sábado, 30 de março de 2024

Primeira Epistola de Pedro – Introdução Geral


A maioria das versões opta pela nomenclatura mais curta de “Primeira Pedro”, outras preferem um título mais longo como “A Primeira Epístola de Pedro” ou “A Primeira Epístola Geral de Pedro” e faz parte do último bloco literário do nosso Novo Testamento, denominado de epistolas gerais na companhia de Hebreus, Tiago, 1 Pedro, 2 Pedro, as três epístolas de João e Judas. Dentre elas nenhuma tem sido mais utilizada no transcorrer da história da igreja do que está atribuída ao apostolo Pedro.

Qual a Relevância desta Epístola? Há muitas razões para lermos e estudarmos esta preciosa carta, mas se tivermos que nomear uma em particular o apostolo se concentra na importância de os cristãos estarem sempre preparados para enfrentar o sofrimento, principalmente quando é decorrente de sua fé em Cristo (1 Pedro 2.20).

O escritor evangélico Charles Swindoll faz uma relação muito interessante entre esta primeira carta de Pedro é o livro de Jó. Assim como o livro do Primeiro Testamento foi escrito para nos ensinar a enfrentar as mais intensas adversidades sem perdemos a nossa perspectiva de Deus, o velho apostolo quer que seus leitores não desanimem diante das lutas e adversidades que estejam enfrentando e/ou possam vir a enfrentarem, sem esmorecerem em sua fé, (SWINDOLL, 2004, p. 56).

Autoria

As evidências internas e externas corroboram uma autoria do apostolo Pedro. Os críticos de plantão amam discordar disso e vazem malabarismos textuais para deixar a epistola sem autoria definida. Mas eles fazem isso com todos os livros bíblicos, já se tornou tradição procurar outros autores e datas para os livros bíblicos ainda que seja utilizando teorias muitas vezes extremamente limitadas e improváveis. Então nos contentaremos com autoria e data defendidas por estudiosos respeitáveis e de fé ilibada, que se mantém, apesar de todas as duras críticas sofridas principalmente a partir do século XVIII (Guthrie, 1971, p. 790; Stibbs, 1960, p. 23).

Data

Quando defendemos a autoria petrina desta epístola a data em que foi escrita deve ser limitada à data de seu martírio, portanto, uma data de redação anterior a 68, quando Nero cometeu suicídio, visto que há uma forte tradição de que Pedro foi morto antes da morte de Nero. Assim como na questão da autoria os argumentos contrários não chegam perto de serem conclusivos, os que discordam da proposta conservadora de uma data próximas do ano 64/67 a.C. produzem argumentos igualmente inconclusivos. Uma verdadeira colcha de retalhos é elaborada para indicar uma data além dos anos 80, durante as intensas perseguições no reinado de Domiciano, no começo da década de 90, ou durante o reinado de Trajano, entre 110-111.  Os defensores da hipótese do “círculo petrino”, menos radicais, optam por uma data entre 65/80 d.C.

Destinatários

No primeiro verso Pedro identifica a quem direciona sua correspondência: “aos forasteiros da Dispersão, no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia. (províncias nas partes norte, central e ocidental da Ásia Menor [atual Turquia]). As literaturas neotestamentárias não contêm nenhum registro da evangelização da maior parte deste território. As evidências literárias devem ser buscadas dentro do próprio texto. Lembrando que Pedro se não fundou estas comunidades era amplamente conhecido delas e uma referência autoritativa apostólica. O nome de Pedro é um dos mais familiares ao leitor do Novo Testamento, ocorrendo nada menos que 160 vezes.

Há uma certa radicalização quanto a estas comunidades serem eminentemente gentílica ou judaica. Mas a luz da leitura e estudo do livro de Atos não é absurdo entendermos que se trata de comunidades embridas compostas por maiorias e minorias gentílicas e judaicas. O termo chave que poderia definir a composição destas comunidades “diáspora”, todavia foi utilizada tanto para se referir a judeus que viviam espalhados por grande número de países (até hoje), após principalmente do cativeiro babilônico, mas que também foi utilizada por Paulo para se referir às comunidades cristãs gentílicas que foram separadas (exiladas) do mundo para viverem para Deus. Lembrando de que judeus do Ponto, Capadócia, Ásia estiveram presentes no Pentecostes (Atos 2.9), portanto, ouviram o primeiro sermão de Pedro muitos fizeram parte daqueles quase três mim que se converteram. E retornando aos países em que moravam, levaram a mensagem do evangelho com eles. Defensores de que sejam comunidades eminentemente composta por judeus convertidos (Orígenes, Padres Gregos, Calvino, Bengel, Weiss); fico na companhia de E. G. Selwyn que defende que os destinatários eram comunidades "mistas" compostas por judeus e cristãos gentios (SELWYN, 1958, p.44).

Outro detalhe interessante é de que esta foi a região em que Paulo desejava anunciar o evangelho, mas o Espírito Santo não o permitiu (Atos 16.6-8). Além destas citadas por Pedro havia outras comunidades nesta grande região o qual algumas delas receberam posteriormente cartas endereçadas pelo próprio Senhor Jesus ressurreto, conforme registradas nominalmente no Apocalipse (2,3). Assim como, a igreja dos colossenses que não foi mencionada nem por Pedro e nem no Apocalipse.

É possível que no transcorrer do tempo os gentios vieram a tornar-se maioria nestas e demais comunidades cristãs, uma vez mais apelamos ao livro de Atos, que revela haver desde o início da igreja um número crescente de convertidos gentios e decrescente, proporcionalmente, de judeus.  Lembrando de que nas sinagogas se abrigavam muitos gentios (prosélitos) e um grande número de mulheres, que fugiam das religiões pagãs cujos rituais incluíam promiscuidades sexuais.

Não sem razão Paulo e Barnabé iniciavam suas exposições evangélicas sempre nas sinagogas por onde passavam e uma vez expulsos muitos judeus e gentios (prosélitos e mulheres) saiam dando origem às primeiras comunidades cristãs. Pedro era contemporâneo dos missionários referidos ainda que seu campo de atuação, pelo menos no contexto de Atos seja a Palestina e adjacências.

Portador da Carta

O sistema de correspondência era extremamente precário, portanto, se valia de um portador pessoal. No caso dessa epistola de Pedro, que abrangeria diversas localidades e receptores, foi delegado a Silvano, que é inclusive citado nominalmente na carta (cf. 5.12).  Este é, com alto grau de certeza, o Silas ou Silvano que foi um dos companheiros de Paulo em sua segunda viagem missionária. Enviar a carta por meio dele, conhecido e estimado entre essas igrejas referidas, por causa de suas relações com Paulo, aumentaria ainda mais a aceitação e interesse dos receptores.

Tudo indica também que este Silvano (Silas) serviu de amanuense desta carta que apresenta um grego limpo e de alta qualidade, o que seria difícil pensando em Pedro, que mesmo que tivesse habilidade para ler e escrever em grego, certamente não teria a mesma sofisticação literária. Até mesmo o apóstolo Paulo fez uso dos serviços escriturários de amanuenses.

Temática

Os leitores primários a quem a correspondência se refere estavam sendo perseguidos, inicialmente e de forma mais contundente pelos judaizantes, pois viam no cristianismo uma distorção do judaísmo, amplamente ilustrada no livro de Atos; mas gradativamente começa a incomodar o Império Romano que se apercebe do crescimento volumoso do cristianismo e cujas duas propostas centrais – o Senhorio de Cristo e o amor ao próximo – começa a ser vista como ruptura da estrutura de Estado. 

Portanto, o escritor se concentra no tema da conduta cristã apropriada em face de hostilidades anticristãs, independentes de suas origens, bem como no tema da promessa de salvação, que alcançara o seu ápice na glorificação futura de todo o crente em Jesus Cristo. Este último aspecto sustentará os cristãos no momento do martírio.

A mensagem de Pedro é de que todo cristão deve viver em permanente comunhão com Cristo. O fato de que ele próprio caminhou lado a lado com Jesus por quase três anos o capacita a exorta seus irmãos na fé a aprenderem a viver sob pressão em meio às hostilidades contextuais. Ninguém viveu mais sob pressão hostil do que Jesus (desde sua gestação até a cruz), de maneira que Ele é o modelo a ser seguido.  O apóstolo conclama os cristãos a "santificar Cristo como Senhor" em seus corações, para que eles pudessem viver e agir como Jesus deseja durante seu breve tempo aqui na Terra (1 Pedro 3.14-18). Assim como Cristo não afrontou as autoridades constituídas de seus dias, ainda que agissem totalmente à margem da própria lei por eles estabelecida, os cristãos devem aprenderem a viver debaixo das autoridades, ainda que injustas. Portanto, a tese da carta é de que fundamentados em uma fé perseverante na pessoa e obra de Cristo, o cristão pode viver em esperança mesmo em meio ao sofrimento. A palavra esperança é uma palavra-chave que aparece cinco vezes nesta epistola (1.3,13,21; 3.5,15). Desta forma é correto afirmar que Pedro está escrevendo uma carta de esperança para aqueles cristãos e os em toda época, que estão passando por intenso e frequente sofrimento.

Silvano, o amanuense/escriba/secretário

Para um expressivo número de comentaristas bíblicos Silvano é a forma latina de “Silas”, que foi portador das resoluções do Concílio em Jerusalém para as igrejas gentias, incluindo Antioquia e posteriormente fez parte da segunda equipe missionária de Paulo (cf. 1Ts 1.1; 2Ts 1.1 e 2Co 1.19). Na narrativa lucana sobre a segunda viagem missionária, o nome que ali figura é "Silas" (por nove vezes

entre Atos 15.40 e  18.5). Em algum momento tornou-se um amanuense/escriba de Pedro auxiliando na escrita deste primeiro documento do apostolo - (Por meio de Silvano... vos escrevo..., 5.12), o que explicaria o estilo literário grego da epístola. É preciso muita imaginação para concluir que Pedro, pescador galileu, produziu um vocabulário grego tão refinado quanto apresentado nesta correspondência circular. O que não implica de forma alguma que Pedro não seja o responsável direto do conteúdo conceitual da epístola.

A similaridade entre as exortações éticas de Pedro e as que são encontradas nas epistolas paulinas pode significar que ele foi de certa forma influenciado pelos ensinos paulino ou que as recebeu por intermédio de Silvano/Silas; ou ambos tiveram acesso a algumas fontes comuns - orais ou escritas.

Razões Para Estudar 1 Pedro

Entre muitas razões para nos dedicarmos tempo ao estudo deste livro do Novo Testamento, podemos nomear alguns:

• Aprendermos a enfrentar o sofrimento sob a mesma perspectiva do Servo Sofredor supremo, o Senhor Jesus Cristo, o Grande Pastor das Ovelhas

• Vivenciar o evangelho entre os não crentes em todos os contextos sociais

• Manter a esperança focada na exaltação de nosso Senhor em Seu retorno glorioso

• Viver o presente na perspectiva da eternidade – entendendo que somos peregrinos nesta terra

• Manter a nossa comunhão com os irmãos fortalecendo uns aos outros nas adversidades e perseguições que haverão de vir

Esboço Suscinto

Introdução (1.1-2)

A esperança cristã exposta (1.3-12)

Esperança fundamentada no sacrifício de Cristo e em Sua atual posição de glória e poder (1.13-21)

Responsabilidade de mudar e amadurecer na conduta cristã (1.22–2.3)

Cristo, o Cabeça espiritual da Igreja (2.4-8, 21-25)

Instruções específicas para o crescimento espiritual cristão (2.9-20)

Deveres dos maridos e das mulheres (3.1-7)

Instruções sobre como viver em retidão apesar dos sofrimentos (3.8–4.19)

Conselhos aos anciãos, incluindo resistir ao adversário - "o leão rugindo" (5.1-9)

Considerações finais (5.10-14)

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
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Referências Bibliográficas

EVERETT F. HARRISON, Everett F.  Introducción al Nuevo Testamento. Traducido por Norberto Wolf. Subcomisión Literatura Cristiana dela Iglesia Cristiana Reformada. Michigan: TELL, 1980/1987.

GUTHRIE, Donald. New Testament Introduction. Ed. Rev. Downers Grove:

InterVarstity, 1971.

MUELLER, Ênio R. I Pedro – introdução e comentário. Tradução São Paulo: Edições Vida Nova e Mundo Cristão, 1988/1991. [Série Cultura Bíblica].

SELWYN, Edward Gordon. The First Epistle of St. Peter. London: Macmillan & Co Ltd, 1958.

SWINDOLL, Charles R. Jó – um homem de tolerância heroica. Tradução Neyd Siqueira. São Paulo: Mundo Cristão, 2004. [Coleção heróis da fé].

STIBBS, Alan M. The First Epistle General of Peter: An Introduction and Commentary. Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1988.

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domingo, 3 de março de 2024

Galeria da Páscoa – Traição de Judas Iscariotes

            Certamente cada quadro desta Galeria dilacera o coração do crente! O quadro da traição tripla de Pedro nos impacta pela possibilidade de que poderia (e talvez esteja acontecendo) conosco.

            O quadro evangélico da traição de Judas Iscariotes não é menos chocante e igualmente deve nos levar a uma profunda reflexão pessoal – parafraseando o salmista ( ) temos que orar continuadamente – “sonda-me ó Deus e verifica se não estou traindo meu Senhor e Salvador Jesus Cristo”. Assim como o salmista não confie em sua própria sondagem superficial, é necessário uma sondagem tão profunda da alma que somente o Espírito Santo pode fazê-lo genuinamente.

Narrativa Marcana (14.10, 11; 43-50)

            Há um texto que ilustra adequadamente a situação de Judas Iscariotes, em relação ao seu ato de traição – “a quem muito é dado, muito será cobrado” (Lc 12.42-48). Iscariotes consta em todas as listas evangélicas dos doze discípulos, que foram pessoalmente separados por Jesus e que receberam ensinos específicos do próprio Senhor e posteriormente foram enviados na, podemos assim dizer, primeira missão evangelística por todo o território da palestina judaica. Ele igualmente retorna compartilhando com todos as coisas extraordinárias que realizaram em o nome de Jesus. Certamente Iscariotes poderá dizer, como tantos outros: “Senhor! Senhor! profetizei em teu nome, expulsei demônios em teu nome e realizei muitos milagres em teu nome?” (cf. Mt 7.22), entretanto, ouvira igualmente as palavras do Jesus Cristo ressurreto e glorioso: “Nunca te conheci; apartai de mim, tu que praticais a iniquidade” (Mt 7.23). Outro outdoor para os Iscariotes atuais.

            Marcos, assim como seus colegas evangelistas, gastam a maior parte de sua narrativa registrando a última semana de Jesus. Ele acompanha-o desde sua chegada em Betânia e suas indas e vindas da cidade de Jerusalém, mais especificamente seus embates no Templo – a menina dos olhos dos judaizantes. Na leitura, mesmo que simples, é notório o crescente ódio dos adversários que em nenhum momento conseguem encurralar Jesus com suas perguntas e questões falaciosas. Tentam o tempo todo criarem factoides, contratam até mesmo os especialistas da época os escribas, mas suas mentiras são desmascaradas ao vivo e a cores por Jesus, que os expõem cada vez mais ao ridículo diante da multidão que se aglomera ao redor de Jesus em cada passo, palavra e gesto que Ele faz. Por isso a razão de Jesus retornar a cada dia para Betânia, onde no aconchego do lar dos irmãos Lazaro, Marte e Maria, Ele pode descansar e refazer suas forças – prova categórica de sua integral humanidade!

            Na quarta feira Jesus é convidado para jantar na casa de um homem chamado Simão, que carregava a alcunha de “o leproso”. Evidente que ele havia sido curado e tudo indica que por Jesus. Desta forma, o jantar seria uma demonstração de gratidão e reconhecimento de Jesus. Enquanto está reclinado à mesa, pois ficava rente ao chão, uma mulher vem silenciosamente e quebrando um vidro de alabastro contendo um perfume caríssimo, começa a derramá-lo todo sobre Jesus Cristo. Os discípulos e Iscariotes em particular, ficam horrorizados com tamanho desperdício, conforme seus comentários. Jesus imediatamente os repreende e exalta o gesto amoroso daquela mulher e declara que ela está apenas antecipando a sua preparação para o túmulo – que está por vir a poucas horas.

            Está cena foi a gota de água que faz transbordar o copo da indignação de Iscariotes. Por quase três anos ele está aguardando que Jesus tome uma atitude e derrote de uma vez por todas os invasores romanos e restabeleça a glória de Israel, como nos dias de Davi/Salomão e eles finalmente reinarão em toda sua plenitude. Mas a cena que ele acaba de ver nada tem a ver com suas expectativas.

Desde que começaram a subir para Jerusalém Jesus reiteradamente fala de sua prisão e morte e ressurreição. Ele como Marta sabia que haveria uma ressurreição no último dia (futuro), mas ele não havia deixado tudo, incluindo família, para seguir a Jesus por uma esperança futura – ele quer receber seu prêmio aqui e agora. Mas o desperdício daquele perfume de nardo caríssimo e as palavras de Jesus defendendo a mulher e mais uma vez falando de sua morte eminente – desanimaram de vez o coração de Iscariotes. Se Jesus Cristo não vai tomar uma atitude, ele mesmo vai correr atrás de seus sonhos. Ele é que não vai sair no prejuízo; não vai voltar para casa com uma mão na frente e outra atrás.

Mc 14.10, 11 - E Judas Iscariotes, um dos doze, dirigiu-se aos principais sacerdotes, para traí-lo. Quando ouviram isso, ficaram encantados e prometeram dar-lhe dinheiro. Então Judas começou a procurar uma oportunidade para traí-lo.

Que contraste terrível – o gesto de amor completamente abnegado da mulher, e o ato vil de um dos próprios apóstolos. Fica evidente a completa frustração de Iscariotes com Jesus e sua mensagem do Reino de Deus – as moedas de prata pelo seu mestre. Quantos não tem seguido este mesmo terrível e trágico caminho de uma pseuda prosperidade neste mundo e desviando-se completamente do caminho da salvação e vida eterna. Escolhem as riquezas corruptíveis deste mundo tenebroso e renunciam às insondáveis riquezas perenes e eternas de Cristo Jesus. Judas representa os crentes hedonistas deste século.

Como foi deixado claro ele fez parte da elite dos apóstolos. O que ele viu e ouviu poucos tiveram o privilégio de compartilhar. Aqui cabe as palavras exortativas de Jesus àqueles que mesmo vendo e ouvindo não creram e por esta razão o juízo de Deus será ainda mais implacável com eles do que com os moradores de Sodoma e Gomorra. E tais palavras de Cristo continuam repercutindo no transpassar dos séculos, mas as pessoas continuam surdas e cegas para a realidade do Evangelho – preferem calar e até matar os pregadores do que se arrependerem e crerem para serem salvos.

Os demais discípulos e até mesmo nós podemos ficar chocados e horrorizados com a ação traidora de Iscariotes – menos Jesus – pois, ele havia dito com todas as letras:  "O Filho do Homem será entregue nas mãos dos homens...", e "o Filho do Homem será entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas..." (Mc 9.31;10.33). Mas a escolha é totalmente de Iscariotes – ele decidiu/resolveu fazer sua ação. Entretanto, há alguém por trás desta atitude de Iscariotes – Durante a ceia, o diabo já havia colocado no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, para traí-lo” (João 13.2). No coração e mente em que o Espírito não age, age Satanás. E o Espírito Santo somente produz e reproduz em abundância o seu fruto naqueles que professam Jesus Cristo como Senhor e Salvador.

Nestas cenas de Iscariotes temos as duas realidades (não há uma terceira): o mal abundando (conduzindo Iscariotes para a morte) e a graça superabundante na preservação dos demais discípulos (mesmo na vida do Pedro que o nega e de Tomé que dúvida e dos demais que se afastam acovardados). Ó graça, quão maravilhosa graça de Jesus!!

            Os dias e horas vão passando rapidamente, chegamos na quinta-feira nossa, mas sexta-feira para os judeus que contam os dias a partir pôr do sol (próximo 18h). No transcorrer da refeição (janta) da Páscoa [conforme informa João 12.4-17] Jesus, para vergonha dos discípulos, levanta-se e cingindo-se de uma toalha e uma bacia com água, passa a lavar dos discípulos um a um. Como tão bem disse Daniel em sua oração – a eles e a nós só cabe o corar de vergonha.

            Completando o quadro covarde e vil temos as autoridades judaicas negociando a vida de um homem inocente. A religiosidade sem a graça de Deus torna-se perniciosa e maléfica. Como temos assistido diariamente ao vivo e a cores no Brasil destes últimos tempos.

            Eles ficaram tomados de êxtase ao ouvirem a disposição de Iscariotes em trair seu mestre – eles jamais imaginaram que teriam uma oportunidade dessas. As trinta moedas de prata era o preço reparador de um escravo que fosse ferido por um animal de outro dono (Zacarias 11.12), de maneira que para eles e Iscariotes Jesus Cristo valia o equivalente a um escravo. Hoje se barateia a graça de Deus por muito menos.

Uma vez fechado o acordo - Então ele [Iscariotes] começou a procurar uma oportunidade para traí-lo. A cena ainda por se completar revela toda a depravação da raça humana decaída. Como o apostolo Paulo temos que gritar – miserável pessoa que sou – pois, sem a graça salvadora as coisas boas e certas que sei que tenho que fazer, não faço, mas as coisas vis e tenebrosas que sei que não devo fazer, faço. Neste mundo temos apenas dois tipos de pessoas, os que foram alcançados pela graça salvadora – filho pródigo; Zaqueu, o cego Bartimeu e tantos outros; e aqueles que rejeitam até o fim a graça que emana da Cruz.

Primeiro foi a iniciativa de negociar seu mestre e senhor e agora uma nova iniciativa, uma ocasião propicia para entregá-lo a seus algozes e assassinos. Quantos hoje estão iniciativas tão ruins e trágicas como a de Iscariotes. A bíblia é muito clara e direta: “o resultado final do pecado é a morte”.

As horas se passam rapidamente. Estamos no início da sexta-feira judaica (18h) e os preparativos para a refeição estão prontas. Todos chegam e começam a se inclinarem em seus respectivos lugares. Jesus espera todos se acomodarem, então se levanta, cinge-se de uma toalha e uma bacia com água e se inclina sobre os pés de cada um deles, para lavá-los (função do escravo). O corar de vergonha deles só não é maior do que o nosso! O apostolo João abre uma janela no cenáculo (sala grande) para que possamos participar de cada movimento e palavra que Jesus disse àqueles homens, incluindo Iscariotes. Jesus conclui orando por eles. Durante a refeição Jesus havia deixado claro a Iscariotes que sabia de suas intenções – Jesus podia ouvir o tilintar das 30 moedas que Iscariotes carrega em sua bolsa pessoal e então lhe diz claramente – o que você tem que fazer faça-o sem demora...corra...não se detenha mais... Jesus não está preocupado com as ações traidoras de Iscariotes, mas com o relógio do Pai que demarca que está na Sua hora...

            Iscariotes já está a caminho, quando Jesus se levanta e junto com os damais cantam um hino (Salmo) e saem em direção ao jardim do Getsêmani, lugar preferido de Jesus para orar ao Pai sem perturbação ou barulhos. Ali chegando deixa os discípulos orando (mas vai encontrá-los sempre dormindo). Sua oração é resumida na frase extraordinária – Pai se for possível passe de mim este momento terrível da cruz, entretanto, seja feito a Tua vontade e não a minha.

               Então depois de três tempos de oração Jesus ouvem ao longe o barulho de movimentos, era Judas e guardas-seguranças do Templo e uma pequena turba, armados com espadas e porretes, vindo apressadamente para que Jesus não fugisse do jardim. E a nota terrível: a mando dos líderes religiosos judaicos. Tudo foi calculado e premeditado. Eles querem matar Jesus. Jesus levanta-se, acorda seus discípulos e resoluto lhes diz com toda calma e firmeza: chegou a minha hora...o traidor se aproxima...

Marcos 14.44 O traidor, Judas, tinha-lhes dado um sinal pré-combinado: "Sabereis qual prender quando o cumprimentar com um beijo. Então você pode levá-lo sob guarda."

            Iscariotes havia combinado um sinal astuto e sutil (bem ao estilo de uma serpente) para identificar Jesus (lembrando que ainda é noite escura) – aquele que beijar é este que devem prender...e levá-lo rapidamente... De fato, Iscariotes agiu semelhante àquela velha serpente em outro jardim...Éden. O velho Adão caiu, mas o novo Adão permanecerá em pé.

            O beijo no rosto demarcava uma afeição especial, familiar. Ao trair Jesus com este sinal Iscariotes revela a dimensão desprezível de sua hipocrisia e traição. O próprio traidor é que dá a ordem e orientação da captura...prendei-o e o levai rápido para que não fuja; mas em nenhum momento Jesus resistira e ainda corrige a atitude imprudente de Pedro. Os algozes e o traidor pensam que estão no controle da situação, mas Jesus sabe que o Pai está conduzindo tudo para a realização da Sua vontade soberana...Jesus declarou varias vezes...foi para isso que eu vim. Ninguém toma a minha vida, pois eu mesmo a dou deliberadamente.

            Jesus é o Cordeiro de Deus, conforme descrito pelo profeta Isaías 700 anos antes. Em nenhum momento Jesus se defendera. Mesmo em meio às mais cruéis torturas e violência ... mesmo diante das mais escancaradas mentiras forjadas pelas autoridades judaicas...Ele não abriu a sua boca.

            Esta é a última vez que Marcos registra a participação de Iscariotes, mas os evangelistas Mateus ( ) e Lucas ( ) nos informam que o resultado final dele foi o mais trágico possível – percebendo o tamanho da loucura que havia feito e não tendo como reparar todo mal que havia feito resolveu tirar a própria vida. Esse é o grande diferencial entre o remorso que corrói o interior do ser humano (Iscariotes) e o arrependimento que motiva a buscar a restauração (Pedro), no caso do remorso foi a morte, mas para todo arrependido a restauração e vida.

            Certamente este é um dos mais tristes e lamentáveis quadro da Galeria da Páscoa. Mas tudo isso foi registrado para que eu e você olhando para este quadro, possamos fazer uma profunda reflexão. Em que circunstâncias estamos vivendo? Com qual dos dois apóstolos nos identificamos? Façamos uma profunda reflexão, pois é um caso de vida ou morte!

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
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Referências Bibliográficas

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ASH, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas. Tradução Neyd V. Siqueira. São Paulo: Editora Vida Cristã, 1980.

BINZ, Stephen J. The Passion and Resurrection Narratives of Jesus. , Collegeville (Minnesota): The Liturgical Press, 1989.

CARSON D. A., DOUGLAS, J. Moo & MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.

CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado – versículo por versículo. São Paulo: Millenium, 1987.

DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1995.

HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento – Marcos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no Tempo de Jesus: pesquisa de história econômico-social no período neotestamentário. 4 ed. São Paulo: Paulus, 1983.

MAGGIONI, Bruno. Os relatos evangélicos da Paixão. Tradução Bertilo Brod. São Paulo: Paulinas, 2000. (Coleção: Espiritualidade sem fronteiras).

Walker, Peter. Pelos Caminhos de Jesus. São Paulo: Ed. Rosari, 2007.