quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

PÁSCOA: Discípulos de Emaús - da Decepção para a Alegria (Lucas 24.13-35)



            O professor Jean Guitton, em seu comentário da narrativa evangélica escrita por Lucas, chegando nesta passagem disse: “Se tivesse que dar todo o Evangelho por uma única cena na qual estivesse todo ele resumido, eu dificilmente duvidaria, escolheria a cena dos discípulos de Emaús.
As palavras deste distinto professor, expressa de maneira extraordinária a riqueza teológica deste texto evangélico que narra o encontro do Jesus Ressuscitado com dois de seus discípulos, que voltavam para seu vilarejo chamado Emaús.
Nessa série que iniciamos vamos poder acompanhar esses dois discípulos e percebendo as diversas etapas que demarcam sua jornada; haveremos de aprender com eles o real significado da vida cristã; os percalços do inicio de sua caminhada se contrasta como o resultado final desta jornada – da triste para alegria; da frustração e decepção para a viva convicção e esperança! Esse é o caráter paradoxal da jornada da fé de todo cristão genuíno.
Inicio do Retorno
            Enquanto nos primeiros raios de sol, sem que a escuridão da noite tenha se dissipado completamente, as mulheres se preparam e saem em direção ao túmulo para oferecerem suas últimas homenagens ao Mestre Amado, cujo corpo tinha sido tirado às pressas da cruz (nos últimos minutos antes de se iniciar o Sábado, onde nada poderia ser feito) e depositado em um sepulcro emprestado.
            Nesse exato momento dois discípulos também haviam acordado (se é que conseguiram dormir) e se preparam para sair de Jerusalém e retornarem para suas casas na vila de Emaús. Toda esperança da libertação de Israel que havia acalentado seus corações e os tinha entusiasmado durante o tempo que conviveram com Jesus foram sepultadas com Jesus no túmulo; lentamente eles atravessam os portões de Jerusalém, ainda ouvindo o ressoar dos gritos de Hosana, Hosana que a multidão entoou quando Jesus entrara na cidade no domingo anterior; a cada passo se distanciam da cidade, pois só lhes resta retomarem suas vidas e suas famílias.
            Mas seu "êxodo" às avessas torna-se, paradoxalmente, uma verdadeira "páscoa". O encontro com o Jesus ressuscitado vai operar em Cléopas e em seu companheiro uma experiência profunda e transformadora: da cegueira para a iluminação, do afastamento para a aproximação, da ruptura para a comunhão, do coração frio e vazio para o coração ardente e transbordante. Essa mesma experiência transformadora se realizará em nós com certeza absoluta quando nos deixamos acompanhar por Jesus e por Suas palavras que aquecera o coração e a alma – por mais abatidos ou decepcionados que possamos nos sentir.
O Texto Narrativo
            Tanto do ponto de vista literário como do ponto de vista teológico, o relato da aparição de Jesus aos discípulos de Emaús é um dos mais belos e ricos de todos os relatos evangélicos sobre as aparições de Jesus após sua Ressurreição. Podemos levantar uma perguntar: por que o evangelista dá tanta importância à aparição do Senhor a dois discípulos desconhecidos e dos quais não voltará a falar no livro de Atos?
Uma boa resposta em concordância com a proposta narrativa de Lucas é que a experiência desses dois discípulos é a experiência de todos os demais discípulos em todo o tempo e lugar. Fortalece essa nossa resposta pelo simples fato de que o companheiro de Cléopas por ser um discípulo anônimo (ficamos sem saber seu nome) facilita a identificação do leitor com eles (pois este companheiro desconhecido – poderia ser EU ou VOCÊ ou cada UM de NÓS).
O Evangelista Lucas narra a "história" de tal maneira que a atenção e a tensão do leitor, despertadas no início, são mantidas, num crescendo contínuo, até o fim. Desde o início do relato (v. 15), o leitor sabe que o peregrino que se aproxima dos dois discípulos é Jesus; para eles, porém, é apenas mais um viajante desconhecido (v. 16), que só será reconhecido no fim do relato (v. 31).
Deste modo, Lucas acaba por conduzir também o leitor (eu-você) a vivenciar, com os dois discípulos, a experiência do encontro e do diálogo com o Senhor ao longo do caminho e a experiência do seu reconhecimento no fim do caminho.
Um dos recursos narrativos utilizado pelo evangelista para dramatizar o relato é o dos contrastes de situações em que se encontram os protagonistas no início e no fim. O reconhecimento de Jesus, por parte dos dois discípulos, que é esperado desde o início da narrativa (v. 16), mas que somente acontece no fim (v. 31), será a causa ou razão de uma verdadeira reviravolta na mente, no coração e no restante da vida daqueles dois discípulos:           a situação em que se encontram no fim (vv. 31-33.35) está no extremo oposto da que é descrita no início (vv. 13-16).
Desta forma, na medida em que o leitor torna-se participante da experiência daqueles dois discípulos, também poderá dizer, no fim, que seu coração ardia quando ouvia a explicação das Escrituras feita por Jesus ao longo do caminho (v. 32). Na mesma proporção em que o leitor se identifica, com os dois discípulos ao longo da leitura e estudo do texto, poderá se sentir coparticipante desta mesma jornada percorrida pelos dois discípulos de Emaús.
Aspectos Teológicos
Nesta narrativa da aparição de Jesus Ressuscitado aos discípulos de Emaús temos os três momentos ou etapas que são necessários (podemos dizer indispensáveis) para que alguém se torne de fato e de verdade um verdadeiramente discípulo:
1º) o diálogo no caminho de Jerusalém até Emaús, ao longo do qual o viajante (Jesus) ainda desconhecido explica aos discípulos as Escrituras, fazendo com que superem o escândalo da cruz - o conteúdo dessa primeira etapa pode ser visto como uma longa aula sobre o mistério pascal (paixão/morte/ressurreição) de Jesus (vv. 13-27);
2º) o segundo momento, no qual o relato atinge seu ápice/clímax, é o do reconhecimento de Jesus pelos dois discípulos em Emaús, na hora de partir e repartir o pão (vv. 29-32);
3º) a terceira etapa é a do retorno dos discípulos para Jerusalém, "na mesma hora", e a do anúncio da Ressurreição do Senhor; que ao se encontrarem com os Onze e seus companheiros   "os evangelizadores foram, por sua vez, evangelizados por seus companheiros”, que lhes disseram: "Verdadeiramente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!" (vv. 33-35).
Já enfatizei a importância e a riqueza teológica do recurso literário das oposições e contrastes entre o início e o fim do relato. Elas demonstram a conversão/transformação radical operada nos discípulos pelo encontro pessoal com o Senhor Jesus e revelam também as características paradoxais da Fé Salvadora. Nos próximos textos destacaremos e estudaremos cuidadosamente as cenas em que aparecem esses contrastes e paradoxos; agora, porém, importa apreciarmos todo sabor deste banquete teológico.
O relato começa com o afastamento dos dois discípulos de Jerusalém e do grupo dos Onze (v. 13) e termina com o retorno para Jerusalém, onde estão "reunidos os Onze e seus companheiros" (vv. 33-35). No início, Jesus toma a iniciativa de aproximar-se dos discípulos (v. 15) e de dialogar com eles (v. 17), mas só é reconhecido no fim (v. 31); e logo depois de dar-se a conhecer, deixa de ser visto por eles (v. 31).
No inicio do caminho seus passos são lentos e pesados com a carga extra de decepção e da falta de esperança que oprime seus corações; seus rostos estão tristes e sombrios (v. 17); por esta razão seus olhos estão cegados de maneira que ficam temporariamente "impedidos de reconhecê-lo" (v. 16). Quando tiveram “seus olhos abertos” então “o reconheceram” (v. 31); eles se recordam de como seus corações ardiam no caminho, quando lhes explicava as Escrituras (v. 32), então "na mesma hora", no meio da noite, voltam correndo para Jerusalém, com o coração em brasas e a mente iluminada,       para restaurar a comunhão e partilhar com os companheiros o que VIRAM, OUVIRAM E SENTIRAM no encontro com o Senhor.
O caminho dos dois discípulos se constitui na verdadeira "páscoa", isto é, uma passagem de uma situação de incredulidade, para uma fé convicta; do lamento para a alegria incontida; da frustração para uma viva esperança! De um coração vazio e endurecido pelos acontecimentos trágicos, para um coração transbordante e fecundado de boas novas de alegria!
A Finalidade da Narrativa
Lucas tem como propósito primário responder algumas perguntas que os seus leitores estavam fazendo, visto que sua narrativa começa a circular uns vinte anos depois destes acontecimentos: Por que o Jesus ressuscitado, não se manifesta? Por que nossos olhos são incapazes de vê-lo? Por que nossos corações são tão lentos para crer? E com estes acontecimentos de Emaús - Lucas oferece algumas respostas a estas questões levantadas:
- Para ver e reconhecer o Senhor Jesus Ressurreto, é necessário ouvir continuamente o testemunho das Escrituras;
- Não basta, porém, ouvir. Para compreendermos as Escrituras, é necessário que elas nos sejam explicadas pelo próprio Jesus, agora ressuscitado (por meio do Espírito Santo);
- E à luz dessa explicação do mistério de sua morte e ressurreição, os discípulos compreendem que o mistério pascal de Jesus se relaciona diretamente com a eles;
- Reconhecendo que Jesus, o crucificado, ressuscitou, fazem também eles da Fé, a experiência do encontro com aquele que Venceu a Morte por eles.
            O relato dos discípulos de Emaús revela-nos ainda que: o conhecimento de Jesus Cristo, a comunhão, companheirismo e amizade com ele, o fazer parte da comunidade dos discípulos e o testemunho de sua ressurreição são progressivos.
            Para Conhecer o Senhor é necessário caminhar (sempre a ideia de vivência) com Ele; escutar atentamente e continuamente Sua palavra; sentar-se à Mesa com Ele e deixar que Ele parta e reparta o Pão da Vida.
            Mas não se pode estacionar aqui, ainda que seja desejável estar somente com Jesus (Monte da Transfiguração) é preciso como os dois discípulos de Emaús compartilhar as boas novas com os demais e juntos professar a fé comum: “Verdadeiramente o Senhor Ressuscitou”.  
            Esse caminho único e inevitável, estreito, espinhoso e pedregoso da incredulidade para a fé tem que ser percorrido em sua integridade, sem atalhos ou facilidades (talvez essa seja a grande ilusão dessa geração hedonista). O Caminhar de cada um trás suas características peculiares (não há conversão igual) e são essas características que constrói nossa relação pessoal com Jesus e a perenidade e profundidade dessa convivência com Ele.

           
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas
ÁLVARO BARREIRO, SJ. O itinerário da fé pascal. São Paulo: Edições Loyola, 2005. (4ª edição – revista e ampliada).
ASH, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas. Tradução Neyd V. Siqueira. São Paulo: Editora Vida Cristã, 1980.
BETTENCOURT, Estevão. Para Entender os Evangelhos.  Rio de Janeiro: Agir, 1960.
CARSON D. A., DOUGLAS, J. Moo & MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.
CASALEGNO, Alberto. Lucas – a caminho com Jesus missionário. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado – versículo por versículo, v. II. São Paulo: Millenium, 1987.
________________________. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.3. São Paulo: Candeia, 1995.
LEAL, João. Os Evangelhos e a Crítica Moderna. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1945.
MAGGIONI, Bruno. Os relatos evangélicos da Paixão. Tradução Bertilo Brod. São Paulo: Paulinas, 2000. (Coleção: Espiritualidade sem fronteiras).
MORRIS, Leon L. Lucas – introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 2008. [Série Cultura Cristã].
TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento - sua origem e análise, 2a ed. São Paulo: Vida Nova, 1972.
Walker, Peter. Pelos Caminhos de Jesus. São Paulo: Ed. Rosari, , 2007.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Os Salmos e as Escrituras do Segundo Testamento



De todas as literaturas do Primeiro Testamento certamente os Salmos são os mais citados na literatura do Segundo Testamento. Isso é significativo e uma indicação divina da grande importância dessas poesias/cânticos inspiradas. Abaixo mencionamos uma lista de citações como encontradas no Segundo Testamento, bem como passagens onde os Salmos são indicados pelos autores neotestamentários de uma forma subentendida. Ao todo, cerca de 50 Salmos são direta e indiretamente citados e aludidos nas literaturas neotestamentárias.

Citações Diretas
Mateus 4.6 (Salmo 91.11)[1]
Mateus 13.35 (Salmo 78.2)
Mateus 21.42 (Salmo 118.22)
Mateus 27.43 (Salmo 110)
João 2.17 (Salmo 69.9)
João 6.31 (Salmo 78.24,25)
João 7.42 (Salmo 132. 11)
João 10.34 (Salmo 82.6)
João 13.18 (Salmo 41.9)
João 15.25 (Salmos 35.19; 49.4)
João 19.24 (Salmos 22.18)
João 19.28 (Salmo 69.21)
João 19.36 (Salmo 34.20)
João 20.17 (Salmos 22.17)
Atos 1.20 (Salmo 69.25)
Atos 1.16 (Salmo 41.9)
Atos 2.25 (Salmos 16.8)
Atos 2.34 (Salmo 110.1)
Atos 4.25 (Salmo 2.1,2)
Atos 13.33 (Salmo 2.7)
Atos 13.35 (Salmo 16.10)
Romanos 3.4 (Salmo 51.4)
Romanos 3.12 (Salmo 14.2)
Romanos 3.13 (Salmo 140.3)
Romanos 4.6 (Salmo 32.1,2)
Romanos 11.9,10 (Salmo 69.22,23)
Romanos 15.10 (Salmos 117.1)
Efésios. 4.8 (Salmo 68.18)
2 Coríntios 4.13 (Salmo 116.10)
Hebreus 1.10-12 (Salmo 102.25-27)
Hebreus 1.8-9 (Salmo 45.6-7)
Hebreus 1.13 (Salmo 110.1)
Hebreus 2.6 (Salmo 8.4)
Hebreus 4.3 (Salmo 95.11)
Hebreus 4.7 (Salmo 95.7)
Hebreus 5.6 (Salmo 110.4)
Hebreus 7.17 (Salmo 110.4)
Apocalipse 2.27 (Salmo 2.9)

Citações Indiretas (alusivas)
Salmo 2.7-9 em Hebreus 1.5 e Apocalipse 2.27
Salmos 4.4 em Efésios 4.26
Salmo 6.8 em Mateus 7.23
Salmos 8.2 em Mateus 21.16
Salmos 7.6 em 1 Cor. 15.25-27
Salmo 9.8 em Atos 17.31
Salmo 19.4 em Romanos 10.18
Salmos 22.1 em Mateus 27.46
Salmos 22.21 em 2 Tim. 4.17
Salmo 24.1 em 1 Coríntios. 10.26
Salmos 27.1 em Hebreus 13.6
Salmo 34.8 em 1 Pedro 2.3
Salmo 40.6-8 em Hebreus 10.5-7
Salmo 41.9 em Marcos 14.18 e João 13.18
                                              Salmo 48.2 em Mateus 5.35
Salmo 50.14 em Hebreus 13.15
Salmo 55.22 em 1 Pedro 5.7
Salmo 56.4 em Hebreus 13.6
Salmo 69.21 em Marcos 15.36
Salmo 79.6 em 2 Tessalonicenses 1.8
Salmo 89.27, 37 em Apocalipse 1. 5 e 3.14.
Salmo 97.6 em Hebreus 1.6
Salmos 104.4 em Hebreus 1.7 ss.


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Guedes, Ivan Pereira
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Referências Bibliográficas
ARNOLD, Bill T. e BEYER, Bryan E. Descobrindo o Antigo TestamentoSão Paulo: Cultura Cristã, 2001.
BAXTER, J. Sidlow. Examinai as Escrituras, v.3, São Paulo: ed. Vida Nova, 1993.
BEVINCK, Hermann. Teologia Sistemática. Tradução Vagner Barbosa. Santa Barbara do Oeste (SP): SOCEP, 2001.
CALVINO, João. O livro dos salmos. Tradução Valter Graciano Martins. São Paulo: Edições Parakletos, 2002.
CHOURAQUI, André. A Bíblia – louvores I (Salmos), v. 1. Tradução Paulo Neves. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1998. [Coleção Bereshit].
CONSTABLE, Thomas L. Expository Notes on Psalms. 
ELLISEN, Stanley A. Conheça Melhor o Antigo Testamento. Flórida: ed. Vida, 1991.
KIDNER, Derek. Salmos 73-150 – introdução e comentário, v. 14. São Paulo: Sociedade Vida Nova e Mundo Cristão, 1981. [Série Cultura Cristã].
LASOR, William S., Hubbard David A. e Bush, Frederic W. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1999.
MONLOUBOU, L. (Org.). Os salmos e os outros escritos. Tradução Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1996. [Biblioteca de ciências bíblicas]
PURLISER, W. T. O livro de Salmos, v.3 Tradução Valdemar Kroker e Haroldo Janzen. Rio de Janeiro: CPAD, 2005. [Comentário Bíblico Beacon, 2ª ed.].
SCHREINER, Josef. Palavra e mensagem do Antigo Testamento. Tradução Benôni Lemos. 2ª ed. São Paulo: Editora Teológica, 2004.



[1] Esta primeira citação sai da boca do próprio Satanás e revela que ele conhece a Palavra de Deus e a utiliza para seus próprios interesses malignos.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Páscoa: A cruz questionável (poesia)





SINAIS DE VIDA
A cruz é conspicuamente e inescapavelmente
Oposto a tudo que eu penso e vejo,
E eu devo confiar e estar disposto;
Quando em sua misericórdia há matança?
A cruz era repugnante e incongruente
Eu não podia aceitar isso, esse amor de sangue me tomando.
Esse mistério me possuiu, apesar de resistir,
Bondade de Deus para alguns, e para os outros vida terminando.
Então minha própria alma ficou ferida, a vítima de Deus,
No pensamento e no corpo, ainda decidido a fugir.
Um vento livre no mundo, contra a verdade soprando,
Como um pássaro em uma janela, eu poderia escapar sem saber.
As palavras do seu livro falavam profundamente, mas a justiça dele não foi solucionada,
Seu preço por absolvição que nenhum homem poderia apaziguar.
Então, Seu Filho pagou tudo, sem nenhum sentimento de perda
Ele colocou tudo no chão e depois subiu em uma cruz.
O final da história é realmente glorioso,
A justiça de Deus é severa e, no entanto, agora estamos livres.
Eu ainda estou neste mundo e me regozijarei em passar,
Estar perdido no amor de Cristo pela vida eterna.

Indy Watchman

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sábado, 16 de fevereiro de 2019

PASCOA – O Abandonado que nunca Abandonou (Mc 14.50-52)



            As narrativas referentes aos eventos da paixão (páscoa) são compartilhadas pelos quatro evangelistas e cada um deles destacam tais acontecimentos de maneira que ao lê-los conjuntamente temos um quadro riquíssimo em detalhes e peculiaridades.
            Outra característica e que todos eles ocupam mais páginas sobre esses últimos acontecimentos do que com outros momentos do ministério de Jesus. Por exemplo, o evangelista Marcos não trás uma única informação sobre o nascimento (natividade) de Jesus, iniciando sua narrativa a partir da pregação de João Batista e em seguida o batismo de Jesus que demarca o inicio do ministério terreno de Jesus. Mas mesmo Mateus e Lucas que relatam sobre o nascimento e infância o fazem de forma extremamente sucinta, enquanto João inicialmente relaciona Jesus à Criação e praticamente metade de sua narrativa refere-se à última semana de Jesus.      Assim, podemos claramente perceber que as narrativas sobre a paixão são de grande relevância para os quatro evangelistas.
            A sequência da prisão de Jesus é um dos acontecimentos tratados pelos quatro evangelistas. No caso específico de Marcos desde quando Jesus inicia sua última subida à Jerusalém eles são preparados para esses últimos acontecimentos culminando com sua prisão e morte (Mc 8.31; 9.31 e 10.33). Para os leitores posteriores desta narrativa isso era muito importante, visto que grande parte dos cristãos desde o inicio sofrem intensa perseguição, prisão e morte, primeira por parte das autoridades judaicas e depois pelo Império Romano – tomar conhecimento de que seu Salvador foi perseguido, preso e morto por seus algozes lhes trazia conforto e consolo em seus próprios sofrimentos.
            Como é característica de seu estilo narrativo Marcos é econômico nas palavras, mas rico nas imagens e ações de maneira que reproduz toda tensão que permeia esses últimos momentos de Jesus. Em apenas oito frases interligadas apenas pelas simples conjunções “e” (kai) e “mas” (dè) que expressam ações continuadas e adversativas, pois seu objetivo é revelar o contraste existente entre as varias ações aqui narradas. As sequências de ações desta perícope são: o sinal combinado de Judas com aqueles que deveriam prender Jesus (o beijo); a prisão, o gesto abrupto da espada e a fuga do jovem desnudado.[1]
            Até esse momento, mesmo atemorizados ou sem a plena compreensão do que esta por vir (dormem enquanto Jesus ora no Getsemâni), os discípulos permanecem próximos a Jesus. Mas o seu aprisionamento, abrupto para eles, porém não para Jesus que tinha consciência dos movimentos traiçoeiros de Judas Iscariotes e que antes que ele e a turba do Sinédrio, armados com paus e espadas e em grande número,[2] chegassem Jesus já estava preparado: “o meu traidor está chegando”... “Levantai-vos! Vamos!” (Mc 14.42); aqui temos um terrível divisor de águas entre os discípulos e Jesus – o abandono!
            A narrativa que se abre com a traição conclui-se com o abandono – “Então, abandonando-o, fugiram todos” (Mc 14.50). O evangelista é taxativo em afirmar que TODOS, sem exceção – abandonaram Jesus na hora derradeira. O evangelista e nós sabemos que Pedro e João ainda permaneceram seguindo-o, porém de longe. Mas em sua narrativa Marcos quer deixar claro que Jesus foi abandonado por todos seus discípulos – é na completa solidão que Jesus irá caminhar em direção à cruz.
            O evangelista na utilização de dois termos “abandonar” e “fugir” enfatiza a fuga dos discípulos. Aqui temos um contraste irônico: os mesmos discípulos que “abandonaram” – trabalho, família e tudo (Mc 1.18, 20 e 10.28) para seguirem a Jesus – agora são os mesmos que o abandonam. Eles tiveram a coragem inicial de abandonarem tudo, mas não conseguiram abandonar a si mesmos, tomados de medo por suas próprias vidas “fugiram” – os dois termos fazem o contraste do seguimento. Temos um hino antigo que revela bem esse quadro: “Quantos, que corriam bem, de Ti longe agora vão!” A contradição daqueles primeiros discípulos é o reflexo da nossa própria contradição – entre o que professamos e o que realmente fazemos. O apóstolo Paulo vivenciou esse contraditório em sua própria vida – as coisas boas e certas eu não faço, mas as coisas ruins e erradas eu faço – miserável homem que sou!
            Na continuidade da leitura da narrativa de Marcos e demais evangelistas, descobrimos que esta contradição somente será resolvida pela graça de Jesus, que mesmo tendo sido abandonado JAMAIS abandou seus discípulos – ao abandono Ele responde com um NOVO chamado. Ele já havia predito esse reencontro algumas horas antes: “Todos vós vos escandalizareis, porque está escrito: Ferirei o pastor e as ovelhas se dispersarão.” MAS, depois que eu ressurgir, eu vos precederei na Galileia” (Mc 14.27-28).”
            Essas palavras de Jesus revelam não apenas uma predição, mas também uma promessa – esse afastamento não era definitivo – todos os discípulos o abandonaram, mas Jesus jamais os abandonou. É com base em sua própria fidelidade e não das deles que se encontra a certeza absoluta de um reencontro permanente e definitivo – “Estarei com vocês todos os dias”.
            Mas agora é tempo de abandono, já manifestado no fato de que enquanto Jesus ora intensamente, eles dormem – e agora diante da prisão, eles fogem amedrontados. Mas tudo isso acontece por uma única razão: “para que as Escrituras se cumpram” (Mc 14.49). Nada do que está acontecendo é coincidência ou casualidade; tudo e cada detalhe complexo ou simples envolvendo os acontecimentos da Paixão estão dentro da moldura da vontade soberana de Deus, que é na verdade o grande protagonista dessa História. Entre as Escrituras antigas e os fatos evangélicos não existem contradições ou rupturas; a Cruz foi e continua sendo o ponto de convergência de toda a Escritura – Jesus sabia disso desde o princípio e caminhou firme e obediente ao encontro da cruz.
            O verbo “cumprir” (pleroo – literalmente, “encher”) é utilizado apenas aqui por Marcos e trás a ideia de um recipiente que está sendo preenchido até completar – portanto, a Paixão não apenas se conforma com as Escrituras, mas é a plena conclusão delas. Sem a Cruz o projeto salvífico de Deus ficaria incompleto – um projeto interrompido. E aqui o verbo está no passivo (“sejam cumpridas”), deixando claro que Aquele que as cumpre, não é os discípulos, mas o próprio Deus. O evangelista não especifica uma passagem, mas abrange todas as Escrituras, pois na realidade, os eventos da Paixão expressam o cumprimento de todas as Escrituras e não apenas de uma ou outra passagem messiânica.
            Toda a cena ocorre à luz tênue do luar e das tochas acesas; aqui temos a manifestação da maldade humana que se manifesta na violência da turba que com espadas o prendem; o medo que acovarda e se revela na fuga e abandono dos discípulos; mas realça-se o cumprimento de todo o desígnio do Pai e a perfeita submissão do Filho:
                        A traição de Judas e a violência dos guardas
                                    A plena submissão de Jesus aos desígnios do Pai
                        O abandono e a fuga dos discípulos
            Nesse pequeno quadro da coleção da Paixão temos como moldura a manifestação da natureza corrompida do ser humano e no centro irradiação do amor imensurável de Deus. Não é um quadro fácil de contemplar: a traição, a violência e o abandono  tornam-se o pano de fundo que coloca em evidência a extraordinária obediência e entrega de Jesus.
            Mas a narrativa (quadro) tem como objetivo deixar claro ao que lê (contempla) que Jesus é concomitantemente objeto e protagonista – as duas faces da Paixão: Jesus está traído, preso e abandonado, entretanto, Ele é o protagonista (não a traição do Iscariotes, não a violência dos guardas; não o abandono dos discípulos), pois são as palavras de Jesus que ecoam e iluminam toda a cena – como declara um dos nossos hinos: mas seu amor aos homens perdidos, das maravilhas é sempre a maior!

Reflexões

- O abandono em relação aos discípulos: eles revelam toda fragilidade humana diante das adversidades da vida. As convicções teológicas são reveladas quando a morte se manifesta. A debanda deles revela também que não haviam compreendido a mensagem do Evangelho de Jesus – no caminho suas discussões eram sobre que tipo de vantagem teria no Reino a ser instaurado por Jesus e qual deles receberia maiores honras (qualquer semelhança com o evangelicalismo brasileiro não é mera coincidência). A falsa percepção dos valores do Reino e da mensagem do Evangelho tornam tais pessoas presas fáceis de suas próprias concupiscências e das ilusões do diabo. Todos os “impérios” eclesiásticos são distorções da proposta original de Jesus. O abandono deles também revela que não há qualquer mérito pessoal em relação à salvação, pois todos, até mesmo os mais íntimos do grupo apostólico, o abandonaram.
- O abandono em relação a Jesus: aqui podemos ver em duas vertentes – intensifica seu sofrimento, pois seus discípulos receberam toda sua atenção, afeição, foram testemunhas oculares de seus milagres, ouviram em primeira mão seus ensinos e em diversas ocasiões anteriores reiteraram sua fidelidade a Ele, mas no momento decisivo – todos o abandonaram! Jesus sente a dor da traição de Judas; das reiteradas negações de Pedro; das dúvidas de Tomé e do abandono de todos eles. Mas por outro lado, a cena revela o imensurável amor de Jesus! Mesmo as maiores decepções e ingratidão puderam diminuir seu amor pelos seus – “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”. Desta forma ninguém pode dizer que seus pecados são grandes demais ou que seu coração é demasiadamente depravado que não possa ser alcançado pela graça salvadora de Jesus Cristo. Até mesmo para aqueles que o abandonaram recebem uma palavra de esperança: logo após sua ressurreição, suas primeiras palavras são plenas de ternura e amor, sem qualquer traço de ressentimento – disse Ele a Maria Madalena, "vá a meus irmãos e diga-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai; para o meu Deus e vosso Deus”. E para as outras mulheres: “Ide, dize a meus irmãos que se dirijam para a Galileia e lá me verão”.
- Jesus é o nosso modelo: aprendamos com Jesus a dependermos mais do Pai do que das pessoas; a depender menos das circunstâncias externas e mais da graça de Deus; a continuarmos amando nossos amigos mais fiéis, mesmo quando não conseguirem nos entender e até mesmo se afastarem momentaneamente de nós. Lembremo-nos diariamente de que o nosso único Amigo que jamais falará conosco e jamais nos abandonara é Jesus Cristo!

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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[1] É muito interessante que apenas neste evangelho de Marcos encontramos a inclusão deste aspecto incomum, o que faz muitos comentaristas a concluírem de que Marcos deveria estar contando a história porque ele é esse jovem.
[2] Mc fala em “uma multidão” (ochlos), um vocábulo grego genérico que indica multidão e anonimato e aqui trás ideia de um grupo numeroso e reunido às pressas, certamente convocados pelos três grupos que compunham o Sinédrio (chefes dos sacerdotes, escriba e anciãos) em conformidade com as narrativas anteriores (Mc 8.31; 9.31 e 10.33-34).