Um dos comentários mais conceituados sobre o livro do
Apocalipse, escrito por William Hendriksen, recebeu um subtítulo de “Mais Que Vencedores”, e que de fato
expressa bem o conteúdo da mensagem contida neste último livro da Bíblia que
anuncia a grande vitória de Jesus Cristo e por consequente a grande vitória de
todos aqueles que em todos os tempos verdadeiramente creem e o confessam como
Senhor e Salvador de suas vidas.
De fato no transcorrer do livro o escritor identifica ao
menos dezenove características daqueles que usufruirão da vitória final juntamente
com Jesus Cristo. Cada uma destas características é singular e expressa uma fé
sincera e uma vida cristã condizente com as verdades do Evangelho. Essas
características foram a razão pela qual milhares de cristãos incluindo homens,
mulheres, jovens e velhos foram lançados nos cárceres úmidos e no Coliseu
romano; muitos deles sofreram torturas indescritíveis e foram mortos das formas
mais cruéis, até mesmo sendo queimados vivos. Mas tudo suportaram sem negar a
fé naquele que era, que é e que virá; a fé era naquele que venceu o ultimo dos
inimigos – a morte – e podiam cantar juntamente com o apóstolo Paulo: “Onde está ó morte o seu aguilhão? Onde está
ó morte a tua vitória?” Aqueles primeiros cristãos enfrentavam a morte diariamente
pois tinham plena convicção de que em
Jesus Cristo eles eram Mais do que Vencedores!
Mas está fé que se sustenta mesmo diante das
circunstâncias mais desesperadoras, não é uma fé intelectualizada; uma fé
mercantilista; uma fé hedonista – mas uma fé que se encarna; uma fé que se
impregna no ser de maneira que tudo quanto se fala e se faz estão em harmonia
com o Evangelho de Cristo; uma fé inalienável da pessoa e obra de Jesus Cristo –
uma fé naquele que nasceu, viveu, morreu e ressuscitou e que subiu aos céus,
mas voltará para buscar sua Igreja. Os que creem são descritos no Apocalipse
com características muito nítidas e as quais corroboram a autenticidade de sua
fé e de sua esperança. Portanto, os vitoriosos são apenas esses e nenhum outro
tipo de “cristianismo”, vulgar, maniqueísta, e perfeitamente ajustado aos moldes
desta Sociedade depravada.
Os vencedores: Aqueles que não deixaram
o primeiro amor (2.4)
No livro do Apocalipse Jesus Cristo
envia sete cartas dirigidas a sete igrejas identificadas pelo nome e a primeira
é a igreja que estava na cidade de Éfeso.
Está cidade era uma das principais da chamada Ásia Menor. Essa igreja foi
privilegiada desde seu nascedouro visto que ali estivera pregando o Evangelho o
apóstolo Paulo, juntamente com o casal Priscila e Áquila (At 18.19), e onde
também pregou fervorosamente Apolo (At 18.25). Posteriormente, quando de sua
terceira viagem missionária, Paulo retorna sem o querido casal e permanece na
cidade por três anos (At 19.19), algo raro na dinâmica do apóstolo visto que
suas atividades missionárias eram itinerantes. A razão é que Paulo tinha plena
consciência da posição estratégica desta cidade e, por conseguinte da igreja
ali estabelecida, pois para ali vinham pessoas de toda a região e de todos os
lugares do Império e fora da geografia imperial, para negociarem.[1] Na
medida em que o Evangelho vai sendo pregado e ensinado, centenas de pessoas vão
sendo convertidas, adequadamente embasadas nas Escrituras, retornavam aos seus
lugares de origem e ali anunciavam o mesmo Evangelho, de maneira que um número
crescente de comunidades cristãs se formou nesses lugares, incluindo os mais
distantes e pequenos vilarejos.
Com a prisão[2] e
subsequente morte do apóstolo Paulo, tomamos conhecimento de que Timóteo, um
dos tutelados do apóstolo, esteve pastoreando aquela igreja de Éfeso (1 Tm 1.3).
Também há informações que João, em sua velhice, e provavelmente após seu
retorno do desterro em Patmos, permanece na cidade de Éfeso pregando na igreja
e onde compôs suas preciosas cartas que vieram a fazer parte do cânon bíblico. . A tradição relata que,
bem velho e fraco demais para andar, João era carregado para a Igreja onde
admoestava os irmãos: "Filhinhos,
amai-vos uns aos outros"
(cf. Irineu e Eusébio). Creio que nenhuma outra igreja teve tão grande
privilégio de contar entre seus pastores tão proeminentes líderes cristãos.
Mas ainda nos dias, do velho e
último dos apóstolos, quando lhe foi imposto o exílio pelo imperador romano (Domiciano 81-96 d.C.), na ilha de
Patmos, ele escreve a mensagem do Apocalipse e com certa tristeza no coração,
ele registra a seção de correspondência de Jesus cuja primeira carta vai justamente
para a igreja em Éfeso.
Quando se inicia a leitura da correspondência ficamos
animados com essa igreja. Tudo nela funciona perfeitamente: seus membros eram
pessoas comprometidas de maneira que a igreja desenvolvia muitas atividades;
eram também tinha paciência, não no sentido resignado e complacente diante das
adversidades, mas aprenderam a suportar com coragem as dificuldades consequentes
da sua fé cristã; eles eram extremamente zelosos dos ensinos apreendidos e não
aceitavam qualquer ensino diferente que pudesse chegar até eles, uma vez que
naqueles dias apareciam muitos “apóstolos” itinerantes;[3]
eles inclusive sofreram por causa do nome de Jesus Cristo e incansavelmente
trabalhavam em prol da evangelização sem esmorecer. Jesus aprova todas essas
atitudes dos cristãos efésios e diante deste testemunho do próprio Jesus a
igreja de Éfeso parece estar aprovada e pronta para ser um modelo a ser
seguido.
Todavia, Jesus conclui esta série de qualitativos desta
igreja fazendo uma advertência muito séria: vocês
perderam o primeiro amor.[4] O
Senhor sabia o que a própria igreja não percebia, sabia que eles não o amavam
como nos primeiros dias. Eles ainda amavam sua igreja (denominação); ainda amavam
suas doutrinas (ortodoxia); ainda amavam suas atividades; ainda amavam suas
agendas eclesiásticas (Congressos, Concílios, Acampamentos, Encontro de Casais;
etc..). Eles ainda amam tudo o que faziam – mas eles simplesmente não amavam a
Jesus mais do que todas estas coisas.
Para Jesus quando se abandona o amor a Ele, perde-se
tudo. Tudo quanto Jesus fez por nós foi exclusivamente por amor; o apóstolo
Paulo compreendeu essa verdade e ao escrever aos crentes de Corinto incluiu um
hino sobre amor e a conclusão é que qualquer coisa feita sem amor é inútil e
sem valor algum. O verbo usado “deixado” é “aphiemi”
que trás a ideia “desistir, abandonar”.
Esse “abandono” foi uma negligência voluntária
(indiferença, apatia, falta de interesse, falta de preocupação). Aquela chama
do primeiro amor dos dias iniciais da conversão que demarca o início das
atividades da igreja foi se esvaindo e sendo substituído por um ativismo
religioso, ainda que sincero e zeloso, mas sem a seiva vivificante do amor cristão.
Na mesma medida em que os israelitas deixaram de amar a Deus, eles se prostituíram
indo atrás dos deuses canaanitas – o profeta Oséias experimenta essa realidade
em sua própria vida quando tem que buscar sua esposa em um prostíbulo.
Paulo tinha escrito uma longa carta aos crentes de Éfeso
e sua oração por eles é para que “estando
arraigados e fundados em amor, poderdes perfeitamente compreender, com todos os
santos qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e
conhecer o amor de Cristo que excede todo o entendimento, para que sejais
cheios de toda a plenitude de Deus” (3.17-19). Uma geração depois (30 ou 40
anos)[5]
eles simplesmente estavam vivendo o oposto daquilo que Paulo havia orado. E
agora Jesus andando no meio deles trás à tona a apostasia do coração deles. O
amor se esfria porque o coração esta dividido; é o princípio da decadência
espiritual, pois sem amor todas as demais atividades cristãs tornam-se apenas
ativismo religioso estéril de frutos permanentes e eternos. Ao abandonar o amor
a igreja de Éfeso tornou todas as suas qualidades de zelo, obras, ortodoxia e
de fidelidade inutilizadas. Nenhuma atividade externa é mais importante do que
um coração que ama a Jesus com todas as suas forças, inteligência e
perseverança.
Quando uma
comunidade cristã perde a capacidade de amar ela torna-se apenas mais uma
associação beneficente entre milhares que existem fora do cristianismo. Ainda
mais grave, pois sem o amor ela perde o magnetismo que atrai as pessoas para o
Evangelho de Cristo – em sua oração sacerdotal Jesus pede que os cristãos manifestassem
o amor uns para com os outros, de maneira que as pessoas viessem a crer
Nele. O termo caridade não é a melhor expressão da palavra aqui usada, pois
posso fazer caridade sem amar, assim como posso ser ortodoxo na teologia sem
amar; posso pregar, orar e louvar, sem amar – Paulo vai mais longe e afirma que
podemos até sofrer o martírio por causa
da fé cristã, porém sem amar. Sem amor tudo fica sem sentido e sem valor algum para Deus.
A maior acusação que Deus faz em relação ao povo de
Israel é que eles seguiam (ou se esforçavam em seguir) zelosamente todos os
preceitos da Lei, mas seus corações (amor) estavam longe dele – tinham medo de
Deus, como todos os povos estrangeiros tinham medo de seus deuses, mas não
amavam genuinamente a Deus – de maneira que sem amor eles se tornavam
exatamente iguais aos povos canaanitas ao seu redor.
A forma dura com que Jesus tratou muitos dos fariseus e escribas
tinha como base justamente a ausência de amor e a supervalorização da Lei. E durante
seu ministério Jesus foi questionado sobre qual dos Mandamentos era o maior e
ele não teve qualquer dúvida: amar a Deus
acima de tudo e amar o próximo. Com que facilidade nós trocamos o fogo abençoador
do amor cristão pelo fogo consumidor da ortodoxia cristã. O amor não é um
detalhe dispensável da igreja cristã, o amor é a razão da existência da igreja
cristã. Paulo conclui o hino (I Co 13) afirmando que dos três pilares da vida
cristã, apenas e tão somente o amor
permanecera para sempre. Não amar é abdicar do Reino dos Céus. Em seu chamado “Sermão Escatológico” Jesus faz uma
afirmação categórica: “E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará”; é o que estamos presenciando nos dias
atuais. Somente entrarão no céu aqueles que não abriram mão, não desistiram, não
abandonaram, não negociaram seu primeiro amor.
Para aquela comunidade cristã e para nós hoje ainda há
uma oportunidade de mudar essa triste situação: arrependimento[6] –
mudança de mentalidade e de comportamento.[7]
Reconhecer que não temos amado e começarmos imediatamente a amar, assim como
Cristo amou. Caso contrário, seremos colocados na mesma condição daqueles que terão
que enfrentar o tribunal de Deus. Os israelitas não foram julgados por que eles
se esqueceram de algum sacrifício ou por que não cumpriram algum mandamento,
mas por que não amaram a Deus. Assim como eles e os crentes de Éfeso nós também
não somos perfeitos e nem cumprimos perfeitamente todos os mandamentos, por
isso Jesus morreu por nós; portanto, o que nos resta nesse momento que antecede
a volta de Jesus é nos arrependermos e voltarmos ao primeiro amor – Jesus não
aceitara menos do que isso.
Mas para aqueles que ouvindo a leitura desta carta se
arrependerem e voltarem ao primeiro amor eles se tornaram Vencedores e poderão
receber o premio dos vitoriosos - comeram do fruto da árvore da vida[8]. Quando
Adão pecou ele foi expulso do jardim do Éden para que não comesse do fruto
desta árvore (Gn 3.22-24), mas a todos aqueles que amarem a Jesus genuinamente
terão o privilégio de comerem livre e abundantemente dos frutos da vida eterna.
Que premio melhor poderíamos querer? Que privilégio maior nós poderíamos alcançar?
Participar da vida eterna com Cristo!
O que realmente precisamos não é de um reavivamento, mas
voltarmos ao nosso primeiro amor por Jesus. Nossas igrejas não precisam de mais
dinheiro, de reconhecimento da Sociedade, de templos maiores – precisam urgentemente
retornar ao primeiro amor!!
A pergunta de Jesus a Pedro deveria ressoar em nossos
ouvidos: “Você me ama”? E se não pudermos responder como Pedro: “Sim,
Senhor! Eu te amo!”, então a nossa situação é temerosa e o juízo de
Deus eminente.
QUEM
SÃO OS VENCEDORES NO LIVRO DO APOCALIPSE?
Aqueles que não abandonam seu
primeiro amor por Jesus!
E aqueles que
arrependidos retornam ao primeiro amor!
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências
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[1] A cidade estava no lado oeste da Ásia
Menor, uma cidade que possuía um dos maiores portos, ao lado do rio Caister, o
que atraia caravanas vindas das estradas romanas do norte, leste e sul trazendo
suas cargas que embarcavam nos navios que as transportavam para o oeste em
direção a Corinto e Itália. Era caminho quase obrigatório para a Capital do
Império. Inácio chamou a cidade de Éfeso de a Rota dos Mártires, visto que os
navios que transportavam os cristãos para o Coliseu se abasteciam no porto
desta cidade. Não sem motivo era chamada de “A Metrópole Suprema da Ásia”.
[2] Durante sua primeira prisão, 60-63,
Paulo enviou, de Roma, sua carta aos efésios. Nesta correspondência o apostolo
se refere a amar/amor pelo menos 20 vezes: primeira referência 1.4 e a última
referência 6.24 – portanto, ele abre e fecha a correspondência com uma
exortação ao amor.
[3] Em sua primeira epístola o próprio
João alerta seus leitores cristãos para que provassem/testassem “se os
espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no
mundo” (1 João 4.1). O NT frequentemente aborda o assunto de falsos apóstolos
ou mestres (cf. Mt 7: 15-16; 24:24; Atos 20:29; 2 Coríntios 11: 13-15; 1 João
4: 1 e através das Epístolas Pastorais ). Esta igreja havia identificado
corretamente esses falsos apóstolos e os rejeitou. O Manual de catecúmenos
“Didaquê”, composta em meados do século II, alerta os cristãos de que esses
pregadores itinerantes deveriam ser testados com rigor, visto que muitos
abusavam da hospitalidade da igreja.
[4] “Primeiro amor” refere-se ao primeiro
amor no aspecto do tempo e o primeiro amor no aspecto de qualidade (primeiro e
“o melhor” em Lucas. 15.22 são a mesma palavra no original).
[5] Uma situação semelhante ocorreu em
Israel depois dos dias de Josué e os anciãos (Jz 2.7,10, 11).
[6] O arrependimento é crucial para um
relacionamento de fé com Deus (cf. Mt 3: 2; 4:17; Marcos 1:15; 6:12; Lucas 13:
3,5; Atos 2:38; 3:19; 20:21 ). O termo hebraico
significava uma mudança de ações,
enquanto em grego significava uma
mudança de mentalidade.
[7] “lembre-se” é um IMPERATIVO ATIVO
PRESENTE que significa "tenha sempre em mente".
[8] Esta é uma alusão a uma árvore no Jardim
do Éden (cf. Gn 2.9; Ap 22.2,14).
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