sábado, 13 de abril de 2019

Jerusalém: A Cidade dos Montes



Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que a ti são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta a sua ninhada debaixo das asas, e não quiseste!  (Jesus – Lc 13.34)
            Para os antigos hebreus, o nome Jerusalém significa “Lugar de Paz, Habitação Segura”,[1] todavia a etimologia primária é incerta e também recebe a alcunha de “Cidade Santa”[2]. Nos dias de Saul, primeiro rei israelita, as doze tribos permaneceram desunidas, quando Davi assumiu a monarquia ele conquista esta cidade e estabelece ali a capital politica e religiosa da nação e consegue de fato unificar as doze tribos. Ele não constrói o Templo, mas consegue arrecadar todo material necessário para que seu filho Salomão o fizesse.
A cidade de Jerusalém é de fato e de verdade uma “cidade da Montanha”, pois fica situada no coração de uma região montanhosa que se estende desde a grande planície de Esdrelon[3] para a extremidade sul da Terra Prometida (Canaã). Esta localização geográfica privilegiada sempre lhe proporcionou uma segurança maior contra seus inimigos. Nas literaturas do Primeiro Testamento encontraremos diversas referências à sua localização geográfica peculiar, como as palavras bem conhecidas do salmista: “Assim como Jerusalém esta cercada pelos montes, assim o Senhor está ao redor do seu povo”.
Localizada a 760 m acima do Mar Mediterrâneo e 1.145 m acima do Mar Morto, com uma ligação ao norte com a serra e circundada por dois vales, bastante citados na literatura bíblica: no leste o vale do Cédron[4], no oeste e no sul o vale de Hinom [Enom] [5] (Geena)[6] e que prossegue até o Mar Morto.
O planalto tem a divisão natural de duas colinas, de altura e estrutura desiguais, separados por um pequeno vale que da porta de Damasco se estende em direção sudoeste. No tempo de Jesus o povo o chamava “vale do fabricante de queijo". Atualmente esse vale quase desapareceu debaixo dos entulhos. Ambas as colinas são divididas ainda em diversos cumes, por declives transversais, de sorte que o terreno da cidade é muito acidentado.
O Monte Moriah,[7] no leste e o menor dentre os montes que acercam Jerusalém, porém de longe o mais importante e famoso, pois ali foi construído o templo por Salomão (2Cr 3.1), reconstruído nos dias de Zorobabel, Esdras e Neemias e ornamento ricamente pelo famigerado rei Herodes.
Certamente não se pode falar da cidade de Jerusalém sem fazer referência a um dos montes mais famosos nas narrativas evangélicas – Monte das Oliveiras (hebr. har hazzêtím) e “Olivete” forma latina tirada da Vulgata, que significa lugar onde existem muitas oliveiras. A vista do Monte das Oliveiras é aquela que, de sua estranha beleza e extraordinário interesse, permanece longa e amorosamente na memória daqueles que a viram. Em direção norte-sul, pouco distante de Jerusalém (At 1.12), a leste da cidade (Zc 14.4), do outro lado do Cédron (Mc 14.26; cf. Jo 18.1) Seu cume e encosta distava uma caminhada de sábado (cerca de 900 m) da cidade (At 1.12); o historiador judaico Josefo fala de 5 a 6 estádios (Ant.20.8,6; Guerras 5.2,3). A visão para o oeste, que deveria ser vista pela luz da manhã, abrange toda a cidade de Jerusalém; cada colina e vale e quase todos os edifícios importantes podiam ser reconhecidos de uma só vez, principalmente o Templo. Era deste Monte que os peregrinos cansados de dias de viagem tinham a satisfação de contemplarem a tão amada cidade de Davi – Jerusalém – o Templo.
O Monte das Oliveiras era o lugar preferido de Jesus quando ele vinha à Jerusalém (Lc 21.37; 22.39; Jo 8.1); na última semana enquanto descia do Monte em sentido à cidade Jesus começa a ser aclamado pela multidão (Lc 19.37,38); foi deste Monte que Jesus proferiu seu sermão escatológico (Mt 24.3); é com esta visão panorâmica de Jerusalém que ele chora por ela (Lc 19.41-44) e prenuncia aos seus discípulos a destruição do magnifico Templo e da própria cidade (Mt 24.3; Mc 13.3). Depois de celebrar a sua última Páscoa, Jesus caminha para o Monte das Oliveiras (Mt 26.30; Mc 14.26), pois ali se localizava o jardim do Getsêmani que se estendia para o oeste, ao pé do Monte, ou ligeiramente acima. A tão amada vila de Betânia estava no flanco Oriente (Mt 21.1; Mc 11.1; Lc 19.29). A ascensão de nosso Senhor ocorre nas cercanias de Betânia (Lc 24.50) e provavelmente neste Monte. Posteriormente passou a ser denominado de Monte da Ascensão e com base nessa tradição o imperador Constantino mandou construir ali uma basílica, cujo lugar foi ocupado em todas as épocas por diversas igrejas como um memorial da ascensão de Jesus. Nenhum outro Monte e lugar em Jerusalém têm sido tão explorados pela fé cristã do que o das Oliveiras – as diversas grutas tornaram-se pontos de referências das passagens evangélicas - a gruta da traição ao pé do Monte; o Getsêmani; a gruta do sermão escatológico; a gruta de Betânia na vertente oriental.
Mas apesar de tudo que se relaciona com a cidade de Jerusalém, incluindo os dias atuais, ela sempre foi um tipo (bem como a Arca e o próprio Templo) da genuína cidade Celestial. Os profetas e o próprio Senhor Jesus nunca se deixaram iludir com os encantos da grande Capital de Israel/Judá, pois tinham plena consciência da realidade nua e crua que existia entre seus muros, palácios e templo (Is 1.21-23; Jr 11.1-13; Ez 16; 23; Lc 19.41-47; 21.5-36; Mt 23.37-39); dentro do projeto de Deus sempre se pensou na construção de uma nova e definitiva Jerusalém glorio e sem pecado nos céus (Ez 40–48; Zc 14.1s; Is 2.2-5; 60; At 2.1-11) onde Cristo reinará eternamente com a sua Igreja (Jo 2.18-22; 1Cor 3.16-17; Ef 5.22-30; Ap 21–22; Gl 4.22-31). Não há qualquer pecado em visitar Jerusalém e fazer o tour em seus diversos pontos referenciais; todavia, assim como os judeus dos dias de Jesus (e de Jeremias, Isaias, Ezequiel) não se pode confundir essa cidade terrena com a Jerusalém Celestial. Paulo ensinou que Jesus Cristo está fazendo algo totalmente Novo e que as coisas Velhas deixarão de existir.  
O Portão de Jaffa
A entrada principal da cidade de Jerusalém, como aparece das
muralhas da cidade. O espaço aberto dentro do portão
é usado como mercado.







Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas
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SKARSAUNE, Oskar. À sombra do templo – as influência do judaísmo no cristianismo primitivo. Tradução Antivan Mendes. São Paulo: Editora Vida, 2004.



[1] Salém, de que Melquisedeque era rei, é abreviação natural da palavra Jerusalém, mencionada como tal na história das conquistas de Canaã, onde às vezes, também se denomina Jebus (dos jebuseus).
[2]Sião (monte santo) foi assim designado pelo fato de ter sido, por muitos anos, o local, onde se recolhia a arca, nos dias de Davi (2 Sm 6.12-18; 1 Rs 8.1-4; Sl 2 e 6). Posteriormente o nome Sião passou a designar a própria cidade de Jerusalém, na qualidade de cidade santa (Sl 48; 87; 133). Com certeza em decorrência da construção do Templo nos dias de Salomão e que vai acolher a partir de então a Arca da Aliança.
[3] Este vale também é chamado de Planície de Esdrelon, sendo limitado ao sul pelos planaltos de Samaria e pelo Monte Gilboa, ao norte pela Baixa Galileia, ao oeste pela cordilheira do Monte Carmelo e ao leste pelo Vale do Jordão. Localizado no norte do país, o vale é muito fértil com chuvas estacionais o que favorece a agricultura.
[4] Vale profundo que separa Jerusalém do monte das Oliveiras e que corre primeiro para o sudeste e depois para o sul, ao longo da cidade. É um vale profundo e seco, tem aproximadamente 30 m de profundeza e 120 m de largura, une-se ao vale do Cédron e o vale Hinom. Prosseguia para o sudeste através do árido ermo de Judá para o mar Morto, sendo quente e seco na maior parte do tempo
[5] Do hebraico (גֵיא בֶן-הִנֹּם, transl. Geh Ben-Hinom) é um vale em torno da Cidade Antiga de Jerusalém, e que veio a tornar-se um depósito onde o lixo era incinerado. Também eram lançados ali os cadáveres de pessoas que eram consideradas indignas, restos de animais, e toda outra espécie de imundície e usava-se enxofre para manter o fogo aceso e queimar o lixo (continuamente). Quando esses cadáveres caíam no fogo, então eram consumidos por ele, mas, quando os cadáveres caíam sobre uma saliência da ravina funda, sua carne em putrefacção ficava infestada de vermes, ou gusanos, que não morriam até terem consumido as partes carnais, deixando somente os esqueletos. Jesus usou este vale como símbolo da condenação eterna (inferno).
[6] Era a forma helenizada do nome do vale de Hinom em Jerusalém
[7] A tradição muçulmana vê nesse mesmo local o ponto de partida da subida de Maomé para o céu, quando recebe a revelação. É por isso que o monte do Templo, em Jerusalém, é o um dos três locais mais sagrados para os muçulmanos e também conhecida como a Esplanada das Mesquitas.

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