sexta-feira, 19 de abril de 2019

Páscoa: Jesus e os Mercadores no Templo



Aproxima-se a hora derradeira e Jesus pela última vez sobe para Jerusalém. Sua ultima entrada é totalmente distinta das anteriores, porque se antes entrou e saiu discreta e desapercebidamente, desta vez sua entrada é triunfal à vista de todos.
Jesus vem em meio aos peregrinos da região da Galileia, onde exercera grande parte de Seu ministério e onde manifestou sobremaneira o poder de Deus. O coro dos cânticos de jubilo dos peregrinos pode ser ouvido a grande distância. No momento que Jesus sobe no jumentinho e começa a descer do Monte das Oliveiras em direção ao vale do Cédron e chega aos portões de Jerusalém, a multidão de peregrinos correm à Sua frente e começam a estender ramos e túnicas para Ele passar, simbolismo do reconhecimento de sua realeza (Sl 118.19-29, comparar com Mc 11.7-10). Para Marcos, em sua narrativa evangélica, esta entrada majestosa de Jesus é o cumprimento da entrada do Messias na Cidade Santa, pois neste momento ele cita as palavras do profeta Zacarias:
Alegra-te grandemente, filha de Sião!
Grita jubilosa, filha de Jerusalém!
Eis que teu rei vem a ti;
ele é justo e vitorioso;
ele é humilde e vem montado num jumento,
sobre um jumentinho, cria de uma jumenta. (Zc 9.9)[1]
Todas estas manifestações públicas e este reconhecimento final não poderiam ficar impunes. Seus inimigos se agitam e a pressão em Jerusalém sobe um pouco mais. Dentre os diversos grupos religiosos judaicos sem duvida alguma os Saduceus, o grupo sacerdotal vinculado ao Templo, e também dócil colaborador dos romanos, é o que está mais atento a cada passo de Jesus em Jerusalém.[2] As pessoas vindas da Galiléia são sempre suspeitas, até que se prove o contrario, pois sempre foram difíceis de serem domesticados e deviam sempre ser vigiados atentamente.
Pilatos, o Prefeito de Jerusalém já esta na cidade, pois nestas grandes festas a possibilidade de tumultos era sempre maior. Ele conhece muito bem os judeus, e sabe que qualquer fagulha é suficiente para incendiar a multidão. Ele sabe que a Festa da Páscoa reacendem as chamas da Libertação entre os judeus, pois grande parte de suas Profecias, lidas e ansiadas se referem à Vinda do novo Moisés, do Ungido (Messias), do descendente da linhagem do rei Davi, que, de Jerusalém, libertara o Seu povo e governará uma nação livre. Toda atenção é pouco, o numero de soldados romanos triplica ou quadriplica antes, durante e depois da Semana da Páscoa, só normalizando-se após o retorno dos milhares de peregrinos para suas casas ou países.
O cortejo de Jesus ocupa toda uma praça ampla, depois de passarem pela parte meridional da cidade e subirem uma larga e longa escada descoberta, até chegarem ao recinto do Templo. Chegam ao átrio passando pelo pórtico real e até aqui todas as pessoas podem vir, pois também é chamado de “átrio dos gentios”. Mas depois de uma grande balaustrada de pedra, nenhum estrangeiro pode adentrar ao recinto sagrada, e um grande aviso foi ali escrito, em grego: “Que ninguém de outra raça ouse entrar no espaço que cerca o santuário, nem ultrapassar o muro. Quem for detido ali dentro, atribua a si mesmo a sentença de morte que mereceu com seu gesto”.
É neste amplo espaço que antecede o “recinto sagrado” que se estabeleceu um intenso comercio relacionado diretamente às atividades do Templo. Entre uma multidão de peregrinos, pode-se encontrar de tudo, um rabino dando instruções a seus alunos, pombas, ovelhas e novilhos com seus sons peculiares – o que faz subir muitos decibéis sonoros (como em qualquer mercado e/ou feira).
O comércio aqui tem sua razão de ser, pois os milhares de peregrinos, inclusive os que vinham de outros países, não podiam trazer consigo os animais para o sacrifício em suas longas e cansativas viagens.  A Lei de Moisés prescreve que todos os homens devem pagar anualmente a dracma do imposto do Templo, que desde a muito era feito com a moeda tíria (sagrada), portanto, os cambistas estão a todo vapor, trocando as moedas judaicas, gregas e romanas, por moedas “sagradas”, mas que os cambistas o fazem para obter lucro, do qual com certeza devem pagar pela “concessão” dada a eles, pelas autoridades do Templo, lideradas naquele momento por Caifás e seus descendentes.
Então Jesus tem uma atitude inesperada e atípica, somente comparada às duras palavras proferidas contra os fariseus e seus escribas. Evidentemente que Jesus não deseja e não fez expulsar todos os cambistas e comerciantes daquele recinto -  o que Ele almeja é algo que vai muito além de uma mera reforma de hábitos e de culto. Jesus coloca em xeque todo o sistema até então vigente, que tem no Templo e no culto sacrificial seu centro gravitacional.
As suas palavras expressam esta verdade: “Destruí este Templo, e em três dias eu o levantarei de novo” (Jo 2.19; Mt 26.61). As intenções maiores de Jesus são percebidas pelas autoridades do Templo que imediatamente procuram coloca-Lo em dificuldades lançado Lhe a questão de onde vem Sua autoridade para fazer estas afirmações, mas Jesus responde de forma contundente, calando seus pretensos oponentes (Mc 11.27-33).
O conflito de Jesus com as autoridades judaicas caminha desta forma para o seu ápice. Nos bastidores do Templo o sumo sacerdote de plantão Anás e seus sacerdotes e levitas, e a esta altura grande parte dos membros do Sinédrio fazem sua estratégia para pegar Jesus sem que a multidão se aperceba (Mc 14.2) – o que haverão de ser ajudados pela traição de Judas Iscariotes, que lhes possibilitara este momento, quando Jesus se encontra sozinho, com alguns poucos discípulos sonolentos, no Jardim do Getsêmani.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante

Artigos Relacionados
Páscoa: Um Exercício de Cronologia da Paixão
Os Personagens “Invisíveis” nas Narrativas da Paixão e Sua Função
Páscoa: Cultura e Arte - A Prisão de Jesus
Páscoa: Discípulos de Emaús - da Decepção para a Alegria (Lucas 24.13-35)
Páscoa: O Abandonado que nunca Abandonou (Mc 14.50-52)
Pôncio Pilatos: Herói ou Vilão?
Páscoa: Jesus no Cenáculo - Prelúdio (João 13.1)
A Crucificação e Morte no Evangelho Segundo João
Galeria da Páscoa: A Negação de Pedro
A Última Viagem de Jesus para Jerusalém
Betânia: Lugar de Refrigério e Vida
Profetas: Os Cânticos do Servo de Yahvé em Isaías – Introdução

Referências Bibliográficas
ANDERSON, Hugh. The Gospel of Mark. London: Marshall, Morgan & Scott, 1976.
BETTENCOURT, Estevão. Para Entender os Evangelhos.  Rio de Janeiro: Agir, 1960.
CARSON D. A., DOUGLAS, J. Moo & MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo:  ed. Vida Nova, 1997.
CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Hagnos, 2006, 8ª ed.
CRANFIELD, C. E. B. The Gospel According to St. Mark. Cambridge: Cambridge University Press, 1966. 
GALIZZI, M. Gesú nel Getzemani (Mc 14.32-42; Mt 26.36-46; Lc 22.39-46). Roma: Pas-Verlag, 1972.
GUTHIRIE, Donald. New Testament Introduction. Illinois: Inter-Varsity Press, 1980.
LEAL, João. Os Evangelhos e a Crítica Moderna. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1945.
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento – Marcos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.
MAGGIONI, Bruno. Os relatos evangélicos da Paixão. Tradução de Bertilo Brod. São Paulo: Palinas, 2000. [Coleção Espiritualidade sem fronteiras].
MULHOLLAND, Dewey M. Marcos – introdução e comentário. Tradução de Maria Judith Menga. São Paulo: Vida Nova, 1999. [Série Cultura Bíblica].
SOARES, Sebastião Armando Gameleira & JUNIOR, João Luiz Correia. Evangelho de Marcos, v.1, ed. Vozes, Petrópolis, 2002.
TENNEY, Merrill C. (Org.). Enciclopédia da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.
TORREY, C. C. The Four Gospels, 2nd ed. New York: Harper, 1947.
WENHAM, J.W. Did Peter Go to Rome in ad42?. Tyndale Bulletin 23 (1972) 94-102.




[1] Uma regra básica de hermenêutica conclui que quando um escritor do NT cita um ou mais versículos do AT, na verdade ele esta se referindo à passagem toda e às vezes ao livro todo, e não somente àqueles poucos versos citados. Para se compreender melhor é preciso colocar todas as referências evangélicas em uma coluna e o texto de Zacarias em outra: Zc 9.9 com João 12.14; Zc 11.12s com Mt 26.14s; Zc 12.10 com João 19.34-36; Zc 13.7 com Mc 14.27; Zc 14.20s com Mc 11.15s.
[2] O espaço ocupado pelos fariseus e escribas era mais fora da cidade e da esfera do Templo, principalmente na região da Galiléia onde Jesus exerceu maior parte de seu ministério e onde teve maior número de embates com estes dois grupos religiosos do judaísmo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário