Durante seu ministério poucas vezes
Jesus se irritou tanto com alguém como com os chamados fariseus. Nas narrativas
evangélicas as palavras mais duras e contundentes que Jesus pronunciou foram
dirigidas a este grupo religioso judaico. Jesus foi pacientemente amoroso com
as mais diversas pessoas, incluindo algumas de caráter duvidoso: prostitutas,
publicanos, ladrões (na cruz) - mas é duramente implacável com os fariseus.
Quem eram eles? Como surgiram? Por que esta reação tão radical de Jesus para
com eles?
Vamos examinar algumas referências encontradas nos
Evangelhos com o objetivo de conhecermos um pouco mais sobre quem eram e o que
ensinavam e por que eles batiam de frente com Jesus.
Origem
Aparentemente há muitas informações
sobre os fariseus e sua origem, todavia, as fontes primárias não são tão claras
e precisas quanto parece. A fonte mais abundante são os escritos rabínicos (nem
todos rabinos eram fariseus) e depois os escritos neotestamentários e por fim o
historiador judeu Josefo.
As informações anteriores ao período
neotestamentário dependem das informações contidas nos escritos produzidos pela
tradição rabínica. Aqui frequentemente se identificam determinadas pessoas ou
grupos pelo termo “perushim”, que posteriormente pode ter sido traduzida para o
grego por “pharisaioi” (fariseus) tanto pelos escritores evangélicos quanto por
Josefo.[1] A
questão aqui é que quando se faz referências a tais personagens é relacionado
com acusações de cismáticos ou hipócritas
pelos rabinos. Desta forma como entende John Bowker:
“Nada
poderia ser mais enganador do que referir-se aos fariseus sem mais verificação
como predecessores dos rabinos, pois o fato é que ‘fariseus’ são atacados em
fontes rabínicas tão vigorosamente quanto ‘fariseus’ são atacados nos
Evangelhos, e frequentemente por semelhantes razões” (1973, p. 1).
Por outro lado eles são colocados como contraponto aos
saduceus, o que os fazem mais semelhantes aos fariseus do tempo de Josefo e do
escritos evangélicos.
Nos escritos de Josefo os fariseus
surgem no século II a.C., e o historiador é duro as descrição deles como
políticos ardilosos que não tem pudor em utilizar-se de meios truculentos em
relação aos seus oponentes, podendo chegar até mesmo ao homicídio, por isso
fazem parte do complô para matar Jesus. Após o termino da dinastia hasmonéia
(Macabeus) eles perderam sua relevância política e histórica, retornando à cena
no período evangélico e nos acontecimentos que antecederam a queda de Jerusalém
(67-70 d.C.), onde a revolta contra o Império atinge seu clímax.
É desnecessária qualquer dúvida sobre a ênfase política
dos fariseus, em detrimento de suas ideias teológicas, pois todos os movimentos
internos do judaísmo possuíam esta dupla característica politico-teológico, com
exceção dos que optaram por formar outra comunidade como os essênios de Qunran.
Lembrando que a revolução dos hasmoneus (Macabeus) iniciou-se por motivos
teológicos – purificação do templo – e se tornou um movimento político-bélico.
Tanto Josefo quanto os escritos cristãos retratam os
fariseus como pessoas estritamente vinculadas as Leis religiosas, mas como
Jesus denunciou diversas vezes, eles se arraigavam nas Tradições produzidas
pelos rabinos em detrimento da Torá em si.
O objetivo destas Tradições (comentários rabínicos) era
“proteger” a Torá da negligencia ou transgressão por parte do populacho
judaico. Esses ensinos tinham ênfase nas normas de pureza (alimentos, bebidas e
utensílios) e as leis do dízimo. Mas todo esse zelo foi desassociado da
solidariedade e amor ao próximo e se tornou uma espada afiada e mortífera da
hipocrisia legalista.
Tudo indica que o farisaísmo foi um movimento forte em
Jerusalém, pois para sua formação farisaica Saulo (Paulo) teve ir a Jerusalém
para seus estudos aos cuidados de Gamaliel. Isso não significa que eles se
restringiam à Capital, uma vez que tinham um projeto mais amplo de influência,
não apenas em relação à Palestina Judaica, vemos cenas deles debatendo com
Jesus na região da Galiléia, como também em relação aos judeus da Diáspora –
Jesus diz que eles rodeavam a terra para fazerem discípulos e os encontramos
instigando os da Sinagoga a perseguirem e até matarem Paulo e seus companheiros
de viagem missionária.
A ênfase dos fariseus na questão da Lei (Torá e
Tradições) facilitavam suas incursões fora de Jerusalém, pois não estavam
circunscritos às atividades do Templo, como os sacrifícios diários. Nisso
concordavam com os profetas que ensinavam que os sacrifícios perderiam seu
valor quando desacompanhados de uma contrição genuína e a disposição de
obediência e prática da justiça. Consciente ou não eles estavam mais preparados
para destruição do Templo (70 d.C.) do que aqueles que faziam do Templo sua
razão de fé (Saduceus e Zelotes). Os judeus ortodoxos são um exemplo de
farisaísmo que perdura até os dias atuais, onde em Jerusalém é possível
encontrar bairros inteiros que vivem o modelo por eles idealizado e somente se
alimento de produtos chamados “kosher”, ou seja, indicação de que foi preparado
em conformidade com a lei judaica. Por outro lado, eles mantêm acesa a
expectativa de que o Templo será reconstruído e muitos enviam ofertas para um
fundo que tem este objetivo. Nos dias de Jesus, eles tinham várias escolas que
se distinguiam doutrinariamente, entre as quais as de Hilel e Samai eram as
mais notáveis.
A Fé e o Ensino dos Fariseus
O conceito deles em relação às
Escrituras (AT) determinava seus ensinos e práticas:
-
A "tradição dos anciãos"
formava junto com os escritos do Primeiro Testamento sua base normativa e ética
(Mt 15.2-3; Mc 7.3).
- Reconheciam o cânon completo do Primeiro Testamento (Lei, Profetas e Salmos e/ou Escritos) e em seus argumentos e respostas a Jesus há citações de todas estas partes do AT (Lei: Mt 12.5; 15.4; 19.45; Profetas: Mt 9.13; 12.40; 15.7-9; Salmos: Mt 22.44; Escritos: Mt 23.35).
- Viviam arraigados nas minúcias extraídas dos mandamentos estabelecidos pela Lei de Moisés (Mc 7.3-4; tinham em relação a guarda do Sábado seus argumentos mais radicais (Mc 3.2; Mc 6.1-2; 7.8-13). A primeira parte do Talmud, chamada de Mishna ou "segunda lei", contém essa lei oral que se referem à conduta e modo de vida dos judeus conforme interpretadas pelos rabinos e na prática farisaica chegou a ser estimado muito acima do texto sagrado. A Lei que fora dada para conduzir o israelita a Deus, tornou-se um fardo insuportável e a consequência direta foi que a prioridade não era mais humilhar-se na presença de Deus, mas orgulhar-se da sua autojustiça. O pomo da discórdia entre Jesus e os fariseus era justamente o fato de que as suas pretensões à piedade, eram na realidade avarentas, sensuais e dissolutas ( Mt 23.25; Jo 13.7). Qualquer semelhança com os evangélicos atuais não é mera coincidência.
- Reconheciam o cânon completo do Primeiro Testamento (Lei, Profetas e Salmos e/ou Escritos) e em seus argumentos e respostas a Jesus há citações de todas estas partes do AT (Lei: Mt 12.5; 15.4; 19.45; Profetas: Mt 9.13; 12.40; 15.7-9; Salmos: Mt 22.44; Escritos: Mt 23.35).
- Viviam arraigados nas minúcias extraídas dos mandamentos estabelecidos pela Lei de Moisés (Mc 7.3-4; tinham em relação a guarda do Sábado seus argumentos mais radicais (Mc 3.2; Mc 6.1-2; 7.8-13). A primeira parte do Talmud, chamada de Mishna ou "segunda lei", contém essa lei oral que se referem à conduta e modo de vida dos judeus conforme interpretadas pelos rabinos e na prática farisaica chegou a ser estimado muito acima do texto sagrado. A Lei que fora dada para conduzir o israelita a Deus, tornou-se um fardo insuportável e a consequência direta foi que a prioridade não era mais humilhar-se na presença de Deus, mas orgulhar-se da sua autojustiça. O pomo da discórdia entre Jesus e os fariseus era justamente o fato de que as suas pretensões à piedade, eram na realidade avarentas, sensuais e dissolutas ( Mt 23.25; Jo 13.7). Qualquer semelhança com os evangélicos atuais não é mera coincidência.
-
Seus Ensinos
-
Criam na ressurreição e no mundo espiritual (Mt 22.34; 22.23; cf Atos 23.6-8)
-
Ensinavam que os ímpios receberiam condenação após a morte, e os
justos, sua retribuição.
- Eles
tinham uma concepção de Providência Divina, atuando lado a lado com o livre
arbítrio do homem.
- Também, possuíam uma
hierarquia de anjos e demônios bastante desenvolvida.
-
Suas práticas
-
Cultivavam uma religiosidade extrema, centrada principalmente nos jejuns e
orações (Lc 5.33; Mt 6.2).
- Tinham grande orgulho de serem judeus e descendentes de Abraão e por esta razão rejeitavam o batismo de arrependimento pregado por João Batista (Mt 3.8-9; Lc 7.30).
- Mantinham-se totalmente isolados daqueles que segundo eles não cumpriam estritamente os preceitos da Lei, principalmente os que eles denominavam publicanos e pecadores (prostitutas, adúlteros, cobradores de impostos, pessoas que tinham profissões indignas [criadores de porcos], e pessoas comuns que não eram zelosos dos mandamentos), tais pessoas eram amaldiçoadas (Mt 9.11; Jo 7.49).
- Aceitavam o divórcio, segundo Moisés, ainda que mantivessem restrições em relação a outros grupos e escolas rabínicas judaicas (Mt 19.3,7).
- Tinham grande orgulho de serem judeus e descendentes de Abraão e por esta razão rejeitavam o batismo de arrependimento pregado por João Batista (Mt 3.8-9; Lc 7.30).
- Mantinham-se totalmente isolados daqueles que segundo eles não cumpriam estritamente os preceitos da Lei, principalmente os que eles denominavam publicanos e pecadores (prostitutas, adúlteros, cobradores de impostos, pessoas que tinham profissões indignas [criadores de porcos], e pessoas comuns que não eram zelosos dos mandamentos), tais pessoas eram amaldiçoadas (Mt 9.11; Jo 7.49).
- Aceitavam o divórcio, segundo Moisés, ainda que mantivessem restrições em relação a outros grupos e escolas rabínicas judaicas (Mt 19.3,7).
Nem todos os fariseus foram radicais
e nem todos perseguiram Jesus e seus discípulos. A dureza de Jesus era para com
aqueles que hipocritamente exigiam do outro o que eles próprios não estavam
dispostos a fazer (alguma semelhança atual?). Nas narrativas evangélicas
encontramos alguns nomes preciosos de fariseus, como por exemplo, Nicodemos que
à noite procura Jesus (Jo 3.1-21) e posteriormente foi duramente criticado por
defender Jesus e os discípulos (Jo 7.40-52); José de Arimatéia que ajuda a
retirar o corpo de Jesus da cruz e o deposita em seu próprio túmulo (Jo 19.39);
Gamaliel que faz parte do Sinédrio e intercede por Pedro (At 5.34-40) e
finalmente o mais famoso deles, Saulo de Tarso, fariseu dos fariseus, rigoroso
e justo no cumprimento da Lei (Fp 3.5-6) e que após sua conversão assumira o
nome de Paulo, o grande missionário dos gentios.
Jesus e os Fariseus nas Narrativas
Evangélicas
Como acabamos de destacar nem todos
os fariseus tinham uma índole hipócrita e belicosa para com Jesus e seus
discípulos. Todavia, dentre os diversos grupos que perfaziam o judaísmo no
contexto histórico evangélico, os que mais se opõem à Jesus saíram das fileiras
farisaica. As passagens abaixo não estão em ordem cronológica, mas nos oferece
um painel dos embates entre eles e o Senhor Jesus:
- Tentaram
prendê-lo: Jo 7.32, Jo 11.57
- Tentaram
descaracterizar seus ensinos: Mt 19.3, Mt 22.15
- Tentaram
deturpar seu ministério: Mt.16.1
- O
acusaram de estar endemoniado ou a serviço do diabo: Mt 12.24
- Não o
aceitaram como profeta: Lc 7.39, 45-46
- Acusaram-no
de não guardar o sábado: Lc 6.2,7
-
Conspiraram para matá-lo: Mc 3.6.
Atitude de Jesus:
- contou
uma parábola em que chama o fariseu, seu hóspede, de credor desonesto: Lc
7.41-50
- usa a figura de um fariseu para ilustrar a
forma de como não se deve orar Lc 18.10-14
- Em
algumas ocasiões quando inquerido pelos fariseus opta por permanecer em
silêncio: Mt 22.41-46
-
Afirma que eles são cegos tentando conduzir outros cegos: Jo 9.39-41.
Em um dos seus discursos mais longos
registrado na narrativa de Mateus (23), Jesus faz uma serie de afirmações
contundentes em relação aos fariseus:
- não
praticam o que pregam (v.3)
- desejam
serem admirados (vistos) pelas pessoas (v.5)
- agem
de forma hipócrita (v.14)
- exploraram
os pobres (v.14)
-
produzem um falso ensino (v.15)
- são
cegos guiando outros cegos (v.16)
-
almejam conseguirem vantagens financeiras (v.17)
- são pecadores
[tanto ou mais do que aqueles de quem se
separavam] (v.23)
- eram
gananciosos e cobiçosos (v.25)
- sepulcros
caiados [brancos por fora e podres por dentro] (v.27)
- eram
semelhantes as serpentes, raça de víboras, condenados ao inferno (v.33)
- assassinos (v.35)
De acordo com essa descrição feita
por Jesus o farisaísmo nunca saiu de modo e continua vivo no evangelicalismo
atual.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Historiologia Protestante
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[1] É geralmente aceito que os fariseus
descendiam dos Hasidim [ou Chassidim] (devotos) que passaram a serem conhecidos
como prushim, que significa “separados” que lutaram ao lado dos Macabeus pela
liberdade religiosa (166-42 a.C.). Talvez derivassem do grupo de escribas
empregados pelos jasídeos (1Macabeus 7.12ss). O nome pharisaioi aparece pela
primeira vez no contexto do período dos Macabeus (ca. 150 a.C., Josefo,
Antigüedades XIII.x.5-9). O termo trás a ideia de “separados” (cf. Ed 6.21; Ne 10.28s).
No caso deles provavelmente era uma alcunha dada por seus adversários pelo fato
deles se acharem superiores às demais pessoas, eles preferiam se chamarem de
“companheiros”.
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