Entre os homens que Jesus
separou para constituir sua equipe mais pessoal de discípulos, que passaram a
serem identificados por apóstolos,
encontra-se ao menos um identificado como sendo um zelote – Simão o Zelote
(Lucas 6.15 e Atos 1.13).[1] e
manteve sua identificação mesmo após ser inserido no grupo apostólico.
Quem foram os zelotes?
Revolucionários? Movimento religioso? Abaixo procuro trazer algumas informações
que podem ajudar a formar uma concepção mais real desse grupo contemporâneo de
Jesus.
Diante da ocupação de sua
nação pelo poderoso Império Romano os judeus se dividem em aqueles que se
tornam colaboradores e aqueles que resistem. Entre os colaboradores com os
romanos estão de forma mais explicita os herodianos [2],
partidários de HerodesAntipas e os saduceus, ligados diretamente ao Sumo Sacerdote e ao Templo e que não desejavam irritar os
mandatários romanos; dos opositores há os fariseus que resistem de forma menos incisiva e os
zelotes que estavam dispostos a ações mais contundentes e até mesmo violentas. Flávio Josefo
(Antiguidades Judaicas. xviii. 1.1,6; B. J. ii.l) refere-se a eles como a “quarta
seita de filosofia judaica” (ou seja, em adição aos fariseus,
saduceus e essênios)
que foi fundada por Judas, o Galileu (cf At 5.37).
O
nome “zelote” [3] vem
do grego (Znlwtnç) “ser zeloso por, desejar grandemente, alguém
zeloso” que pode estar relacionado com a pratica da Torá judaica (SAULNIER e ROLLAND, 1983, p.
55), mas é verdadeiro que essa era uma característica de todos os demais
segmentos religiosos judaicos (HORSLEY e HANSON, 1985). Pode-se concordar com
Hale quando ele afirma que os zelotes eram extremistas do partido dos fariseus
que defendiam a independência da Nação e autonomia plena dos judeus (HALE,
2001, p. 19-20), e não se limitavam apenas ao discurso político, mas estavam
dispostos a irem às últimas consequências e à utilização da violência física.
Há muitas dúvidas sobre sua origem tanto no que concerne a data quanto de que
segmento religioso eles se originaram. O movimento dos zelotes parece ter
tirado sua inspiração dos asmoneus (ou seja, o Macabeus) e de Finéias (Nm 25.8), neto de Arão.
Quando Israel no deserto pecou adorando Baal-Peor, e quando um israelita tomou
por esposa uma midianita desrespeitando a Lei de Moisés, foi Finéias, que em seu zelo para
com o Senhor matou ambos, aplicando, assim, a ira de Deus para com os rebeldes
israelitas (Nm 25.1-15.). Como Finéias, os asmoneanos eram zelosos pela lei de Deus, livrando
a terra e o templo de apóstatas (I Macabeus 2.19-28). Alguns os colocam juntos
com os sicários;[4] outros
compreendem que sua origem está no movimento produzido pelos essênios, um grupo
monástico que vivia isoladamente no deserto. Quando optamos apenas pelas
informações do historiador judaico Flavio Josefo os zelotes era apenas um grupo
terrorista da época.[5] Ainda
com base nos relatos do historiador judeu, os zelotes utilizavam um discurso
social religioso para camuflar suas ações de espoliação e saques, pois entendia
que este enriquecimento era fruto das ligações e comercialização com o Império
Romano, alvo de sua ira acumulada.
Outra forma de interpretar este grupo dos zelotes é enxergá-los como um
movimento religioso-político com fortes convicções messiânicas e que esperavam
que Israel viesse a ser o centro do governo mundial do Messias. Mas, diferentemente de outros
grupos religiosos como os saduceus, fariseus e os essênios, os zelotes estavam
dispostos levar suas propostas às últimas consequências.
Na pressa de estabelecer um
link do movimento dos zelotes com o movimento cristão, se utiliza o fato de
Jesus ter enfatizado em seu ensino aos discípulos a necessidade deles “tomarem a cruz” para poder segui-Lo,
visto que a cruz também se constituía em um símbolo que os zelotes impunham aos
seus adeptos.[6] Entretanto,
um exame ainda que superficial da proposta evangélica de Jesus torna-se
evidente que são completamente antagônicas e irreconciliáveis com a proposta
libertária político-econômica dos zelotes.[7]
Outra associação se tem feito
pelo fato de que os zelotes também eram chamados de "galileus". Judas, o
organizador do movimento da liberdade, tanto no livro de Atos (5.37) e em Josefo,
recebe a alcunha de "o Galileu". A persistente resistência na Galileia contra Herodes,
e a insurreição após sua morte, mostram que esta província era desde cedo um
centro revolucionário de oposição ao poder estrangeiro e seus apoiadores. A
cidade de Séforis,
na Galileia parece ter sido a principal fortaleza em que os Zelotes
concentraram suas forças. Era muito natural, que todos os rebeldes em todo o
território judeus passassem a ser chamados de "galileus". Jesus
Cristo vem justamente dessa região da Galileia e é denominado na narrativa
bíblica de Galileu, bem como muitos de seus discípulos (Lc 22.59; 23.6 e Atos
1.11; 2.7).
Por fim, Alguns estudiosos
associam Jesus com este movimento fanático, por causa do título sobre a cruz: "Este
é o Rei dos Judeus", indicação que Pilatos condenou-o como um
nacionalista violento. Entretanto, o todo do ensino e ações de Jesus indica o
contrário. Um verdadeiro revolucionário fanático nunca defenderia, "Amai os vossos inimigos"
(Mateus 5.44), o pagamento de impostos a César (Mateus 22.21, Marcos 12.17,
Lucas 20.25), e ficaria satisfeito com duas espadas (Lucas 22.38), para
produzir uma revolta contra o maior império da época.
Aspectos Teológicos dos Zelotes
Existe uma escassez de informação sobre o pensamento doutrinário ou teológico
dos zelotes, mas por advirem do farisaísmo podemos fazer uma aproximação nos
aspectos em que se assemelham e destacarmos os aspectos que os distinguem.
A Relação dos Zelotes com a Lei, o
Templo e a Influência Helenista
Como mencionado acima eles tinham um ferrenho apego à Lei mosaica, no que se
assemelha aos fariseus, em que os aspectos não apenas religiosos, mas também os
sociais deveriam ser orientados pela observância dessa Lei. A questão da idolatria também era
fundamental, pois há somente um Deus verdadeiro e que exige adoração exclusiva.
Um diferencial deles com os fariseus está na relação do Templo, que para eles
era fundamental e com o qual mantinham fortes laços, pois muitos eram sacerdotes dissidentes. [8] Em
concordância com os fariseus eles repudiavam toda e qualquer influência do helenismo na cultura e
religião judaica.
O Pensamento Messiânico dos Zelotes
O messianismo dos
Zelotes estava vinculado diretamente à rejeição do jugo romano, dentro da
cosmovisão de que Israel era a nação escolhida para reinar com o Messias no Reino Escatológico.[9] Eles
levaram esta interpretação ao extremo, de maneira que somente um governo
teocrático teria legitimidade e que no caso específico deles o governante seria
um Sacerdote, daí a importância que davam ao Templo. Para estabelecer novamente
a teocracia, a
resistência armada foi sancionada, tal como tinha sido com os Macabeus. Esta
mensagem escatológica radical tornou-se o credo de um movimento popular
substancial.
O zelo pela santidade e redenção de Israel exigia uma total devoção à vontade de Deus, uma prontidão
para sofrer e até mesmo sacrificar a própria vida. Para eles, a passividade dos
contemporâneos em relação ao jugo pagão (Roma) fazia com que a manifestação do
Reino dos Céus fosse adiada, o que justificava seus esforços guerrilheiros para
remover o jugo romano e apressar a vinda do grande dia.
Somente esta interpretação escatológica radical poderia explicar o fato de que
centenas de zelotes se tornaram mártires quando da invasão dos exércitos
romanos sobre Jerusalém, pois com suas mortes eles estavam abrindo o caminho
para o Reino eminente de Deus.
Resumo Histórico do Movimento dos
Zelotes
0 d.C. - Eles surgem no início
do primeiro século da era cristã como oposição radical contra o governo de
Herodes, o Grande.
06 d.C. - Os zelotes, sob a
liderança de Judas da Galileia, iniciam uma rebelião como protesto contra Judá
que é colocada totalmente sob o domínio romano. A rebelião, foi rapidamente
derrotada e muitos de seus líderes foram mortos.
Cerca de 10 a 60 d.C. os zelotes
ainda estão ativos em ataques terroristas, mas apenas em pequena escala.
66 d.C. - Os zelotes são
centrais na organização da revolta contra os romanos.
70 d.C. - A rebelião judaica em
Jerusalém é esmagada, e com ela a maior parte dos zelotes são mortos.
73 d.C. - Com a queda de
Jerusalém, um grupo de Zelotes se refugiam e resistem na Fortaleza de Massada 10] onde
finalmente são derrotados pelos exércitos romanos, e cometem suicídio coletivo.
Mas isso não representa o fim dos zelotes, pois havia vários pequenos grupos em
torno da Palestina que continuou a ser ativo.
2º séc. d.C. - Últimos
relatórios de atividade dos Zelotes.
Utilização livre desde que citando a
fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Referências Bibliográficas
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[1] As
narrativas evangélicas são econômicas quanto aos detalhes biográficos de Simão.
As listas apostólicas (Mt 10.2-4, Mc 3-16-19, Lc 6.13-16 e At 1.13) encerram
tudo o que sabemos, biblicamente, acerca de Simão. Informações históricas
difíceis de serem atestadas indicam que era da pequena Cana da Galiléia e um
dos prováveis convidados da festa de casamento onde Jesus realizou o primeiro
milagre; o texto apócrifo do Evangelho dos Ebioniotas o coloca entre os
primeiros discípulos chamados à beira mar na Galiléia; outra informação o
coloca entre os pastores que ouviram o anuncio do nascimento do Salvador;
Doroteu, bispo de Tiro, declara: “Pregou a Cristo através de toda Mauritânia
e África Menor. Foi, por fim, crucificado, dilacerado e enterrado na Britânia”.
[2] Este
grupo gravitava ao redor de Herodes Antipas, que era nomeado pelo Imperador
Romano. Os herodianos viam em Jesus uma ameaça ao governo de seu bem feitor,
por isso sempre tratavam Jesus com hostilidade (Mt 22.16; Mc 3.6; 12,13).
[3] Em
relação ao termo “zelote” de origem grega utilizado por Josefo, Martin Hengel
observou que na Septuaginta as palavras hebraicas “El Kannai” ("Deus
zeloso") são traduzidos como “Theos zelote”, a palavra zelote na
literatura grega em geral tem uma conotação moral que é retida na Septuaginta,
a tradução helenístico judaica da Bíblia Hebraica. Entretanto, a palavra, tinha
um significado distinto na Cultura judaica da época, para a qual não existe
equivalente grego, ou seja, devoto e zeloso são sinônimas de religioso. Assim,
tornou-se o nome de um "partido" que era zeloso por Deus.
[4] Autores
como Smith, Rhoads, Horsley, Crossan e outros, consideram os “sicários” e
“zelotes” como movimentos independentes (STEGEMANN, 2004, p. 202).
[5] Ele
chama-os de "salteadores" e de "bandidos" em suas várias
citações e somente na insurreição judaica de 66 d.C. ele os chama pela primeira
vez de "zelotas". Porém, no entendimento de Pixley (2004, p. 127)
Flavio Josefo tem uma má vontade por não simpatizar-se com os zelotas, ainda
que reconheça o papel deles quando da guerra contra os romanos. Outro fato é
que Josefo desejava desvincular os zelotes do movimento dos fariseus.
[6] No
período de 6-66 d.C., o movimento zelote, ganhou mais e mais adeptos, o que
levou os estudiosos, a partir da proposta de Hermann Samuel Reimarus, no século
XVIII, de associar Jesus com este movimento.
[7] Como
uma das ironias da história, a narrativa evangélica lucana coloca o nascimento
de Jesus no momento em que o Império Romano, ano 06 d.C., decreta o censo por
toda Judéia como marco do pleno domínio sobre eles. Este censo tinha como
objetivo determinar a quantia de tributos que os judeus deveriam pagar a Roma,
de maneira que provocava na população um espírito de humilhação por sua
sujeição a uma potência estrangeira, que vai incitar e nutrir o movimento dos
Zelotes. (BRANDON, 1967, p. 26).
[8] Horsley
discorda dessa associação imediata entre os Zelotes e sua origem sacerdotal,
pois entende que o “zelo” pelo Templo foi circunstancial, uma vez que foram
forçados a utilizar o Templo como refugio, quando acossados pelas autoridades
judaicas e romanas em Jerusalém. (1995, p.229).
[9] Judas
Galileu organizou um movimento que se fundamentava: a) no reinado exclusivo de
Deus e, b) o ser humano deveria colaborar com Deus, evitando qualquer outro
domínio.
[10] Massada,
que, provavelmente, significa "lugar seguro" ou
"fortaleza", é um imponente planalto escarpado, situado no litoral
sudoeste do Mar Morto. O local é uma fortaleza natural, com penhascos íngremes
e terreno acidentado. Na parte leste, a face do penhasco se eleva 400 metros
acima da planície circundante. O acesso só é possível através de uma difícil
trilha que serpenteia pela montanha.
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