Aproxima-se a hora derradeira e Jesus pela última vez
sobe para Jerusalém. Sua ultima entrada é totalmente distinta das anteriores,
porque se antes entrou e saiu discreta e desapercebidamente, desta vez sua
entrada é triunfal à vista de todos.
Jesus vem em meio aos peregrinos da região da Galileia,
onde exercera grande parte de Seu ministério e onde manifestou sobremaneira o
poder de Deus. O coro dos cânticos de jubilo dos peregrinos pode ser ouvido a
grande distância. No momento que Jesus sobe no jumentinho e começa a descer do
Monte das Oliveiras em direção ao vale do Cédron e chega aos portões de
Jerusalém, a multidão de peregrinos correm à Sua frente e começam a estender
ramos e túnicas para Ele passar, simbolismo do reconhecimento de sua realeza
(Sl 118.19-29, comparar com Mc 11.7-10). Para Marcos, em sua narrativa
evangélica, esta entrada majestosa de Jesus é o cumprimento da entrada do
Messias na Cidade Santa, pois neste momento ele cita as palavras do profeta
Zacarias:
Alegra-te grandemente, filha de Sião!
Grita jubilosa, filha de Jerusalém!
Eis que teu rei vem a ti;
ele é justo e vitorioso;
ele é humilde e vem montado num
jumento,
sobre um jumentinho, cria de uma
jumenta. (Zc 9.9)[1]
Todas estas manifestações públicas e este reconhecimento
final não poderiam ficar impunes. Seus inimigos se agitam e a pressão em
Jerusalém sobe um pouco mais. Dentre os diversos grupos religiosos judaicos sem
duvida alguma os Saduceus, o grupo sacerdotal vinculado ao Templo, e também
dócil colaborador dos romanos, é o que está mais atento a cada passo de Jesus
em Jerusalém.[2] As pessoas vindas da
Galiléia são sempre suspeitas, até que se prove o contrario, pois sempre foram
difíceis de serem domesticados e deviam sempre ser vigiados atentamente.
Pilatos, o Prefeito de Jerusalém já esta na cidade, pois
nestas grandes festas a possibilidade de tumultos era sempre maior. Ele conhece
muito bem os judeus, e sabe que qualquer fagulha é suficiente para incendiar a
multidão. Ele sabe que a Festa da Páscoa
reacendem as chamas da Libertação entre os judeus, pois grande parte de suas
Profecias, lidas e ansiadas se referem à Vinda do novo Moisés, do Ungido
(Messias), do descendente da linhagem do rei Davi, que, de Jerusalém, libertara
o Seu povo e governará uma nação livre. Toda atenção é pouco, o numero de
soldados romanos triplica ou quadriplica antes, durante e depois da Semana da
Páscoa, só normalizando-se após o retorno dos milhares de peregrinos para suas
casas ou países.
O cortejo de Jesus ocupa toda uma praça ampla, depois de
passarem pela parte meridional da cidade e subirem uma larga e longa escada
descoberta, até chegarem ao recinto do Templo. Chegam ao átrio passando pelo pórtico
real e até aqui todas as pessoas podem vir, pois também é chamado de “átrio dos gentios”. Mas depois de uma
grande balaustrada de pedra, nenhum estrangeiro pode adentrar ao recinto
sagrada, e um grande aviso foi ali escrito, em grego: “Que ninguém de outra raça ouse entrar no espaço que cerca o santuário,
nem ultrapassar o muro. Quem for detido ali dentro, atribua a si mesmo a
sentença de morte que mereceu com seu gesto”.
É neste amplo espaço que antecede o “recinto sagrado”
que se estabeleceu um intenso comercio
relacionado diretamente às atividades do Templo. Entre uma multidão de
peregrinos, pode-se encontrar de tudo, um rabino dando instruções a seus
alunos, pombas, ovelhas e novilhos com seus sons peculiares – o que faz subir
muitos decibéis sonoros (como em qualquer mercado e/ou feira).
O comércio aqui tem sua razão de ser, pois os milhares de
peregrinos, inclusive os que vinham de outros países, não podiam trazer consigo
os animais para o sacrifício em suas longas e cansativas viagens. A Lei
de Moisés prescreve que todos os homens devem pagar anualmente a dracma do
imposto do Templo, que desde a muito era feito com a moeda tíria (sagrada),
portanto, os cambistas estão a todo
vapor, trocando as moedas judaicas, gregas e romanas, por moedas “sagradas”,
mas que os cambistas o fazem para obter lucro,
do qual com certeza devem pagar pela “concessão” dada a eles, pelas autoridades
do Templo, lideradas naquele momento por Caifás e seus descendentes.
Então Jesus tem uma atitude inesperada e atípica,
somente comparada às duras palavras proferidas contra os fariseus e seus
escribas. Evidentemente que Jesus não deseja e não fez expulsar todos os
cambistas e comerciantes daquele recinto - o que Ele almeja é algo que
vai muito além de uma mera reforma de hábitos e de culto. Jesus coloca em xeque todo o sistema até então vigente,
que tem no Templo e no culto sacrificial seu centro gravitacional.
As suas palavras expressam esta verdade: “Destruí este
Templo, e em três dias eu o levantarei de novo” (Jo 2.19; Mt 26.61). As
intenções maiores de Jesus são percebidas pelas autoridades do Templo que
imediatamente procuram coloca-Lo em dificuldades lançado Lhe a questão de onde
vem Sua autoridade para fazer estas afirmações, mas Jesus responde de forma
contundente, calando seus pretensos oponentes (Mc 11.27-33).
O conflito de Jesus com as autoridades judaicas caminha
desta forma para o seu ápice. Nos bastidores do Templo o sumo sacerdote de
plantão Anás e seus sacerdotes e levitas, e a esta altura grande parte dos
membros do Sinédrio fazem sua estratégia para pegar Jesus sem que a multidão se
aperceba (Mc 14.2) – o que haverão de ser ajudados pela traição de Judas Iscariotes, que lhes possibilitara este momento,
quando Jesus se encontra sozinho, com alguns poucos discípulos sonolentos, no
Jardim do Getsêmani.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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94-102.
[1]
Uma regra básica de hermenêutica conclui que quando um escritor do NT cita um
ou mais versículos do AT, na verdade ele esta se referindo à passagem toda e às
vezes ao livro todo, e não somente àqueles poucos versos citados. Para se
compreender melhor é preciso colocar todas as referências evangélicas em uma
coluna e o texto de Zacarias em outra: Zc 9.9 com João 12.14; Zc 11.12s com Mt
26.14s; Zc 12.10 com João 19.34-36; Zc 13.7 com Mc 14.27; Zc 14.20s com Mc
11.15s.
[2]
O espaço ocupado pelos fariseus e escribas era mais fora da cidade e da esfera
do Templo, principalmente na região da Galiléia onde Jesus exerceu maior parte
de seu ministério e onde teve maior número de embates com estes dois grupos
religiosos do judaísmo.
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