O quadro evangélico da traição de
Judas Iscariotes não é menos chocante e igualmente deve nos levar a uma
profunda reflexão pessoal – parafraseando o salmista ( ) temos que orar
continuadamente – “sonda-me ó Deus e verifica se não estou traindo meu Senhor e
Salvador Jesus Cristo”. Assim como o salmista não confie em sua
própria sondagem superficial, é necessário uma sondagem tão profunda da alma
que somente o Espírito Santo pode fazê-lo genuinamente.
Narrativa
Marcana (14.10, 11; 43-50)
Há um texto que ilustra
adequadamente a situação de Judas Iscariotes, em relação ao seu ato de traição
– “a quem muito é dado, muito será cobrado” (Lc 12.42-48). Iscariotes
consta em todas as listas evangélicas dos doze discípulos, que foram
pessoalmente separados por Jesus e que receberam ensinos específicos do próprio
Senhor e posteriormente foram enviados na, podemos assim dizer, primeira missão
evangelística por todo o território da palestina judaica. Ele igualmente
retorna compartilhando com todos as coisas extraordinárias que realizaram em o
nome de Jesus. Certamente Iscariotes poderá dizer, como tantos outros: “Senhor! Senhor! profetizei em teu nome,
expulsei demônios em teu nome e realizei muitos milagres em teu nome?” (cf. Mt 7.22), entretanto, ouvira
igualmente as palavras do Jesus Cristo ressurreto e glorioso: “Nunca te
conheci; apartai de mim, tu que praticais a iniquidade” (Mt 7.23). Outro
outdoor para os Iscariotes atuais.
Marcos, assim como seus colegas evangelistas, gastam a
maior parte de sua narrativa registrando a última semana de Jesus. Ele
acompanha-o desde sua chegada em Betânia e suas indas e vindas da cidade de
Jerusalém, mais especificamente seus embates no Templo – a menina dos olhos dos
judaizantes. Na leitura, mesmo que simples, é notório o crescente ódio dos
adversários que em nenhum momento conseguem encurralar Jesus com suas perguntas
e questões falaciosas. Tentam o tempo todo criarem factoides, contratam até
mesmo os especialistas da época os escribas, mas suas mentiras são
desmascaradas ao vivo e a cores por Jesus, que os expõem cada vez mais ao
ridículo diante da multidão que se aglomera ao redor de Jesus em cada passo,
palavra e gesto que Ele faz. Por isso a razão de Jesus retornar a cada dia para
Betânia, onde no aconchego do lar dos irmãos Lazaro, Marte e Maria, Ele pode
descansar e refazer suas forças – prova categórica de sua integral humanidade!
Na quarta feira Jesus é convidado para jantar na casa de
um homem chamado Simão, que carregava a alcunha de “o leproso”. Evidente que
ele havia sido curado e tudo indica que por Jesus. Desta forma, o jantar seria
uma demonstração de gratidão e reconhecimento de Jesus. Enquanto está reclinado
à mesa, pois ficava rente ao chão, uma mulher vem silenciosamente e quebrando
um vidro de alabastro contendo um perfume caríssimo, começa a derramá-lo todo
sobre Jesus Cristo. Os discípulos e Iscariotes em particular, ficam
horrorizados com tamanho desperdício, conforme seus comentários. Jesus
imediatamente os repreende e exalta o gesto amoroso daquela mulher e declara
que ela está apenas antecipando a sua preparação para o túmulo – que está por
vir a poucas horas.
Está cena foi a gota de água que faz transbordar o copo
da indignação de Iscariotes. Por quase três anos ele está aguardando que Jesus
tome uma atitude e derrote de uma vez por todas os invasores romanos e
restabeleça a glória de Israel, como nos dias de Davi/Salomão e eles finalmente
reinarão em toda sua plenitude. Mas a cena que ele acaba de ver nada tem a ver
com suas expectativas.
Desde que
começaram a subir para Jerusalém Jesus reiteradamente fala de sua prisão e
morte e ressurreição. Ele como Marta sabia que haveria uma ressurreição no
último dia (futuro), mas ele não havia deixado tudo, incluindo família, para
seguir a Jesus por uma esperança futura – ele quer receber seu prêmio aqui e
agora. Mas o desperdício daquele perfume de nardo caríssimo e as palavras de
Jesus defendendo a mulher e mais uma vez falando de sua morte eminente –
desanimaram de vez o coração de Iscariotes. Se Jesus Cristo não vai tomar uma
atitude, ele mesmo vai correr atrás de seus sonhos. Ele é que não vai sair no
prejuízo; não vai voltar para casa com uma mão na frente e outra atrás.
Mc
14.10, 11 - E Judas Iscariotes, um dos doze, dirigiu-se aos principais
sacerdotes, para traí-lo. Quando ouviram isso, ficaram encantados e
prometeram dar-lhe dinheiro. Então Judas começou a procurar uma oportunidade
para traí-lo.
Que
contraste terrível – o gesto de amor completamente abnegado da mulher, e o ato
vil de um dos próprios apóstolos. Fica evidente a completa frustração de
Iscariotes com Jesus e sua mensagem do Reino de Deus – as moedas de prata pelo
seu mestre. Quantos não tem seguido este mesmo terrível e trágico caminho de
uma pseuda prosperidade neste mundo e desviando-se completamente do caminho da
salvação e vida eterna. Escolhem as riquezas corruptíveis deste mundo tenebroso
e renunciam às insondáveis riquezas perenes e eternas de Cristo Jesus. Judas
representa os crentes hedonistas deste século.
Como foi
deixado claro ele fez parte da elite dos apóstolos. O que ele viu e ouviu
poucos tiveram o privilégio de compartilhar. Aqui cabe as palavras exortativas
de Jesus àqueles que mesmo vendo e ouvindo não creram e por esta razão o juízo
de Deus será ainda mais implacável com eles do que com os moradores de Sodoma e
Gomorra. E tais palavras de Cristo continuam repercutindo no transpassar dos
séculos, mas as pessoas continuam surdas e cegas para a realidade do Evangelho
– preferem calar e até matar os pregadores do que se arrependerem e crerem para
serem salvos.
Os demais
discípulos e até mesmo nós podemos ficar chocados e horrorizados com a ação
traidora de Iscariotes – menos Jesus – pois, ele havia dito com todas as
letras: "O Filho
do Homem será entregue nas mãos dos homens...", e "o Filho do Homem
será entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas..." (Mc 9.31;10.33).
Mas a escolha é totalmente de Iscariotes – ele decidiu/resolveu fazer sua ação.
Entretanto, há alguém por trás desta atitude de Iscariotes – “Durante a
ceia, o diabo já havia colocado no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão,
para traí-lo” (João 13.2). No
coração e mente em que o Espírito não age, age Satanás. E o Espírito Santo
somente produz e reproduz em abundância o seu fruto naqueles que professam
Jesus Cristo como Senhor e Salvador.
Nestas
cenas de Iscariotes temos as duas realidades (não há uma terceira): o mal
abundando (conduzindo Iscariotes para a morte) e a graça superabundante
na preservação dos demais discípulos (mesmo na vida do Pedro que o nega e de
Tomé que dúvida e dos demais que se afastam acovardados). Ó graça, quão
maravilhosa graça de Jesus!!
Os dias e horas vão passando rapidamente, chegamos na
quinta-feira nossa, mas sexta-feira para os judeus que contam os dias a partir pôr
do sol (próximo 18h). No transcorrer da refeição (janta) da Páscoa [conforme
informa João 12.4-17] Jesus, para vergonha dos discípulos, levanta-se e
cingindo-se de uma toalha e uma bacia com água, passa a lavar dos discípulos um
a um. Como tão bem disse Daniel em sua oração – a eles e a nós só cabe o
corar de vergonha.
Completando o quadro covarde e vil temos
as autoridades judaicas negociando a vida de um homem inocente. A religiosidade
sem a graça de Deus torna-se perniciosa e maléfica. Como temos assistido
diariamente ao vivo e a cores no Brasil destes últimos tempos.
Eles ficaram tomados de êxtase ao
ouvirem a disposição de Iscariotes em trair seu mestre – eles jamais imaginaram
que teriam uma oportunidade dessas. As trinta moedas de prata era o preço
reparador de um escravo que fosse ferido por um animal de outro dono (Zacarias
11.12), de maneira que para eles e Iscariotes Jesus Cristo valia o equivalente
a um escravo. Hoje se barateia a graça de Deus por muito menos.
Uma vez fechado o acordo - Então ele
[Iscariotes] começou a procurar uma oportunidade para traí-lo. A
cena ainda por se completar revela toda a depravação da raça humana decaída.
Como o apostolo Paulo temos que gritar – miserável pessoa que sou – pois, sem a graça salvadora as coisas
boas e certas que sei que tenho que fazer, não faço,
mas as coisas vis e tenebrosas que sei que não devo fazer, faço.
Neste mundo temos apenas dois tipos de pessoas, os que foram alcançados pela
graça salvadora – filho pródigo; Zaqueu, o cego Bartimeu e tantos outros; e
aqueles que rejeitam até o fim a graça que emana da Cruz.
Primeiro foi a iniciativa de negociar seu
mestre e senhor e agora uma nova iniciativa, uma ocasião propicia para
entregá-lo a seus algozes e assassinos. Quantos hoje estão iniciativas tão
ruins e trágicas como a de Iscariotes. A bíblia é muito clara e direta: “o resultado
final do pecado é a morte”.
As horas se passam rapidamente. Estamos
no início da sexta-feira judaica (18h) e os preparativos para a refeição estão
prontas. Todos chegam e começam a se inclinarem em seus respectivos lugares.
Jesus espera todos se acomodarem, então se levanta, cinge-se de uma toalha e
uma bacia com água e se inclina sobre os pés de cada um deles, para lavá-los
(função do escravo). O corar de vergonha deles só não é maior do que o nosso! O
apostolo João abre uma janela no cenáculo (sala grande) para que possamos participar
de cada movimento e palavra que Jesus disse àqueles homens, incluindo
Iscariotes. Jesus conclui orando por eles. Durante a refeição Jesus havia
deixado claro a Iscariotes que sabia de suas intenções – Jesus podia ouvir o
tilintar das 30 moedas que Iscariotes carrega em sua bolsa pessoal e então lhe
diz claramente – o que você tem que fazer faça-o sem demora...corra...não se
detenha mais... Jesus não está preocupado com as ações traidoras de Iscariotes,
mas com o relógio do Pai que demarca que está na Sua hora...
Iscariotes já está a caminho, quando
Jesus se levanta e junto com os damais cantam um hino (Salmo) e saem em direção
ao jardim do Getsêmani, lugar preferido de Jesus para orar ao Pai sem
perturbação ou barulhos. Ali chegando deixa os discípulos orando (mas vai
encontrá-los sempre dormindo). Sua oração é resumida na frase extraordinária – Pai se for
possível passe de mim este momento terrível da cruz, entretanto, seja feito a
Tua vontade e não a minha.
Então depois de três tempos de oração
Jesus ouvem ao longe o barulho de movimentos, era Judas e guardas-seguranças do
Templo e uma pequena turba, armados com espadas e porretes, vindo
apressadamente para que Jesus não fugisse do jardim. E a nota terrível: a mando
dos líderes religiosos judaicos. Tudo foi calculado e premeditado. Eles querem
matar Jesus. Jesus levanta-se, acorda seus discípulos e resoluto lhes diz com
toda calma e firmeza: chegou a minha hora...o traidor se aproxima...
Marcos
14.44 O
traidor, Judas, tinha-lhes dado um sinal pré-combinado: "Sabereis qual
prender quando o cumprimentar com um beijo. Então você pode levá-lo sob
guarda."
Iscariotes havia combinado um sinal
astuto e sutil (bem ao estilo de uma serpente) para identificar Jesus
(lembrando que ainda é noite escura) – aquele que beijar é este que devem
prender...e levá-lo rapidamente... De fato, Iscariotes agiu semelhante àquela
velha serpente em outro jardim...Éden. O velho Adão caiu, mas o novo Adão
permanecerá em pé.
O beijo no rosto demarcava uma
afeição especial, familiar. Ao trair Jesus com este sinal Iscariotes revela a
dimensão desprezível de sua hipocrisia e traição. O próprio traidor é que dá a
ordem e orientação da captura...prendei-o e o levai rápido para que não fuja;
mas em nenhum momento Jesus resistira e ainda corrige a atitude imprudente de
Pedro. Os algozes e o traidor pensam que estão no controle da situação, mas
Jesus sabe que o Pai está conduzindo tudo para a realização da Sua vontade
soberana...Jesus declarou varias vezes...foi para isso que eu vim. Ninguém toma
a minha vida, pois eu mesmo a dou deliberadamente.
Jesus é o Cordeiro de Deus, conforme
descrito pelo profeta Isaías 700 anos antes. Em nenhum momento Jesus se
defendera. Mesmo em meio às mais cruéis torturas e violência ... mesmo diante
das mais escancaradas mentiras forjadas pelas autoridades judaicas...Ele não
abriu a sua boca.
Esta é a última vez que Marcos
registra a participação de Iscariotes, mas os evangelistas Mateus ( ) e Lucas (
) nos informam que o resultado final dele foi o mais trágico possível –
percebendo o tamanho da loucura que havia feito e não tendo como reparar todo
mal que havia feito resolveu tirar a própria vida. Esse é o grande diferencial
entre o remorso que corrói o interior do ser humano (Iscariotes) e o
arrependimento que motiva a buscar a restauração (Pedro), no caso do remorso
foi a morte, mas para todo arrependido a restauração e vida.
Certamente este é um dos mais
tristes e lamentáveis quadro da Galeria da Páscoa. Mas tudo isso foi registrado
para que eu e você olhando para este quadro, possamos fazer uma profunda
reflexão. Em que circunstâncias estamos vivendo? Com qual dos dois apóstolos nos
identificamos? Façamos uma profunda reflexão, pois é um caso de vida ou morte!
Utilização
livre desde que citando a fonteGuedes, Ivan
PereiraMestre em
Ciências da Religião.me.ivanguedes@gmail.comOutro BlogHistoriologia
Protestante
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