segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Provérbios: Introdução Geral

 

"Em qualquer situação, pense primeiro: 'O que a Palavra de Deus diz sobre isso’.

Robert B. Nichols

"A fé traz a bênção, mas a sabedoria gerencia essa bênção".

Gary H. Everett

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O livro de Provérbios compõe a divisão da bíblia denominada de “Poéticos e/ou Sabedoria”. É possível classifica-lo como sendo uma antologia de admoestações e provérbios que visam orientar a conduta daqueles que desejam agradar a Deus. Como expressa com presteza Bruce K. Waltke em seu prefácio deste livro: “Em um mundo bombardeado por clichês vazios, lemas triviais e mensagens ímpias, a expressão da verdadeira sabedoria está em falta nos dias de hoje” (2011). E ainda em seu prefácio Waltke descreve com muita propriedade o descaso com que o livro de Provérbios é tratado pelos evangélicos de forma geral:

Tragicamente, porém, a igreja praticamente descarta o livro de Provérbios, o qual foi escrito para os jovens a fim de servir de bússola para guiar a embarcação de sua vida (veja 1.2-6). Dos seus 930 ditos antigos, muitos cristãos conhecem três - temer ao Senhor (1.7), confiar nele (3.5,6) e “[ensinar] a criança no caminho em que deve andar” (22.6) - e possivelmente algo sobre a

“mulher virtuosa” (31.10-31). Porém, o “temor do Senhor” é mal compreendido, o “confiar nele” (3.5) é um chavão dissociado do livro, a promessa de que a criança não abandonará a educação que recebeu na infância gera mais dúvidas do que soluções, e o poema sobre a mulher virtuosa parece antiquado.

O livro de Provérbios não é para ser lido de uma única vez, mas deve ser apreciado como uma exposição de quadros em uma Galeria, pois cada um deles exige uma atenção individual, bem como um momento às vezes prolongado de reflexão – e aqui está a razão pela qual a grande maioria dos leitores da Bíblia não apreciem devidamente o valor deste livro – pois, a leitura sequencial sem as devidas pausas para reflexão acaba por sobrecarregar o cérebro e desviar a atenção, como bem define William Alexander Leslie Elmslie de que Provérbio é uma “experiência compactada” (2019, p. 13 – versão pdf). Assim como utilizamos um programa de compactação de muitos arquivos em um só local, assim também o livro de Provérbios compacta inúmeros e diversificados ditos proverbiais em um só volume.

Outro aspecto que não atrai grande número de leitores é que diversos capítulos do livro são leituras de difícil degustação, porque mistura diversos sabores, uma vez que os seus capítulos são agrupamentos de máximas independentes organizadas por um fio condutor de sequência lógica ou de similitude, todavia, como ilustra Elmslie em sua introdução ao estudo deste livro: “O provérbio faz para a vida humana algo que a ciência faz para o mundo da Natureza: desperta o olhar inflexível e o ouvido despreocupado para a maravilha do que parece comum”. Somente a paciência e a reflexão nos permitirá enxergar além da aparência obvia o ensino mais profundo contido naquela máxima e/ou axioma, aforismo, provérbio.

As lideranças evangélicas e os púlpitos contribuem para o ostracismo deste precioso livro bíblico; não é estudado periodicamente nas Escolas Bíblicas ou nas reuniões especificas de estudo bíblico e com raríssimas exceções é utilizado para pregações expositivas nos púlpitos. Mas a fatura desta atitude tem chegado, quando contemplamos gerações jovens evangélicas tendo suas mentes e corações infectadas por toda sorte de vírus midiáticos ideológicos nefastos e destrutivos e eles não estão sendo imunizados, por aqueles que deveriam fazê-lo, pelas dosagens dos princípios bíblicos dos quais Provérbios é imprescindível.

Como veremos Provérbios foi e continua sendo uma das formas mais extraordinárias de didática pedagógica para ensinar e inculcar na mente e coração juvenil os princípios permanentes e absolutos da Palavra de Deus, o que não sem razão foi o método utilizado por Jesus Cristo para ensinar a mensagem e valores do Reino de Deus, pois cada parábola, contém um único princípio a ser apreendido, ainda que mais elaborado e expandido do que um provérbio; podemos até falar de que a forma de ensinar de Jesus é parabólico proverbial.

Rubem Alves um dos mais conceituados e respeitado pedagogo brasileiro, falecido recentemente, defendia sua tese de que para se ensinar bem era preciso tão somente um único ponto (verdade, princípio) e uma ilustração, o que faz de Provérbios um livro didático por excelência. Imaginemos por alguns segundos uma geração de crianças, juvenis e adolescentes tendo suas mentes diária e homeopaticamente nutridas pelos provérbios bíblicos – um provérbio e uma ilustração - que transformação extraordinária teríamos nas gerações futuras.

Título do livro

O título hebraico para o livro é “Provérbios de Salomão, filho de Davi, rei de Israel”, deriva da inscrição em 1.1 e 25.1.[1] O título da Septuaginta e/ou Versão dos LXX[2] traz um título ligeiramente diferente “Provérbios de Salomão, filho de Davi, que governou em Israel”, e a Vulgata trás simplesmente “O Livro dos Provérbios” (Liber Proverbiorum), de onde vem o nosso título em português "Provérbios".

Na bíblia hebraica prevaleceu a prática de se nomear livros pelo termo chave de seu primeiro verso – no caso do livro de Provérbios é "mashal" (לשָׁמ), que designa uma ampla gama de tipos literários - alegoria, lamento, símile e assim por diante - mas sua etimologia implica “semelhança” e ou “comparação”. A característica predominante dos ditos dentro do livro, portanto, parece ser de "comparação", onde breves provérbios colocam uma imagem em comparação a outra, quer para reforçar ou contrastar o princípio ensinado e pode ser de forma explícita ou implícita. Nem todo provérbio isolado compara duas coisas, e em alguns casos estendem-se consideravelmente além de um único dístico.

Três das obras classificadas como sendo de sabedoria, trazem em seus versos de abertura a autoria salomônica: "Os provérbios de Salomão, filho de Davi, rei de Israel” (Provérbios 1.10); "As palavras do Pregador, o filho de Davi, rei em Jerusalém” (Eclesiastes 1.1); e "O cântico dos ânticos, que é de Salomão" (Cântico dos Cânticos 1.1). Outros livros do Primeiro Testamento trazem sobrescritos semelhantes (cf. Deuteronômio; Neemias); o mais provável é que tais identificações autorais foram colocadas pelo(s) editor(es) em período posteriores ao registro primário dos textos referidos, como Samuel, o sacerdote-profeta, ou Ezequias, o rei, ou até mesmo por um escriba, quando esses livros foram compilados e organizados no cânon das Escrituras, o que de forma alguma prejudica o valor e autenticidade de tais títulos, visto que já eram de domínio público tanto os autores quanto suas respectivas obras literárias.

Autoria

Ainda que no transcorrer do livro haja reitera citação da autoria salomônica ((1.1; 10.1; 25.1), outros autores são mencionados Agur (30) e Lemuel (31),[3] assim como referência aos “Sábios” (22.17-24.22 e 24.23-34),[4] e o último capítulo que trata sobre a esposa ideal é anônima. E algumas das unidades textuais não trazem qualquer identificação de seu autor. Muito provavelmente os sobrescritos foram feitos pelos editores posteriores na medida em que faziam a seleção dos materiais que comporiam a coleção proverbial israelita. Podemos dizer que o livro assume a forma de uma antologia, pois, ainda que uma parte maior destes provérbios sejam da autoria de Salomão, há uma gama de outros que são provenientes de outros períodos da história israelita. Esses sobrescritos geram algumas coleções distintas na sua atual composição:

1. Provérbios de Salomão, filho de Davi, rei de Israel (1.1–9.18)

2. Provérbios de Salomão (10.1–22.16).

3. As Palavras dos Sábios (22.17–24.22).

4. Estes também pertencem aos Sábios (24.23–34).

5. Estes também são Provérbios de Salomão que os homens de Ezequias, rei de Judá, transcreveram (25.1–29.27).

6. As Palavras de Agur, filho de Jakeh, o massaita (30.1–14).

7. As Palavras de Lemuel, rei de Massa, com as quais sua mãe o instruiu (31.1–9).

As últimas duas breves coleções atraíram ditos diversos:

8. Provérbios Numéricos (30.15–33; exceto vv 20,32–33).

9. Um poema acróstico sobre uma mulher virtuosa (31.10–31).

É possível perceber uma variação de estilo, tema e gramática, dentro das coleções um e cinco, que pode indicar sub unidades (10.1-14. 35; 15.1-22; 16 e 25.1-27; 28.1-29).

Na versão grega (LXX), estas sub unidades foram editas em posições diferentes do texto hebraico, provavelmente indicando que os tradutores identificaram esses materiais como advindos de material externo da literatura hebraica. O arranjo editorial da Septuaginta (LXX) fica assim: 22.17–24. 22; 30.1-14; 24. 23–34; 30.15–33; 31.1–9; 25.1–29.27; 31.10–31.

O fato de que se encontra um mesmo provérbio em mais de uma subdivisão literária maior se constitui em uma indicação de houve múltiplas coleções. Outras indicações são que breves ditos ocorrem mais de uma vez em forma idêntica, mas com linguagem ligeiramente alterada, e expressões específicas aparecem em mais do que um contexto literário.

A explicação para se nominar o livro com o nome de Salomão é pelo fato dele ser reconhecidamente dentro da cultura israelita/judaica e mesmo no contexto Oriental Antigo, como possuindo uma sabedoria excepcional. A menção honrosa a Salomão pela sua sabedoria ultrapassar o de todos os outros reis reconhece este fato, sendo um testemunho propositivo de seus súditos em reconhecer que seu rei foi uma pessoa excepcional. O registro sobre Salomão em 1 Reis 3; 4 e 10; especialmente 4.30-34 e 2 Crônicas 9.1-24 indica uma forte tradição em relação a excepcional sabedoria e versatilidade dele em compor declarações de sabedoria.

Fora de literatura canônica bíblica há um amplo testemunho que corrobora a autoria salomônica de Provérbios: na literatura Apócrifa do Primeiro Testamento (o livro de Eclesiástico [180 A.C.] traz a declaração de que Salomão foi um grande escritor de literatura de sabedoria (47.13-17). No Talmud babilônico há referência de que Ezequias (rei) escreveu [transcreveu] os livros de Isaías, Provérbios, Canção das Canções e Eclesiastes. Os Pais da Igreja citam muitos textos de Provérbios, reconhecendo sua canonicidade e nunca levantaram questões quanto a autoria de Salomão.

Data

Evidência favoreceria nomes literais para os autores em questão e uma data de compilação final anterior cerca do século VII a.C. em contraponto aos que defendem que os nomes dos personagens são simbólicos defendem uma data final da editoração em um período muito avançado cerca do século II a.C.

As literaturas de sabedoria bíblica não têm preocupação cronológica, o que está em harmonia com a proposição atemporal de seus ensinamentos. Seus princípios visavam a vivencia de qualquer indivíduo, israelita ou não israelita. Assim, os sábios silenciam em relação aos marcos histórico-temporal, optando em se deter nas coisas acessíveis a todo ser humano.[5] Desta forma, a definição da cronologia relativa às várias coleções no livro de Provérbios deve ser feita com considerável reserva.

O esforço de estudiosos para datar o livro no período posterior ao exílio como decorrente da influência persa e até mesmo grega ficou bastante fragilizada pela crescente redescoberta dos ensinamentos egípcios[6] e babilônicos em um período milenar antes de Salomão, bem como da rica literatura fenícia de Ugarite (Ras Shamra) do século catorze a.C., como os “Provérbios Sumérios Antigo”[7] e “As Instruções de Shuruppak”,[8] provérbios Sumérios que se constituem nas primeiras coleções de provérbios conhecidas do mundo. Essas coleções, revelam claramente que os israelitas desde muito antigamente tiveram intenso contato com essas culturas e assim assimilaram suas formas proverbiais pedagógicas. Desta forma, seja qual for a data da redação final do livro, o seu conteúdo com certeza revela um contexto primitivo muito antecedente ao judaísmo exílico ou pós-exílio, como conclui Milton P. Horne: “Os leitores que desejam compreender a matriz histórica por detrás de Provérbios e Eclesiastes devem contar com a influência destas tradições de sabedoria mais antigas e amplamente influentes” (2003, p. 51). E Horne deixa claro de que não há necessidade de se provar qualquer tipo de dependência literária, tipo copiar-colar, em relação a estas obras mais antigas no que se refere à produção das literaturas de sabedoria de cunho israelita:

 Contudo, é evidente que tais obras ajudaram a definir o contexto intelectual maior em que os materiais bíblicos foram produzidos. As formas literárias e os temas teológicos eram comuns aos intelectuais, desde a crescente fértil até à primeira catarata do Nilo. Concedendo tal pressuposto, a compreensão da literatura de sabedoria bíblica requer uma comparação estreita com a literatura muito semelhante de todo o Próximo Oriente. Tal estudo comparativo proporciona ainda uma riqueza de evidências que ajudam os estudiosos a reconstruir tanto o contexto teológico como sociológico a partir do qual surgiram várias tradições de sabedoria (HORNE, 2003, p. 52).

Aceitando a antiguidade das inscrições que encabeçam as diversas coleções do livro é possível colocar a maior parte dos materiais no século IX AC (Salomão) e no final do século VIII AC (Ezequias). Tratando sobre a redação ou editoração final, podemos concordar com Harrison de que o livro foi concluído durante o reinado de Ezequias, em harmonia com a declaração de (25.1).  A conclusão de Gary H. Everett (2017) pende mais para o período do próprio rei Salomão:

A data de Provérbios dentro do reinado do rei Salomão é muito provável porque ocorreu durante a "era de ouro" de Israel, que foi um período na história de Israel quando houve paz e prosperidade que criou um ambiente propício ao desenvolvimento das artes e da literatura.

Mas R. Derek Kidner (1980, p. 27) na introdução de seu comentário, expressa as opiniões de muitos outros estudiosos de uma editoração final muito mais avançada:

Não podemos definir se o Livro foi completado no reinado de Ezequias, ou apenas um século ou mais antes de Ben Siraque, que fez uso dele; tudo quanto se pode dizer é que seu conteúdo inteiro pode ter existido, embora sem ser reunido num só livro (ver, outra vez, 25.1), quando Salomão ainda estava com vida.

Destinatários

            Em nenhum momento o livro especifica um destinatário, pois a sabedoria deve ser aplicada de forma universal a todos as pessoas indistintamente quer sejam judeus ou gentios. Corrobora com essa tese o fato de que Provérbios e seus correlatos da literatura sapiencial Jó, Eclesiastes e Cantares não contém referências eminentemente judaicas: a nação de Israel nunca é mencionada, assim como o conjunto das leis judaicas, rituais, festas, cerimônias, sacrifícios, o dia do sábado, ou o dízimo; igualmente não se encontram em suas páginas referências proféticas messiânicas – “É claramente uma escrita judaica que é projetada para aplicação universal para todas as idades e Culturas” (EVERETT, 2017).

            Mas no prefácio inicial se mencionam três tipos de pessoas que se relacionam com está biblioteca de sabedoria: o jovem[9] (ou simples) são aqueles ingénuos, inexperientes que carregam em si a tendência ao erro; o sábio, poderá aprender e desenvolver ainda mais sua sabedoria distinguindo o que é verdadeiro, louvável e bom do que é falso, vergonhoso e ruim, pois há sempre algo a se aprender; por fim há os tolos ou néscios, aqueles que desprezam o caminho da sabedoria e escolhem alegremente o caminho da loucura. A diferença entre o ingênuo e o tolo é que o primeiro pode aprender e o segundo jamais aprendera.

Natureza, função e propósito

O prefácio do livro (1.2-6) conclui com uma declaração temática (1.7), de maneira que, servem como uma introdução à primeira coleção e, possivelmente, a todo o livro. O vocabulário dos sábios pode ser constatado em todo o texto: sabedoria, disciplina, palavras perspicazes; disciplina perceptiva, ou seja, correta, justa e íntegra; prudência, conhecimento e perspicácia; ensino e direção; símile, enigma, palavras do sábio. Além disso, as expressões verbais enfatizam o processo de aprendizagem e ensino: saber, perceber, receber, dar; ouvir, adicionar, obter; para entender. A declaração temática, “O temor do Senhor é o princípio (origem) da sabedoria (conhecimento); os tolos desprezam a sabedoria e a instrução”, vincula e distingui diretamente a sabedoria provinda de um relacionamento pessoal com Deus, da sabedoria originária da mentalidade humana (como o faz também Tiago em sua epístola), revestindo desta forma os provérbios contidos no livro com um caráter religioso. O termo hebraico torna a piedade (exercício da genuína fé) o fundamento de toda sabedoria e conhecimento. De maneira que a utilização do Tetragrama[10] (YHWH - "Yahweh") raríssimo na literatura de sabedoria (Jó e Eclesiastes), se ajusta perfeitamente neste livro.

Como todos os demais livros que compõem o cânon bíblico essa biblioteca de provérbios expressam uma sabedoria pelo prisma teológico, conforme deixa claro o editor nas primeiras linhas: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria[11] (1.7; cf. 9.10), ou seja, a natureza fundamental desta sabedoria foi originalmente teológica. Desta forma Provérbios se preocupa em embasar a vida do israelita comum, diferente de Levítico que tem como alvo primário os que exercem o sacerdócio, em seu relacionamento com Deus. Dessa relação produz-se o discernimento moral e a capacidade de julgar o que é certo (2.6-22), uma relação adequada para com as posses materiais (3.9,10), trabalho laborioso (6.6-11), o equilíbrio e senso necessários para se viver neste mundo (3.21-26), e o relacionamento correto com o próximo. As grandes críticas dos profetas veterotestamentário é justamente o fato de não perceberem na vida cotidiana dos israelitas a expressão dessa sabedoria; Jesus confronta os fariseus e escribas de seus dias justamente pelo fato de que o conhecimento deles não os tornava mais sábios, ou seja, úteis aos outros, mas apenas acariciava e alimentava o ego deles; e certamente essa é uma das fontes em que Tiago bebeu quando da elaboração de sua epístola onde enfatiza que a fé cristã que não se expressa em suas múltiplas relações cotidianas sociais e interrelacionais, torna-se inútil.

Ênfases Teológicas

            Entre os argumentos daqueles que minimizam a relevância do livro de Provérbios está de que nele há pouca ênfase teológica, na verdade é uma falácia daqueles que tem preguiça de examinar pacientemente o conteúdo do livro. A. K. Helmbold em seu precioso verbete na Enciclopédia organizado por Merril C. Teney (2008, p.1117) destaca diversos aspectos teológicos contidos em Provérbios:

A soberania de Deus é enfatizada (16.4,9; 19.2 i; 22.2). A onisciência é mostrada (15.3,11; 21.2). Deus é visto como o Criador (14.31; 17.5; 20.12). Ele governa sobre a ordem moral (10.27,29; 12.2). As ações do homem são julgadas por Deus (15.11; 16.2; 17.3; 20.27). Ainda nessa vida a virtude é recompensada (11.4; 12.11; 14.23; 17.13; 22.4). A verdade é o fundamento da ética (17.23).

O Uso de Provérbios no Novo Testamento

Há cinco passagens no livro de Provérbios que são citadas pelos autores do Novo Testamento:

Provérbios 3.11-12 Filho meu, não rejeites a disciplina do Senhor, nem te enojes da sua repreensão porque o Senhor repreende aquele a quem ama, assim como o pai ao filho a quem quer bem”.

Hebreus 12:5-6 " e já vos esquecestes da exortação que vos admoesta como a filhos: Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, nem te desanimes quando por ele és repreendido pois o Senhor corrige ao que ama, e açoita a todo o que recebe por filho".

Provérbios 3.34 Ele escarnece dos escarnecedores, mas dá graça aos humildes”.

Tiago 4.6 " Todavia, dá maior graça. Portanto diz: Deus resiste aos soberbos dá, porém, graça aos humildes”.

1 Pedro 5.5 " Semelhantemente vós, os mais moços, sede sujeitos aos mais velhos. E cingi-vos todos de humildade uns para com os outros, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes”.

Provérbios 11.31 "Eis que o justo é castigado na terra quanto mais o ímpio e o pecador!

1 Pedro 4.18 "E se o justo dificilmente se salva, onde comparecerá o ímpio pecador?”

Provérbios 25.21-22 "Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe pão para comer, e se tiver sede, dá-lhe água para beber porque assim lhe amontoarás brasas sobre a cabeça, e o Senhor te recompensará”.

Romanos 12.20 "Antes, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer se tiver sede, dá-lhe de beber porque, fazendo isto amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça”.

Provérbios 26.11 "Como um cão retorna ao seu vômito, então um tolo retorna à sua loucura".

2 Pedro 2.22 "Deste modo sobreveio-lhes o que diz este provérbio verdadeiro Volta o cão ao seu vômito, e a porca lavada volta a revolver-se no lamaçal”.

Verso Chave

Ainda que não haja uma unanimidade um grande número de comentaristas bíblicos aceitam que o verso (1.7) “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria; mas os tolos desprezam a sabedoria e a instrução” se constitui em uma importante chave para “desbloquear” o livro. Em (9.10) a expressão é ampliada: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria e o conhecimento do Santo é o entendimento” (cf. Jó 28.28; Salmo 111.10).

Encontraremos aos menos dezoito referências à expressão “temor do Senhor” no transcorrer do livro de Provérbios (1.7, 29; 2.5; 3.7; 8.13; 9.10; 10.27; 14.2, 26-27; 15.16, 33; 16.6; 19.23; 22.4; 23.17; 24.21; 31.30). Quando se lê cuidadosamente todas essas referências obtêm-se uma percepção da relevância dessa temática dentro do contexto de todo o livro. E como reforço hermenêutico a expressão abre (1.7) e fecha (31.30) o livro.

Jesus Cristo em Provérbios

O que Provérbios Diz sobre Jesus Cristo? Na narrativa evangélica de Mateus encontramos Jesus sendo desafiado pelos fariseus e escribas a realizar um milagre para eles verem e na resposta de Jesus está uma afirmação muito interessante: “A rainha do Sul [Sabá] se levantará no juízo com esta geração e a condenará, pois ela veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão, e agora está aqui o que é maior do que Salomão” (Mt 12.42), de maneira que,  Jesus estabelece um link direto com Salomão como expressão da mais qualificada sabedoria, visto que Jesus como Deus havia sido a fonte de onde Salomão bebeu a sabedoria.

Mesmo uma leitura simples de Provérbios e as narrativas evangélicas revelara uma perfeita sintonia entre a vida e ensino de Jesus e a sabedoria expressada nos provérbios. Salomão falhou em vivenciar seus próprios ensinos, mas Jesus Cristo é um padrão perfeito a ser seguido pelo povo de Deus – “Qualquer um que diga que é cristão deve viver como Cristo viveu” (1 João 2.6).

O sábio de Provérbios faz uso continuo do “livro da Criação” para extrair das “leis naturais” o néctar da genuína sabedoria a ser vivenciada; Jesus a eterna Palavra Criativa, estava lá desde o início (João 1.1-5; Hebreus 1.1-4; Colossenses 1.15-17), ele é a origem de toda sabedoria.

O que devemos fazer para obter o máximo deste livro?

O elemento essencial para um estudo eficaz de Provérbios é a fé em Jesus Cristo, pois não é possível vivermos sabiamente antes de termos vida, e a vida somente é possível por meio de Jesus (João 3.16, 36).

O que se aplica ao estudo de Provérbios se aplica ao estudo de qualquer livro da Bíblia: é necessário que estejamos espiritualmente preparados, que sejamos diligentes, disciplinados no estudo. Mas sem dúvida alguma a disposição para obedecermos ao que Deus está ensinando na sua Palavra é indispensável e essencial (João 7.17), como tão bem expressou F. W. Robertson: “a obediência é o instrumento para o genuíno conhecimento espiritual”. O Espírito Santo ensina os sérios, não os curiosos.

No transcorrer da leitura vamos encontrando os imperativos “ouvir” e “dar ouvidos” (Pv 1.8; 4.1,10; 5.7; 7.24; 8.6, 19.20; 22.17; 23.19,22); muitos outros versículos mostram os benefícios para aqueles que obedecem (que ouvem, dão ouvidos e atendem) aos ensinos contidos no livro (1.5,33; 8.34; 12.15; 15.31-32).

Por outro lado, o sábio alerta para não darmos ouvidos, crédito aos ensinos que nos afastem do caminho da justiça e da verdade (19.27; cf. Sl 1.1). Isso não significa que não possamos ler ou estudar outras literaturas, mas todas as leituras devem ser feitas à luz das Escrituras. O próprio Salomão tinha um conhecimento universal e o apóstolo Paulo ensina que podemos ler, ouvir sobre tudo, mas reter, absorver e praticar apenas o que seja bom e útil, e o único padrão de regra e prática constituído é a Palavra de Deus.  “Cuidado com a atmosfera dos clássicos”, escreveu Robert Murray M’Cheyne a um amigo na faculdade. “É verdade que devemos conhecê-los; mas apenas como os químicos lidam com venenos - para descobrir suas qualidades, não para infectar seu sangue com eles”. Quem quer viver sabiamente neste mundo ouça o livro de Provérbios.

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas (obras consultadas e utilizadas neste artigo)

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______________. The Instructions of Shuruppak. A Sumerian Proverb Collection. Copenhagen: Akademisk Forlag, 1974.

BONAR, Andrew A. The Biography of Robert Murray M'Cheyne. Michigan: Zondervan Publishing House, 2005. [Ebook].

ELMSLIE, W.A.L. Studies in life from Jewish proverbs. London: James Clarke & Co., Fleet Street, 2019. [versão pdf].

EVERETT, Gary H. Study Notes on the Holy Scriptures - using a theme based approach to identify literary structures - The Book of Proverbs, 2017. [versão pdf].

HARRISON, Roland Kenneth. Introduction to the Old Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 1969.

HORNE, Milton P. Proverbs-Ecclesiastes. Macon, Georgia: Smyth & Helwys Publishing, 2003. [Bible Commentary, v.12].

KIDNER, R. Derek. Provérbios - Introdução e Comentário. Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Edições vida Nova e Mundo Cristão,1980. [Série Cultura Bíblica].

LONGMAN, Tremper. How to read Proverbs. Illinois: InterVarsity Press, 2002.

POWELL, Mark Allan (Ed.). HarperCollins Bible Dictionary Revised Updated.  With the Society of Biblical Literature, 2009.

STEINMANN, Andrew E. Steinmann. “Proverbs 1-9 As A Solomonic Composition”, Journal of the Evangelical Theological Society 43.4 (December 2000): 659-674.

TENNEY, Merril C. Enciclopédia da Bíblia - cultura cristã, v.4. Tradução da Equipe de colaboradores da Cultura Cristã - São Paulo: Cultura Cristã, 2008. [em cinco volumes].

WALTKE, Bruce. Comentários do Antigo Testamento – Provérbios, vol. 01. Tradução de Susana Klassen. São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2011.

Referências Bibliográficas (outras obras relacionadas ao tema)

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DRANE, John (Org.) Enciclopédia da Bíblia. Tradução Barbara Theoto Lambert. São Paulo: Edições Paulinas e Edições Loyola, 2009.

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[1] O título abreviado "Os Provérbios de Salomão" em 10.1 é um subtítulo dentro da coleção maior (caps. 1-24), e outro título em 25.1, "Estes também são provérbios de Salomão", começa a segunda coleção salomônica (caps. 25-29).

[2] Essa foi a primeira tradução das literaturas religiosas judaica para uma outra língua, no caso aqui o grego.

[3] Ambos foram anexados ao final do livro do qual se pode inferir duas possibilidades:  que eles foram escritos em uma data posterior, ou talvez seus escritos não fossem considerados no mesmo nível dos que foram produzidos por Salomão. Mas nada desses personagens se conhece fora de suas menções em Provérbios.

[4] Um grande número de estudiosos sugere que a frase "palavras do sábio" encontrada no Provérbios (22.17; 24.23) faz referência a material que Salomão selecionou de outras fontes de sabedoria Oriental. Corrobora com esta conclusão o fato de que alguns destes provérbios são semelhantes a um Escrita egípcia intitulada “A Instrução de Amenemope” (c. 1200 a 1300 B.C.) e também o fato de que em Eclesiastes (12.9-10) afirma-se que o Rei Salomão procurou outras fontes de literatura da sabedoria. De fato, Salomão foi o rei mais internacionalizado da história Israelita e seus múltiplos casamentos diplomáticos o colocou em contato direto com as mais diversas culturas da época. 

[5] Com Ben Sira, ocorreu uma mudança decisiva, e as tradições sagradas de Israel entraram no repertório de professores profissionais. Em contraste com a Literatura de Sabedoria anterior, Sirach (Ecclesiasticus) pode ser datado com confiança para a década entre 190 e 180 A.C.E.

[6] Na literatura egípcia antiga, a literatura da sabedoria pertencia ao gênero sebayt ("ensino") que floresceu durante o Reino Médio do Egito e tornou-se canônico durante o Novo Reino. Obras notáveis do gênero incluem as Instruções de Kagemni, As Máximas de Ptahhotep, as Instruções de Amenemhat, e o Ensino Legalista (cf. Wisdom literature | Project Gutenberg Self-Publishing - eBooks | Read eBooks online).

[7] Provérbios sumérios constituem o maior corpus mais antigo de provérbios do mundo. Eles datam, em geral, do antigo período babilônico (c. 1900-1600 B.C.). Além de um número limitado de provérbios egípcios, os de origem bíblica e clássica chegam mais perto do tempo e da proximidade geográfica dos provérbios sumérios. Os provérbios sumérios são o ramo mais antigo de um fenômeno universalmente conhecido.

[8] As Instruções de Shuruppak são um conjunto de provérbios sumérios de 4.600 anos de idade dados por um rei ao seu filho, que essencialmente definiram como ele deve se comportar. As inscrições antigas foram gravadas em script cuneiforme em tábuas de argila, e hoje estão entre os textos literários mais antigos sobreviventes do mundo.

[9] Nos dias de Salomão havia a necessidade de se preparar adequadamente jovens para a administração pública, de maneira que o livro de Provérbios seria uma espécie de Manual Acadêmico, visto que a sabedoria é necessária para a formação de um caráter sadio. Quem dera os funcionários públicos de hoje tivessem em Provérbios seu manual de ética.

[10] As quatro letras do alfabeto hebraico que compõem este tetragrama (escritas da direita para a esquerda) são י (yod), ה (he), ו (vav, chamada também waw), e de novo ה (he). Em português (como em inglês e françês) a transliteração usual é YHWH, mas encontram-se também na forma YHVH (como em espanhol).

[11] Esse temor ou reverência por Yahweh é “uma das frases mais repetidas” em todo o livro (cf. Provérbios 1.29; 2.5; 9.10; 10.27; 14.26, 27; 15.16, 33; 16.6; 19.23; 22.4; 23.17).

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Paulo sua vida & teologia

 


            Quando estudamos a vida de Paulo é impossível não se referir à sua teologia e quando falamos da teologia paulina torna-se fundamental conhecer os fatos sobre a vida de Paulo. Isso acontece porque a teologia dele não foi elaborada em uma confortável sala universitária, mas foi forjada na bigorna da vida. Os temas mais celestiais desenvolvido pelo apostolo dos gentios em suas preciosas epístolas estão plenamente conectadas com as realidades cotidianas dele e, de seus leitores. As correspondências paulinas não são exotéricas, místicas ou de auto ajuda, mas teológicas pastorais onde a compreensão dos temas teológicos deve ser compreendida e aplicada em todas as esferas da vida humana.

               Esta conexão direta de sua vida com o desenvolvimento de seu pensamento teológico pode ser percebida no fato de que ele valoriza sua história, não apenas após a conversão no caminho para Damasco, mas até mesmo antes, em relação à sua origem judaica. De maneira que não é possível, como os acadêmicos liberais tentam fazer, separar os extratos autobiográficos de Paulo de sua teologia epistolar.

            Escrevendo aos crentes da Galácia (4.12) ele se coloca como modelo de crente para eles; na primeira carta aos Corintos (9.1) ele declara que foi o instrumento da conversão deles; ao Filipenses (1.12) ele recorda que todas as dificuldades pelas quais passou, desde sua conversão e no transcorrer de seu ministério apostólico itinerante, serviu para promover o Evangelho; assim também escreve aos crentes em Roma (15.18) onde declara que seu ensino era autenticado por tudo quanto Cristo realizara em sua vida. Paulo esperava que esses pequenos extratos de sua trajetória pessoal pudessem de alguma forma contribuir para a autenticação de seu ensino e pregação.

            Desta forma, se para o apóstolo Paulo essas informações pessoais eram relevantes dentro do escopo de seu ministério apostólico, quando estudamos suas correspondências não podemos simplesmente ignora-las ou minimizá-las, pois tais informações contribuirá para uma melhor compreensão do contexto histórico do qual suas cartas e teologia podem melhor serem compreendidas e interpretadas.

            Reforça o argumento suscitado acima o fato de que cada epístola escrita por Paulo está prenha das circunstâncias imediatas, visto que elas são ocasionais, ou seja, elas são produzidas na medida em que fatos vão ocorrendo e ele precisa tratar destas questões o mais rapidamente possível. Elas são endereçadas a comunidades e pessoas especificas e em um momento histórico-temporal especifico.  

Outro aspecto peculiar é que suas correspondências são uma extensão de seu trabalho pastoral. Diante das limitações espaço-temporais Paulo faz de suas correspondências um substituto para sua presença. A linguagem é a mais próxima possível de uma pastoral, sermão ou aula audível. Toda sua teologia esta voltada para as necessidades prementes de seus leitores, fossem comunidade ou pessoais. Seu objetivo primário era de os leitores fossem fortalecidos na fé e na prática de uma vida cristã dinâmica e frutífera.

Por esta razão as cartas de Paulo não podem ser colocadas dentro da moldura da retórica epistolar antiga. Em uma mesma correspondência podemos encontrar diversas características epistolares, pois ele não estava preocupado com a forma, mas sim em verbalizar por meio da escrita o seu pensamento e sentimentos em relação ao contexto e a vida de seus leitores primários. Ainda que ele mantenha em suas cartas um padrão semelhante às correspondências daquela época: identificação de quem escreve; para quem escreve; saudação inicial e saudação final (trato deste aspecto em artigo especifico).

O epistolário de Paulo não textos crus que devem ser estudados somente a através das ferramentas gramaticais exegéticas adequadas, mas para serem lidas, estudadas e pregadas em harmonia com a vivência do apostolo. A primeira epístola saída da pena do apóstolo, que defendo ser a dirigida aos Gálatas, revela um Paulo ainda sob o impacto de sua conversão e zeloso quanto ao conteúdo da mensagem do Evangelho,  o que transparece na forma contundente e veemente trata os desvios doutrinários daqueles crentes da Galácia do Sul, provavelmente ainda como resquícios de seus muitos anos de fariseu extremista.

Mas na medida em que vai amadurecendo na sua caminha cristã Paulo vai aprendendo a dosar sua linguagem e nas epístolas mais maduras, ainda que trate de temas teológicos mais complexos e profundos, seu vocabulário vai se revestindo de um tom cada vez mais pastoral e mesmo quando escreve uma série de cartas aos Corintos, certamente a comunidade mais difícil e problemática das que ele havia estabelecido, ele os corrige com firmeza, mas sem a veemência da carta aos Gálatas. No meio de uma série de correções doutrinários e morais, ele insere um dos hinos mais belos de toda a literatura bíblica, que ele apresenta como sendo o caminho sobremodo excelente – o Amor (1 Coríntios 13). E não podemos deixar de mencionar sua carta mais terna e amorosa dirigida aos Filipenses, que durante todo seu ministério cooperou com ele inclusive financeiramente.

E quando chegamos ao seu canto do cisne (2 Timóteo), podemos ver o quanto Paulo amadureceu como cristão e mesmo antevendo seu martírio escreve uma das correspondências mais sensíveis de todo seu epistolário, dirigida ao seu jovem discípulo, agora não tão jovem mais, plena de expressões paternais e cuidados para com o amigo de ministério, que terá que assumir o pesado fardo de não apenas preservar o bom depósito do Evangelho, mas de transmiti-lo com fidelidade para as novas gerações que o sucederão. Mas a nota, nesta última carta da pena de Paulo, que entendo ser o representativo deste longo processo vivencial, é a menção de sua reconciliação com João Marcos, que fora motivo de sua separação de Barnabé, mas que agora se constitui em companheiro muito útil no desenvolvimento do ministério cristão dele e da igreja. Essa pequena nota revela o quanto Paulo aprendeu e amadureceu como apóstolo dos gentios.

Menosprezar ou minimizar esse processo de amadurecimento pessoal de Paulo, quando se estuda suas correspondências, é empobrecer muito sua mensagem e seus ensinos pastorais teológicos. Suas epístolas não são teses acadêmicas teológicas, elaboradas em escritórios universitários ou áridos seminários, mas correspondências de um apostolo que desde seu primeiro dia de conversão até seu último dia antes do martírio, provavelmente decapitado em Roma, foi aprendendo e reaprendendo a vivenciar na prática cotidiana seus ensinos doutrinários. Em todas suas cartas Paulo trata dos temas pesados e difíceis doutrinários e os mescla com uma práxis desta teologia na vida cristã ordinária.

Assim como tem de ser com todos os genuínos pregadores e professores bíblicos de ontem e de hoje, as correspondências de Paulo, antes de ser apenas para seus leitores, eram dirigidas para si mesmo, pois ele jamais utilizaria o ditado popular: “faça o que ensino, prego e escrevo, mas não faça o que eu faço”.

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Historiologia Protestante
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Referências Bibliográficas

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BROWN, Raymond. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004 (Coleção Bíblia e história Série Maior).

COLLINS, R. F. Latters that Paul did not write (Wilmington, Glazier, 1988).

GARDNER, Paul (Ed.). Quem é quem na bíblia sagrada. Tradução Josué Ribeiro. São Paulo: Editora Vida, 1999.

HAWTHORNE, Gerald F. e MARTIN, Ralph P. e REID, Daniel G. (Org.). Dicionário de Paulo e suas cartas. 2ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

LONGENECKER, Bruce W. and STILL, Todd D. Thinking through Paul: an introduction to his life, letters, and theology. Michigan: Zondervan, Grand Rapids, 2014.