quarta-feira, 10 de abril de 2019

Apocalipse: Quem São os Vencedores – os que não abandonam o primeiro amor (Ap 2.4)



Um dos comentários mais conceituados sobre o livro do Apocalipse, escrito por William Hendriksen, recebeu um subtítulo de “Mais Que Vencedores”, e que de fato expressa bem o conteúdo da mensagem contida neste último livro da Bíblia que anuncia a grande vitória de Jesus Cristo e por consequente a grande vitória de todos aqueles que em todos os tempos verdadeiramente creem e o confessam como Senhor e Salvador de suas vidas.
De fato no transcorrer do livro o escritor identifica ao menos dezenove características daqueles que usufruirão da vitória final juntamente com Jesus Cristo. Cada uma destas características é singular e expressa uma fé sincera e uma vida cristã condizente com as verdades do Evangelho. Essas características foram a razão pela qual milhares de cristãos incluindo homens, mulheres, jovens e velhos foram lançados nos cárceres úmidos e no Coliseu romano; muitos deles sofreram torturas indescritíveis e foram mortos das formas mais cruéis, até mesmo sendo queimados vivos. Mas tudo suportaram sem negar a fé naquele que era, que é e que virá; a fé era naquele que venceu o ultimo dos inimigos – a morte – e podiam cantar juntamente com o apóstolo Paulo: “Onde está ó morte o seu aguilhão? Onde está ó morte a tua vitória?” Aqueles primeiros cristãos enfrentavam a morte diariamente pois tinham plena convicção de que em Jesus Cristo eles eram Mais do que Vencedores!
Mas está fé que se sustenta mesmo diante das circunstâncias mais desesperadoras, não é uma fé intelectualizada; uma fé mercantilista; uma fé hedonista – mas uma fé que se encarna; uma fé que se impregna no ser de maneira que tudo quanto se fala e se faz estão em harmonia com o Evangelho de Cristo; uma fé inalienável da pessoa e obra de Jesus Cristo – uma fé naquele que nasceu, viveu, morreu e ressuscitou e que subiu aos céus, mas voltará para buscar sua Igreja. Os que creem são descritos no Apocalipse com características muito nítidas e as quais corroboram a autenticidade de sua fé e de sua esperança. Portanto, os vitoriosos são apenas esses e nenhum outro tipo de “cristianismo”, vulgar, maniqueísta, e perfeitamente ajustado aos moldes desta Sociedade depravada.
Os vencedores: Aqueles que não deixaram o primeiro amor (2.4)
            No livro do Apocalipse Jesus Cristo envia sete cartas dirigidas a sete igrejas identificadas pelo nome e a primeira é a igreja que estava na cidade de Éfeso. Está cidade era uma das principais da chamada Ásia Menor. Essa igreja foi privilegiada desde seu nascedouro visto que ali estivera pregando o Evangelho o apóstolo Paulo, juntamente com o casal Priscila e Áquila (At 18.19), e onde também pregou fervorosamente Apolo (At 18.25). Posteriormente, quando de sua terceira viagem missionária, Paulo retorna sem o querido casal e permanece na cidade por três anos (At 19.19), algo raro na dinâmica do apóstolo visto que suas atividades missionárias eram itinerantes. A razão é que Paulo tinha plena consciência da posição estratégica desta cidade e, por conseguinte da igreja ali estabelecida, pois para ali vinham pessoas de toda a região e de todos os lugares do Império e fora da geografia imperial, para negociarem.[1] Na medida em que o Evangelho vai sendo pregado e ensinado, centenas de pessoas vão sendo convertidas, adequadamente embasadas nas Escrituras, retornavam aos seus lugares de origem e ali anunciavam o mesmo Evangelho, de maneira que um número crescente de comunidades cristãs se formou nesses lugares, incluindo os mais distantes e pequenos vilarejos.
            Com a prisão[2] e subsequente morte do apóstolo Paulo, tomamos conhecimento de que Timóteo, um dos tutelados do apóstolo, esteve pastoreando aquela igreja de Éfeso (1 Tm 1.3). Também há informações que João, em sua velhice, e provavelmente após seu retorno do desterro em Patmos, permanece na cidade de Éfeso pregando na igreja e onde compôs suas preciosas cartas que vieram a fazer parte do cânon bíblico. . A tradição relata que, bem velho e fraco demais para andar, João era carregado para a Igreja onde admoestava os irmãos: "Filhinhos, amai-vos uns aos outros" (cf. Irineu e Eusébio). Creio que nenhuma outra igreja teve tão grande privilégio de contar entre seus pastores tão proeminentes líderes cristãos.
            Mas ainda nos dias, do velho e último dos apóstolos, quando lhe foi imposto o exílio pelo imperador romano (Domiciano 81-96 d.C.),  na ilha de Patmos, ele escreve a mensagem do Apocalipse e com certa tristeza no coração, ele registra a seção de correspondência de Jesus cuja primeira carta vai justamente para a igreja em Éfeso.
Quando se inicia a leitura da correspondência ficamos animados com essa igreja. Tudo nela funciona perfeitamente: seus membros eram pessoas comprometidas de maneira que a igreja desenvolvia muitas atividades; eram também tinha paciência, não no sentido resignado e complacente diante das adversidades, mas aprenderam a suportar com coragem as dificuldades consequentes da sua fé cristã; eles eram extremamente zelosos dos ensinos apreendidos e não aceitavam qualquer ensino diferente que pudesse chegar até eles, uma vez que naqueles dias apareciam muitos “apóstolos” itinerantes;[3] eles inclusive sofreram por causa do nome de Jesus Cristo e incansavelmente trabalhavam em prol da evangelização sem esmorecer. Jesus aprova todas essas atitudes dos cristãos efésios e diante deste testemunho do próprio Jesus a igreja de Éfeso parece estar aprovada e pronta para ser um modelo a ser seguido.  
Todavia, Jesus conclui esta série de qualitativos desta igreja fazendo uma advertência muito séria: vocês perderam o primeiro amor.[4] O Senhor sabia o que a própria igreja não percebia, sabia que eles não o amavam como nos primeiros dias. Eles ainda amavam sua igreja (denominação); ainda amavam suas doutrinas (ortodoxia); ainda amavam suas atividades; ainda amavam suas agendas eclesiásticas (Congressos, Concílios, Acampamentos, Encontro de Casais; etc..). Eles ainda amam tudo o que faziam – mas eles simplesmente não amavam a Jesus mais do que todas estas coisas.
Para Jesus quando se abandona o amor a Ele, perde-se tudo. Tudo quanto Jesus fez por nós foi exclusivamente por amor; o apóstolo Paulo compreendeu essa verdade e ao escrever aos crentes de Corinto incluiu um hino sobre amor e a conclusão é que qualquer coisa feita sem amor é inútil e sem valor algum. O verbo usado “deixado” é “aphiemi” que trás a ideia “desistir, abandonar”. Esse “abandono” foi uma negligência voluntária (indiferença, apatia, falta de interesse, falta de preocupação). Aquela chama do primeiro amor dos dias iniciais da conversão que demarca o início das atividades da igreja foi se esvaindo e sendo substituído por um ativismo religioso, ainda que sincero e zeloso, mas sem a seiva vivificante do amor cristão. Na mesma medida em que os israelitas deixaram de amar a Deus, eles se prostituíram indo atrás dos deuses canaanitas – o profeta Oséias experimenta essa realidade em sua própria vida quando tem que buscar sua esposa em um prostíbulo.
Paulo tinha escrito uma longa carta aos crentes de Éfeso e sua oração por eles é para que “estando arraigados e fundados em amor, poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo que excede todo o entendimento, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus” (3.17-19). Uma geração depois (30 ou 40 anos)[5] eles simplesmente estavam vivendo o oposto daquilo que Paulo havia orado. E agora Jesus andando no meio deles trás à tona a apostasia do coração deles. O amor se esfria porque o coração esta dividido; é o princípio da decadência espiritual, pois sem amor todas as demais atividades cristãs tornam-se apenas ativismo religioso estéril de frutos permanentes e eternos. Ao abandonar o amor a igreja de Éfeso tornou todas as suas qualidades de zelo, obras, ortodoxia e de fidelidade inutilizadas. Nenhuma atividade externa é mais importante do que um coração que ama a Jesus com todas as suas forças, inteligência e perseverança.  
 Quando uma comunidade cristã perde a capacidade de amar ela torna-se apenas mais uma associação beneficente entre milhares que existem fora do cristianismo. Ainda mais grave, pois sem o amor ela perde o magnetismo que atrai as pessoas para o Evangelho de Cristo – em sua oração sacerdotal Jesus pede que os cristãos manifestassem o amor uns para com os outros, de maneira que as pessoas viessem a crer Nele. O termo caridade não é a melhor expressão da palavra aqui usada, pois posso fazer caridade sem amar, assim como posso ser ortodoxo na teologia sem amar; posso pregar, orar e louvar, sem amar – Paulo vai mais longe e afirma que podemos até sofrer o  martírio por causa da fé cristã, porém sem amar. Sem amor tudo fica sem sentido e sem valor algum para Deus.
A maior acusação que Deus faz em relação ao povo de Israel é que eles seguiam (ou se esforçavam em seguir) zelosamente todos os preceitos da Lei, mas seus corações (amor) estavam longe dele – tinham medo de Deus, como todos os povos estrangeiros tinham medo de seus deuses, mas não amavam genuinamente a Deus – de maneira que sem amor eles se tornavam exatamente iguais aos povos canaanitas ao seu redor.
A forma dura com que Jesus tratou muitos dos fariseus e escribas tinha como base justamente a ausência de amor e a supervalorização da Lei. E durante seu ministério Jesus foi questionado sobre qual dos Mandamentos era o maior e ele não teve qualquer dúvida: amar a Deus acima de tudo e amar o próximo. Com que facilidade nós trocamos o fogo abençoador do amor cristão pelo fogo consumidor da ortodoxia cristã. O amor não é um detalhe dispensável da igreja cristã, o amor é a razão da existência da igreja cristã. Paulo conclui o hino (I Co 13) afirmando que dos três pilares da vida cristã, apenas e tão somente o amor permanecera para sempre. Não amar é abdicar do Reino dos Céus. Em seu chamado “Sermão Escatológico” Jesus faz uma afirmação categórica: “E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará”; é o que estamos presenciando nos dias atuais. Somente entrarão no céu aqueles que não abriram mão, não desistiram, não abandonaram,  não negociaram seu primeiro amor.
Para aquela comunidade cristã e para nós hoje ainda há uma oportunidade de mudar essa triste situação: arrependimento[6] – mudança de mentalidade e de comportamento.[7] Reconhecer que não temos amado e começarmos imediatamente a amar, assim como Cristo amou. Caso contrário, seremos colocados na mesma condição daqueles que terão que enfrentar o tribunal de Deus. Os israelitas não foram julgados por que eles se esqueceram de algum sacrifício ou por que não cumpriram algum mandamento, mas por que não amaram a Deus. Assim como eles e os crentes de Éfeso nós também não somos perfeitos e nem cumprimos perfeitamente todos os mandamentos, por isso Jesus morreu por nós; portanto, o que nos resta nesse momento que antecede a volta de Jesus é nos arrependermos e voltarmos ao primeiro amor – Jesus não aceitara menos do que isso.
Mas para aqueles que ouvindo a leitura desta carta se arrependerem e voltarem ao primeiro amor eles se tornaram Vencedores e poderão receber o premio dos vitoriosos - comeram do fruto da árvore da vida[8]. Quando Adão pecou ele foi expulso do jardim do Éden para que não comesse do fruto desta árvore (Gn 3.22-24), mas a todos aqueles que amarem a Jesus genuinamente terão o privilégio de comerem livre e abundantemente dos frutos da vida eterna. Que premio melhor poderíamos querer? Que privilégio maior nós poderíamos alcançar? Participar da vida eterna com Cristo!
O que realmente precisamos não é de um reavivamento, mas voltarmos ao nosso primeiro amor por Jesus. Nossas igrejas não precisam de mais dinheiro, de reconhecimento da Sociedade, de templos maiores – precisam urgentemente retornar ao primeiro amor!!
A pergunta de Jesus a Pedro deveria ressoar em nossos ouvidos: “Você me ama”? E se não pudermos responder como Pedro: “Sim, Senhor! Eu te amo!”, então a nossa situação é temerosa e o juízo de Deus eminente.

QUEM SÃO OS VENCEDORES NO LIVRO DO APOCALIPSE?
            Aqueles que não abandonam seu primeiro amor por Jesus!
                        E aqueles que arrependidos retornam ao primeiro amor!

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas
ALEXANDER H. E. Apocalipse. São Paulo: Ed. Ação Bíblica do Brasil, 1987.
ALVARENGA, Willie. Comentario del libro de Apocalipsis. Bedford: 2007.
ASHCRAFT, Morris. Comentário Bíblico Broadman, v.12, ed. JUERP, 3ª ed., 1983.
BEATO DE LIÉBANA. Comentarios al Apocalipsis de San Juan. Traducción de A. del Campo Hernández y J. González Echegaray. Villanueva de Villaescusa (Cantabria): Ediciones Valnera, 2006. [Dibujos y óleos de José Ramón Sánchez].
CARRILLO, Miguel Rosell. Apocalipsis: La Revelación para estos días finales. www.centrorey.org, 2009.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado, v. 6, ed Milenium, São Paulo, 1988.
CLARKE, Adam, The New Testamento of Our Lord and Saviour Jesus Christ. Nova York: Abingdon-Cokesbury Press, vol. II, s. d.
CORSINI Eugênio. O Apocalipse de São João. São Paulo: Edições Paulinas, 1984.
DOUGLAS J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2001.
HENDRIKSEN, William. Mais Que Vendedores - Interpretação do livro do Apocalipse. São Paulo:  ed. CEP, 1987.
LAYMON, Charles M. The Book of Revelacion. Nova York: Abingdon Press, 1960.
LADD, George. Apocalipse – Introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2008.
McDOWELL, Edward A. O Apocalipse – Sua Mensagem e Significação. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1960.
TRUMAN, Cliff. Comentario a Apocalipsis. Editorial: N/S
SUMMERS Ray. A Mensagem do Apocalipse. Rio de Janeiro: Ed. JUERP, 1980.



[1] A cidade estava no lado oeste da Ásia Menor, uma cidade que possuía um dos maiores portos, ao lado do rio Caister, o que atraia caravanas vindas das estradas romanas do norte, leste e sul trazendo suas cargas que embarcavam nos navios que as transportavam para o oeste em direção a Corinto e Itália. Era caminho quase obrigatório para a Capital do Império. Inácio chamou a cidade de Éfeso de a Rota dos Mártires, visto que os navios que transportavam os cristãos para o Coliseu se abasteciam no porto desta cidade. Não sem motivo era chamada de “A Metrópole Suprema da Ásia”.
[2] Durante sua primeira prisão, 60-63, Paulo enviou, de Roma, sua carta aos efésios. Nesta correspondência o apostolo se refere a amar/amor pelo menos 20 vezes: primeira referência 1.4 e a última referência 6.24 – portanto, ele abre e fecha a correspondência com uma exortação ao amor.
[3] Em sua primeira epístola o próprio João alerta seus leitores cristãos para que provassem/testassem “se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo” (1 João 4.1). O NT frequentemente aborda o assunto de falsos apóstolos ou mestres (cf. Mt 7: 15-16; 24:24; Atos 20:29; 2 Coríntios 11: 13-15; 1 João 4: 1 e através das Epístolas Pastorais ). Esta igreja havia identificado corretamente esses falsos apóstolos e os rejeitou. O Manual de catecúmenos “Didaquê”, composta em meados do século II, alerta os cristãos de que esses pregadores itinerantes deveriam ser testados com rigor, visto que muitos abusavam da hospitalidade da igreja.
[4] “Primeiro amor” refere-se ao primeiro amor no aspecto do tempo e o primeiro amor no aspecto de qualidade (primeiro e “o melhor” em Lucas. 15.22 são a mesma palavra no original).
[5] Uma situação semelhante ocorreu em Israel depois dos dias de Josué e os anciãos (Jz 2.7,10, 11).
[6] O arrependimento é crucial para um relacionamento de fé com Deus (cf. Mt 3: 2; 4:17; Marcos 1:15; 6:12; Lucas 13: 3,5; Atos 2:38; 3:19; 20:21 ). O termo hebraico significava uma mudança de ações, enquanto em grego significava uma mudança de mentalidade.
[7] “lembre-se” é um IMPERATIVO ATIVO PRESENTE que significa "tenha sempre em mente".
[8] Esta é uma alusão a uma árvore no Jardim do Éden (cf. Gn 2.9; Ap 22.2,14).

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