O papel da mulher no contexto bíblico é um tema sempre
envolto em polêmicas onde se sobressaem os extremos. A maioria das discussões
acontece por uma ótica moderna e pós-moderna onde os movimentos feministas
lutaram por direitos sociais de equidade com os homens e ninguém em sã
consciência pode lhes negar esse direito. Todavia, como qualquer outro
movimento, incluindo o próprio cristianismo, há os excessos e os extremos que
desvirtuam os objetivos mais nobres e justos. Mas se procuramos compreender
honestamente o papel da mulher no contexto bíblico é preciso imergir nesse
contexto no qual os textos foram produzidos, ou corremos o risco de produzirmos
respostas ou conclusões totalmente equivocada e desconectada da verdade
bíblica. De Gênesis ao Apocalipse a mulher sempre teve seu papel e sua
relevância dentro da ótica divina e se isso foi renegado ou adulterado por
interpretações apócrifas dos textos bíblicos não altera um milímetro a verdade
de que Deus fez a mulher e o homem exatamente à sua imagem e semelhança e
quando Jesus Cristo morreu na cruz foi para salvar mulheres e homens para
igualmente inseri-los no Seu reino. No Novo Céu e na Nova Terra haverá total e
irrestrita simetria entre a mulher e o homem. Dentro desta perspectiva quero
destacar três diálogos de Jesus com três mulheres diferentes e que foram
inseridos na narrativa evangélica de João. Ao final do texto espero ter
contribuído para uma compreensão mais coerente do papel da mulher no contexto
bíblico evangélico.
As
Mulheres no Evangelho de João
É importante nos aproximarmos dos diálogos de Jesus com
essas mulheres, despido de quaisquer sentimentos ou preconcepções teológicas ou
viés ideológicos, enxergarmos pela mesma ótica de Jesus a importância das
mulheres em seu ministério na Palestina e posteriormente na expansão do
cristianismo até os confins da terra.
Dentro da narrativa joanina as mulheres não são um
apêndice do grupo de discípulos e/ou apostólico, mas parte integrante. Elas são
retratadas de forma ativa dentro do projeto de Jesus e elas são tratadas por
ele da mesma forma com que Jesus tratava todos os demais discípulos/apóstolos.
Nisso Jesus é totalmente contrastante ao modelo cultural em que estão
inseridos. As palavras e ações de Jesus não trazem vestígios de um feminismo
modificador da cultura judaizante do papel feminino, mas tudo indica que Ele
simplesmente ignora o comportamento social misoginia deles e vocaciona as
mulheres inserindo-as como parte integrante de seu ministério público.
A questão é que lemos as narrativas evangélicas com os
olhos do século XXI, mas as atitudes de Jesus em relação às mulheres produziam
urticárias nos seus contemporâneos. O papel da mulher na cultura judaica do
primeiro século estava totalmente definido como esposa ou aquela que provinha
uma vida sexual ativa e licita ao marido, mãe aquela que nutre e cria os
filhos. Evidente que havia exceções à regra, mas farta literatura rabínica e
talmúdica descreve as mulheres das formas mais depreciativas possíveis e as
definem por sua função biológica. O contato com a mulher fora do ambiente do
lar era algo que deveria ser totalmente evitado e por esta razão elas não tinha
vida pública. Em conexão direta às mulheres era vedado qualquer tipo de
iniciação do estudo da Torá destinado exclusivamente aos homens: “É melhor que as palavras da Lei sejam
queimadas do que elas sejam dadas a uma mulher” (Talmude de Jerusalém –
Rabino Eliezer, apud Hurley, 1981, p. 72). A mulher no sistema jurídico judaico
não poderia nem mesmo servir de testemunha, como registra de forma crítica o
historiador Flávio Josefo (Antiquities)
“o testemunho das mulheres não é aceito
como válido por causa da tontura e da masculinidade do sexo feminino” (SWIDLER,
1976, p. 115).
Diante deste quadro tão nebuloso resplandece as atitudes
de Jesus em relação às mulheres. Nos três diálogos que vamos analisar veremos
que Jesus assume uma postura igualitária com os discípulos masculinos. No
primeiro Jesus discute teologia com uma mulher samaritana e lhe revela em
primeira mão sua identidade messiânica; no segundo Jesus conversa com Marta
sobre a questão da ressurreição e suas implicações; por fim veremos que Jesus
escolhe enviar Maria Madalena como portadora das boas novas de sua ressurreição
dentre os mortos.
Jesus
Discute Teologia com uma Mulher Samaritana (João 4.4-42)
Com toda certeza esse é o dialogo mais surpreendente de
Jesus em todas as narrativas evangélicas, pois transpassa uma barreira social
religiosa que foi erigida por séculos. Ele não apenas conversa com um
samaritano, o que já seria escandaloso, mas ao fazê-lo com uma mulher
samaritana era algo inimaginável, uma vez que elas eram tidas como
perpetuamente impuras ou impuras desde o nascimento. A própria samaritana é tomada de espanto
quando Jesus lhe dirigia a palavra (Jo 4.9). Ao expressar seu espanto ela
lembra Jesus de que os judeus não “não se dão com os samaritanos” cujo verbo
“sugchraomai” em uma tradução literal “usar
junto com”, trazendo a ideia de que não “usam as mesmas vasilhas” no caso especifico aqui o “jarro” que ela
estava utilizando para tirar água do poço. Essa pode ser a razão dela ter
ficado surpresa que Jesus pedisse água do mesmo vaso (utensílio) que ela está
usando;[1] é uma referência ao código
que regia o culto judaico que proibia terminantemente que um judeu comesse ou
bebesse em qualquer utensílio usado por um samaritano e muito ainda se fosse
uma mulher.[2]
A reação de surpresa da samaritana é perfeitamente compreensível nesta
abordagem de Jesus. Mas muito mais chocados iram ficar os discípulos quando
retornam das compras e contempla está cena inconcebível e aqui não é
necessariamente pelo fato dela ser samaritana, mas sim por ela ser “uma mulher”, pois um rabino em hipótese
alguma deveria se dirigir a uma mulher ainda que fosse em ambiente privativo e
muito menos público, se não quisesse perder toda sua credibilidade e respeito.[3]
O resultado do dialogo e a revelação messiânica de Jesus
produz imediata reação de fé na samaritana. Imediatamente ela “deixa” seu jarro
de água e retorna à vila para testemunhar desta mensagem evangélica reveladora.
Assim como antes Pedro e André e os irmãos Tiago e João que “deixam” suas redes
e seguem a Jesus, como também Mateus “deixa” a coletoria e segue após Jesus. Da
mesma forma o texto descreve a resposta da mulher samaritana diante da
revelação-chamado de Jesus “deixa” tudo e vai cumprir a missão de proclamadora
das boas novas.
Diante da resposta positiva dos moradores da vila
samaritana diante do testemunho contundente da mulher que lhes anunciara tudo
que Jesus lhe tinha revelado, Jesus volta-se para seus discípulos e lhes fala
em tom professoral: “Eu vos enviei a
ceifar onde não trabalhastes. Outros trabalharam, e vós entrastes no seu
trabalho” (Jo 4.38). O verbo utilizado por Jesus (apesteila – envio) em
relação à mulher samaritana é o mesmo utilizado na atividade apostólica quando
eles serão enviados a proclamar a mesma mensagem que ela está pregando. O mesmo
verbo e a mesma ação!
O testemunho dos moradores samaritanos que declaram que
creram “por causa do testemunho [pregação] da mulher” (episteusan dia ton logon)
é semelhante às palavras de Jesus na oração sacerdotal em relação à pregação
dos discípulos-apóstolos reunidos no Cenáculo: “mas também por aqueles que pela
sua palavra [testemunho-pregação deles] hão de crer em mim” (pisteuontõn dia
tou logou - 17.20). O evangelista não faz nenhuma diferença entre o
testemunho-pregação da mulher samaritana e o ministério futuro dos discípulos.
A samaritana e os discípulos são portadores da mesma mensagem e de igual
ministério, sem qualquer distinção entre eles.
Outro aspecto extraordinariamente maravilhoso é o fato de
que Jesus revela pela primeira vez sua messianidade à mulher samaritana, cuja
resposta (Jo 4.29) é semelhante a que dará Pedro (Tú és o Cristo...) diante
dessa mesma revelação messiânica na última jornada de Jesus em direção à
Jerusalém, ou seja, muito posteriormente. Enquanto os judeus ainda perguntavam “Até quando nos manterás em suspenso? Se tú
és o Cristo, dize-o abertamente” (10.24), no pequeno vilarejo samaritano, o
segredo já tinha sido revelado,(MICHAELS, 1994, p. 85) primeiramente à mulher e
depois através dela aos demais moradores.
Ainda é preciso destacar que o escritor evangélico faz
uso de um paralelo literário contrastante entre a figura de Nicodemos e da
mulher samaritana. Enquanto Nicodemos é um homem, judeu, fariseu, professor da
Torá, e de bom testemunho na comunidade; ela é uma mulher, samaritana, pobre,
de vida promiscua. Todavia, Nicodemos não faz nenhum esforço em divulgar seu
encontro com Jesus (à noite e em particular), enquanto a mulher samaritana
imediatamente proclama tudo quanto Jesus lhe falou à beira do poço (espaço
público) em pleno meio dia, à vista de todos.
Jesus nunca esteve circunscrito aos usos e costumes de
seu tempo, mas dirigiu-se a essa mulher da mesma forma com que ele se dirigiu
aos demais discípulos. Deu a ela o ensino teológico, ouvindo e respondendo as
suas dúvidas e questionamentos, com a mesma seriedade com que tratou, por
exemplo, as dúvidas e questionamentos de Nicodemos.
O
Dialogo Teológico de Jesus com Marta de Betânia
O próximo dialogo não é menor ou menos extraordinário,
trata-se da conversa entre Jesus e sua amiga Marta, da vila de Betânia tão
preciosa para Jesus, irmã de Maria e Lazaro (Jo 11). Ainda que o clímax da
narrativa seja a ressurreição de Lazaro, o qual nunca se ouve sua voz e sempre
referido em relação às suas irmãs, o evangelista destaca os diálogos travados
por Jesus com as duas irmãs.[4] Mas nos concentraremos no
dialogo com Marta.
Os três irmãos são referidos como objeto do amor de Jesus
(Jo 11.5), e somente o apóstolo João recebe uma designação semelhante “o discípulo amado”, deixando
transparecer que tanto as mulheres quanto os homens todos são discípulos amados
de Jesus.
Ambas as irmãs são imbuídas de fé, pois assim que o irmão
adoece elas enviam mensagem solicitando a presença de Jesus (11.3). Essa fé
fica explicita nas palavras de Marta ao encontrar-se com Jesus de que se ele
estivesse presente o irmão não teria morrido. A afirmação convicta de Marta de
que seu irmão haveria de ressuscitar no último dia (11.23), revela que ela tem
pleno conhecimento e discernimento do ensino escatológico, rejeitada pelos saduceus
(Mc 12.18), mas que fazia parte da fé comum do povo e expresso em diversos
documentos do judaísmo, como das Dezoito Bênçãos, orações oficiais do judaísmo:
“Tu, ó Senhor, és poderoso para sempre,
pois dás vida aos mortos” (PACK, 1983, p. 184).
Partindo dessa afirmação de Marta é que Jesus vai
corrigir sua perspectiva escatológica tradicional judaica, para uma correta
crença sobre a ressurreição, portanto, trata-se sem qualquer dúvida de um
dialogo altamente doutrinário-teológico (sem forçar tem semelhança ao encontro
de Priscila e Áquila [o nome dela vem na frente indicando quem tem a
preeminência do ensino] e Apolo, onde o casal corrige e ajusta os princípios
doutrinários do segundo).
Nesse dialogo Jesus profere a uma mulher um de seus
famosos “eu sou” (a ressurreição e a
vida) o qual Marta responde imediatamente com uma declaração de fé nele “creio que tú és o Cristo, o Filho de Deus”,
que o evangelista coloca como razão de ter escrito este volume evangélico
(20.30,31). O tempo verbal é o perfeito, de maneira que a confissão de fé dela “tenho crido” indica que ocorrerá em um
tempo anterior desse dialogo com Jesus e que antecede a ressurreição de seu
irmão morto a três dias e nas palavras de Pack (1983, p. 184) sua confissão de
fé “igualou-se à de João Batista (1.34),
à de André (1.41), à de Natanael (1.49), foi mais firme do que a da mulher
samaritana (4.29), e quando colocada em paralelo com a confissão de Pedro em
Mateus 16.16 é possível ver a similaridade entre elas”.
Um aspecto literário significativo é de que as narrativas
que compõem esse capítulo 11 é o texto mais longo, do quarto Evangelho, fora as
narrativas da Paixão. O tema é fundamental visto que em poucos dias o próprio Jesus
haverá de morrer e ressuscitar vencendo a morte, como está ensinando à Marta. O
ensino não é direcionado ao grupo de discípulos ou a um dos discípulos homens,
mas exclusivamente a uma mulher (discípula), que posteriormente compartilhará
com os demais, incluindo João o evangelista, visto que ele não faz parte do
diálogo original. Certamente lhe foi compartilhada posteriormente pela própria
Marta, razão pela qual o escritor ao compor sua narrativa inclui em detalhes
essa incomparável aula doutrinária ministrada pelo Mestre a uma mulher. Ensino
fundamental de todo o conjunto de verdades que compõe a fé cristã em todos os
tempos. Tão relevante que o apostolo Paulo declara que se Jesus Cristo não
ressuscitou, a fé cristã se torna inútil. Suas palavras mais profundas e
teológicas são dirigidas à Marta e não a outros dentre os discípulos, não por
ser ela uma mulher, mas apesar dela ser uma mulher. Mas Jesus tinha toda razão
para falar com ela sobre esse tema escatológico, visto que a conhecia e sabia
da sua capacidade de discernimento e compreensão das verdades eternas, que transparece
de forma nítida e contundente na sua pronta resposta <tu és o Cristo, o Filho de Deus>.
É profundamente significativo que o último dos apóstolos
e provavelmente o último a compor uma narrativa evangélica, tenha optado
conscientemente, em colocar Marta (mulher) como modelo de discernimento da fé
cristã, em vez das palavras de Pedro (homem). A mulher que dentro da moldura
judaica não servia como testemunha, é aqui chamada por João como uma testemunha
e modelo exemplar do que significa e como se deve confessar Jesus Cristo. O
evangelista não tem qualquer dúvida da capacidade das mulheres proclamarem
(pregarem) e testemunharem da fé em Cristo, sem qualquer distinção em relação à
proclamação (pregação) e testemunho dos homens. O apóstolo João foi testemunha
ocular de quantas mulheres proclamaram sua fé em Jesus e por isso foram
lançadas no Coliseu romano para serem estraçalhadas e mortas pelas feras e
pelos gladiadores, semelhantemente aos homens que mantiveram sua fé no Senhor
Jesus. A mesma fé, o mesmo testemunho, o mesmo martírio!
O
Dialogo do Jesus Ressurreto e Maria Madalena
Esse terceiro diálogo preservado na narrativa joanina
conclui de forma magistral sua proposta de enfatizar o papel proeminente da mulher
no ministério de Jesus (20.1-18). Se Marta anteviu pela fé a ressurreição de
Jesus é Maria quem vai se tornar a primeira a contemplá-lo em sua ressurreição.
São as primeiras horas da manhã de domingo e Maria
Madalena se dirige ao túmulo onde o amado Mestre havia sido sepultado na tarde
de sexta-feira, antes de se iniciar o sábado judaico. Seu objetivo, juntamente com as demais
companheiras, é embalsamar adequadamente o corpo de Jesus, visto que foi tirado
às pressas da cruz, antes do por do sol. Mas para total surpresa delas, a pedra
esta removida e o túmulo está vazio. Atônita ela corre para avisar a Pedro e ao
Discípulo Amado, que correndo vão constatar as palavras dela, e depois de verem
o túmulo vazio dão credito às palavras de Madalena (10.8)[5].
Enquanto Pedro e João retornam para casa, Maria Madalena
permanece à entrada do sepulcro. E o dialogo vai transcorrer nesse momento
(20.15-18). Ao olhar novamente para dentro do túmulo ela contempla dois anjos
onde antes estivera o corpo de Jesus. Então uma voz atrás dela pergunta: “Mulher, por que choras? A quem procuras?”
Ela confunde a voz pensando ser o cuidador dos túmulos, mas novamente Jesus lhe
chama pelo nome: Maria! Ela responde
em hebraico: Rabôni! (Mestre). Então
uma vez mais Jesus lhe fala: “Não me
detenhas, pois ainda não voltei ao Pai”. E Jesus vai lhe dar o Grande
Comissionamento: “Mas vai ter com meus
irmãos, e dize-lhes: Eu volto para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”.
Imediatamente [como a mulher samaritana] ela vai ao encontro dos discípulos e anuncia-lhes: Vi o Senhor! E compartilha (testemunha) o que Jesus lhe havia
falado (20.18).
Que cena maravilhosa! Que dialogo fantástico! A primeira
pessoa a conversar com Jesus ressurreto, não foi Pedro, João ou Tiago (o trio
que tantas coisas testemunharam), mas uma mulher – Maria Madalena. Ela foi
comissionada pelo próprio Cristo para levar as boas novas da sua ressurreição.
E o testemunho dela é crido pelos discípulos, pois quando Jesus aparece no meio
deles (20.20) não se registra nenhum espanto por parte deles.
Como sabemos e afirmamos acima a ressurreição é a pedra
angular da pregação e de todo o ensino cristão (1 Co 15.12-19; 1 Ts 4.14; Rm
10.9). O que torna ainda mais significativo o fato de que Jesus escolheu
deliberadamente depositar em uma mulher a responsabilidade de anunciá-la pela
primeira vez. É importante destacar o fato de que Pedro e João vão ao túmulo
vazio, mas Jesus não se revela a nem um deles, mas reserva este privilégio e
comissionamento apostólico à Maria Madalena. A mulher que não tinha nenhum
valor no contexto judaico é revestida por Jesus do mais nobre privilegiado de
ser a primeira testemunha ocular de sua ressurreição e de ser a primeira a ser
enviada para proclamar essa verdade a todos os demais. O primeiro “ide” foi dado a uma mulher! A primeira a
proclamar a boa nova da ressurreição de Jesus foi Maria Madalena. Paulo coloca
como marca distintiva do seu e de qualquer outro apostolado o ter visto Jesus
ressurreto e o ter sido enviado pessoalmente por Ele para anunciar/proclamar (1
Co 9.1-2, 15.8-11 e Gl 1.11-16) – Maria Madalena viu e foi enviada. Seu anuncio
segue o padrão apostólico “Eu vi o Senhor”.
Como aconteceu durante todo o seu ministério, aqui na conclusão de sua obra,
Jesus uma vez mais recoloca a mulher em seu devido lugar de igualdade e equidade,
de maneira que no Seu Reino inexiste qualquer diferença ou hierarquia entre um
discípulo feminino e um discípulo masculino.
Para
o escritor do Quarto Evangelho, que viveu muito tempo depois do martírio de
Pedro e Paulo, não houve diferença alguma entre o comissionamento de Maria
Madalena e os demais apóstolos – ela, exatamente da mesma forma que eles, se
constitui em uma testemunha ocular do Senhor ressurreto e recebe diretamente
dele a comissão de ir e pregar as boas novas de sua ressurreição.
Pare
e Pense
As narrativas joaninas revelam que Jesus em nenhum
momento tratou as mulheres de forma diferente ou distinta em relação aos demais
discípulos. Jesus nunca as restringiu a um papel especifico e limitante de seus
potenciais como portadoras da mensagem evangélica. O Senhor aplica a elas as
mesmas exigências que requereu de todos os discípulos. Jesus rejeita
abertamente as normas culturais desenvolvidas pelo judaísmo e as rompe
frequentemente resgatando o valor intrínseco da mulher inserindo-as
integralmente no Projeto da Nova Criação que Ele estará realizando através de
sua Igreja.
Com exceção de Maria, a mãe de Jesus e Maria, a esposa de
Cleofas, todas as demais mulheres mencionadas na narrativa joanina são tratadas
por Jesus com base em suas próprias personalidades e plenamente capazes de
tomarem suas próprias decisões e assumirem seus próprios papéis na economia do
Reino. O evangelista ao contrário faz
uma inversão de padrão ao colocar Marta e Maria antes do nome de Lazaro (como
vimos). Em vez de ver as mulheres principalmente em termos de sexo ou estado
civil, Jesus as vê em termos de seu potencial humano em seu relacionamento com
Deus.
Torna-se bastante relevante o fato de em contraste direto
com o sistema rabínico, em que se proibia ou se considerava inadequado oferecer
instrução à mulher, Jesus as ensina pessoalmente e discute com elas os temas
mais profundos da teologia cristã, como vimos nos casos ilustrados acima. E
mais ainda, o testemunho (ensino) delas é tão valido quanto de qualquer outro
discípulo ou apóstolo. Foi à Maria Madalena e não a Pedro ou João, que Jesus
confiou e designou para proclamar, anunciar, comunicar o fato de sua
ressurreição aos demais discípulos.
Por fim, é facilmente perceptível, menos para aqueles que
não querem ver, que as mulheres na narrativa joanina – e insisto no fato de que
esse foi o último Evangelho a ser composto (década 80), portanto, a Igreja já
está consolidada e atuante em todo o Império Romano, e as epístolas de Paulo e
Pedro e demais já estão circulando por todas essas comunidades – e João as
descrevem com todas as letras, pontos e vírgulas, como perfeitamente
habilitadas não apenas para ouvirem e compreenderam os ensinos e mensagem de
Jesus, mas igualmente para proclamar, comunicar e ensinar a outras pessoas. Em
toda a narrativa vemos Jesus afirmando sem qualquer dúvida o valor e a
relevância da mulher dentro da economia do Reino.
Em
resumo, observamos que as mulheres do Quarto Evangelho são apresentadas de
maneira positiva e em íntima relação com Jesus. Em muitos casos os homens
encontram dificuldade em compreenderem e crerem, o que torna as narrativas
femininas joaninas ainda mais extraordinárias. As mulheres são retratadas como
compreendendo o ensinamento de Jesus e respondendo entusiasticamente ao seu “ide”, rompendo completamente o
estereótipo judaizante de seu tempo e que continua sendo equivocadamente
mantido por uma parcela do cristianismo ainda hoje no século XXI. O que nos leva a duas conclusões excludentes:
ou essas pessoas são mais sábias do que Jesus, ou, elas estão equivocadas em
suas interpretações.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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[1] Essa é a opinião de Agostinha em seu
comentário de João 4.11: “Você vê que os samaritanos são estrangeiros; na
verdade os judeus não usam nem os mesmos utensílios. E quando a mulher trouxe
um vaso para tirar água, ela se admirou que um judeu quisesse beber dele – algo
que os judeus não costumavam fazer” (Artigo 15 sobre S. João, apud, BRUCE,
1987, p. 98 – nota 183).
[2] Comprar
e vender dos samaritanos era permitido, porque isso era considerado uma questão
comercial, entretanto, pedir emprestado e emprestar, ou solicitar qualquer
favor era terminantemente proibido, pois era considerado uma relação de
amizade, que eles entendiam ser inadmissível com aqueles que eles consideravam
inimigos de Deus.
[3] A atitude de Aboth Rabbe Nathan é
típica do pensamento rabínico quando ele diz: “Não se fala com uma mulher na rua, nem mesmo com sua própria esposa, e
certamente não com outra mulher, por causa de fofoca” (HAENCHEN, 1984, v.1,
p. 224).
[4] De acordo com Witherington “a ordem dos nomes (duas mulheres, depois
Lázaro) é incomum. Talvez o evangelista esteja insinuando que essas mulheres
estavam mais próximas de Jesus do que Lázaro, ou eram mais proeminentes ou
importantes do que Lázaro aos olhos do evangelista” (1984, p. 108).
[5] Aqui há uma discussão se João creu na
ressurreição de Jesus ou creu (deu crédito) as palavras de Madalena. Dentro da
moldura judaica já mencionada de que o testemunho de uma mulher não tinha
validade é coerente pensar que João se refere à credibilidade do testemunho
inicial dela e não a fé no fato da ressurreição de Jesus, visto que ele faz uma
explicação no verso nove “Ainda não
haviam (plural, ele se inclui aqui) compreendido (crido) que, conforme a
Escritura, [os dois discípulos de Emaús] era necessário que ele (Jesus)
ressurgisse dentre os mortos”.
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