ou aprovado por um apóstolo? (2) seu conteúdo tem uma natureza
espiritual? (3) há evidências da
inspiração Divina? (4) foi
amplamente aceito pelas igrejas? (1999, p.1499).[2] Não menos do que os vinte e sete livros foram reconhecidos
como canônicos e aceitos por todo as igrejas nos séculos posteriores, mas neste
processo alguns não foram aceitos imediatamente ou universalmente (cf. Quadro
Cronológico). O encerramento deste longo processo se deu no Conselho de Cartago
em 397 d.C. quando foram autenticados como canônicos apenas os vinte e sete
livros. Apesar de esforços ao longo desses séculos, como no caso especifico do
Evangelho Segundo Tomé desde final do século XX, nenhum outro livro foi
incluído no cânon.
Apesar deste longo processo
para selecionar e fechar o cânon neotestamentário, é preciso destacar que não é
a Igreja que autentica o livro, mas o próprio escrito explicita seu valor intrínseco
inspirativo, como bem coloca Tenney quando enfatiza que o “verdadeiro critério da canonicidade é a inspiração”; e ele
demonstra em três princípios como esta inspiração pode ser demonstrada: primeiro – a inspiração destes documentos
pode ser apoiada pelo seu conteúdo intrínseco; segundo – essa inspiração pode ser corroborada pelo seu efeito
moral; e terceiro – o testemunho
histórico da Igreja Cristã mostrará o valor normativo que o próprio livro já
exercia junta às comunidades (1967, p. 428-430).
Embora nenhuma cópia original
(autógrafo)[3]
de qualquer dos escritos que compreende o cânon do Novo Testamento tenha
sobrevivido, existe mais de 4.500 manuscritos Gregos de todo ou estratos de
texto, mais 8.000 manuscritos Latinos e ao menos 1.000 outras versões dos
livros originais que foram traduzidos. Todo o esforço e cuidadoso estudo e
comparação destas muitas cópias têm oferecido um preciso e confiável Novo Testamento.
Embora nenhuma cópia
original de qualquer dos escritos que compreende o Novo Testamento tenha
sobrevivido, existe mais de 4.500 manuscritos Gregos de todo ou estratos de
texto, mais 8.000 manuscritos Latinos e ao menos 1.000 outras versões dos
livros originais que foram traduzidos. Cuidadoso estudo e comparação destas
muitas cópias têm nós fornecido um preciso e confiável Novo Testamento.”[4]
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan
Pereira
Mestre em
Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
Próximo artigo: Razões
para o Estabelecimento do Cânon
Artigo Relacionado
NT – INTRODUÇÃO GERAL
COMPOSIÇÃO E ARRANJO DO
NOVO TESTAMENTO
A Ordem dos Livros do Novo Testamento
Referências Bibliográficas
TENNEY, Merrill C. Gálatas: Escritura da Liberdade Cristã.
São Paulo: Edições Vida Nova, 1967.
CULLMANN, Oscar. A
Formação do Novo Testamento. São Leopoldo: Ed. Sinodal,1979.
GOODSPEED, Edgard J. Como nos Veio a Bíblia. São Paulo: Imprensa
Metodista, 1981.
GEISLER, Normam e NIX,
William. Introdução Bíblica – Como a
Bíblia Chegou Até Nós. São Paulo: Ed.
Vida, 1997.
RYRIE, Charles
Caldwell. Estudo da Bíblia, Expandida. Edições Moody, 1999, p. 1498.
[1]
Normam Geisler faz uma breve diferenciação entre o processo de canonicidade do
VT e do NT, conforme segue: “A história do cânon do Novo Testamento difere da
do Antigo em vários aspectos. Em primeiro lugar, visto que o
cristianismo foi desde o começo religião internacional, não havia comunidade
profética fechada que recebesse os livros inspirados e os coligisse em
determinado lugar. Faziam‑se coleções aqui e ali, que se iam completando, logo
no início da igreja; não há notícia, todavia, da existência oficial de uma
entidade que controlasse os escritos inspirados. Por isso, o processo mediante
o qual todos os escritos apostólicos se tornassem universalmente aceitos levou
muitos séculos. Felizmente, dada a disponibilidade de textos, há mais
manuscritos do cânon do Novo Testamento que do Antigo. Outra diferença entre a história do
cânon do Antigo Testamento, em comparação com a do Novo, é que a partir do
momento em que as discussões resultaram no reconhecimento dos 27 livros
canônicos do Novo Testamento, não mais houve movimentos dentro do cristianismo
no sentido de acrescentar ou eliminar livros. O cânon do Novo Testamento
encontrou acordo geral no seio da igreja universal” (GEISLER e NIX, 1997, p. 99).
[2] Norman Geisler também se refere a estes
cinco critérios básicos, mas com outras formulações: 1) O livro é autorizado –
afirmar vir da parte de Deus? 2) É
profético – foi escrito por um servo de Deus?
3) É digno de confiança – fala a verdade acerca de Deus, do homem, etc....? 4) É dinâmico – possui o poder de Deus que
transforma vidas? 5) É aceito pelo povo
de Deus para o qual foi originalmente escrito – é reconhecido como proveniente
de Deus? Ver o comentário de cada um
destes critérios em sua obra (GEISLER e NIX, 1997, 66-71).
[3] No sentido lato sensu, um autógrafo
refere-se a um manuscrito original de um autor, ou seja, um manuscrito original
escrito pelas mãos de Moisés, de Mateus, de Paulo, etc.
[4] Ainda segundo Cullmann (ano, p. 115,
117): “A elaboração do cânone do Novo Testamento foi, portanto, o fruto de um
processo que, até a fixação final, estendeu-se sobre vários séculos. Mas o fato decisivo é a aparição da ideia do cânone. Este momento importante situa-se nas
proximidades dos anos 140-150. Então a
Igreja reconheceu que ela sozinha não podia mais controlar as tradições que
pululavam, e então submeteu toda a tradição a uma norma superior, a tradição apostólica, fixada em escritos
determinados que, só esses, teriam valor canônico. Eis porque o caráter apostólico atribuído,
com ou sem razão, a um escrito não deixou de influir sobre a escolha que foi
feita. ... O apóstolo tem, na Igreja, uma função única que não se repete mais:
ele é testemunha ocular. Por conseguinte, somente os escritos tendo
por autor um apóstolo ou discípulo de apóstolo, são reputados como garantia da
pureza do testemunho cristão. .... Essas discussões, sem dar-se por encerradas
definitivamente, foram concluídas, a
grosso modo, no Oriente (com exceção da Síria) e no Ocidente, pelo fim do
século IV. As datas decisivas são, para
o Oriente, a 39ª carta Pascal de Atanásio, em 367, e para o Ocidente, o Sínodo
de Roma de 382 e os Concílios africanos de Hipo (393) e de Cartago (397)” Para
uma abordagem histórica ver também (GOODSPEED, 1981).
Que legal seus estudos, continue. Abraço.
ResponderExcluirGrato pelas palavras animadoras. Sendo possível divulgue o blog.
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