sábado, 29 de julho de 2017

A Cristologia no Evangelho Segundo João


            O quarto evangelho é distinto dos primeiros três denominados de sinóticos (Mt, Lc e Mc). João foi o último dos apóstolos a morrer e seus escritos foram produzidos no final do primeiro século. As perguntas que estão sendo levantadas nesse momento são distintas daqueles que seus colegas se propuseram a responder em período anterior. Um dos propósitos deste evangelho é demonstrar a divindade de Jesus Cristo, o que fica evidente desde seus prologo de abertura onde ele relaciona Jesus Cristo como sendo o Verbo/Palavra que sempre existiu desde a eternidade e que participa efetivamente na criação e sustentação do Mundo. Neste artigo vamos acompanhar no transcorrer da narrativa como o evangelista desenvolve uma cristologia consistente e inteligível aos seus primeiros leitores e a todos que se dispõe a estuda-lo com acuidade e fé.

Unigênito do Pai
Jesus Cristo não é um filho de Deus, mas ele é o Filho de Deus. Jesus é único (unigênito), pois tem a mesma natureza do Pai e do Espírito sem qualquer distinção em poder e glória (Hb 1.3). Jesus é a plena e definitiva revelação do Pai (2 Co 4.4; Gl 1.15).
Para o evangelista não há qualquer dúvida da filiação divina de Jesus quando declara que é o “unigênito" "monogenes" "o Filho unigênito" –“monogenes Zeos” (Jo 1.14 e 18) igual [em todos os atributos] ao Pai, e desde toda a eternidade esteve "no seio do Pai". Jesus é o "Filho de Deus" (Rm 1.3), "o Filho do seu amor" (Cl 1.13), o seu amado no qual o Pai tem toda sua satisfação (Mc 1.11; 9.7). O Pai, que nunca foi visto por olhos humanos é dado a conhecer através do Filho que desde a eternidade compartilha da intimidade do Pai (1.1) e o tem visto (6.46) e vem da parte dele (7.29; 16.28); Jesus é aquele que fala da parte de Deus (3.34; 12.49-50; 14.24; 17.8.14). Por esta razão, somente ele está qualificado para revelar plenamente quem é Deus e como é Deus. "Deus nunca foi visto por alguém. O Filho [Deus] unigênito, que está no seio do Pai, esse o revelou" (1.18).
Idêntico e Imanente
O centro de gravidade da cristologia joanina repousa sobre a unidade do Pai e do Filho. Aqui estão apenas alguns textos: "Eu e o Pai somos um" (Jo 10.30) onde a expressão grega neutra indica que o Pai e o Filho é uma unidade perfeita. Eles têm a mesma natureza, o mesmo conhecimento, as mesmas vontades. A unidade de todos os crentes, um dos princípios basilar da Igreja como testemunho evangelístico, é um paradigma ideal da unidade do Pai e do Filho: "Para que todos sejam um, como nós somos um” (Jo 17.11). Uma vez que eles são idênticos, conhecer o Filho é conhecer o Pai (Jo 14.7) e, se ignorarmos o Pai também ignoramos o Filho. Quem vê o Filho vê o Pai (Jo 14.9). E aquele que odeia o Filho odeia o Pai (Jo 15.23). A rejeição e hostilidade do mundo contra Jesus Cristo, em última análise uma hostilidade contra seu Pai, contra Deus (Jo 8.31-59). Da mesma forma que o Filho conhece o Pai é conhecido por Ele (Jo 10.15). Isto implica o conhecimento recíproco e é um mistério que liga e unifica de modo que o Filho encarnado se identifica como sendo o "EU SOU" (João 8.24, 28), até então reservado exclusivamente para o Deus Pai (Is 43.10,12,13; Ex 3.14). Há uma interpenetração entre os dois de tal maneira que podemos afirmar que o Filho vive no coração do Pai e que o Pai no coração do Filho. Um está no outro e esta imanência mútua é bem atestada: "Eu estou no Pai e o Pai está em mim" (Jo 14.11). "O Pai está em mim e eu nele" (10.38; 17.21). "... estou em meu Pai, vocês em mim, e eu em vocês" (14. 20). Esta imanência tripla do Pai, do Filho e dos filhos (crentes), se expressa na alegoria da videira (Jo 15.1-7). O Pai é o agricultor, o Filho é a videira e os filhos (crentes) são os ramos. A videira é existencialmente ligada ao agricultor e os ramos são vitalmente ligados à videira. No pleroma o Filho está no Pai, há um sentido passivo, ele está cheio de Deus, e, ao mesmo tempo, há um sentido ativo, na vida dos crentes, a Plenitude da Igreja.
Enviado pelo Pai
Jesus reivindica que veio a este mundo como o enviado do Pai (Jo 5.36, 6.57, 10.36). Que o Pai age nele e através dele. "O que o Pai faz, o Filho também faz" (Jo 5.19). Quem o enviou está sempre com ele (Jo 8.4, 28). Ele veio como um enviado divino e por isso é necessário aceitar e crer nele (Jo 6.29). Tudo quanto ele faz e fala vem da parte do Pai, pois Ele não fala por si próprio, mas expressa a voz do Pai: "Esta doutrina não é minha, mas daquele que me enviou" (Jo 7.6). "Eu não falo por mim mesmo, o Pai me ordenou o que eu tenho a dizer e ensinar" (Jo 12.49). O Mensageiro executa uma função e não pode extrapolar a sua missão e suas funções. Afirma que ele e o Pai são um e ao mesmo tempo diz que "o Pai é maior" do que ele (Jo 14.28). Esta não é uma inferioridade ou subordinação do Filho do Pai, no sentido de que ele é uma criatura, como pensava e ensinava os arianos. Ele é enviado pelo Pai e "o enviado maior do que aquele que o enviou(Jo 13.16), pelo contrário, é dependente daquele que o envia, e deve se sujeitar a ele para cumprir a sua missão para ele seja glorificado e conhecido. Somente neste sentido o Filho é inferior ao Pai.
A Vontade do Pai
Jesus é o Filho perfeito, absolutamente entregue ao Pai, no amor, na obediência e fidelidade. Faz o que o Pai lhe ordenou (Jo 14.31), seu alimento é fazer a vontade do Pai (4.34); "Eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" (6.38), "Eu sempre faço o que lhe [Pai] agrada" (8.29). Ele é um juiz que "ouve" o Pai e pronuncia seu julgamento depois de ouvi-lo: "e o meu juízo é justo, porque não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai que me enviou” (5.30). E seu julgamento não é apenas condenatório pois "Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condená-lo, mas para salvá-lo" (3.17). Ele fez a vontade do Pai até o fim, bebendo todo o cálice que tinha recebido do Pai (18.11). "Ele deu a si mesmo por nossos pecados ... de acordo com a vontade de nosso Deus e Pai" (Gl 1.4). Não admira que um de seus útlimos brados na cruz foi a declaração: "Está consumado" (Jo 19, 30). Ele fez toda a vontade do Pai.
A Revelação do Pai
Jesus é a Palavra última e definitiva do Pai, a Palavra que se fez carne (Jo 1.14). Somente ele pode revelar a intimidade de Deus plenamente, porque “tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer” (15.15). Ele é aquele que manifesta e revela o Pai, “se vós me conhecêsseis a mim, também conheceríeis a meu Pai” (Jo 8, 19). Ele utiliza as parabolas, todavia haverá o tempo (após sua morte, ressurreição e exaltação) em que todos verão o Pai (Jo 16.25), de forma aberta, com liberdade absoluta. Jesus mesmo haverá de abrir as mentes de seus discipulos para que possam alcançar a plena verdade e entender o mistério de Deus Pai (10.30).
O Representante Legal do Pai
Jesus é o plenipotenciário. Ele é revestido da autoridade do Pai, pela qual ele fala (Mc 1.22-27), não como os escribas que ensinam apenas repetindo o que os outros haviam dito. Jesus inumeras declara muitas vezes: “Eu vos tenho dito” de maneira que seus ensinos tem autoridade nele.  O Pai lhe confiou todas as coisas e toda a sua autoridade. E a maior manifestação da vontade do Pai é que "todos os homens sejam salvos" (1 Timóteo 2.4). E essa salvação será manifestada a todo o mundo, porque para isso o Pai tem lhe dado "todo o poder no céu e na terra" (Mt 28, 18).
O caminho para o Pai
"Eu vim do Pai e entrei no mundo, agora deixo o mundo e retorno para o Pai" (Jo 16.28). Com estas palavras, Jesus faz uma dupla afirmação quanto a sua existência na eternidade e sua encarnação no tempo. Tendo completado sua missão, ele pode dizer: "Eu vou para o Pai" (14.12). Mas estas palavras não são indicam o fim de suas atividades, mas o início de uma nova atividade agora glorificado "ao lado do Pai, sempre vivo para interceder por vós" (Heb 7.25). Ele é o nosso advogado junto ao Pai (1 João 2.1). Na passagem de João (14.4-11), a palavra "pai" aparece dez vezes e sempre em torno da idéia de que Jesus é o único caminho para o Pai: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (14.6). Somente Ele é o caminho que leva à verdade e a vida que estão no Pai; Ele é o caminho, a verdade, isto é, a Palavra de Deus revelada por Ele, conduz à vida é ao Pai; Jesus é o caminho, porque é a verdade e a vida. A melhor tradução seria esta: "Eu sou o verdadeiro caminho que conduz à vida". Somente ele é o único mediador entre o Pai e nós, a divina ponte de ligação da humanidade com o Criador. "Sem mim nada podeis fazer" (Jo 15.5). E ninguém vem ao Pai senão por meio de Jesus Cristo e ninguém pode ir a Jesus Cristo, a não ser que o Pai o leve (Jo 6.44).

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bíblicas
BARCLAY, William. El Nuevo Testamento, v. 5. Buenos Aires: La Aurora, 1974.
BONNET, Luis y SCHROEDER, Alfredo. Comentário del Nuevo Testamento. Buenos Aires: La Aurora, 1974. [v. 5].
CARSON, D. A. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2001.
HENDRIKSEN, GUILLERMO. Juan – comentário del Nuevo Testamento. Michigan: Subcomission Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada, 1980.
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento – João. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2004. [v.1,].
HULL, W. E. Comentário bíblico Broadman, v. 9. Rio de Janeiro: JUERP, 1983.
MCARTHUR, John. Comentário Macarthur del Nuevo Testamento – Juan. Epanha: Kregel, 2011.
MICHAELS, J. Ramsey. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo – João. São Paulo: Vida, 1994.
PACK, Frank. O Evangelho Segundo João. São Paulo: Vida Cristã, 1983.
TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento – sua origem e análise. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1972.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Viajando no Evangelho Segundo Mateus (1.1-17)


A Genealogia (origem) do Rei
            O evangelista Mateus provavelmente não foi o primeiro a produzir um registro evangélico é mais defendido hoje que Marcos tenha tido está primazia. É preciso lembrar que o cânon ou definitiva deleção dos livros que haveriam de compor o Segundo Testamento e/ou Novo Testamento ocorreu no desenvolver do quarto século da era cristã. No arranjo ou organização desse cânon neotestamentário foi escolhido para abri-lo a narrativa evangélica de Mateus por duas razões básicas: ele faz uma perfeita ponte com o Primeiro Testamento visto que ao apresentar Jesus Cristo como o Rei messiânico faz amplo uso dos textos veterotestamentário e também faz citação explicita em relação ao estabelecimento da Igreja como a instituição que haveria de congregar todos aqueles que viessem a crer em Jesus Cristo como Senhor e Salvador. Para os que desejam maiores informações e particularidades deste primeiro evangelho é preciso procurar nos artigos introdutórios disponibilizados no blog.
            Aqui iniciamos uma impressionante viagem na companhia de Mateus onde ele nos apresenta a vida e ministério de Jesus Cristo, bem como a sua morte, ressurreição e ascensão. Conforme o roteiro proposto por ele haveremos de percorrer toda região da Palestina judaica e presenciaremos milagres impressionantes feitos por Jesus, bem como haveremos de ouvir seus ensinos maravilhosos e nos deliciarmos com suas parábolas. Também conheceremos as mais diversas pessoas que foram tendo suas vidas transformadas na medida em que tem contato com o Salvador. Mas por fim acompanharemos toda a trama que foi armada pelos adversários de Jesus e que culminara com seu julgamento e condenação pelo Sinédrio judaico com a complacência das autoridades romanas.
            Faremos essa viagem da seguinte forma: na coluna da esquerda teremos o texto evangélico e na coluna da direita alguns comentários sucintos que nos permitiram uma compreensão melhor do registro feito por Mateus.

Boa viagem!


Evangelho Segundo Mateus (NVI)
Capítulo 1.1-17
Comentários
Síntese da Perícope: A Genealogia (origem) do Rei
Jesus é apresentado como "o filho de Davi” representante do reino messiânico e “o filho de Abraão" representante da aliança de Deus e Israel (1.1). Mateus faz um arranjo para apresentar a genealogia de Jesus composta de três conjuntos de catorze gerações. Ele então registra algumas breves informações sobre o nascimento de Jesus. Informa-nos que Maria e José estão noivos (legalmente casados), porém não coabitando juntos. Nesse interregno Maria encontra-se gravida através do Espírito Santo (o que seria entendido na época como o espírito de Deus) e ao tomar conhecimento José decide que ele deve deixá-la (se divorciar) em sigilo para evitar expô-la à opinião pública e à morte por apedrejamento, conforme prescrição da lei mosaica. Mas durante uma noite José recebe uma revelação divina, através de sonho, que lhe tranquiliza o coração, de que o bebe foi gerado pela ação do Espírito de Deus. Por quê? Porque essa criança salvará as pessoas de seus pecados. Não só isso cumpre uma profecia (Mateus interpreta o profeta Isaías) e também define o caminho a ser percorrido na narrativa. José mantem seu compromisso e juntos aguardam o nascimento da criança.
1 Registro da genealogia [Gn 2.4; 5.1; Is 53.8; Lc 3.23-38; Ro 9.5] de Jesus Cristo, filho de Davi [9.27, 15.22, 22.42-45; 2Sm 7.13,16; Sl 89.36, 132.11; Is 9.6,7, 11.1; Jr 23.5, 33.15-17, 33.26; Am 9.11; Zc 12.8; Lc 1.31,32,69,70; Jo 7.42; Atos 2.30, 13.22; Rm 1.3; Ap 22.16], filho de Abraão [Gn 12.3, 22.18, 26.3-5, 28.13,  28.14; Rm 4.13; Gl 3.16]:
As primeiras palavras remetem o leitor ao primeiro livro da bíblia hebraica (Gn 5.1). O objetivo é fazer o link de Jesus com a história israelita-judaica. Havia grande rigor no judaísmo pós-cativeiro em relação à genealogia para se evitar qualquer tipo de fraude. A primeira pergunta a ser feita em relação às posteriores reivindicações de Jesus é: ele é da linhagem de Davi? Mas não apenas de Davi mas de Abraão onde a história israelita-judaica tem sua gênesis.
Abraão gerou Isaque; Isaque gerou Jacó; Jacó gerou Judá e seus irmãos;
3 Judá gerou Perez e Zerá, cuja mãe foi Tamar; Perez gerou Esrom; Esrom gerou Arão;
4 Arão gerou Aminadabe; Aminadabe gerou Naassom; Naassom gerou Salmom;
5 Salmom gerou Boaz, cuja mãe foi Raabe; Boaz gerou Obede, cuja mãe foi Rute; Obede gerou Jessé;
6 e Jessé gerou o rei Davi. Davi gerou Salomão, cuja mãe tinha sido mulher de Urias;
7 Salomão gerou Roboão; Roboão gerou Abias; Abias gerou Asa;
8 Asa gerou Josafá; Josafá gerou Jorão; Jorão gerou Uzias;
9 Uzias gerou Jotão; Jotão gerou Acaz; Acaz gerou Ezequias;
10 Ezequias gerou Manassés; Manassés gerou Amom; Amom gerou Josias;
11 e Josias gerou Jeconias e seus irmãos, no tempo do exílio na Babilônia.
12 Depois do exílio na Babilônia: Jeconias gerou Salatiel; Salatiel gerou Zorobabel;
13 Zorobabel gerou Abiúde; Abiúde gerou Eliaquim; Eliaquim gerou Azor;
14 Azor gerou Sadoque; Sadoque gerou Aquim; Aquim gerou Eliúde;
15 Eliúde gerou Eleazar; Eleazar gerou Matã; Matã gerou Jacó;
16 e Jacó gerou José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado Cristo.

Os judeus, sobre tudo depois do cativeiro babilônico, deram grande importância às listas de antepassados ou de ascendentes, chamadas genealogias (cf. 1Cr 1-8). Era a única forma de demonstrar a pertença ao povo do Israel - a uma tribo e família determinadas. Mateus pretende provar que Jesus faz parte desta linhagem e entre os seus antepassados estão nada menos do que Abraão a quem Deus lhe tinha feito promessas de bênção para seus descendentes e para todas as nações (cf. Gn 12.3; 17.4-9; 22.15-18; Mt 28.19; Gl 3.16) e Davi cujas promessas feitas por Deus (cf. 2Sm 7.16) alimentaram toda esperança messiânica de Israel e posteriormente de Judá (cf. Mt 22.42; 1Cr 1.34; 2.1-15; também Rt 4.18-22).
É interessante que durante toda genealogia é utilizado a expressão “gerou” por parte dos progenitores, com exceção de José – “e Jacó gerou José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus” (verso 16), deixando claro ao leitor que José não tem participação na fecundação desta criança que foi gerada no útero de Maria. O casal igualmente faz parte da linhagem davídica.
Mateus apresenta Jesus como Rei, portanto iniciar com a genealogia comprovando sua descendência davídica-messiânica é perfeitamente natural e fundamental.
O nome composto da criança revela suas funções posteriores: Jesus - forma grega (mesmo que Josué) do hebreu Yeshua (ou Yehoshua ), que significa o Senhor salva (Cf. Sl 130.8; Lc 1.31; 2.11,21)  e Cristo - título grego, traduzido do hebreu Messias utilizado quando uma pessoa era ungida para dois ofícios muito notáveis: Sumo Sacerdote e como Rei.


17 Assim, ao todo houve catorze gerações de Abraão a Davi, catorze de Davi até o exílio na Babilônia, e catorze do exílio até o Cristo.
Mateus apresenta um esquema ideal de três séries de quatorze gerações, baseado sobre o número sete, que tem caráter simbólico de completo (também se refere à perfeição de Deus). Também fica mais fácil a memorização desta relação de nomes.
As divisões são: (1) Desde o nascimento de Abraão até o nascimento de Davi; (2) do nascimento de Davi ao cativeiro e (3) do cativeiro ao nascimento de Jesus.
Em sua seleção ele não omite os personagens ruins como Acaz, Manassés e Amom que foram péssimos reis; ainda de forma inédita inclui o nome de quatro mulheres (que não era comum na época) e não foram as mais recatadas (Tamar [incesto], Raabe [meretriz e canaanita], Betseba [adúltera]; Rute [moabita]), entre os antepassados de Jesus, realçando que a lista não foi feita com base no mérito dos personagens, mas na graça salvadora de Deus e que sempre se manifestou a todos e não apenas aos judeus. É esta graça que agora irá fornecer um Salvador para Israel e para o mundo inteiro, de maneira que todo pecador participa desta mesma de salvação.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
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Referência Bibliográfica
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado. São Paulo: ed. Milenium, 1985. [v. 1].
CARSON, D. A., MOO, Douglas J. e MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.
DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1995.
HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001.
JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no Tempo de Jesus: pesquisa de história econômico-social no período neotestamentário. 4 ed. São Paulo: Paulus, 1983.


segunda-feira, 17 de julho de 2017

Parábolas: a Criação e as Nossas Atividades Corriqueiras Revelam Deus


A opção de Jesus de ensinar utilizando-se do método parabólico é inspirada no mesmo método pelo qual se revelou para a humanidade. Para que pudesse ser conhecido por nós ele se revestiu ou assumiu a nossa humanidade e viveu entre nós. A sua Divindade foi revelada na sua Humanidade e a sua glória foi revestida por seu corpo humano. Deste modo o desconhecido pôde ser apreendido pelo conhecido, e as coisas celestiais manifestadas nas coisas terrenas - Deus se fez humano.
O mesmo vai ocorrer com o ensino de Cristo: o invisível será ilustrado pelas coisas visíveis e as verdades divinas serão disponibilizadas a todos através dos fatos corriqueiros da vida comum das pessoas de seus dias. A Escritura nos diz que “Jesus falou todas estas coisas à multidão por parábolas. Nada lhes dizia sem usar alguma parábola, cumprindo-se, assim, o que fora dito pelo profeta: Abrirei minha boca em parábolas, proclamarei coisas ocultas desde a criação do mundo” (Mateus 13.34,35). Ele usou as cenas da natureza e da vida comum de seus ouvintes para ilustrar verdades espirituais contidas nas Escrituras (AT). Na medida em que Jesus vincula os reinos animal e natural para ilustrar o mundo espiritual, seus ensinos parabólicos tornam-se um elo que une o homem a Deus, e a terra ao céu.
Ao tomar suas parábolas da natureza, Jesus estava usando coisas que ele próprio tinha criado e nos quais tinha manifestado a sua criatividade e poder. Na sua perfeição inicial toda a criação foi expressão do pensamento de Deus. Adão e Eva não tiveram qualquer problema em compreender Deus manifestado na Criação. A relação deles com Deus se dava de forma natural e direta sem a necessidade de qualquer explicação, assim como um bebe se relaciona com seus pais mesmo antes de aprender a falar.
Tudo começa a se complicar a partir da transgressão (pecado). Tudo que era claro tornou-se opaco e a relação que era de intimidade e companheirismo tornou-se distante e de inimizade. A natureza que até então manifestava claramente a bondade e vontade de Deus, torna-se agora um mistério a ser desvendado e um código a ser decifrado. A natureza que era uma expressão clara de Deus agora precisa ser estudada e explicada para se aperceber a presença de Deus, pois a comunicação direta foi rompida.
Todavia, como afirma o salmista, a criação (natureza) continua sendo uma poderosa expressão de Deus, ainda que o ser humano necessite de auxilio para poder ver e compreender está verdade. Como o apóstolo Paulo explica aos crentes em Roma em sua estultícia o ser humano ao contemplar a natureza enxerga somente a si mesmo e por está razão “honraram e serviram mais a criatura do que o próprio Criador” (Rm 1.21-25).
Através de suas Parábolas Jesus pedagogicamente se utiliza da natureza para explicar as realidades espirituais, que para Adão e Eva era legível, mas para a geração decaída tornou-se ilegível. Em e através de seus ensinamentos (revelação) Cristo resgata o valor da Criação como manifestação da glória de Deus. “Considerem os lírios do campo: eles não trabalham nem ceifam, contudo vos digo que nem mesmo Salomão em toda a sua glória, se vestiu como um deles. Se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, será que ele não os vestirá muito mais, pessoas de pouca fé?"(Mt 6.28-30). E depois de mais algumas ilustrações tiradas da natureza Jesus conclui: “Buscai primeiro o Reino e a justiça de Deus; e todas estas coisas lhes serão acrescentadas” (Mt 6.33).
Na primeira parte do seu ministério, Jesus fala da forma mais clara possível de modo que todos os seus ouvintes poderiam vir a compreender a verdade de Deus que os conduziria à salvação, todavia, por causa da dureza de seus corações passou a lhes falar por meio de Parábolas: “...para que vendo não vêem e ouvindo não ouçam, pois o coração desse povo está embrutecido, tampam os ouvidos e fecham os olhos” (Mt 13.13-15).
O método pedagógico de ensinar por Parábolas era para despertar a curiosidade de seus ouvintes e o genuíno interesse em compreender o que estava sendo ensinado. Esse método de ensino era popular e Jesus conseguiu atrair atenção das pessoas. E a todos aqueles que verdadeiramente desejam compreender sua mensagem Jesus sempre estava disposto a explicar as verdades contidas em suas Parábolas.
Outra razão pela qual Jesus ensina por Parábolas era que as pessoas não estavam preparadas para receber ou mesmo entender sua mensagem salvífica. Retirando da natureza e das cenas cotidianas das pessoas as ilustrações de seus ensinos Jesus facilitava a comunicação e o entendimento por parte delas. Posteriormente seus discípulos e todas as pessoas que ouviram suas Parábolas lembravam-se com mais facilidade de seus ensinos e de sua mensagem expressada através destas pequenas ilustrações cotidianas e naturais com as quais interagiam. Evidentemente que a partir do momento em que o Espírito Santo abria as mentes e corações todos os ensinos de Jesus tornaram-se cada vez mais claros e mais facilmente apreendidos por todos os que criam.
Ainda outra razão para utilizar o método parabólico era o fato de que Jesus desejava alcançar todos os corações indistintamente. Com seu caleidoscópio de ilustrações, ele não apenas expunha a verdade em seus vários aspectos, como também as adaptava às diferentes categorias de ouvintes. Tanto as pessoas mais simples e sem instrução formal ou os mais sábios e letrados dentre todos, podiam compreender igualmente a ilustração utilizada por Jesus, pois eram extraídas da natureza comum a todos.
Outro motivo pelo qual Jesus passou a ensinar por Parábolas era de que seus mais diversos inimigos: sacerdotes, rabinos, escribas e fariseus, saduceus e herodianos, zelotes fanáticos e toda sorte de pessoas ambiciosas, permeavam as multidões que vinham para ouvi-lo. Mas a razão que os trazia ali era uma só: encontrar em suas palavras uma razão se quer para prendê-lo e mata-lo. Tendo consciência desse fato Jesus em nenhum momento deixa de ensinar toda a verdade de Deus e de comunicar toda a mensagem de Deus – em suas Parábolas Jesus censura a hipocrisia e maldade inerente de seus corações pervertidos; sob a linguagem da natureza e do cotidiano as verdades espirituais são expostas de forma contundente; mas em nenhum momento aqueles adversários encontravam qualquer razão para acusa-lo diante do Sinédrio ou das autoridades romanas, e por está razão tiveram que utilizar-se do subterfugio da traição e da falsidade ideológica para mata-lo.   
Ao mesmo tempo em que Jesus escapava das armadilhas ardilosas de seus inimigos, ele comunicava a verdade e desmascarava o erro, de modo que os corações preparados (boa terra) recebiam a mensagem (semente) com bom grado e nos quais germinava e frutificava. Jesus usava de forma abundante a natureza para comunicar a sabedoria e bondade de Deus, e Paulo compreendeu isso: “As perfeições do Deus invisível, o seu eterno poder e divindade claramente se entendem, e claramente se veem pelas coisas que foram criadas [quando consideram como funcionam]” (Rm 1.20).
Os ensinos de Jesus são sempre concretos e não filosóficos. Elas não estimulam as especulações tão apreciadas pela curiosidade e ambição humana, pois seu propósito e comunicar as verdades espirituais às mentes naturais. Ele não oferece teorias a respeito de Deus, mas suas Parábolas e ensinos são instrumentos para possibilitar ao ser humano conhecer e se relacionar com Deus. Todo o ensino de Jesus trata sobre verdades concretas e consequências eternas.
Jesus expõe os princípios estabelecidos na Torá hebraica conforme recomendado em Deuteronômio (7.7-9). Os israelitas deveriam ser os luzeiros do mundo, irradiando o conhecimento de Deus e seu propósito salvifico, mas eles se voltaram para si mesmos e Jesus vem para corrigir esse equivoco. E a sua lousa ou tela são a própria criação. Ele nasceu e cresceu entre colinas e vales, sua vida familiar e religiosa são permeadas pela Palavra e Criação de Deus. Seu ministério itinerante é feito às margens do lago da Galileia, nas encostas das colinas, caminhando nos campos ou entre jardins, de onde extrai suas ilustrações.
Para Jesus a criação comunicava permanentemente seu Autor. A natureza torna-se juntamente com as Escrituras o manual necessário para tornar Deus conhecido pelos seres humanos. Na ação do Espírito Santo a mente humana é renovada e capacitada para ler, compreender e apreender de Deus não apenas nas Escrituras, mas também na própria criação. As teologias teóricas e especulativas, revestidas de ciência e filosofia, acabam incapacitando as pessoas de contemplarem a Deus. Uma comunhão e conhecimento genuíno de Deus somente podem ser alcançados na redescoberta da criação como fonte pedagógica e didática – o cristianismo e a criação revelam um único Deus.
Assim como Deus havia estabelecido o Sábado para que os israelitas como um memorial de Seu poder criador de maneira que eles pudessem contempla-lo, Jesus retoma esse principio através de suas Parábolas. Ele coloca seus ouvintes em contato permanente com a multiformidade da criação com seus campos, jardins, estrelas, prados e flores. Mas ele amplia o arco e incorpora também os demais dias da semana - o agricultor e o semeador – que em suas atividades diárias ensinam a forma como a graça de Deus alcança os corações humanos. Assim, todas e quaisquer atividades humanas são capazes de manifestar a bondade e o amor de Deus de maneira que se faz presente em todos os momentos da vida humana e não somente em um lugar especifico no tempo formal de um culto. Nossas ocupações diárias não são desculpas para nos esquecermos de Deus, pois elas continuamente nos fazem lembrar nosso Criador e Salvador. Até mesmo a perda de uma moeda é útil para revelar o amor persistente de Deus em favor do pecador. Ou mesmo uma única moeda de uma viúva pobre é capaz de revelar uma fé singela e despojada de hipocrisia.
Quando estudamos as Parábolas de Jesus somos habilitados a compreendermos as verdades de Deus e do Reino em todas as coisas, das mais complexas às mais simples. Podemos aperceber Deus em todas as nossas atividades corriqueiras; ampliamos a nossa comunhão de Deus de maneira que Ele se faz presente em todo o tempo e o tempo todo em nossas vidas, transcendendo os momentos e lugares específicos para cultos. Em suas Parábolas Jesus nos ensina que podemos apreender de Deus e de Seu Reino em e através de todas as coisas criadas e em todas nossas atividades humanas.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas
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