terça-feira, 28 de junho de 2016

PERSONAGENS E TIPOS BÍBLICOS: A Classificação dos Personagens nas Narrativas Bíblicas

            A Bíblia é um livro de narrativas históricas de maneira que nela encontraremos inúmeros personagens, que surgem e desaparecem, mas que se entrelaçam como uma rede no conjunto dos acontecimentos registrados. Se há momentos em que os fatos narrados sejam mais importantes do que os personagens que deles participam, em outros os personagens acabam sobrepujando os próprios fatos, de maneira que, tanto a trama quanto os personagens são igualmente importantes (CHATMAN, Story and Discurse, 110; RYKEN, Words of Delight, 71).
            Para compreendermos corretamente um texto bíblico é necessário, portanto, que analisemos não apenas os fatos, principalmente quando eles se sobressaem como também não podemos centralizar somente nos personagens desprezando a narrativa em que estão inseridos. É fundamental para uma boa hermenêutica e/ou exegese que sempre levemos em conta tanto um quanto o outro.
            E relação aos personagens eles também desempenham papeis diferentes na narrativa histórica. O personagem pode ser uma pessoa ou um grupo de pessoas[1] que compõe a narrativa histórica. Alguns personagens se sobressaem fazendo sombra sobre outros personagens; alguns aparecem em diversos momentos da narrativa bíblica e outros aparecem uma única vez; sobre alguns personagens temos informações mais detalhadas, enquanto que de outros nem mesmo do nome somos informados. Em relação à narrativa os personagens podem ser classificados em ao menos três grupos e/ou categorias:
Protagonistas: inclui um ou mais personagens centrais, bem como aqueles que desempenham um papel coadjuvante, podendo ser bom ou mau, herói ou bandido, o fato é que ele desempenha um papel central na história relatada. Ao redor deste personagem tempos coadjuvantes, podendo ser muitos ou poucos ou apenas um, mas que servirá de apoio ao protagonista.
Antagonista: é o principal personagem que se coloca em oposição ao protagonista. Não necessariamente será do mal, ainda que na maioria das vezes o seja. O que importa aqui é o fato de que ele se coloca em oposição, gerando a tensão dramática da narrativa. O antagonista pode não ser uma pessoa, mas uma circunstância. O antagonista também pode ter seus coadjuvantes, que servem de apoio e desempenham papéis secundários.
Ambivalentes: São aqueles personagens que não apoiam nem o protagonista e nem o antagonista, ou que inicialmente apoiam um e no transcorrer da narrativa apoio o outro.
            Além desta classificação os personagens se caracterizam também pela forma com que são inseridos na narrativa. Alguns são apresentados através de diversas perspectivas e com muitas informações, outros são apresentados de forma superficial e com poucas informações sobre eles e por fim tem aqueles personagens dos quais nada ficamos sabendo sobre eles. Seguindo uma vez mais a classificação proposta por Pratt Jr temos:
Personagens Tridimensionais: são aqueles que a narrativa nos revelam diversas informações sobre eles, de maneira que podemos conhecê-los em suas formas de pensar, sentir e as motivações de suas ações e/ou atitudes, dando-nos a dimensão de que são pessoas reais em situações reais. Isto ocorre quando tais personagens aparecem em varias narrativas longas, ou quando, ainda que em pequenos textos ele é apresentado de diversas formas, permitindo que se construa seu mosaico pessoal.
Personagens Bidimensionais: são aqueles que mesmo tendo uma participação efetiva na narrativa, são apresentados de forma superficiais “estruturados em torno de uma única qualidade ou característica” (Berlin, Poetics and Interpretation, p. 23). É necessário observar que uma personagem poder ser tridimensional em um relato longo e bidimensional em outros momentos da narrativa bíblica. Aqui não estamos falando sobre a ênfase teológica do personagem, como explica Pratt Jr: “A profundidade da exposição em um determinado episódio não é uma indicação da importância teológica de um personagem” (p. 171).
Personagens Funcionais: a grande maioria dos personagens que compõe as narrativas bíblicas é funcional, ou seja, praticamente nada sabemos a respeito deles durante a leitura, são semelhantes aos figurantes dos filmes. São incluídos porque proporcionam a sensação de realismo e coerência à narrativa. Uma vez mais é preciso observar que um mesmo personagem pode se destacar em alguns textos e aparecer em outros como funcionais.
            Tendo esta compreensão em relação aos personagens é interessante nos exercitar em visualizar a maneira como o escritor organiza seus personagens: quem é o protagonista e o antagonista, bem como seus respectivos coadjuvantes e finalmente quem são os personagens ambivalentes, bem como são apresentados se de forma tridimensional, bidimensional ou funcional. A prática continua da leitura bíblica utilizando tais ferramentas textuais nos capacitara a identificarmos com mais clareza qual realmente a mensagem mais importante do texto e a evitarmos conclusões precipitada e equivocada.
            Na medida em que formos elaborando aqui o nosso singelo acervo de personagens e tipos nos esforçaremos para classificar os personagens dentro destas categorias propostas acima.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
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Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


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Referências Bibliográficas
BERLIN, Adele. Poetics and interpretation of biblical narrative. Indiana: Eisenbrauns, Winona Lake, reprinted 1994, 1995, 1999, 2005.
CHATMAN, Seymour Benjamin. Story and discourse - narrative structure in fiction and film. New York: Cornell University Press, 1978 (paperbacks, 1980).
PRATT JR, Richard L. Ele nos deu histórias – um guia completo para a interpretação de histórias do Antigo Testamento. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, capto 6.
RYKEN, Leland. Words of delight - a literary introduction to the bible. Baker Publishing Group: 1993.


________________________________________
[1] Um país, um cidade, uma vila e/ou povoado, uma tribo e no caso bíblico muitas vezes o mundo, referindo-se à humanidade de forma geral, torna-se um personagem.

sábado, 18 de junho de 2016

SALMOS: Salmo 2

SALMOS PARA VIDA TODA
           
Como a grande maioria dos Salmos este também não indica com precisão a ocasião em que foi composto. Alguns comentários mais antigos indicam a autoria de Davi enquanto enfrentava os ataques dos filisteus (cf. 2Sm 5), todavia não é preciso limitar a ocasião a este evento, pois como os demais hinos ele pode ser inferido em as mais diversas situações semelhantes.
            A cena descrita pelo salmista envolve um rei e suas guerras e prefigura o rei e reinado do Messias. Essa figura escatológica ainda que se derivasse inicialmente de Davi e seu reinado vitorioso, transfigurara-se na figura do Rei dos Reis, que haveria de sintetizar todas as esperanças israelitas. Assim, as nações que unem para combater esse rei, são representativos de todos os governos humanos que rejeitam a soberania divina e se opõem contra o Senhor e o seu ungido.
            Nestes dias de extremismo religioso e violências de toda sorte, se faz necessário compreender corretamente a leitura deste e qualquer outro texto bíblico. Desde a queda o ser humano sempre se manifesta de forma belicosa com toda e qualquer manifestação de Deus. Nas páginas da bíblia temos a descrição desta inimizade milenar; Jesus desde o início de seu ministério enfrenta uma oposição violenta à sua mensagem do Reino de Deus; e aqui não é possível destacar que para mata-lo houve uma confluência política jamais vista em outro momento da história da Palestina, quando as diversas facções religiosos judaicas, os maiores adversários políticos romanos, uniram-se para levar Jesus à cruz; o livro histórico de Atos registram as perseguições da igreja cristã tanto por judeus quanto por romanos; finalmente ao chegarmos no último livro bíblico, o Apocalipse, descobrimos que esta batalha permanecera até o final da História, quando em sua Segunda Vinda, na plenitude de toda Sua glória e poder, Jesus colocará um fim nessa batalha.
            Uma pergunta emana do Salmo: Por que o ser humano rejeita a Deus e seu Reino?
            Uma resposta encontra-se na irracionalidade humana. Ainda que houvesse sido criado distintamente dos animais, o ser humano opta por abrir mão de sua capacidade de racionar e reage sempre de forma instintiva e violenta; quanto mais Deus manifesta seu amor, mais irracionalmente responde a humanidade. A rejeição do Evangelho e de seu Cristo é a maior expressão de loucura suicida da sociedade humana, pois é neste Evangelho e neste Cristo que está a única solução para o ser humano perdido e cada dia mais desesperançado.
            Todavia, está irracionalidade infantil do ser humano, torna-se completamente inútil.  Em sua rejeição desvairada de Deus e sua vontade, o ser humano não consegue formular qualquer outra proposta ao menos semelhante. Deus olha do alto, toda estupidez e loucura humana, e ri como um adulto ri da birra de uma criança mimada, que deseja ter autonomia para fazer suas próprias escolhas, sem as implicações e responsabilidades decorrentes. Assim como o mar se revolta e suas águas tornam-se extremamente violentas, mas permanece exatamente em seus limites, o ser humano por mais ódio e violência que possa se manifesta contra Deus e Seu Reino, permanecem incapazes de romper seus laços.  Como declarou Lutero: “A Igreja [representação visível do Reino de Deus] é oprimida, mas não suprimida”. A ressurreição de Jesus Cristo é a prova definitiva da vitória final de Deus!
            A rebelião do ser humano contra Deus trará apenas um resultado – a derrota e juízo sobre esta humanidade; serão tomados de pavor, mas não terão para onde fugirem; assim como a vara de ferro, destrói os vasos de barros e os transforma em pó, assim ocorrerá com esta geração irracional e inimiga de Deus e sua vontade.
            A única esperança do ser humano foi e continua sendo, submeter-se à vontade de Deus e torna-se cidadão do Reino por meio de Jesus Cristo.
"Servi ao Senhor com temor, e regozijai-vos com tremor."
           
Me. Ivan Pereira Guedes

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VT CÂNON: Rejeição dos Livros Apócrifos

Quando a Igreja cristã resolve definir o cânon das Sagradas Escrituras, a partir do séc. IV, pouco a pouco os apócrifos foram caindo no esquecimento até que a Igreja Católica Roma incorporou alguns deles.
Durante o período da Reforma Protestante, século XVI, estes livros foramrejeitados com base nos seguintes argumentos:
a) Eles jamais fizeram parte da bíblia dos Judeus;
b) Nunca foram citados pelo Senhor Jesus ou por qualquer outro escritor do Novo Testamento;
c) Não são mencionados em qualquer lista dos livros canônicos até o IV século;
d) Muitos estudiosos católicos romanos nunca os aceitaram como canônicos;
e) Há contradições em suas informações (ex. No livro de Tobias esta escrito que ele viveu 158 anos, entretanto há informações que ele esta vivo quando da revolta de Jereboão [931 a.C.] e também quando da invasão da Assíria a Israel [721 a.C.] perfazendo um total de 210 anos);
f) Seus ensinos bons já estão nos canônicos;
g) Há ensino falso e contraditório.
Alguns destes ensino contraditórios são:
I – Justificação pelas obras: Ec 3:33-34; Tb 4:7-11 ; Tb 12:9 – A água apaga o fogo ardente, a esmola enfrenta o pecado.  Deus olha para aquele que pratica a misericórdia; dele se lembra no porvir, no dia de sua infelicidade este achará apoio.”   Dá esmola dos teus bens, e não te desvies de nenhum pobre, pois assim fazendo, Deus tampouco se desviará de ti.  Sê misericordioso segundo as tuas posses. Se tiveres muito, dá abundantemente; se tiveres pouco, dá desse pouco de bom coração. Assim acumularás uma boa recompensa para o dia da necessidade: porque a esmola livra do pecado e da morte, e preserva a alma de cair nas trevas. “.. porque a esmola livra da morte; ela apaga os pecados e faz encontrar a misericórdia e a vida eterna;
II – Mediação dos Santos: Tb 12:12 –  Quando tu oravas com lágrimas e enterravas os mortos, quando deixavas a tua refeição e ias ocultar os mortos em tua casa durante o dia, para sepultá-los quando viesse a noite, eu apresentava as tuas orações ao Senhor.”
III – Oração pelos mortos: II Mc. 12:44-46 –  “porque, se ele não julgasse que os mortos ressuscitariam, teria sido  vão e supérfluo rezar por eles.   Mas, se ele acreditasse que uma bela recompensa  aguarda os que morreram piedosamente, era isto um bom e religioso pensamento; eis porque ele pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres de suas faltas.”
IV – Superstições: Tb 6:7-19  “Entretanto, Tobias interrogou o anjo: “Azarias, meu irmão, peço-te que me digas qual é a virtude curativa dessas partes do peixe que me mandaste guardar.” O anjo respondeu-lhe: : Se puseres um pedaço do coração sobre brasas, a sua fumaça expulsará toda a espécie de mau espírito, tanto do homem como da mulher, e impedirá que eles voltem de novo a eles.  Quanto ao fel, pode-se fazer com ele um unguento para os olhos que tem uma belida, porque ele tem a propriedade de curar.” Em seguida Tobias disse-lhe: “Onde queres que pousemos?” Há aqui, respondeu o anjo, um homem da tua tribo e de tua família, chamado Raquel, que tem uma filha chamada Sara; além dela não tem mais filho nem filha.  Todos os seus bens te devem pertencer; mas é preciso que a recebas por mulher.  “Pede-a, pois, ao seu pai, e ele ta dará por mulher.” Tobias replicou: “Ouvi dizer que ela já teve sete maridos, e que todos morreram. Diz-se mesmo que é um demônio que os matou,  por isso eu temo que o mesmo venha a me acontecer, a mim que sou filho único, e desse modo faça descer lamentavelmente a velhice de meus pais à habitação dos mortos”.  O anjo respondeu-lhe: “Ouve-me, e eu te mostrarei sobre quem o demônio tem poder:  são os que se casam banindo a Deus de seu coração e de seu pensamento, e se entregam à sua paixão como o cavalo e o burro, que não tem entendimento: sobre estes o demônio tem poder.  “Tu porém, quando te casares e entrares na câmara nupcial, viverás com ela em castidade durante três dias, e não vos ocupareis de outra coisa senão de orar juntos.  Na primeira noite, queimarás o fígado do peixe, e será posto em fuga o demônio.”

Me. Ivan Pereira Guedes
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VT CÂNON - Introdução Geral

   
O termo "cânon" é derivado de palavra grega, que significa "pedaço de madeira comprido, régua de carpinteiro, regra, tipo, molde, princípio". No que se refere à literatura bíblica, cânon indica aquelas obras escritas que se conformam com a regra ou padrão da inspiração e autoridade divina.
Embora o termo "Cânon" não tenha sido aplicado aos livros do Velho Testamento até o quarto século A.C., o conceito de canonicidade era muito mais antigo.
"É dito que um livro é de autoridade canônica quando tem o direito de tomar um lugar com os outros livros que contêm uma revelação Divina. Tal direito não surge de qualquer autoridade eclesiástica, mas da evidência da autoria inspirada do livro. Os canônicos (inspirados) livros do Velho e Novo Testamentos, é uma regra completa, e a única regra de fé e prática. Eles contêm a revelação sobrenatural inteira de Deus para os homens." (DICIONÁRIO DA BÌBLIA DE EASTON, verbete Cânon).
O Dr. Young faz uma defesa extremamente conservadora sobre a questão da canonicidade dos livros bíblicos vinculando-os à questão da inspiração, de maneira que, segundo ele uma vez que o livro tenha sido inspirado, torna-se canônico, sendo aceito ou não pela maioria ou minoria de pessoas, pois somente Deus pode atestar se um livro é ou não é canônico, ou seja, se deve ou não ser incluído no conjunto das Escrituras Sagradas.
Ainda segundo o Dr. Young, a razão pela qual se cria tantas e calorosas discussões sobre o cânon bíblico é pelo fato de que se parte do pressuposto de que tais livros é meramente uma lista de livros que um grupo judaico classificou como divinos, menosprezando totalmente o aspecto teológico da questão. E conclui ele sua argumentação:
Para o crente Cristão, todavia, a palavra ‘cânon' se reveste de um sentido muito mais elevado; ... reconhece que as Escrituras são inspiradas porque elas são, e trazem em si mesmas as evidências de sua origem Divina. ... Por conseguinte, os homens reconhecem a Palavra de Deus simplesmente porque o próprio Deus lhes afirma qual seja a Sua Palavra. Deus lhes dirigiu a Sua verdade e a identificou para os homens. Portanto, é de grande importância, para a correta, compreensão do problema inteiro, a doutrina do testemunho interno do Espírito Santo. ... o crente possui a convicção que as Escrituras são Palavra de Deus, e que essa convicção foi implantada na mente do crente pela Terceira Pessoa da Trindade. Essa convicção tem sido possessão do povo de Deus desde que a primeira porção da palavra de Deus foi posta em forma escrita. Não pode haver dúvidas que o verdadeiro Israel reconheceu imediatamente a revelação de Deus. (YOUNG, 1964, pp.37-38).
Entretanto, dentro de um processo seletivo para se diferenciar um escrito inspirado de outro não inspirado, ainda que a própria Bíblia não forneça qualquer conjunto de critérios específicos, alguns foram estabelecidos e observados:
a) Autoria Profética - um livro canônico deve ter sido escrito por um profeta (VT) ou apóstolo (NT) ou por alguém que teve um relacionamento especial e direto com eles (Marcos-Pedro; Lucas-Paulo). Somente os que tinham testemunhado eventos ou tinham registrado testemunho de testemunhas oculares podia ter seus escritos considerados como Escritura Sagrada.
b) Testemunho do Espírito - o testemunho interior do Espírito Santo é critério indispensável neste processo seletivo, uma vez que Ele intervém diretamente em todo o processo histórico da vida destes escritores bíblicos.
c) Aceitação - o critério final neste processo de canonização era a aceitação por parte dos crentes do VT e do NT de que estes escritos eram parte integrante do ensino de Deus para a vida de seu povo.
A ideia de um Cânon está na fundamentação teológica da fé cristã. Sem estas palavras disponíveis não haveria nenhum exercício do Senhorio de Deus sobre nós, como povo dele, e não haveria nenhuma promessa segura de Deus de que enviaria um Salvador.
É certo que Deus teve suficiente razões para estabelecer um Cânon do Primeiro Testamento às pessoas que viveram antes da Vinda do Senhor Jesus Cristo. Abaixo mencionamos algumas destas razões:
- Aqueles primeiros crentes puderam Ter uma revelação completa de Deus em seu próprio tempo. Isto foi fundamental para que eles tomassem conhecimento do Evangelho antes do tempo da Cruz e que compreendessem o plano Redentor e Gracioso de Deus.
- Aqueles crentes puderam ter a Palavra Escrita de Deus para viver por ela.
- Esta Palavra Escrita pode ser preservada através dos séculos.
Assim, um Cânon pode ser estabelecido e claramente diferenciado de outros escritos que surgiram e que não possuíam o selo da inspiração divina.
O conteúdo do Cânon Protestante é equivalente ao conteúdo do Tanak, que é um acrônimo para as três partes do Cânon Judaico, ("T" para Torá, "lei/instrução"; "N" para Neviim, "os profetas"; e "K" para kethubim, "os escritos"). O Cânon Católico Romano está baseado na Septuaginta ou Versão dos Setenta (LXX)[1] e na tradução da Vulgata Latina,[2] agregando mais quatorze livros, que eles classificam como Deutero-canônico (segundo cânon), mas que os Protestantes denominam de Apócrifos (literalmente - livros escondidos).[3] Portanto, em relação à Bíblia Hebraica, os judeus aceitavam como canônicos apenas vinte e quatro livros, e que na versão protestante tornam-se trinta e nove, conforme a tabela em (http://reflexaoipg.blogspot.com.br/search/label/VT%20-%20C%C3%A2non CANON-AT-Tabelas-dos-Principais-Canon/), porque a disposição ou organização destes livros, neste caso, segue a Septuaginta.
Diante destes fatos: Qual cânon deveríamos utilizar? O debate nunca cessará. Mas um interessante argumento, mas não infalível, é fundamentado em Mateus 23:35. Em um debate com os Fariseus, Jesus disse que eles eram responsáveis pelas mortes de todos os profetas, desde Abel (Gen. 4) até Zacarias, filho do sacerdote Joiada (2 Cron. 24:20). Estava Jesus pensando cronologicamente? Não, pois Urias, o profeta, foi morto depois do tempo de Zacarias (conforme Jer. 26:23). Jesus estava pensando canonicamente? Possivelmente, pois Abel foi o primeiro mártir na Bíblia e Zacarias foi o último profeta a ser martirizado, conforme registrado em 2 Crônicas - que é frequentemente o último livro na Bíblia Hebraica. Assim sendo, Jesus utiliza o cânon mais curto, hebreu, e não o cânon mais longo, grego, onde 2 Crônicas é colocado antes do livro de Jeremias.

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Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
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Referências Bibliográficas
YOUNG, Edward J. Introdução ao Antigo Testamento. Vida Nova, São Paulo, 1964.



[1] Com a conquista do mundo por Alexandre o Grande (330 a.C.) o grego passou a ser uma língua internacional. Os judeus dispersos desde os dias do exílio Babilônico e que não voltaram com Esdras e Neemias, concentraram-se em Alexandria, alcançando aproximadamente um milhão e meio de pessoas. Com o passar dos anos eles perderam contato com a sua língua pátria o hebraico. Para que não ficassem impossibilitados de lerem as Escrituras eles começaram, por volta do ano 250 a.C., uma tradução para o grego. Iniciaram pelo Pentateuco e com os anos foram traduzindo todos os demais livros do Velho Testamento. Esta versão grega tornou-se rapidamente popular entre os judeus dispersos e até mesmo utilizados por judeus na Palestina. Os tradutores da Septuaginta fizeram uma nova classificação dos livros do Antigo Testamento, usando o critério dos assuntos centrais de cada livro. Os tradutores para o Português acompanharam a ordem da Septuaginta, como se vê em nossas Bíblias atuais.
[2] Quando o latim se tornou a língua popular, Jerônimo traduziu o Tanak para o latim em aproximadamente 400 d.C. Porque o latim era o idioma comum das pessoas, está tradução foi chamada de Vulgata ("meios vulgares; comum"). A Vulgata, porquanto manteve os livros apócrifos, se tornou a base para a Bíblia católica de hoje.
[3] Isto ocorreu no Concílio de Trento realizado em 1546, até então estes livros ainda que fossem inseridos no conjunto dos livros canônicos, nunca haviam sido considerados como inspirados e consequentemente como fonte inerrante para fundamentação teológica ou doutrinária. Eram aceitos apenas como livros que traziam informações de um período histórico entre o Velho e o Novo Testamento, onde Deus não havia se manifestado de forma profética em Israel, o chamado "400 anos de silêncio". A palavra ‘apócrifo' deriva do grego, que a princípio significava algo oculto, secreto ou escondido, mas com o passar do tempo, passou a ter sentido de heresia ou de autenticidade duvidosa. A maioria dos livros apócrifos foram escritos por volta de 200 a.C. até 350 d.C., nos mais diversos locais: Palestina, Síria, Arábia, Egito. Em contraste com os livros canônicos, os apócrifos não eram lidos nas sinagogas e depois nas igrejas, pois a grande maioria apresentavam ensinamentos heréticos e doutrinas falsas; tinham a finalidade de defender ideias de certos grupos isolados como os gnósticos, os docetas e os judaizantes. Quando a Igreja resolve definir o cânon das Sagradas Escrituras, a partir do séc. IV, pouco a pouco os apócrifos vão caindo no esquecimento até que a Igreja Católica Roma incorporou alguns deles e os autenticou.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

DEUS: O Tema Central da Bíblia


      É com muita tristeza que contemplamos a forma com que a Bíblia tem sido utilizada como instrumento para satisfação hedonista de seus expositores, leitores e ouvintes.
      A falsa impressão que se procura passar é de que a Bíblia é um manual de cura divina e de prosperidade; ou um amuleto místico para poder ter acesso e influência (ainda que os mais atrevidos deixem transparecer que tem “controle” sobre a Divindade). Nesta completa distorção da finalidade da Bíblia acaba-se concluindo equivocadamente de que ele é um livro sobre o ser humano e para o ser humano, onde Deus é apenas mais um, ainda que proeminente, dos milhares de personagens que povoam suas páginas. Em palavras bem vulgares a Bíblia foi transformada em mais um livro de autoajuda, com um terrível agravante de que ela é o maior best seller[1] da literatura mundial, pois nenhum livro tem sido mais reproduzido, distribuído e lido na história humana do que a Bíblia.
      Desta forma, não é por acaso ou sem razão que a Bíblia há muito tempo, perdeu e continua perdendo seu poder transformador do caráter e da vida do ser humanado decaído e depravado; há muito tempo a Bíblia vem sendo utilizada em púlpitos apenas como artifício para se propagar conceitos completamente destoantes e incompatíveis com seu conteúdo, como se sua mensagem fosse antropológica e não teológica.
      A Bíblia é sobre Deus e não sobre o ser humano; sua mensagem tem como único centro Deus e Seu Propósito eterno. Ela começa com Deus, na Criação, e conclui sua mensagem com Deus na Nova Criação. O ser humano entra como parte integrante da Criação, ainda que distintivamente, pois é o único ser na terra e no céu que recebeu a imagem e semelhança de Deus.
      A primeira e mais importante razão pela qual devemos estudar a Bíblia, é porque nela podemos conhecer a Deus. Em suas páginas temos a revelação daquilo que Deus é e daquilo que Deus faz. Quando nos aproximamos da Bíblia para tratarmos sobre qualquer outro assunto, por mais relevante que seja, e relevamos o conhecimento de Deus, acabamos por tomar um caminho perigoso e que nos conduzira a lugares ermos e secos, pois a abundância e a vida abundante esta somente em conhecer e prosseguir em conhecer a Deus, como tão bem expressa o profeta Oséias aos israelitas, que apesar de terem a Primeira parte da Bíblia, optaram por darem sua atenção a outras coisas “mais importantes” do que buscar o conhecimento do seu Deus.
      A grande pedra de tropeço do primeiro casal, narrado no capítulo três de Gênesis, não foi outro a não ser este – preferiram o autoconhecimento, ao conhecimento de Deus.  Ao relevarem a ordem de Deus eles estavam declarando saberem mais do que Deus. Esta continua sendo a pedra que faz tropeçar todo ser humano, incluindo os crentes, pois por desconhecermos a natureza de Deus acabamos na maioria das vezes querendo fazer as coisas do nosso jeito e não conforme Ele estabelece claramente em Sua Palavra.
Há muito tempo a Bíblia tem deixado de ser a única regra de fé e pratica; não é coisa recente, o povo de Israel já relegava a Bíblia a um plano secundário em suas vidas religiosas; a Torá era para ser lida no lugar próprio (Sinagoga ou Templo), assim como hoje ela está restrita aos templos cristãos, e fora destes ambientes religiosos o que determina o que vou ou não fazer sou eu ou as circunstâncias ou a maioria da sociedade, afinal vive-se numa “democracia”.
Se você não for à Bíblia com o desejo de conhecer mais sobre Deus, você sempre haverá de sair frustrado de sua leitura e estudo.
            Por menosprezarem o que a Bíblia ensina sobre Deus a grande maioria das pessoas tem opiniões estúpidas sobre Deus. Os chamados cristãos, incluindo os evangélicos, tem ideias completamente infantis sobre Deus que precisam serem corrigidas ou rejeitadas completamente, pois não tem qualquer fundamento bíblico. Muitos pensam que Deus é um “gênio da oração mágica”, pronto para atendê-los; muito poucos entendem realmente o significado e a função da oração no contexto do relacionamento com Deus.
            A grande maioria das pessoas constrói um tipo de Deus que desejam criado à suas imagens e semelhanças, e rejeitam qualquer outro Deus, incluindo o que se revela na Bíblia, que não venha agrada-los. Numa inversão total de valores e conceitos, Deus deve ser ajustar aos nossos desejos e vontade, e não nós que temos que nos ajustar ao que Deus realmente é, conforme ensinado na Bíblia. Esta é a terrível idolatria, nos prostramos diante do Deus criado pelas nossas mentes esquizofrênicas e depravadas, e rejeitamos o Deus que emana das páginas da Bíblia.
            Precisamos urgente e desesperadamente rever radicalmente nossos conceitos e ideias sobre Deus. Minha pequena contribuição neste pequeno espaço do Reflexão Bíblica, é resgatar as excelências de Deus, para podermos reajustar o nosso pensamento sobre Deus em conformidade com as características reveladas nas páginas da Bíblia.
            Meu desejo é que cada um destes pequenos artigos aqui postados possa motivar e estimular você a começar seu próprio estudo pessoal sobre Deus, partindo das informações fornecidas pela Bíblia. Tenho certeza absoluta de que este estudo haverá de transformar sua vida!
            Concluo com as palavras de dois cristãos do passado, que horrorizados com a falta de conhecimento dos cristãos e da igreja cristã sobre a pessoa de Deus, se dispuseram a conhecer a Deus por meio da Bíblia somente.
            O primeiro é A. W. Tozer que afirmou:
“A maior e mais pesada responsabilidade que pesa sobre a Igreja cristã hoje é purificar e elevar o seu conceito de Deus até que seja uma vez mais digno Dele.”[2]
            O segundo é A. W Pink que em perfeita concordância com Tozer declara:
“O deus deste século não é mais semelhante ao Soberano das Escrituras Sagradas do que a cintilação tenua de uma vela em contraste com a gloriosa luz e brilho do sol do meio-dia. O Deus que se fala no púlpito, na escola dominical, mencionado na maior parte da literatura religiosa e pregado na maioria das chamadas conferências bíblicas, é uma invenção da imaginação humana, uma invenção do sentimentalismo piegas. Os pagãos fora dos limites da cristandade fazem deuses de madeira e de pedra, enquanto milhões de pagãos dentro da cristandade fabricam um Deus forjado nas bigornas de suas mentes carnais”.[3]

            A única esperança para a sociedade humana e para a igreja cristã/evangélica está em um retorno ao Deus da Bíblia!!

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
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Historiologia Protestante


           
                                                                           



[1] Best seller significa mais vendido, em inglês. É um livro considerado extremamente popular entre os leitores, além de ser incluído na lista dos mais vendidos no mercado editorial.
[2] Tozer, A. W. The Knowledge of the Holy (New York: Harper and Row, Publishers, 1961), p. 10.
[3] Pink, Arthur W. Gleanings in the Godhead, pp. 28-29.


Livros Poéticos e Sabedoria - Conclusão da Introdução


Citações no Testamento Novo. 
É provável que nem todos tenham conhecimento de que o livro da primeira parte da Bíblia cristã mais citado no Novo Testamento seja o livro de Salmos. É nesta importante literatura poética que muitos escritores neotestamentários encontram as referências messiânicas que identificam Jesus Cristo como aquele que por tantos séculos esteve sendo aguardado pelo crente veterotestamentário.
Estas abundantes citações dos chamados livros poéticos e/ou de sabedoria é um forte testemunho de sua canonicidade e historicidade. 
(a) é significativo que os escritores inspirados do NT nunca citam os livros Apócrifos, mas citam extensivamente os Salmos (mais do que qualquer outro livro do AT). 
(b) também há citações dos livros de Jó e Provérbios. 
(c) a falta de citações no NT de Eclesiastes e Cantares podem ser explicados pelo fato que eles são livros mais curtos, e que houve menos ocasião para citá-los devido à natureza especifica de seus conteúdos. 
A Relação dos Livros Poéticos e Suas Características
LIVRO
CARACTERÍSTICA
Bênção no sofrer
Salmos
Louvor através da Oração
Provérbios
Prudência através da Instrução
Eclesiastes
A Realidade à luz da Vaidade
Cântico dos Cânticos
Felicidade através da União

Os Períodos da Poesia e Sabedoria no Velho Testamento
             Enquanto a poesia hebreia se desenvolve ao longo da sua história, podemos notar ao menos três períodos primários desta literatura poética e sapiencial:
  I. O Período Patriarcal - Jó (aprox. 2000 A.C.)
 II. O Período Davídico - Salmos (aprox. 1000 A.C.)
III. O Período Salomônico (aprox. 950 A.C.)
A. Cantares - o amor de um homem e/ou mulher jovem
B. Provérbios - a sabedoria de um homem e/ou mulher de meia-idade
C. Eclesiastes - o desgosto de um homem e/ou mulher velho

Cristo nos livros poéticos e de sabedoria
Como temos visto, Cristo, o Messias, é o coração de toda a Bíblia. Deste modo, antes de examinarmos cada um destes livros poéticos, é bom termos uma perspectiva da Cristologia deles. Relativo a este aspecto escreve Geisler:
“Considerando que a fundação para Cristo foi posta na Lei e a preparação de Cristo foi construída nos livros Históricos, os livros Poéticos revelam a aspiração por Cristo nos corações das pessoas. Elas aspiraram uma vida plenamente realizada em Cristo tanto de um modo explícito como implícito, conscientemente e inconscientemente. A lista seguinte servirá como uma guia global às aspirações Cristocentricas - encontradas nos livros poéticos”:

LIVRO
CRISTOLOGIA
Aspiração pela mediação de Cristo
Salmos
Aspiração por comunhão com Cristo
Provérbio
Aspiração pela sabedoria de Cristo
Eclesiastes
Aspiração por plena satisfação em Cristo
Cantares
Aspiração por uma união com Cristo


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
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