domingo, 3 de março de 2024

Galeria da Páscoa – Traição de Judas Iscariotes

            Certamente cada quadro desta Galeria dilacera o coração do crente! O quadro da traição tripla de Pedro nos impacta pela possibilidade de que poderia (e talvez esteja acontecendo) conosco.

            O quadro evangélico da traição de Judas Iscariotes não é menos chocante e igualmente deve nos levar a uma profunda reflexão pessoal – parafraseando o salmista ( ) temos que orar continuadamente – “sonda-me ó Deus e verifica se não estou traindo meu Senhor e Salvador Jesus Cristo”. Assim como o salmista não confie em sua própria sondagem superficial, é necessário uma sondagem tão profunda da alma que somente o Espírito Santo pode fazê-lo genuinamente.

Narrativa Marcana (14.10, 11; 43-50)

            Há um texto que ilustra adequadamente a situação de Judas Iscariotes, em relação ao seu ato de traição – “a quem muito é dado, muito será cobrado” (Lc 12.42-48). Iscariotes consta em todas as listas evangélicas dos doze discípulos, que foram pessoalmente separados por Jesus e que receberam ensinos específicos do próprio Senhor e posteriormente foram enviados na, podemos assim dizer, primeira missão evangelística por todo o território da palestina judaica. Ele igualmente retorna compartilhando com todos as coisas extraordinárias que realizaram em o nome de Jesus. Certamente Iscariotes poderá dizer, como tantos outros: “Senhor! Senhor! profetizei em teu nome, expulsei demônios em teu nome e realizei muitos milagres em teu nome?” (cf. Mt 7.22), entretanto, ouvira igualmente as palavras do Jesus Cristo ressurreto e glorioso: “Nunca te conheci; apartai de mim, tu que praticais a iniquidade” (Mt 7.23). Outro outdoor para os Iscariotes atuais.

            Marcos, assim como seus colegas evangelistas, gastam a maior parte de sua narrativa registrando a última semana de Jesus. Ele acompanha-o desde sua chegada em Betânia e suas indas e vindas da cidade de Jerusalém, mais especificamente seus embates no Templo – a menina dos olhos dos judaizantes. Na leitura, mesmo que simples, é notório o crescente ódio dos adversários que em nenhum momento conseguem encurralar Jesus com suas perguntas e questões falaciosas. Tentam o tempo todo criarem factoides, contratam até mesmo os especialistas da época os escribas, mas suas mentiras são desmascaradas ao vivo e a cores por Jesus, que os expõem cada vez mais ao ridículo diante da multidão que se aglomera ao redor de Jesus em cada passo, palavra e gesto que Ele faz. Por isso a razão de Jesus retornar a cada dia para Betânia, onde no aconchego do lar dos irmãos Lazaro, Marte e Maria, Ele pode descansar e refazer suas forças – prova categórica de sua integral humanidade!

            Na quarta feira Jesus é convidado para jantar na casa de um homem chamado Simão, que carregava a alcunha de “o leproso”. Evidente que ele havia sido curado e tudo indica que por Jesus. Desta forma, o jantar seria uma demonstração de gratidão e reconhecimento de Jesus. Enquanto está reclinado à mesa, pois ficava rente ao chão, uma mulher vem silenciosamente e quebrando um vidro de alabastro contendo um perfume caríssimo, começa a derramá-lo todo sobre Jesus Cristo. Os discípulos e Iscariotes em particular, ficam horrorizados com tamanho desperdício, conforme seus comentários. Jesus imediatamente os repreende e exalta o gesto amoroso daquela mulher e declara que ela está apenas antecipando a sua preparação para o túmulo – que está por vir a poucas horas.

            Está cena foi a gota de água que faz transbordar o copo da indignação de Iscariotes. Por quase três anos ele está aguardando que Jesus tome uma atitude e derrote de uma vez por todas os invasores romanos e restabeleça a glória de Israel, como nos dias de Davi/Salomão e eles finalmente reinarão em toda sua plenitude. Mas a cena que ele acaba de ver nada tem a ver com suas expectativas.

Desde que começaram a subir para Jerusalém Jesus reiteradamente fala de sua prisão e morte e ressurreição. Ele como Marta sabia que haveria uma ressurreição no último dia (futuro), mas ele não havia deixado tudo, incluindo família, para seguir a Jesus por uma esperança futura – ele quer receber seu prêmio aqui e agora. Mas o desperdício daquele perfume de nardo caríssimo e as palavras de Jesus defendendo a mulher e mais uma vez falando de sua morte eminente – desanimaram de vez o coração de Iscariotes. Se Jesus Cristo não vai tomar uma atitude, ele mesmo vai correr atrás de seus sonhos. Ele é que não vai sair no prejuízo; não vai voltar para casa com uma mão na frente e outra atrás.

Mc 14.10, 11 - E Judas Iscariotes, um dos doze, dirigiu-se aos principais sacerdotes, para traí-lo. Quando ouviram isso, ficaram encantados e prometeram dar-lhe dinheiro. Então Judas começou a procurar uma oportunidade para traí-lo.

Que contraste terrível – o gesto de amor completamente abnegado da mulher, e o ato vil de um dos próprios apóstolos. Fica evidente a completa frustração de Iscariotes com Jesus e sua mensagem do Reino de Deus – as moedas de prata pelo seu mestre. Quantos não tem seguido este mesmo terrível e trágico caminho de uma pseuda prosperidade neste mundo e desviando-se completamente do caminho da salvação e vida eterna. Escolhem as riquezas corruptíveis deste mundo tenebroso e renunciam às insondáveis riquezas perenes e eternas de Cristo Jesus. Judas representa os crentes hedonistas deste século.

Como foi deixado claro ele fez parte da elite dos apóstolos. O que ele viu e ouviu poucos tiveram o privilégio de compartilhar. Aqui cabe as palavras exortativas de Jesus àqueles que mesmo vendo e ouvindo não creram e por esta razão o juízo de Deus será ainda mais implacável com eles do que com os moradores de Sodoma e Gomorra. E tais palavras de Cristo continuam repercutindo no transpassar dos séculos, mas as pessoas continuam surdas e cegas para a realidade do Evangelho – preferem calar e até matar os pregadores do que se arrependerem e crerem para serem salvos.

Os demais discípulos e até mesmo nós podemos ficar chocados e horrorizados com a ação traidora de Iscariotes – menos Jesus – pois, ele havia dito com todas as letras:  "O Filho do Homem será entregue nas mãos dos homens...", e "o Filho do Homem será entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas..." (Mc 9.31;10.33). Mas a escolha é totalmente de Iscariotes – ele decidiu/resolveu fazer sua ação. Entretanto, há alguém por trás desta atitude de Iscariotes – Durante a ceia, o diabo já havia colocado no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, para traí-lo” (João 13.2). No coração e mente em que o Espírito não age, age Satanás. E o Espírito Santo somente produz e reproduz em abundância o seu fruto naqueles que professam Jesus Cristo como Senhor e Salvador.

Nestas cenas de Iscariotes temos as duas realidades (não há uma terceira): o mal abundando (conduzindo Iscariotes para a morte) e a graça superabundante na preservação dos demais discípulos (mesmo na vida do Pedro que o nega e de Tomé que dúvida e dos demais que se afastam acovardados). Ó graça, quão maravilhosa graça de Jesus!!

            Os dias e horas vão passando rapidamente, chegamos na quinta-feira nossa, mas sexta-feira para os judeus que contam os dias a partir pôr do sol (próximo 18h). No transcorrer da refeição (janta) da Páscoa [conforme informa João 12.4-17] Jesus, para vergonha dos discípulos, levanta-se e cingindo-se de uma toalha e uma bacia com água, passa a lavar dos discípulos um a um. Como tão bem disse Daniel em sua oração – a eles e a nós só cabe o corar de vergonha.

            Completando o quadro covarde e vil temos as autoridades judaicas negociando a vida de um homem inocente. A religiosidade sem a graça de Deus torna-se perniciosa e maléfica. Como temos assistido diariamente ao vivo e a cores no Brasil destes últimos tempos.

            Eles ficaram tomados de êxtase ao ouvirem a disposição de Iscariotes em trair seu mestre – eles jamais imaginaram que teriam uma oportunidade dessas. As trinta moedas de prata era o preço reparador de um escravo que fosse ferido por um animal de outro dono (Zacarias 11.12), de maneira que para eles e Iscariotes Jesus Cristo valia o equivalente a um escravo. Hoje se barateia a graça de Deus por muito menos.

Uma vez fechado o acordo - Então ele [Iscariotes] começou a procurar uma oportunidade para traí-lo. A cena ainda por se completar revela toda a depravação da raça humana decaída. Como o apostolo Paulo temos que gritar – miserável pessoa que sou – pois, sem a graça salvadora as coisas boas e certas que sei que tenho que fazer, não faço, mas as coisas vis e tenebrosas que sei que não devo fazer, faço. Neste mundo temos apenas dois tipos de pessoas, os que foram alcançados pela graça salvadora – filho pródigo; Zaqueu, o cego Bartimeu e tantos outros; e aqueles que rejeitam até o fim a graça que emana da Cruz.

Primeiro foi a iniciativa de negociar seu mestre e senhor e agora uma nova iniciativa, uma ocasião propicia para entregá-lo a seus algozes e assassinos. Quantos hoje estão iniciativas tão ruins e trágicas como a de Iscariotes. A bíblia é muito clara e direta: “o resultado final do pecado é a morte”.

As horas se passam rapidamente. Estamos no início da sexta-feira judaica (18h) e os preparativos para a refeição estão prontas. Todos chegam e começam a se inclinarem em seus respectivos lugares. Jesus espera todos se acomodarem, então se levanta, cinge-se de uma toalha e uma bacia com água e se inclina sobre os pés de cada um deles, para lavá-los (função do escravo). O corar de vergonha deles só não é maior do que o nosso! O apostolo João abre uma janela no cenáculo (sala grande) para que possamos participar de cada movimento e palavra que Jesus disse àqueles homens, incluindo Iscariotes. Jesus conclui orando por eles. Durante a refeição Jesus havia deixado claro a Iscariotes que sabia de suas intenções – Jesus podia ouvir o tilintar das 30 moedas que Iscariotes carrega em sua bolsa pessoal e então lhe diz claramente – o que você tem que fazer faça-o sem demora...corra...não se detenha mais... Jesus não está preocupado com as ações traidoras de Iscariotes, mas com o relógio do Pai que demarca que está na Sua hora...

            Iscariotes já está a caminho, quando Jesus se levanta e junto com os damais cantam um hino (Salmo) e saem em direção ao jardim do Getsêmani, lugar preferido de Jesus para orar ao Pai sem perturbação ou barulhos. Ali chegando deixa os discípulos orando (mas vai encontrá-los sempre dormindo). Sua oração é resumida na frase extraordinária – Pai se for possível passe de mim este momento terrível da cruz, entretanto, seja feito a Tua vontade e não a minha.

               Então depois de três tempos de oração Jesus ouvem ao longe o barulho de movimentos, era Judas e guardas-seguranças do Templo e uma pequena turba, armados com espadas e porretes, vindo apressadamente para que Jesus não fugisse do jardim. E a nota terrível: a mando dos líderes religiosos judaicos. Tudo foi calculado e premeditado. Eles querem matar Jesus. Jesus levanta-se, acorda seus discípulos e resoluto lhes diz com toda calma e firmeza: chegou a minha hora...o traidor se aproxima...

Marcos 14.44 O traidor, Judas, tinha-lhes dado um sinal pré-combinado: "Sabereis qual prender quando o cumprimentar com um beijo. Então você pode levá-lo sob guarda."

            Iscariotes havia combinado um sinal astuto e sutil (bem ao estilo de uma serpente) para identificar Jesus (lembrando que ainda é noite escura) – aquele que beijar é este que devem prender...e levá-lo rapidamente... De fato, Iscariotes agiu semelhante àquela velha serpente em outro jardim...Éden. O velho Adão caiu, mas o novo Adão permanecerá em pé.

            O beijo no rosto demarcava uma afeição especial, familiar. Ao trair Jesus com este sinal Iscariotes revela a dimensão desprezível de sua hipocrisia e traição. O próprio traidor é que dá a ordem e orientação da captura...prendei-o e o levai rápido para que não fuja; mas em nenhum momento Jesus resistira e ainda corrige a atitude imprudente de Pedro. Os algozes e o traidor pensam que estão no controle da situação, mas Jesus sabe que o Pai está conduzindo tudo para a realização da Sua vontade soberana...Jesus declarou varias vezes...foi para isso que eu vim. Ninguém toma a minha vida, pois eu mesmo a dou deliberadamente.

            Jesus é o Cordeiro de Deus, conforme descrito pelo profeta Isaías 700 anos antes. Em nenhum momento Jesus se defendera. Mesmo em meio às mais cruéis torturas e violência ... mesmo diante das mais escancaradas mentiras forjadas pelas autoridades judaicas...Ele não abriu a sua boca.

            Esta é a última vez que Marcos registra a participação de Iscariotes, mas os evangelistas Mateus ( ) e Lucas ( ) nos informam que o resultado final dele foi o mais trágico possível – percebendo o tamanho da loucura que havia feito e não tendo como reparar todo mal que havia feito resolveu tirar a própria vida. Esse é o grande diferencial entre o remorso que corrói o interior do ser humano (Iscariotes) e o arrependimento que motiva a buscar a restauração (Pedro), no caso do remorso foi a morte, mas para todo arrependido a restauração e vida.

            Certamente este é um dos mais tristes e lamentáveis quadro da Galeria da Páscoa. Mas tudo isso foi registrado para que eu e você olhando para este quadro, possamos fazer uma profunda reflexão. Em que circunstâncias estamos vivendo? Com qual dos dois apóstolos nos identificamos? Façamos uma profunda reflexão, pois é um caso de vida ou morte!

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas

ÁLVARO BARREIRO, SJ. O itinerário da fé pascal. São Paulo: Edições Loyola, 2005. (4ª edição – revista e ampliada).

ASH, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas. Tradução Neyd V. Siqueira. São Paulo: Editora Vida Cristã, 1980.

BINZ, Stephen J. The Passion and Resurrection Narratives of Jesus. , Collegeville (Minnesota): The Liturgical Press, 1989.

CARSON D. A., DOUGLAS, J. Moo & MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.

CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado – versículo por versículo. São Paulo: Millenium, 1987.

DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1995.

HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento – Marcos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no Tempo de Jesus: pesquisa de história econômico-social no período neotestamentário. 4 ed. São Paulo: Paulus, 1983.

MAGGIONI, Bruno. Os relatos evangélicos da Paixão. Tradução Bertilo Brod. São Paulo: Paulinas, 2000. (Coleção: Espiritualidade sem fronteiras).

Walker, Peter. Pelos Caminhos de Jesus. São Paulo: Ed. Rosari, 2007.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Teologia: A Ira de Deus

Introdução

          Um filme sem apelação comercial e por isso pouco conhecido trás um tema instigante – “Coisas que perdemos pelo caminho”. Sem entrar no mérito do filme o tema reflete bem a nossa vida, pois todos nós continuamente perdemos coisas na trajetória de nossas vidas. Não perdemos apenas coisas irrelevantes e desnecessárias, mas muitas vezes perdemos coisas de valor incalculável e fundamentais.

          Como cristão perdemos muitas coisas preciosas no transcorrer de nossa caminhada cristã. Uma dessas lamentáveis perdas é o conhecimento dos chamados Atributos de Deus. A bíblia jamais tem a pretensão de definir Deus, pois se assim o fizesse colocaria um limite em Deus e nada e ninguém pode limitar o que Deus é.

Todavia, Deus não nos deixou ignorante sobre si mesmo. Ele vai se revelando progressivamente nas páginas das Escrituras. Na proporção que vamos estudando a Bíblia tomamos conhecimento de muitas das características que Deus possui e que na somatória nos permite conhecermos, dentro de nossas limitações, o que podemos chamar de Caráter de Deus. Evidente que jamais o conheceremos em sua totalidade, mas aquilo que podemos apreender das Escrituras são suficientes para nos habilitar a um correto relacionamento com Deus, com temor e tremor.

A irreverência crescente com que incrédulos e até mesmo grande parcela do cristianismo atual tratam a questão de Deus demonstra apenas a ignorância que possuem sobre quem Ele é. Está é uma das razões pela qual a mensagem cristã tem sido esvaziada em seu poder de impactar a vida das pessoas.

Sem duvida alguma um dos atributos de Deus que foi propositalmente perdido pelo caminho dos séculos foi o da Sua Ira. Atualmente, mas em construção há muito tempo, se construiu uma imagem falsa de Deus, como sendo um deus (com letra minúscula mesmo) bonachão e fofinho, que passa a mão na cabeça do ser humano independentemente do que fazem. Nesta construção infernalmente elaborada, deus torna-se uma figura patética e completamente esvaziado de poder e glória, um personagem figurativo que pode ser facilmente manipulado ao bel prazer dos seres humanos. Um deus com apelo religioso comercial, para se construir templos cada vez mais luxuosos e produzir milhares de títulos editoriais. Tornou-se um tabu referir-se a Ele como um Deus de ira. O deus ficcional manifesta apenas graça, amor, perdão, jamais haverá de manifestar juízo e ira. Grande parte da juventude cristã do século XXI jamais ouviu falar da Ira ou do Juízo de Deus. Não se razão temos uma das piores gerações humana de todos os tempos.

Uma grande e crescente parcela da chamada geração evangélica tratam as questões relacionadas ao céu ou inferno como se fossem tão somente histórias da carochinha criadas para explicar às crianças cousas que elas ainda não podem compreender. Tais pessoas não querem pensar sobre a Ira de Deus, preferindo apenas pensar e falar do amor de Deus. Aqueles que acreditam que Deus é um Deus de ira como também um Deus de amor preferem pensar sobre Sua ira apenas como uma manifestação do passado. Muitos parecem acreditar que a ira de Deus é uma verdade apenas do Primeiro Testamento, e que com a vinda de Cristo, podemos pensar em termos de Deus apenas em amor e graça.

O exímio comentarista bíblico e teólogo  A. W. Pink, já em séculos anteriores, escrevendo sobre os Atributos de Deus faz uma peculiar observação:

É triste ver tantos cristãos professos que parecem considerar a ira de Deus como uma coisa pela qual eles precisam pedir desculpas, ou, pelo menos, parece que gostariam que não existisse tal coisa. Conquanto alguns não fossem longe o bastante para admitir abertamente que a consideram uma mancha no caráter divino, contudo, estão longe de vê-la com bons olhos, não gostam de pensar nisso e dificilmente a ouvem mencionada sem que surja em seus corações um ressentimento contra essa ideia. Mesmo dentre os mais sóbrios em sua maneira de julgar, não poucos parecem imaginar que há na questão da ira de Deus uma severidade terrificante demais para propiciar um tema para consideração proveitosa. Outros dão abrigo ao erro de pensar que a ira de Deus não é coerente com a Sua bondade, e assim procuram bani-la dos seus pensamentos.

Sim, muitos há que fogem de visualizar a ira de Deus, como se fossem intimados a ver alguma nódoa no caráter divino, ou algum defeito no governo divino. Mas, o que dizem as Escrituras? Quando a procuramos nelas, vemos que Deus não fez tentativa alguma para ocultar a realidade da Sua ira. Ele não se envergonha de dar a conhecer que a vingança e a cólera Lhe pertencem (PINK, 1985, p.85).

 

Quando fazemos uso de uma concordância bíblica séria facilmente perceberemos que o tema da ira de Deus não é apenas um pequeno e imperceptível tópico, mas é princípio fundamental e proeminente nas Escrituras, em todas as suas partes. Não faltam exemplos práticos da manifestação da ira Divina sobre toda sorte de pecados e malefícios: o dilúvio, Sodoma e Gomorra, os povos canaanitas, bem como os próprios israelitas e judeus que sofrem os terríveis desterros, em decorrência de seus pecados.  Veremos também que nas páginas do Segundo Testamento não faltam ilustrações da manifestação do juízo de Deus sobre todos aqueles que escolhem permanecerem na incredulidade e rebelião contra Deus: o próprio Jesus trata sobre isso; nas correspondências paulinas encontramos esse tema e no último livro que encerra o cânon de toda Escritura encontramos as mais terríveis descrições do juízo implacável de Deus sobre todo pecado e mal que se manifesta cada vez mais abertamente contra Cristo e Sua Igreja.

A ira é um atributo de Deus tanto como qualquer outro atributo, um atributo sem o qual Deus seria menos que Deus.

A ira de Deus é tanta uma perfeição Divina como é Sua graça, fidelidade, poder ou misericórdia. Deve ser assim, para que não exista nenhuma lacuna, nenhum defeito no caráter de Deus.

Mas o que vem a ser a ira de Deus? Uma vez mais utilizaremos a obra de Pink, quando ele procura definir o que seja a ira de Deus:

A ira de Deus é a Sua eterna ojeriza por toda injustiça. É o desprazer e a indignação da divina equidade contra o mal. É a santidade de Deus posta em ação contra o pecado. É a causa motora daquela sentença justa que Ele lavra sobre os malfeitores. Deus está irado contra o pecado porque este é rebelião contra a Sua autoridade, um ultraje à Sua soberania inviolável. Os insurgentes contra o governo de Deus saberão um dia que Deus é o Senhor. Serão levados a sentir quão grandiosa é aquela Majestade que eles desprezaram, e como é terrível aquela ira de que foram ameaçados e a que não deram a mínima importância. Não que a ira de Deus seja uma retaliação maldosa e mal-intencionada, infligindo agravo só pelo prazer de infringi-lo, ou devolver a ofensa recebida.  Não; embora seja verdade que Deus vindicará o domínio como Governador do universo, Ele não será revanchista (PINK, 1985, p.85).

Quando procuramos em um dicionário uma definição de ira encontraremos que ela é: cólera, raiva contra alguém; indignação; desejo de vingança. Mas para alinharmos com o propósito deste pequeno artigo uma definição mais concisa seja suficiente:

A ira Divina é a indignação e o castigo íntegro de Deus, provocado pelo pecado.

OBS.: Em próximos artigos veremos – a Ira de Deus no Primeiro Testamento e/ou Antigo Testamento e Segundo Testamento e/ou Novo Testamento (Jesus Cristo é aquele que sofre a plenitude da ira de Deus; mas também será aquele que executara a ira de Deus no tempo do julgamento derradeiro.

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Referências Bibliográficas

DEFFINBAUGH, Robert. Let Me See Thy Glory - A Study of the Attributes of God. Biblical Studies Press, 1995.

TOZER, A. W. The Knowledge of the Holy. New York: Harper and Row, Publishers, 1961.

PINK, A.W. Os Atributos de Deus. São Paulo: ed. PES, 1985.

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segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Páscoa – Conciliação dos Eventos Relacionados à Crucificação de Jesus


          Todas as narrativas evangélicas contidas no Novo Testamento culminam com a Cruz. Toda pregação neotestamentária é centrada na Cruz. Paulo sintetiza toda sua teologia e pregação ao escrever aos Corintos: “nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos,” e “Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado”. (1Co 1.23; 2.2) e aos Gálatas: “Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu, para o mundo” (Gl 6.14), não por acaso duas das mais complicadas comunidades neotestamentária.

         A Igreja Cristã inicia sua decadência na mesma proporção de que se afasta da Cruz de Cristo. Os cristãos de antigamente de refugiavam na Cruz de Cristo, hoje as igrejas pós-modernas escondem a Cruz. Não se prega, fala ou se vive a cruz. Se para os evangelistas, Paulo e todos os crentes dos primeiros séculos a mensagem do Evangelho que Salva o pecador culminava na Cruz, hoje o evangelho líquido renega a cruz à um amuleto.

         O simples fato de que todos os quatro evangelistas concluem suas narrativas com os eventos relacionados à cruz é motivo suficiente para pararmos e fazermos uma profunda reflexão sobre os valores que tem sido predominantes em nossa vida cristã hoje.

         Abaixo você encontrará uma pequena relação coordenada dos eventos finais da jornada de Jesus Cristo à Cruz. Enquanto lemos cada referência façamos uma revisão do lugar que a cruz tem ocupado em nosso viver cotidiano.

1. Jesus chegou ao Gólgota (Mateus 27.33; Marcos 15.22; Lucas 23.33; João 19.17).

2. Ele recusou a oferta de vinho misturado com mirra (Mateus 27.34; Marcos 15.23).

3. Ele foi pregado na cruz entre os dois ladrões (Mateus 27.35-38; Marcos 15.24-28; Lucas 23.33-38; João 19.18).

4. Da cruz deu o primeiro grito: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que estão fazendo” (Lucas 23.34).

5. Os soldados levaram as vestes de Jesus, deixando-O nu na cruz (Mateus 27.35; Marcos 15.24; Lucas 23.34; João 19.23).

6. Os expectadores judeus zombaram de Jesus (Mateus 27.39-43; Marcos 15.29-32; Lucas 23.35-37).

7. Ele conversou com os dois ladrões (Lucas 23.39-43).

8. Ele declara ao ladrão arrependido: “Eu te digo a verdade. hoje você estará com Eu no paraíso” (Lucas 23.43).

9. Ele fala consolando Maria: “Mulher, aqui está o seu filho” (João 19.26-27).

10. As trevas cobrem toda a terra em pleno meio-dia às 15h. (Mateus 27.45; Marcos 15.33; Lucas 23.44).

11. Ele clama ao Pai: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste” (Mateus 27.46-47; Marcos 15.34-36).

12. Uma vez mais Jesus clama: “Estou com sede” (João 19.28).

13. Oferecem-lhe “vinagre ou vinho azedo” (João 19.29).

14. Jesus declara: “Está consumado” (João 19.30).

15. Sua boca é umedecida com vinagre de vinho numa esponja (Mateus 27.48; Marcos 15.36).

16. Ele clamou pela última vez. “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lucas 23.46).

17. Ele entrega Seu espírito por um ato de Sua própria vontade (Mateus 27.50; Marcos 15.37; Lucas 23.46; João 19.30).

18. A grossa cortina do templo se rasga de cima abaixo (Mateus 27.51; Marcos 15.38; Lucas 23.45).

19. Diante de tudo que viram os soldados romanos declaram: “Certamente Ele era o Filho de Deus” (Mateus 27.54; Marcos 15.39).

 

Resgatemos para nós mesmos o valor incomparável da Cruz!

 

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Guedes, Ivan Pereira

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quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

EVANGELHOS EM IMAGEM – Parábola do Semeador


Os três primeiros relatos evangélicos contidos no nosso Novo Testamento (Segundo Testamento) são chamados de “sinóticos”, pois os escritores registram o mesmo acontecimento, mas cada um deles o faz por uma ótica distinta, utilizando um vocabulário próprio (ainda que bastante semelhante) e o faz dentro da organização literária própria. Portanto, eles não utilizam apenas tipo - cópia e cola -, mas na leitura de cada uma temos lições próprias a serem extraídas (para isso é necessário examinar atentamente o contexto em que são inseridas).

PARABOLA DO SEMEADOR

Mateus 13.1-9

Marcos 4.1-9

Lucas 8.4-8

1-No mesmo dia, tendo Jesus saído de casa, sentou-se à beira do mar

2-e reuniram-se a ele grandes multidões, de modo que entrou num barco, e se sentou e todo o povo estava em pé na praia.

3-E falou-lhes muitas coisas por parábolas, dizendo: Eis que o semeador saiu a semear.

4-e quando semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho, e vieram as aves e comeram.

5-E outra parte caiu em lugares pedregosos, onde não havia muita terra: e logo nasceu, porque não tinha terra profunda

6-mas, saindo o sol, queimou-se e, por não ter raiz, secou-se.

7-E outra caiu entre espinhos e os espinhos cresceram e a sufocaram.

8-Mas outra caiu em boa terra, e dava fruto, um a cem, outro a sessenta e outro a trinta por um.

9-Quem tem ouvidos, ouça.

 

1-Outra vez começou a ensinar à beira do mar. E reuniu-se a ele tão grande multidão que ele entrou num barco e sentou-se nele, sobre o mar e todo o povo estava em terra junto do mar.

2-Então lhes ensinava muitas coisas por parábolas, e lhes dizia no seu ensino:

3-Ouvi: Eis que o semeador saiu a semear

4-e aconteceu que, quando semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho, e vieram as aves e a comeram.

5-Outra caiu no solo pedregoso, onde não havia muita terra: e logo nasceu, porque não tinha terra profunda

6-mas, saindo o sol, queimou-se e, porque não tinha raiz, secou-se.

7-E outra caiu entre espinhos e cresceram os espinhos, e a sufocaram e não deu fruto.

8-Mas outras caíram em boa terra e, vingando e crescendo, davam fruto e um grão produzia trinta, outro sessenta, e outro cem.

9-E disse-lhes: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.

 

4-Ora, ajuntando-se uma grande multidão, e vindo ter com ele gente de todas as cidades, disse Jesus por parábola:

5-Saiu o semeador a semear a sua semente. E quando semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho e foi pisada, e as aves do céu a comeram.

6-Outra caiu sobre pedra e, nascida, secou-se porque não havia umidade.

7-E outra caiu no meio dos espinhos e crescendo com ela os espinhos, sufocaram-na.

8-Mas outra caiu em boa terra e, nascida, produziu fruto, cem por um. Dizendo ele estas coisas, clamava: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.

 

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
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