quarta-feira, 24 de abril de 2019

Epístola de Paulo aos Romanos: Estudo Devocional (1.1-7)



            A epístola aos Romanos é sem dúvida alguma o escrito mais maduro, teologicamente falando, produzida pela pena do apóstolo Paulo. Existem centenas se não houver um milhar de comentários produzidos ao longo desses séculos que nos separam da origem desta carta. Sem qualquer outra pretensão a não ser usufruir das bênçãos advindas da leitura e meditação dos ensinos nela contidos, vamos sem compromissos maiores nos deixar ser edificados e fortalecidos na nossa fé em Cristo Jesus através dos textos que o Espírito Santo inspirou o velho apóstolo a escrever aos cristãos e/ou comunidades cristãs que tinham se estabelecido na capital do Império Romano.
Servo
(v. 1) Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus,
É interessante perceber que na medida em que Paulo vai amadurecendo na vida cristã, maior é o senso de sua qualidade e função de servo – é quem sou e o que sou. O termo grego utilizado por Paulo é “dulos” que significa escravo, servo e aparece 124 vezes no Segundo Testamento e utilizado por Paulo 30 vezes sempre com a ideia de humildade e de uma vida que pertence a outrem, pois o “dulos” deve obediência exclusiva ao seu Senhor e não esperam nem recompensa e nem agradecimento pelas atividades realizadas. Quão distantes estão os cristãos atuais desse conceito paulino de “servo”.
É exatamente esta humildade que o qualificava para ser o intermediário das maravilhosas revelações de Deus. Não tem nada que ofenda mais a Deus do que o orgulho e a prepotência, pois são marcas distintivas do ser humano decaído e de Satanás. Um líder cristão que perde a dimensão de que é um servo estará desqualificado para exercer qualquer função na Igreja de Cristo. Quando nos “esquecemos” de que nada mais somos do que servos, nossos dons e talentos tornam-se instrumento de autopromoção e não mais para a glória de Deus.
            Paulo tinha plena consciência do que tinha sido: “Eu costumava pensar que devia fazer muitas coisas terríveis contra os seguidores de Jesus de Nazaré. Aprisionei muitos dos cristãos de Jerusalém, com autorização dos supremos sacerdotes; e quando eram condenados à morte, dava o meu voto contra eles. Eu utilizava tortura para tentar fazer os cristãos por toda parte amaldiçoarem Cristo. Era contra eles com tal violência que persegui todos até em cidades distantes, em terras estrangeiras" (Atos 26.9-11-BLH). E o que se tornou: “Entretanto, todas estas coisas que eu antigamente julgava muito valiosas, agora, lancei-as todas fora, a fim de poder pôr minha confiança e esperança somente em Cristo” (Fp 3.7-NIV). Que contraste! O encontro com Jesus coloca os nossos pontos de vista em suas dimensões corretas.
Chamados
(v. 1) Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus, (v. 6) E vocês também estão entre os chamados para pertencerem a Jesus Cristo.
Paulo enfatiza que não apenas ele, mas aqueles crentes em Roma e todos os cristãos em todos os tempos e lugares foram igualmente chamados diretamente por Jesus para servirem na Igreja. Esse chamado de Deus não é feito com base em méritos dos que foram chamados, mas unicamente com base no amor gracioso daquele que chama. Somente aqueles que “pertencem a Jesus Cristo”, ou seja, o confessam como Senhor de suas vidas são capacitados a ouvirem o Seu chamado – “As minhas ovelhas me conhecem e ouvem a minha voz” disse Jesus certa vez aos seus discípulos. Ainda nos dias de Paulo haviam muitos que se autodenominavam “apóstolo”, mas não tinham sido “chamados”, pois não se comportavam como servos. E hoje?
Dupla natureza
(v.3) acerca de seu Filho, que, como homem, era descendente de Davi, (v. 4) e que mediante o Espírito de santidade foi declarado Filho de Deus com poder, pela sua ressurreição dentre os mortos: Jesus Cristo, nosso Senhor (NIV).
Paulo faz uma referencia enfática à dupla natureza do nosso Senhor: Humana (descendente de Davi) e Divina (Filho de Deus), por está razão somente Ele poderia ser nosso representante diante do tribunal de Deus e somente Ele podia morrer em nosso lugar e satisfazer plenamente a Justiça de Deus. A dupla natureza de Jesus Cristo é o fundamento de toda fé e doutrina genuinamente cristã. Todos aqueles que não creem na Humanidade ou na Divindade de Jesus Cristo não foi e jamais será um cristão. Nos dias do apóstolo João ele teve que enfrentar essa dupla negação, por isso na abertura de sua narrativa evangélica ele declara enfaticamente a Divindade de Jesus Cristo e posteriormente em suas epistolas ele precisa enfatizar a Humanidade de Jesus Cristo. Assim sendo, Jesus Cristo é de fato e de verdade Homem e Deus ou ele não é nada.
Ministério
(v. 5) Por meio dele e por causa do seu nome, recebemos graça e apostolado para chamar dentre todas as nações um povo para a obediência que vem pela fé. (v. 6) E vocês também estão entre os chamados para pertencerem a Jesus Cristo.
            Paulo tem bem claro e definido qual é o seu ministério – proclamar o Evangelho a todas as nações. Mais uma vez a ênfase está naquele que chama e vocaciona “recebemos a graça” (favor não merecido), de modo que tão sublime tarefa é decorrente diretamente do favor de Cristo e não dos méritos próprios dele ou de quem quer que seja. Assim, “pertencer a Cristo” implica em obediência ao chamado e vocação de proclamar o Evangelho, visando antes de qualquer outra coisa – a glorificação do nome (pessoa) de Cristo, de maneira que qualquer outra razão deve ser secundária e subalterna. Assim, todos aqueles que se apropriam do Evangelho e o utilizam para sua própria glória ou lucro, seu destino final será o inferno.
Santos
(v. 7) A todos os que em Roma são amados de Deus e chamados para serem santos: A vocês, graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.
            Somos objeto do imensurável amor de Deus e nosso alvo não pode ser menos do que nos assemelharmos cada dia mais ao nosso Deus e Pai – “chamados santos”. Uma vez que já estamos justificados diante do tribunal divino, por causa da justiça de Cristo que nos é outorgada, igualmente somos objetos do processo de santificação e que culminara na perfeita glorificação. Assim, “amados de Deus” e “chamados santos” são expressões singulares que qualificam todos os cristãos em todos os tempos. Deste modo, o chamado do Evangelho é para que venhamos do jeito que estamos, mas jamais para permanecermos do mesmo jeito – todo cristão genuíno anseia pela santidade assim como a corsa anseia pelas águas – “sede santos como Eu sou santo” é a ordem que ressoa no livro de Levítico e torna-se o padrão para todo crente do Primeiro e do Segundo Testamento. Evidente que essa santidade somente é possível mediante a graça que vem da parte de Deus por meio de Jesus Cristo, na ação contínua do Espírito Santo em nós. Deste modo, todos aqueles que permanecerem no amoldado nas coisas deste mundo, permanecem nos seus pecados e sofrerão as consequências do juízo de Deus.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante


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Referências Bibliográficas
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BRUCE, F. F. Romanos – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1991.
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KERTELGE, Karl. A epístola aos romanos. Tradução de Assis Pitombeira. Petrópolis (RJ): Editora Vozes, 1982. [Coleção Novo Testamento – comentário e mensagem, nº 6].
LLOYD-JONES, D. Martyn. Romanos – o Evangelho de Deus. Tradução Odayr Olivetti. São Paulo: Editora PES, 1998. [Exposição sobre Capítulo 1].

Os Livros de Reis: Introdução Geral


Reino Dividido
            Os dois livros de Reis estão incluídos no bloco da Bíblia Hebraica denominado de “Profetas Anteriores”,[1] que incluem os livros de Josué, Juízes e Samuel. Os livros de Rute e Ester fazem parte de outro bloco chamado de “Escritos”. O conjunto destas literaturas cobre um período de oitocentos anos da história dos israelitas, de Josué (entrada em Canaã) até a narrativa de Ester (Império Persa)[2].
            Tanto na bíblia hebraica quanto todas as demais versões, são unânimes em os dois volumes de Reis imediatamente após os de Samuel, dando a entender que se trata de um desenvolvimento gradual do livro anterior, sendo possível pensar que originalmente Reis formassem uma espécie de conclusão do livro de Samuel.
Os dois livros de Reis continuam o registro da Aliança de Deus iniciada com Abraão e perpassa a morte do rei Davi (seu reinado e o de Saul foram registrados em Samuel), a sucessão de Salomão, a posterior divisão do Reino e a consequente destruição primeiramente do Reino do Norte (Israel) e não muito tempo depois do Reino do Sul (Judá).
Autoria
O autor é desconhecido, entretanto uma tradição judaica preservada no Talmude babilônico (Baba Bathra, 15a.) credita sua organização e/ou compilação ao profeta Jeremias, o que faz algum sentido visto que Jeremias acompanhou os últimos quarenta anos da história de Israel/Judá. Todavia, o comentarista bíblico Charles Caldwell Ryrie aceita com ressalva está possibilidade como indica:
Quem foi o autor ou compilador destes livros, fez uso das fontes históricas (11.41; 14.19,29). Ele foi provavelmente um dos exilados que morou na Babilônia, talvez um desconhecido, ou Esdras ou Ezequiel ou Jeremias, entretanto alguém diferente de Jeremias teria escrito o último capítulo de II Reis, uma vez que Jeremias aparentemente morreu no Egito, e não na Babilônia (Jr 43.6-7).
            Todavia, toda e qualquer alternativa são apenas hipóteses, visto que há poucas indicações de autoria com base no contexto literário da obra. A chamada “Escola Deuteronomista” indicam o final do séc. VIII e inicio do VII a.C., cujo objetivo era a preservação dos princípios da Aliança, de maneira que a editoração foi feita em duas etapas: a primeira feita antes do Exílio, centrada na Reforma do rei Josias e a segunda no período do Exílio, após a libertação do rei Joaquim. Mas como as demais são apenas suposições.
            O fato é que toda a História de Israel/Judá tem como fundamento os princípios estabelecidos na literatura precedente que chamamos Pentateuco (Gn-Dt). Sejam os historiadores ou os profetas tudo está subordinado à Lei do Senhor entregue por meio de Moisés e que tem no livro de Deuteronômio sua síntese. Portanto, encontrar vestígios de Deuteronômio nos registros históricos e proféticos é algo inevitável e totalmente compatível com a integridade textual narrativa.
            O escritor ou editor dos livros indica ao menos três fontes primárias para elaboração de sua obra: Os “registros históricos de Salomão” (1 Rs 11.41), os “registros históricos dos reis de Israel” (1 Rs 14.19, repetida dezessete vezes na narrativa) e o “registros históricos dos reis de Judá” (1 Rs 15.23, repetida quinze vezes na narrativa). Evidente que eram fontes conhecidas de seus leitores primários e se constituíam em registros oficiais feitos pelos escribas (secretários) oficiais dos reis, bem ao estilo das civilizações mesopotâmicas da Assíria e Babilônia.
            Outro aspecto importante é que diante da destruição de Israel e posterior cativeiro babilônico de Judá, parece que é o ponto final dessa história, mas a narrativa de Reis concluiu com uma mensagem de esperança, visto que somente Deus pode por um ponto final na História de Seu Povo. Essas narrativas históricas aqui preservadas são o registro da esperança messiânica, quando Deus mais uma vez renovará sua Aliança com seu povo, através do representante perfeito da dinastia de Davi - o Messias.
Data
A libertação do rei Joaquim (Judá) da prisão é o último evento registrado em II Reis. Isto aconteceu no 37º ano do encarceramento dele (560 aC). Então I e II Reis não poderiam ter sido escritos antes daquele evento.[3] O escritor não faz nenhuma referência ao edito de libertação de Ciro da Pérsia (539), que demarca oficialmente o fim do cativeiro (2 Cr 36.22,23); de modo que se esse acontecimento fundamental já tivesse ocorrido enquanto se preparava a edição dos livros de Reis o autor certamente teria feito algum registro ou menção. É mais coerente dizer que os livros foram completados na forma final deles entre 560 e antes de 539 aC.
Título do Livro
Em alguns manuscritos gregos do Primeiro Testamento temos a unificação dos livros de Samuel e Reis sob a denominação simples de “Bassileiai” (reinos), onde os livros de Samuel recebem o título de “Primeiro e Segundo Livro dos Reinos”, e os livros de Reis uma sequencia natural de “Terceiro e Quarto Livro dos Reinos”. Mas a versão da Septuaginta, seguida pelas nossas versões em português, optou por dividi-los em unidades menores por causa da praticidade dos registros em rolos – 1 e 2 Samuel – 1 e 2 Reis.
O título “Reis” é apropriado uma vez que eles registram a história dos reis de Israel e Judá do tempo de Salomão até o cativeiro babilônico. Primeiro Reis inicia com o registro da morte do rei Davi e a sucessão de Salomão e termina abruptamente com o inicio do reinado de Acazias em 853 aC.
Tema e Propósito
Depois da morte de Davi (capto. 1-2), o seu filho Salomão foi seu sucessor no trono. Os capítulos 3-11 acompanham a vida e reinado de Salomão, inclusive a elevação de Israel ao seu apogeu, a expansão do reino, e a construção do templo e do palácio em Jerusalém. Mas nos seus últimos anos, ele distanciou-se do Senhor por causa das esposas pagãs que o influenciaram e o afastaram da adoração do Deus de Israel. Como resultado, Salomão acendeu o estopim da divisão do reino.
Durante o próximo século, o Primeiro volume de Reis trás as histórias conjugadas dos reis das duas nações, que em sua maioria foram desobedientes e indiferentes aos profetas de Deus e seus preceitos. E aqui fica claro o método utilizado pelo escritor para incluir mais ou menos material sobre cada rei – eles são avaliados em relação à sua fidelidade à Aliança e sua disposição de seguir o padrão estabelecido na figura de Davi, o grande modelo.
O próximo rei foi Reboão (filho de Salomão) que perdeu a parte norte do reino. A partir deste ponto o Reino do norte que incluiu 10 tribos ficou conhecido como Israel, e o Reino do Sul (Meridional) que incluiu as tribos de Judá e Benjamim passaram a ser nominado de Judá.
Nos últimos capítulos desse primeiro volume, o enfoque está no embate do péssimo rei Acabe (Norte) e o íntegro profeta Elias que condenou a maldade do rei e confrontou corajosamente a desobediência dos israelitas.  Então, o tema central é mostrar como a desobediência conduziu ao rompimento do reino. O bem-estar da nação dependia da fidelidade de sua liderança e do povo à Aliança firmada por Deus. Primeiro Reis não só dá um registro da história destes reis, mas demonstra que o sucesso de qualquer rei (e da nação como um todo) dependia da medida de submissão do rei à lei de Deus. O livro verdadeiramente ilustra como “A justiça exalta as nações, mas o pecado é o opróbrio dos povos” (Pv. 14.34). Deslealdade para com a Aliança de Deus resulta em declínio e cativeiro.
O segundo volume de Reis continuam a história de Elias e o sucessor dele, Eliseu, mas também continua o que poderia ser chamado de o “Relato dos Dois Reinos”. Como tal, continua focalizando a história do Reino do norte - Israel e o Reino do Sul - Judá até que finalmente eles são conquistados e levados em cativeiro.
A nação de Israel (Norte) vai cair pelas mãos da Assíria (722 AC), um dos mais bestiais impérios que já existiu. O profeta Habacuque, quando toma conhecimento da parte de Deus que os exércitos assírios seriam levantados contra Israel, fica atônito.
Judá (Sul) mesmo assistindo o terrível fim de seus coirmãos do Norte, não mudaram suas posturas e permaneceram no ilusório caminho de uma religiosidade estéril e hipócrita e menos de quarenta anos depois haverão de experimentar o derramar do juízo de Deus através do império babilônico (586 AC). O profeta Jeremias, que por quarenta anos pregou veementemente alertando os judeus do eminente juízo divino, agora chora vestido de saco e cinza e escreve as mais doloridas e tocantes odes de toda a Escritura – Lamentações – onde expõem de forma nua e crua os motivos e razões pelas quais sua capital amada Jerusalém foi transformada em monturos e o precioso templo construído por Davi/Salomão foi completamente queimado e seus utensílios levados como despojos pelos invasores.  
As narrativas desse segundo volume de Reis é um perpetuo testemunho de que insistentemente, em ambos os reinos, os profetas continuamente permanecem advertindo as lideranças civis, religiosas e o povo em geral, visto que pregam nas ruas e praças, que Deus os castigaria a menos que eles se arrependessem.  A tese central de Segundo Reis é que o pecado deliberado na vida de uma nação trás um fim aflitivo.
Em I e II Samuel, nasce uma nação, em I Reis a nação é dividida, e em II Reis Israel/Judá é disperso. Depois de anos pleiteando com seu povo através dos profetas, a paciência de Deus finalmente volta-se para disciplinar como Ele havia prometido, pois Sua graça e misericórdia são tão rea quanto sua ira e justiça contra o pecado em todas e quaisquer de suas formas. E porque ambos os livros compartilham a mesma História em dois volumes, eles compartilham o mesmo tema e meta. Eles nos ensinam como a deslealdade (desobediência para com a lei de Deus) acaba por atrair a disciplina de Deus e produzir a subversão da monarquia. Os dois reinos desmoronaram por causa do fracasso de suas lideranças religiosas e civis em administrar e conduzir o povo com sabedoria e manter o padrão estabelecido por Deus em sua Torá. O livro do Apocalipse deixa claro que no fim dos tempos todas as Nações serão avaliadas por esse mesmo critério, visto que a Torá (Lei, Instrução, Palavra) de Deus se estende do Gênesis ao Apocalipse.
História Secular e História da Salvação
            Abro um pequeno parêntese aqui, pois há um frenesi em fazer uma distinção total entre uma História Secular e uma História da Salvação. No meu entendimento o que Deus uniu (História) não podemos dicotomizar. Para Deus não duas ou três ou quatro histórias – existe apenas uma História que têm inicio Nele e que se concluirá Nele.
O relato histórico ocorre de fato apenas quando os eventos estão interligados, e suas causas e efeitos são estudados, produzindo um axioma, um repensar os fatos ocorridos próximos ou distantes do historiador. Assim sendo, os fatos narrados nos chamados livros históricos, assim como em toda a Escritura (Gênesis-Apocalipse) é História no seu mais alto teor. Os escritores bíblicos desde Moisés até João (Apocalipse) registram com fidelidade os acontecimentos que presenciaram ou lhes foram revelados, que são amplamente comprovados pelas informações fatuais por eles registrados. Evidente que as afirmações teológicas não ficam refém dos fatos históricos (um nome, um local, uma data), mas a teologia bíblica não é desenvolvida em Marte ou nas regiões celestiais, mas dentro da História humana. Portanto, "o povo hebreu foi o primeiro no Oriente que, muito antes dos gregos, tinha o conceito de história, que não apenas compunha anais e crônicas, mas escrevia sobre a história verdadeira" (ELBOGEN , apud, EY, VIII, 1931, p. 107).
Um aspecto muito significativo, abundante nos livros de Reis e Crônicas, mas recorrentes em outras literaturas bíblicas, é que em uma pesquisa histórica citam-se os documentos e fontes sobre o tema proposto, de maneira que os escritores bíblicos remetem seus leitores às fontes primárias (cf. indicadas acima) de modo a fundamentarem as informações por eles declaradas.
Ao se encarnar Jesus entra literalmente na nossa História – seu ministério, sua morte e ressurreição – são fatos históricos. Agora se as pessoas haverão de crer ou não crer que Deus é condutor de todos os fatos históricos registrados na Bíblia é outra questão. Parafraseando as palavras colocadas na boca de Abraão, por Jesus, dirigida ao rico em tormentas, quando este lhe pede que Lázaro ressuscite e avise seus irmãos para que não venham a ter o mesmo destino terrível e Abraão lhe responde: “Mesmo que alguém ressuscite e os avisem, eles não creram, pois eles têm Moisés e os Profetas e ainda assim não creem”. Mesmo que se prove a infalibilidade de todos os pontos e vírgulas dos registros históricos bíblicos, eles ainda não haverão de crer. Concluindo o parêntese: os registros bíblicos são História.
Os livros contêm principalmente narrativas históricas. Pode-se argumentar que esta é a mais antiga historiografia autêntica da literatura mundial. Pela primeira vez na história da humanidade, uma nação produziu uma narrativa contínua, organizando documentos em uma apresentação ordenada e com um único propósito geral (WALTON, 1989, p. 119 e DEVRIES, 1985, p. XXIX-XXXII; apud ARNOLD, 2001, p. 222).
Esboço: Primeiro Reis contém duas seções naturais: o Reino Unido (1-11) e o reino dividido (12-22).
I. O Reino Unido. O Reinado de Quarenta Anos de Salomão (1.1-11)
A. A Ascensão de Salomão (1.1-3.1)
B. A Sabedoria de Salomão (3.2-4.34)
C. O Templo de Salomão (5.1-8.66; cf. 2 Cron. 2.1-7.22)
D. A Fama de Salomão (9.1-10.29; cf. 2 Cron. 8.1-9.28)
E. O Declínio e Queda de Salomão (11.1-43)
II. O Reino Dividido. Os Primeiros Oitenta Anos dos Dois Reinos (12-22)
A. A Causa da Divisão (12.1-24)
B. O Reinado de Jeroboão no Israel (12.25-14.20)
C. O Reinado de Roboão em Judá (14.21-31)
D. O Reinado de Abias em Judá (15.1-8)
E. O Reinado de Asa em Judá (15.9-24)
F. O Reinado de Nadabe no Israel (15.25-31)
G. O Reinado de Baasa em Israel (15.32-16.7)
H. O Reinado de Elá no Israel (16.8-14)
I. O Reinado de Zinri em Israel (16.15-20)
J. O Reinado de Onri em Israel (16.21-28)
K. O Reinado de Acabe em Israel (16.29-22.40)
L. O Reinado de Josafá em Judá (22.41-50)
M. O Reinado de Acazias em Israel (22.51-53)
Esboço: Segundo Reis também se divide em duas seções naturalmente. A primeira, o Reino Dividido (1.1-17.41), focaliza especificamente o reinado de ambas as nações até a dispersão do Reino de Israel (Norte). A segunda seção, o Reino Sobrevivente de Judá (18.1-25.30), retrata os reis do Sul ou  Meridional (Judá).
I. O Reino Dividido (1.1-17.41)
A. O Reinado de Acazias no Israel (1.1-18)
B. O Reinado de Jeorão (Jorão) em Israel (2.1-8.15)
1. A transladação de Elias (2.1-11)
2. O começo do ministério de Eliseu (2.12-25)
3. A expedição de Jorão contra Moabe (3.1-27)
4. O ministério de Eliseu (4.1-8.15)
C. O Reinado de Jorão (Jeorão) em Judá (8.16-24)
D. O Reinado de Acazias em Judá (8.25-29)
E. O Reinado de Jeú em Israel (9.1-10.36)
F. O Reinado de Atalia em Judá (11.1-16)
G. O Reinado de Jeoas (Joás) em Judá (11.17-12.21)
H. O Reinado de Jeoacaz em Israel (13.1-9)
I. O Reinado de Jeoás  em Israel (13.10-25)
J. O Reinado de Amazias em Judá (14.1-22)
K. O Reinado de Jeroboão II em Israel (14.23-29)
L. O Reinado de Azarias (Uzias) em Judá (15.1-7)
M. O Reinado de Zacarias em Israel (15.8-12)
N. O Reinado de Salum em Israel (15.13-15)
O. O Reinado de Menaém no Israel (15.16-22)
P. O Reinado de Pecaías em Israel (15.23-26)
Q. O Reinado de Peca em Israel (15.27-31)
R. O Reinado de Jotão em Judá (15.32-38)
S. O Reinado de Acaz em Judá (16.1-20)
T. O Reinado de Oséias em Israel (17.1-41)
1. A Derrota de Israel (17.1-6)
2. Os Pecados de Israel (17.7-23)
3. A Dispersão de Israel (17.24-41)
II.  O Reino Sobrevivente de Judá (18.1-25.30)
A. O Reinado de Ezequias (18.1-20.21)
B. O Reinado de Manassés (21.1-18)
C. O Reinado de Amom (21.19-26)
D. O Reinado de Josias (22.1-23.30)
E. O Reinado de Jeoacaz (2 Cron. 36.1-4) (23.31-33)
F. O Reinado de Jeoaquim (23.34-24.7)
G. O Reinado de Joaquim (24.8-16)
H. O Reinado de Zedequias (24.17-25.21)
     1. Rebelião contra a Babilônia e destruição do Templo (24.17-25.10)
    2. terceira deportação para a Babilônia (25.11-21)
I. O Exercício Governamental de Gedalias, Governador Fantoche (25.22-26)
J. A libertação de Joaquim na Babilônia (25.27-30)
Observe cuidadosamente o instrutivo contraste que Ryrie faz do conteúdo de I e II Reis.  Estes contrastes demonstram claramente a verdade de que o Pecado Deliberado tem um Fim Terrível.
1  &  2  Reis em Contraste
1 REIS
2 REIS
Começa com o rei  Davi 
Termina com o domínio da Babilônia  
Abre com a glória de Salomão
Termina com a vergonha de Jeoaquim
Começa com as bênçãos da obediência 
Termina com a maldição da desobediência 
Abre com a construção do templo 
Termina com a destruição do Templo 
Descreve o progresso da apostasia
Descreve as conseqüências da apostasia 
Apresenta como os reis fracassaram em governar o povo de Deus 
Descreve as conseqüências daquele fracasso 
Apresenta o profeta Elias 
Apresenta o profeta Eliseu 
Enfatiza a paciência de Deus 
Confirma o castigo certo de Deus sobre o pecado


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
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Josué. Introdução Geral
J. Elbogen, Historiographie, in E.Y., VIII, 1931, pag. 107; cfr. A.C. Dentain,
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[1] Para os historiadores israelitas toda História está subordinada à vontade de Deus e os seus protagonistas exercem a função profética e não apenas como meros relatores de fatos históricos. Isto não implica em negar a veracidade dos fatos registrados e amplas descobertas arqueológicas tem comprovado a consistência das informações contidas nessas narrativas históricas. A diferença básica entre os “Profetas Anteriores” e os “Profetas Posteriores” está em que a narrativa de Josué a Crônicas narram de forma contínua os fatos históricos, enquanto nos escritos dos profetas propriamente dito os fatos são fragmentados em conformidade com o período e os acontecimentos os quais eles participaram. O mais importante é que a História é o grande palco da atuação dos Profetas bíblicos, pois Deus atua na História humana.
[2] A Septuaginta (versão grega) fez um arranjo diferente e agrupou todos os livros históricos (Josué-Ester), o que foi mantido na versão da Vulgata Latina e posteriormente nas versões protestantes.
[3] Os que defendem uma data anterior a essa identificam estes finais como sendo uma interpolação incluída posteriormente.