segunda-feira, 18 de setembro de 2023

A Genuína Espiritualidade é Vivencial e não Retórica

          O que é ser espiritual? Poucos são aqueles que realmente compreende o significado bíblico de espiritualidade. Para muitos uma pessoa espiritual é aquela que vive uma vida monástica, que renuncia a tudo que possa dar qualquer satisfação pessoal. Uma pessoa que passa horas orando, jejuando, lendo a bíblia, ainda que tal prática não seja ruim. Os fariseus e religiosos dos dias de Jesus jamais o classificariam como um homem espiritual, ao contrário, o chamavam de beberrão e comilão.

Mas um agravante mais perigoso é aquele pensamento de que ser espiritual é viver sem pecar, como se algum ser humano “gerado em pecado e vivendo acercado de pessoas pecadoras”, pudesse alcançar tal objetivo (o profeta Isaías tinha plena consciência desta realidade humana). Somente Jesus Cristo nasceu e viveu sem pecar, de maneira que ele possuía o potencial inerente da genuína espiritualidade, pois ele é o próprio Deus.

A conversão não transforma homens e mulheres pecadoras em anjos. O convertido recebe uma nova natureza que o capacita a desenvolver uma espiritualidade que até então estava mortificada. Esta nova vida de origem espiritual precisa agora ser desenvolvida – o que comumente chamamos de espiritualidade. Mas isso não é feito sem as deficiências da e conflitos permanentes com a antiga e primária natureza adâmica, como tão bem o apostolo Paulo compartilha conosco em suas correspondências.

Mas nem Jesus, Isaías ou Paulo desenvolveram sua espiritualidade se alienando da convivência familiar ou da vida em sociedade. Durante seu ministério terreno Jesus conviveu continuamente com todo tipo de pessoas, e em apenas algumas ocasiões e por pouco tempo ele procurava o silêncio da solidão para falar mais intimamente com o Pai.

Isaías exerceu seu longo ministério profético em meio a um povo empedernido e hostil que rejeitava abertamente sua mensagem. Paulo enfrentou todo tipo de perseguição e foi na maior parte do tempo mal compreendido seja por parte de judeus ou não judeus. Ele orienta especificamente aqueles que são casados, para que não deixem suas responsabilidades conjugais e familiares para buscarem uma espiritualidade mais profunda. Ambos souberam buscar e desenvolver uma espiritualidade, sem negligenciarem suas vidas cotidianas.    

A Verdadeira Espiritualidade é Vivencial e não Retórica.

          A leitura bíblica evangélica modernista e pós-moderna compartimentou a espiritualidade a alguns momentos cúlticos ou ocasiões especificas. Perdeu-se a conectividade com a dinâmica da vida. A bíblia e a espiritualidade não se relacionam com o resto de nossas experiências, desejos e hábitos.

          Precisamos urgentemente recuperar aquela espiritualidade vivencial registrada nas páginas de nossa bíblia e exemplificada na vida de Jesus. A espiritualidade bíblica nos ensina como experimentar a plenitude de nossa humanidade no reino de Deus. Jesus nos ensina o que é bom, correto e belo e oferece respostas para as grandes questões da vida: o que significa ser humano, como ser feliz, como ordenar nossas emoções e como devemos conduzir nossos relacionamentos. Espiritualidade não é uma fuga da realidade, mas estruturação para enfrentar todas e quaisquer circunstâncias na e da vida.

          O Evangelho de uma espiritualidade vivencial proposto por Jesus tem sido transformada em silogismos áridos e abstratos. O Evangelho de Jesus é Encarnacional, holística e reveladora. Para desenvolvermos uma espiritualidade genuína que nos estrutura para vivermos contentes em toda e qualquer circunstâncias é preciso antes de mais nada nos reencontrarmos com o Jesus que emana das páginas evangélicas. Jesus é o mesmo e o seu Evangelho também.

          Precisamos redescobrimos nossa identidade com Jesus, a fim de que possamos desenvolver e/ou cultivarmos uma espiritualidade que possa oferecer resposta à falta de sentido e confusão sentida por aqueles que tem procurado em conceitos que não podem trazer satisfação duradoura para suas vidas.

          A pandemia escancarou a fragilidade física, emocional e espiritual das pessoas. Para podermos ser referência e resgatar estas pessoas é necessário que desenvolvamos a nossa espiritualidade de forma bíblico vivencial.

          Parafraseando a exortação de Jesus aos discípulos – se a nossa espiritualidade não exceder em muito a dos escribas e fariseus, não poderemos ser chamados de seus discípulos. Ser espiritual é encarnar o Evangelho de tal maneira que a nossa mente e corpo, emoções e ações, possam refleti-lo em todo o tempo e o tempo todo.

          A genuína espiritualidade é um estilo de se viver neste mundo em decomposição. Não posso “ser espiritual” em alguns dias do ano ou em alguns momentos da vida. O nosso ser deve expressar espiritualidade desde a hora que acordamos até a hora que vamos dormir; trezentos e sessenta e cinco dias por ano; sem férias ou feriados; nos tempos de pastos verdejantes e águas tranquilas ou nos períodos dos vales tenebrosos.

          Na mesma proporção que a nossa retórica religiosa (reformada ou arminiana) se tornar vivencial haveremos de impactar os nossos relacionamentos interpessoal-familiar-social. É que seremos faróis para todos aqueles que vivem desesperados e sem esperança neste mundo tenebroso.

          Abrirmos mão desta espiritualidade vivencial é abrirmos mão do Evangelho e da própria Vida.

 

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Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
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sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Evangelho Segundo Marcos. Três Grandes Eixos Temáticos


O Evangelho escrito por João Marcos pode ser o menor entre as quatro narrativas evangélicas, todavia seu conteúdo é tão abrangente quanto ao dos seus colegas. E uma característica peculiar dele é o seu ritmo empolgante. Nele encontramos um Jesus Cristo em constante ação e movimento. A ideia é de que Jesus tinha plena consciência do pouco tempo, para tanto que Ele tinha a realizar.

Muitos estudiosos, entre os quais eu me incluo, entendem que esse foi a primeira narrativa a circular entre as comunidades cristãs espalhadas por quase todo território do Império Romano. E seu propósito é oferecer um material seguro para os novos cristãos, principalmente aqueles que não tinha nenhum conhecimento da região da Palestina Judaica e menos ainda do conteúdo das Escrituras do Primeiro Testamento (Antigo Testamento).

Outro proposito é de oferecer um material seguro para que esses novos cristãos não viessem a serem iludidos por outras versões apócrifas que já começavam a circular ou mesmo das transmissões orais que corriam o grande perigo de aumentarem ou minimizarem os acontecimentos relacionados a Jesus Cristo e seu ministério.

Por fim, João Marcos, assim como seus três companheiros evangélicos, quer deixar claro para seus leitores neófitos que tudo que envolve a pessoa e obra de Jesus nunca foram aleatórios, mas tudo e todos os detalhes estão vinculados e subordinados ao Projeto Salvífico estabelecido por Deus e registrados nas Escrituras veterotestamentária. Seus milagres, seus ensinamentos em forma parabólico ou discursos diretos (sermões), incluindo todos os detalhes da sua morte e ressurreição expressão em grau, gênero e número seu compromisso com a vontade do Pai.

João Marcos utiliza três eixos narrativos que se amalgamam ou se entrelaçam como fios coloridos nos proporcionando um texto colorido e lindo, conforme abaixo podemos perceber.

TRÊS EIXOS NARRATIVOS

Milagres

Ensinos Parabólicos

Discursos e/ou Sermões

1. Libertação endemoniado Cafarnaum 1.23-28

2. Cura da sogra de Pedro1.29-31

3. Cura de um leproso 1.40-45

4. Cura de um paralítico 2.3-12

5. Cura de uma mão ressequida 3.1-5

6. Domínio sobre uma tempestade 4.35-41

7. Libertação do endemoniado de Gadara 5.1-20

8. Ressurreição da filha de Jairo 5.22-24,35-43

9. Cura de uma mulher com um problema de fluxo de

sangue 5.25-34

10. Alimentação de cinco mil pessoas 6.35-44

11. Caminhando no mar 6.45-52

12. Cura da filha da mulher Sirofenícia 7.24-30

13. Cura do Homem Surdo e Mudo 7.31-37

14. Alimentação de Quatro Mil 8,1-9

15. Cura do Cego em Betsaida 8.22-26

16. Livramento do Menino Lunático 9.14-29

17. Cura do cego Bartimeu 10.46-52

18. Maldição da Figueira 11.12-14

1. Pescadores de Homens 1.16-17

2. O doente e o médico 2.17

3. O Noivo 2.19-20

4. Pano Novo e Velho 2.21

5. Vinho Novo e Barril Velho 2.22

6. O Reino Dividido 3.24

7. A Casa Dividida 3.25

8. Superando o Homem Forte 3.27

9. O Semeador 4.2-8

10. A Lâmpada 4.21-22

11. A Semente crescendo secretamente 4.26-29

12. Grão de Mostarda 4.30-32

13. Contaminação Interna 7.14-23

14. Membros Infratores 9.43,45,47

15. Lavradores perversos 12.1-9

16. A Pedra Rejeitada 12.10-11

17. A Figueira 13.28-29

18. O Porteiro 13.34-37

 

1. O Dia do Senhor 2.23-28

2. O Pecado Imperdoável 3.28-29

3. "Quem é Minha Mãe e Meu Irmão?" 3.33-35

4. Adoração Cerimonial 7.1-23

5. Condição para segui-lo 8.34 - 9.1

6. Humildade, Tolerância e Ofensas 9.33-50

7. Divórcio 10.1-12

8. Riquezas, Autos sacrifício e Recompensa 10.17-31

9. Verdadeira Grandeza 10.13-16,35-45

10. Fé e Oração 11.23-26

11. Tributos a César 12.13-17

12. A Ressurreição 12.18-27

13. Os Grandes Mandamentos 12.28-36

14. "Cuidado com os escribas" 12.34-40

15. Ofertas 12.41-44

16. A Segunda Vinda 13.1-27

17. A Instituição da Última Ceia 14.22-25

18. A Grande Comissão 16.15-18

 

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Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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terça-feira, 12 de setembro de 2023

Natividade: Advento e Natal são a mesma coisa?


          Na realidade não. O termo Advento é relacionado especificamente a todos os aspectos relacionados ao nascimento de Jesus Cristo encontrados na Bíblia. E o termo Natal é genérico e está conectado com todo o sistema comercial das festividades natalinas incluindo símbolos como o papai Noel e pinheiros que nada tem a ver com a história de Jesus Cristo.

Advento

O termo significa "vinda" ou "chegada". Para os que creem na Bíblia é frequentemente usado para se referir a todas as etapas relacionadas à primeira vinda de Jesus Cristo (Primeiro Advento). Desta forma uma aplicação teológica mais ampla refere-se à vinda de Jesus Cristo ao Mundo pela qual Deus empreende a salvação do ser humano pecador através de seu nascimento, vida, morte, ressurreição e ascensão. Igualmente, o termo Segundo Advento faz referência ao retorno de Jesus em glória no fim dos tempos.

Quando examinamos as Escrituras do Primeiro Testamente [Antigo Testamento] haveremos de encontrar inúmeras profecias que previam a primeira vinda de Cristo. Os Escritores do Segundo Testamento [Novo Testamento] vinculam o cumprimento destas profecias com a vida de Jesus Cristo. Esses textos proféticos podem ser agrupados de forma temática.

O nascimento de Cristo. Os escritores neotestamentários encontraram diversos aspectos relacionados ao nascimento de Cristo registrados na primeira parte da Bíblia. Cristo seria descendente direto da linhagem davídica (Cf. Sl. 110.1 com Mt. 22.43-44; Marcos 12.36; Lucas 20.42-43), mas distintamente de do rei Davi, seu DNA é de origem divina (Sl. 40.6-8/Hb. 10.5-9; Sl. 2.7/Atos 13.33 e Hb. 1.5; 5.5; Is. 7.14/Mateus 1.21-23). Em Miquéias encontra-se a predição do local de nascimento, Belém (Mq. 5.2 com Mt. 2.6; João 7.42). Vários profetas fizeram referências à oposição que o Messias enfrentaria ao nascer, como vista na tentativa de Herodes de matar todos os bebês em Belém (Os. 11.1/Mt. 2.15; Jr. 31.15/Mt. 2.16-18).

O precursor de Cristo. O Primeiro Testamento registra que o Messias seria precedido por um mensageiro que haveria de preparar a mente e corações das pessoas e se cumpre na vida de João Batista (Is. 40.3-5/Mt. 3.3; Marcos 1.3; Lucas 3.4–6; João 1.23; 3.1/Marcos 1.2; Lucas 7.27; 4.5–6/Mateus 11.14; 17.12; Marcos 9.12–13; Lucas 1.17).

O ministério de Cristo. Tudo que Jesus Cristo realizou no transcorrer de seu ministério terreno não foram aleatórios, mas cumprem uma agenda previamente estabelecida nas páginas veterotestamentárias: o Messias deveria ser um profeta (Dt. 18.15–16, 19/Atos 3.22–23; 7.37; Sl. 69.9/João 2.17; semelhantemente Mateus 21.12–16; Marcos 11.15–17; Lucas 19.45-47); começar seu ministério na Galileia (Is. 9.1-2/Mateus 4.15-16). Ele foi identificado como o Servo Sofredor do Senhor (Is. 53.4/Mateus 8.17; Isaías 61.1–2/Lucas 4.18–21; Isaías 53.12/Lucas 22.37; Isaías 53.3ss./Marcos 9.12; Lucas 18.32; 24.24–25, 46). Também apontaram para o sacerdócio eterno de Jesus (Sl. 110,4/Hb. 5,6; 7,17,21). Muitos textos profetizavam que o Messias seria um rei (Zc 9,9/Mt. 21,5; João 12.14–15).

A oposição de Cristo pelos judeus. As perseguições e oposições por parte das lideranças religiosas judaicas já estavam previstas: o Messias seria combatido e oprimido por seu próprio povo (Is. 6.9-10/Mateus 13.14-15; Marcos 4.12; Lucas 8.10; Isaías 53.1; 6.9–10/João 12.37–41; Sl 118.22–23/Mateus 21.42; Marcos 12.10–11; Lucas 20.17; Atos 4.11; 1 Pedro 2.7–18).

A traição de Cristo por Judas. Dois textos relacionam a traição do Messias por um amigo próximo (cf. Sl. 41.9/João 13.18; 17.12; Zc 11.12–13/Mt. 27.9–10; bem como Sl. 109.8; 69.25 e Atos 1.20).

A prisão e o abandono de Cristo. Os profetas do Antigo Testamento declararam que o Messias seria preso e depois abandonado por seus amigos e apoiadores (Cf. Zc 13.7/Mt. 26.30-31; Marcos 14.27).

A morte de Cristo. A morte violenta do Messias é mencionada em vários textos do Primeiro Testamento (Sl. 22.18/João 19.24; Sl. 22.15/João 19.28; Ex. 12.46; Nm 9.12; Sl 34.20/João 19.36; Zc 12.10/João 19.32; Isaías 53.7–9/Lucas 18.32; Atos 8.32–35; 1 Coríntios 15.3; Deuteronômio 21.23 com Gl 3.13).

A ressurreição de Cristo. O Novo Testamento também identifica textos se referem diretamente à ressurreição do Messias (Sl. 16.8-11/Atos 2.25-28; 2 Sam. 7.12-13/Lucas 18.33; 24.46; Os. 6.2/João 2.19-22; 1 Cor. 15.4).

A ascensão de Cristo. Não apenas o sofrimento de Cristo, mas também a sua glorificação são indicadas em sua ascensão para sentar-se à direita de Deus (cf. Sl. 110.1/Atos 2.34-35; Sl. 2.7/Atos 13.33-35; Sl. 68.18/Ef. 4.8).

          Portanto, o Advento abrange todas estas questões fundamentais para a genuína fé cristã. Declarar-se cristão implica em se crê em todas estas verdades relacionadas diretamente a Jesus Cristo.

          Os pseudos cristãos são todos aqueles que professam uma fé em Jesus Cristo, mas rejeitam várias, se não todas, as questões acima mencionadas. Desta forma a questão que não quer calar continua sendo a mesma desde os primeiros dias do Cristianismo: Você Crê em Jesus Cristo com todas as suas implicações bíblicas?

 

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Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
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Referências Bibliográficas

HAYS, J. Daniel, DUVALL, J. Scott e PATE, C. Marvin. Dictionary of Biblical Prophecy and End Times. Zondervan, 2007.

 

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Absalão e as Intrigas Palacianas no Reinado de Davi [Livro de Reis]

A leitura das narrativas históricas bíblicas pode ser tudo, menos monótona, nelas você encontra: amizade, lealdade, poder, traição, classe, ciúme, todas essas coisas sobre as quais tantos best sellers tratam. Todavia, uma das coisas mais extraordinárias das histórias bíblicas é que seus personagens não são fictícios, mas pessoas de carne e osso, pessoas que acertam e erram, de bom caráter e de caráter extremamente ruim. Absalão é uma das figuras mais intrigantes da narrativa veterotestamentária.

Não havia, porém, em todo o Israel homem tão belo e tão aprazível como Absalão;

desde a planta do pé até à cabeça não havia nele defeito algum 2Samuel 14.25.

Eles pegaram o corpo de Absalão e o atiraram numa cova;

sobre ela colocaram um monte de pedras 2Samuel 18.17.

Os dois textos destacados acima expressam toda contradição que envolve a vida deste homem. A narrativa envolvendo a vida dele (2 Samuel 15-18) revelam os bastidores palaciano do rei Davi. Um filho que recebeu todos os favores do pai, mas que por razões injustificáveis provoca uma das maiores rebeliões internas do reino de Israel. O contexto literário mais amplo (captos. 11-20) contém os ingredientes mais sórdidos registrados em toda as Escrituras.

Davi desde muito jovem esteve envolvido em questões complicadas, por muito tempo teve que viver como foragido, pois o rei Saul queria sua morte. Mas com certeza esse é o período mais conturbado de toda sua vida.

Absalão era o terceiro filho de Davi e certamente o mais popular entre a o povo.  Sua mãe também tinha descendência real – filha do rei Talmai de Gesur,[1] da região dos arameus, localizada ao norte de Israel, no lado oriental do chamado mar da Galileia[2]. Esse casamento de Davi, como tantos outros casamentos reais (Salomão que o diga), era uma fórmula de tratados internacionais entre respectivos governos.

Absalão é um típico exemplo daqueles que começam de forma excelente, mas acaba se perdendo e termina a vida de forma trágica. Como explicar isso?

Absalão é um personagem multifacetado: calculista e estrategista político, mas como todos possuía seu calcanhar de Aquiles. É tomado por forte indignação com o estupro violento de sua irmã Tamar, e a falta de atitude de seu pai: Davi que se recusa a disciplinar o agressor, Amnom (irmão mais velho de Absalão) e vai utilizar esta situação para produzir um dos maiores abalos sísmicos no reinado de Davi.

          Ainda que não justifique, os comportamentos anteriores de seu pai Davi explica muito as atitudes de Absalão. Há uma sequência calamitosa narrada no livro segundo Samuel (11-13).

Começa com o rei Davi se envolvendo com uma mulher casada e a engravidando e para piorar, tentando encobrir seus pecados acrescenta mais pecado ao tramar a morte de Urias, marido de Bate-Seba, colocando-o à frente da batalha para ser morto.

Mas Deus não passa a mão nem na cabeça daquele que é segundo Seu coração. O velho profeta Natã entra em cena e confronta o rei com seu pecado escandaloso. É mais ainda, anuncia que o “mal” brotara no próprio seio familiar de Davi.

Seguindo a narrativa de Samuel (2Sm 13), entra em cena Amnon, filho de Davi com a jezreelita chamada Ainoã (2Sm 3.2; 1Cr 3.1), em meio aos seus múltiplos casamentos (abertamente contrário aos princípios da Torah).

Amnon desenvolve uma paixão por sua meia-irmã (cujo irmão é Absalão), e o desfecho é terrível, pois ele acaba por violentar a jovem. As consequências deste ato condenável irão muito além da vingança pessoal por parte de Absalão, como fica evidente em suas palavras, comportamento e a ambiguidade na medida em que a história prossegue.

A vingança inicia-se com o dissimulado convite de Absalão ao seu irmão Amnon para um festival de tosquia de ovelhas, onde ele mata o irmão. Sabendo das consequências ele foge para casa de seu avô materno em Geshur, antigo desafeto de seu pai.

Davi decreta o exilio do filho, que fica proibido de retornar à Jerusalém. Mas uma trama sórdida elaborada por Joabe, um dos generais de Davi, consegue reverter o exilio de Absalão de maneira que ele pode retornar a capital do reino. Evidente que a reconciliação é fria e cautelosa por parte de Absalão, ainda que carregada de forte emoção por parte de Davi.

          As ações de Absalão são dissimuladas e carregadas de rancor e desejo de poder2Sm15-16. Nestes dois capítulos tomamos conhecimento das conspirações que impregnam o ar da cidade de Jerusalém. Nas sombras Absalão vai disseminando dúvidas sobre as condições de saúde do já envelhecido rei Davi e simultaneamente se colocando como a melhor opção de sucessão ao trono. Incendiado os corações das pessoas fica fácil para os apoiadores de plantão de Absalão o proclamarem rei.

          A eclosão desta revolta força Davi e seus aliados fieis a fazerem uma fuga estratégica na calada da noite. Ainda em fuga Davi é informado que um de seus velhos conselheiros, Aitofel, estava orientando o jovem Absalão. Mas Davi age rapidamente e introduz Hushai, o Arquita para neutralizar a influência de Aitofel no conselho dos sábios do jovem rei.

          Caminhamos rapidamente para o desfecho da rebelião de Absalão e seu trágico fim 2Sm 17-18. A estratégia de Davi em introduzir Hushai como uma espécie de conta-conspirador vai demonstrar ter sido correta e oportuna. Mas há um detalhe preponderante na reviravolta que ocorrera na trama. "Então Absalão e todos os homens de Israel disseram: 'O conselho de Hushai, o Arquita, é melhor do que o conselho de Aitofel'. Porque o SENHOR havia ordenado derrotar o bom conselho de Aitofel, para que o SENHOR trouxesse o mal sobre Absalão" (2Sm 17.14).

          Aqui temos o que é denominada de causalidade dupla, onde Deus age explicitamente em questões políticas. Aqui inicia-se a contra revolta que vai restituir o trono ao legitimo rei Davi. Os dois pivôs de toda esta rebelião morrem de forma similar: Aitofel se enforca antes do início da batalha que demarcara a reviravolta e Absalão, em fuga, será encontrado por soldados enroscado pelos cabelos nos ramos de uma grande árvore, sem poder livrar-se dela. Ali foi morto e jogado em uma cova comum, encoberto totalmente por pedras.

          Davi, o rei poeta de Israel, ao tomar conhecimento da morte de seu filho Absalão tem uma memorável e assombrosa reação, tomado por lágrimas amargas: "O rei entendeu as palavras do mensageiro e desandou a chorar. Saindo das portas da cidade, foi para o seu quarto chorando e clamando: "Meu filho Absalão, meu filho, meu filho Absalão! Se fosse possível eu daria a minha vida pela sua! Ah, Absalão, meu filho! Meu querido filho!" 2 Samuel 18.33.

          Aqui encontramos um espelho do comportamento humano de forma geral. Davi e suas relações familiares servem de alerta para todas as famílias. Somos responsabilizados pelas nossas escolhas e deliberações, bem como seus consequentes resultados. Mas para que não entremos em desespero, Deus em sua providência age em momentos chaves para que as nossas vidas não sejam despedaçadas, nos fornecendo um raio de esperança em vez de desespero final.

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Guedes, Ivan Pereira
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Referências Bibliográficas

ARNOLD, Bill. T. e BEYER, Bryan E. Descobrindo o Antigo Testamento – uma perspectiva cristã. Tradução Suzana Klassen. São Paulo. Cultura Cristã, 2001.
BRIGTH, Jonh. História de Israel. 7ª. ed. São Paulo. Paulus, 2003.
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[1] Ele havia sido um dos inimigos de Davi, mas acabou por se render ao rei israelita.

[2] Na verdade, trata-se de um imenso lago e uma das maiores fontes de peixes e renda da região. 


domingo, 10 de setembro de 2023

Geografia Bíblica: O Papel Relevante da Agricultura e Pecuária na Sociedade e na Religião Israelitas

          O primeiro livro da bíblia, Gênesis, abre com os atos criadores de Deus. Somente depois de ter criado todo o sistema é que Ele cria o ser humano e os coloca em um Jardim autossuficiente. Mas no capítulo três o ser humano rompe com Deus e é lançado em um mundo hostil e perigoso no qual o ser humano terá que enfrentar a cada dia seu desafio.

          A partir do capítulo três de Gênesis Deus inicia seu Projeto Redentivo que vai possibilitar o ser humano se reconciliar com Ele. Ainda no primeiro livro Deus chama Abraão (Abrão) e estabelece com ele uma Aliança na qual há promessa de que através dele uma nação extremamente numerosa se formará ao longo dos tempos e que eles receberiam também uma terra onde pudessem viver Gênesis 15.18-21.

Desta forma, quando Deus estabeleceu o sistema sacrificial descrito em Levítico como meio pelo qual eles deveriam se relacionar corretamente com Deus, bem como tipos do sacrifício perfeito de Cristo em tempo futuro.

Tudo que era necessário para os diversos sacrifícios levítico estava acessível a todos os israelitas. Animais como ovelhas, cabras, touros ou bois (e em menor grau em pombas ou passarinhos) e distinguidos entre animais “limpos” e animais “impuros” que eram impróprias para consumo ou sacrifício. A obediência às leis sacrificiais demarca a fé e fidelidade do povo para com seu Deus.

Os profetas estão sempre corrigindo a nação pelo descaso com que em determinados períodos tratavam a questão dos sacrifícios, não apenas por deixarem de oferecerem as ofertas ou por utilizarem animais inapropriados, mas acima de tudo por fazeres sacrifícios sem o devido compromisso de fé e obediência às demais normativas estabelecidas na Lei.

O profeta Isaias fala que a fumaça e o cheiro de seus sacrifícios estavam provocando ânsia de vômito em Deus, pois não havia fé e lealdade deles, eram apenas rituais sanguinários sem qualquer compromisso de lealdade da parte deles Isaías 1.10-17. Seria como se eles estivessem subornando a Deus, para continuarem pecando licenciosamente.  

Outros elementos importantes envolvem o calendário festivo do AT, que conecta eventos específicos na história da salvação de Israel com os diversos ciclos agrícolas. Ao longo de todo o período descrito nos livros históricos, existe uma tensão permanente entre a verdadeira adoração de Yahweh, estabelecida nas normativas levíticas, e a adoração idólatra de Baal, predominante na Síria-Palestina, que também tinham seus deuses ligados à natureza.

As promessas de Deus que a terra que haveriam de receber por graça (sem terem feito algo por merecer) eram abundantemente férteis podem serem comprovadas na formação geográfica, pois desempenham um papel importante na formação dos padrões agrícolas e socioculturais israelitas. A interação entre planícies e terras altas, com suas determinadas sazonais climáticas, são fundamentais para o desenvolvimento da agropecuária de subsistência.

No período da monarquia vemos um ponto de inflexão na agricultura e pecuária israelitas. Primeiramente há os avanços tecnológicos do período particular no início da Idade do Ferro, mas também as mudanças organizacionais e ideológicas decorrentes de uma administração centralizada baseada no domínio dinástico e que por decorrência passam a interferir tremendamente na produção e distribuição de alimentos.

Na leitura dos textos bíblicos percebemos vislumbres interessantes dessas mudanças. Já no princípio do período formativo da monarquia, nota-se uma mudança no status de animais (como mulas e cavalos de carruagem), que estão ausentes no período tribal dos tempos pré-monárquicos. As disciplinas como iconografia, paleozoologia e paleobotânica fornecem insights uteis para ajudar o estudante a entender o texto bíblico em suas verdadeiras dimensões culturais, históricas e religiosas.

Pois os israelitas, como todo nós, vivenciavam as duas dimensões: teológica no que tange sua relação com Deus, bem como o cotidiano real, com vínculos genuínos com seus vizinhos e em lugares, climas e culturas materiais concretas. O que a literatura bíblica histórica nos ensina é que não se deve viver estas duas realidades distintamente, mas de forma amalgamada. Tudo que se faz no cotidiano deve ser vinculado ao relacionamento com Deus e o reverso é tão verdadeiro quanto, pois o relacionamento espiritual correto com Deus deve ser espelhado no vivencial cotidiano. Uma dicotomia destas duas dimensões jamais foi proposta por Deus que é o autor de toda a Criação. E uma das mais lindas promessas escatológicas bíblicas é que no retorno do Cristo ressurreto, haverá uma Nova Criação e o ser humano voltara a experimentar a plenitude da harmonia com a natureza, e o apostolo Paulo declara que a própria Criação anseia por este tempo Romanos 8.22-28; 2 Coríntios 5.17 (provavelmente muito mais do que muitos pseudos cristãos ditos ecológicos).

 

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Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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