Estamos degustando o Salmo 119. Ele contém 22 divisões que correspondem
às 22 letras do alfabeto hebraico — portanto, trata-se de um salmo em forma
poética acróstica.
Já vimos a primeira estrofe deste salmo (versículos 1–8), que se inicia
com a primeira letra do alfabeto hebraico: Álef (א).
Neste texto, veremos a segunda estrofe (versículos 9–16), que começa com
a letra Bete (בַּ). Essa segunda letra do alfabeto significa “casa” em hebraico.
Assim, utilizando a linguagem poética, podemos fazer do nosso coração um lar
para a Palavra de Deus.
Essa estrofe se inicia com uma pergunta retórica: Como pode o jovem — ou
seja, a próxima geração — manter puro o seu caminho (ou o seu coração)?
Por que o jovem?
O livro de
Provérbios nos dá a resposta: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e
ainda quando for velho não se desviará dele” (Pv 22.6). Portanto, o salmista
está pensando na nova geração e em como preservar suas mentes e corações das
contaminações nocivas e nefastas produzidas por uma sociedade doente e
depravada.
Os jovens são
entusiastas, mas completamente desprovidos da experiência da vida — como
exemplifica a parábola do filho pródigo. Assim, a única esperança para as novas
gerações está em ensiná-las a amar a Palavra de Deus e a viver por ela, pois
ela se constitui no único Caminho para a verdadeira felicidade.
O jovem
Daniel e seus amigos, apesar de terem sido levados cativos para o coração da
Babilônia — símbolo do que havia de mais depravado e idólatra na época —,
mantiveram-se firmes em seus princípios de fé. Isso porque suas mentes e
corações estavam amalgamados com a Palavra de Deus. Rejeitaram toda sorte de
atrativos e pressões que lhes sobrevieram. Nem a fornalha aquecida sete vezes,
nem a cova dos leões foram capazes de demovê-los de suas convicções.
Daniel e seus
amigos verdadeiramente aprenderam a amar a Palavra de Deus e a guardá-la em
seus corações.
Qualquer
outra escolha os teria levado à infelicidade — e à morte.
Estamos
contemplando os resultados de gerações que têm se afastado, cada vez mais, da
Palavra de Deus, optando por andar em seus próprios caminhos. O que vemos é uma
geração fútil e tola, obstinada e intratável.
O versículo 9
levanta uma pergunta retórica: “Como pode o jovem manter pura a sua conduta
neste mundo atolado no lamaçal do pecado?” O próprio texto oferece a resposta:
por meio da Palavra de Deus. No entanto, essa pergunta se aplica a todos nós,
independentemente da idade. A única coisa que pode manter nosso caminho — nossa
vida — puro e limpo é a Palavra de Deus.
Embora o
termo “pureza” esteja quase completamente em desuso, seu significado permanece
atual e necessário: viver com fidelidade a nós mesmos e aos princípios divinos,
sem concessões. Infelizmente, poucos estão dispostos a aceitar esse desafio.
Expressões
distorcidas como “o novo normal” têm levado milhares de jovens — e também
adultos — a negociar seus princípios de fé, adotando como normativas de vida os
nefastos valores sociais antibíblicos e anticristãos.
Enquanto os
“Happy Hours” lotam os bares e multiplicam o consumo de bebidas alcoólicas, as
igrejas estão se esvaziando.
verso 10 - “De todo o meu coração te busco.” Talvez
o salmista tivesse lido — ou ouvido — as palavras de Jeremias (29.13):
“Buscar-me-eis e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração.” Ele
não desejava apenas obedecer às leis de Deus, mas ter comunhão com Ele.
Vivemos
o boom do saber enjaulado — academicista, autorreferente e distante da vida
real. Cursos de mestrado e doutorado se multiplicam nas esferas teológicas.
Nunca se produziu tanto conhecimento bíblico-teológico como em nossos dias. O
conhecimento acadêmico virou vitrine.
Mas
a questão fundamental é: Quanto desse conhecimento tem contribuído para uma
vida mais santa e compromissada com as verdades imutáveis da Palavra de Deus? Quanto
desse saber tem sido transferido do cérebro para o coração?
Saber
sobre Deus não é o mesmo que vivenciar Deus na vida cotidiana. O quanto desse
conhecimento biblicista tem produzido genuíno arrependimento e transformação de
caráter? Infelizmente, não se respira nos centros acadêmicos uma atmosfera de
contrição, mas sim de orgulho e arrogância dos saberes.
Mas a
declaração de fé do salmista vem acompanhada de uma oração fundamental:
“Ó,
não me deixes desviar dos teus mandamentos.”
Em
palavras simples: “Ajuda-me a obedecer a todos os teus mandamentos.”
Quando
o salmista olha para si mesmo, ele reconhece o mesmo dilema descrito pelo
apóstolo Paulo: “O bem que quero fazer, não faço; mas o mal que não quero,
esse prático. Miserável homem que sou!” (Romanos 7.19).
O
salmista tem plena consciência de que, sem a ajuda de Deus, ele não será capaz
de vivenciar a Palavra nem de fazer a vontade divina. Ele entende que não
conseguirá manter puro o seu coração, sua mente e suas ações por esforço
próprio. Por isso, sua oração é humilde, sincera e urgente — um clamor por
graça para obedecer.
Essa
não pode ser uma oração-mantra, repetida mecanicamente; deve ser uma oração
sincera e madura, vinda de um crente que verdadeiramente deseja viver uma vida
de pureza — uma vida que agrade a Deus, e não a si mesmo ou à sociedade.
“Ajuda-me”
deve ser o grito de uma alma que deseja ter uma única fonte de felicidade:
Deus. Asafe, no Salmo 73, compartilha sua terrível crise existencial, na qual,
por muito pouco, não se afastou por completo de Deus. Depois de duvidar de tudo
e de todos, Deus, com paciência, lhe mostra o fim do caminho dos ímpios e o fim
do caminho dos justos — daqueles que mantêm puro o coração. Então Asafe faz uma
declaração maravilhosa: “A quem tenho eu no céu senão a ti? E na terra, nada
mais desejo além de estar junto a ti” (Salmo 73.25).
E
como completaria Davi: “O Senhor é o meu pastor; nada me faltará” (Salmo
23.1). Ou seja, Yahweh é o bem maior — no céu e na terra. Ele é o que temos de
mais precioso na vida. E, quando Ele é tudo, nada mais é necessário para nos
satisfazer.
Verso 11 –
O melhor lugar para guardar a Palavra de Deus: “Escondi a tua palavra
no meu coração.” O coração é o centro da vida. A prática
vivencial tem demonstrado que as ações nascem no coração e movem o cérebro. Por
isso, muitos dos nossos maiores erros — talvez 90% deles — têm origem no
coração.
A
sabedoria de Provérbios nos alerta: “Sobre tudo o que se deve guardar,
guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida.” (Provérbios
4.23)
Jesus
também confirma essa verdade ao afirmar: “A boca fala do que está cheio o
coração” (Lucas 6.45). E Ele vai além, revelando a profundidade do que
habita no interior humano: “Porque de dentro, do coração dos homens,
procedem os maus pensamentos, os adultérios, as imoralidades sexuais, os
homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a devassidão, a
inveja, a blasfêmia, a soberba, a insensatez. Todos esses males vêm de dentro e
contaminam o homem.” (Marcos 7.21–23)
Por
isso, o salmista declara que o melhor lugar para guardar a Palavra de Deus é o
coração — não apenas a memória, não apenas os lábios, mas o centro da vida,
onde decisões são geradas e valores são formados. Quando a Palavra está
escondida ali, ela se torna escudo contra o pecado e guia para a santidade.
Verso
12 – Louvor: “Bendito és tu”
É
uma expressão de louvor e uma declaração de reconhecimento de que todas as
bênçãos vêm da parte de Deus. Nossas orações devem sempre refletir essa mesma
verdade: tudo de que necessitamos — inclusive discernimento e sabedoria para
tomarmos decisões e fazermos escolhas — vem da direção de Deus. Viver sem esse
reconhecimento é viver loucamente, conduzido pelos ditames de nossas mentes e
corações contaminados pelo pecado.
No
pedido que completa a frase – “Ó Senhor,
ensina-me os teus estatutos” - o salmista expressa sua insuficiência para
apreender a essência do ensino bíblico. Sem a ação capacitadora do Espírito
Santo somos analfabetos tentando ler seus textos, sem jamais alcançar o
entendimento correto de suas verdades. O que nos leva à cena do diácono Felipe
e o funcionário governamental Etíope. Percebendo que aquele homem está lendo um
texto do profeta Isaías, lhe faz uma pergunta: você compreende o que está
lendo? A resposta sincera do Etíope é de que não, pois não há quem lhe explique.
Então convida Felipe a subir na carruagem e ouve atenciosamente a explicação e
finalmente declara sua fé em Cristo e solicita que Felipe o batize.
O
salmista faz o mesmo pedido em sua oração – “ensina-me os teus estatutos”.
Quantas vezes lemos a Bíblia como se fosse um livro qualquer, sem discernirmos
que trata-se da Palavra de Deus. Esta pequena oração sintetizada em uma pequena
frase, faz toda diferença quando se trata das Escrituras. O Espírito Santo a
inspirou (soprou) e somente Ele pode nos capacitar a apreendermos genuinamente
seus ensinos.
A
História do Cristianismo está repleto de homens e mulheres que se
utilizaram (e continuam se utilizando) da Bíblia para ensinar as mais terríveis
heresias e mentiras. O próprio Satanás teve a ousadia de tentar Jesus,
utilizando-se das palavras registradas de Deus ... “não está escrito...”,
mas Jesus o repreende utilizando-se do correto ensino bíblico. Antes de lermos
a Bíblia tenhamos o cuidado de orarmos como o salmista – “ensina-me Seus
estatutos”. Quando assim fizermos estaremos tendo uma postura de humildade
diante de Deus, qualquer outra postura é contaminada pela arrogância e soberba
da vida.
Verso 13 – o
salmista canta que vai repetir as palavras da Tora, mas aqui não trata-se de
uma repetição religiosa mecanizada, mas a ideia é de dar testemunho das
verdades ali contidas, ou compartilhar com outras pessoas o que tem aprendido. Ele
quer aprender para ensinar. Este foi o último imperativo de Jesus para os
discípulos (de ontem e de hoje), “sede minhas testemunhas”, ou seja,
tudo que vocês viram e ouviram, compartilhem com todas as pessoas. O
conhecimento bíblico não compartilhado torna-se perigoso, pois tal pessoa
torna-se arrogante e intolerante. O cristão que não testemunha torna-se uma
lagoa, onde prolifera toda sorte de micróbios que adoecem e matam a alma; o
cristão que testemunha, compartilha, torna-se semelhante a um rio que se renova
e produz vida...em abundância.
Verso 14 – A
Genuína Felicidade e Alegria – as Escrituras se constituem na única fonte
genuína de prazer e satisfação, pois nelas usufruímos da comunhão com Deus
(ouvimos o que Ele tem para falar) e não apenas usuários de Suas bênçãos. Ao
nos criar à Sua imagem e semelhança Deus nos tornou únicos em toda Criação.
Somos os únicos seres habilitados à conhece-Lo e dialogar com Ele. Uma das
cenas mais lindas da Criação é quando Deus na viração do dia (o dia judaico
inicia-se ao pôr do sol) Deus passava pelo jardim do Éden para dialogar com
Adão e Eva. Infelizmente o pecado rompeu esse diálogo, mas em Cristo Jesus
somos novamente habilitados a dialogarmos com Deus, agora por meio de Sua
Palavra. O ser humano sem Deus é um infeliz maltrapilho vagando por este mundo
árido e ressequido pelo pecado. Sem a comunhão com Deus a raça humana não passa
de um “vale de ossos secos".
Verso 15 – Meditar na Palavra de Deus (de dia e de
noite – Salmo 1) é o segredo para mantermos nossa mente e coração sintonizados com a Vontade de Deus em todo o tempo.
Verso 16 – Conclui
a segunda estrofe com uma declaração de amor e um voto.
Vou pular de alegria – explosão
de alegria (torcedor de futebol). Em ter entendimento do Valor da Palavra de Deus.
Voto – Eu não me esquecerei da Tua Palavra! Mas
o voto é consequência direta das ações anteriores: o pensar/meditar/estudar
gera satisfação, e a satisfação ajuda a memória e a prática. Havia dito: “Meditarei
em teus preceitos”; e “me alegrarei em teus estatutos”; o que produz
um benefício adicional: “não esquecerei tua palavra”. A mente/memória se
concentra naquilo que o coração se alegra; e o coração é onde está o tesouro
(Mateus 6.21). Os ímpios não se alegram com a Palavra de Deus e por isso não se
lembram dela.
Deste
modo, todas as vezes que nos “esquecemos” da Palavra de Deus, nos assemelhamos
aos ímpios e degenerados. Todos aqueles que não amam a Palavra, todos os seus
preciosos ensinamentos entram por um ouvido e sai pelo outro – nada aproveitam.
Mas
esse prazer na Palavra de Deus não deve ser uma mera especulação — assim como
os hipócritas têm seus gostos e seus lampejos — mas em crer, praticar,
obedecer. As Escrituras não são apenas para serem admiradas e enaltecida em
suas belezas literárias e princípios universais, mas acima de tudo, para serem
amadas e vivenciadas. Parafraseando o apostolo Paulo – “não sou eu quem
vive, mas a Palavra de Deus vive em mim e através de mim” (Gálatas 2.20).
Questões
Para Reflexão
v O
quanto da bíblia você já memorizou desde sua conversão?
v
Por que o salmista
se dirige aos “jovens”?
v Como
podemos nos afastar do pecado que nos assedia?
v
O que significa
buscar a Deus de “todo o coração?”
v Quem
ou o que é seu bem maior?
v
Por que guardar a Palavra
de Deus no coração e não na mente?
v Quais
as implicações na expressão “Bendito és Tu”?
v
Você tem orado para
que Deus te ensine a Palavra?
v Você
tem ensinado a Palavra de Deus a outras pessoas?
v
Neste mundo
tenebroso, onde está a genuína fonte da felicidade?
v Você
tem se esquecido da Palavra de Deus?
Utilização livre
desde que citando a fonteGuedes, Ivan PereiraMestre em Ciências
da Religião.me.ivanguedes@gmail.comOutro BlogHistoriologia
Protestantehttp://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Referências Bibliográficas
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Bíblia – Louvores II (Salmos). v. 2. Tradução de Paulo Neves. Rio de
Janeiro: Imago, 1998. (Coleção Bereshit).
HARMAN, Allan M. Comentários
do Antigo Testamento - Salmos. Tradução Valter Graciano Martins. São
Paulo: Cultura Cristã, 2011.
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73-150 – introdução e comentário, v. 14. São Paulo: Sociedade
Vida Nova e Mundo Cristão, 1981. [Série Cultura Cristã].
MANTON, Thomas. An Exposition of Psalm 119. Monergism (eBook).