sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

ZELOTES: Movimento Radical Judaico


Entre os homens que Jesus separou para constituir sua equipe mais pessoal de discípulos, que passaram a serem identificados por apóstolos, encontra-se ao menos um identificado como sendo um zelote – Simão o Zelote (Lucas 6.15 e Atos 1.13).[1] e manteve sua identificação mesmo após ser inserido no grupo apostólico.
Quem foram os zelotes? Revolucionários? Movimento religioso? Abaixo procuro trazer algumas informações que podem ajudar a formar uma concepção mais real desse grupo contemporâneo de Jesus.
Diante da ocupação de sua nação pelo poderoso Império Romano os judeus se dividem em aqueles que se tornam colaboradores e aqueles que resistem. Entre os colaboradores com os romanos estão de forma mais explicita os herodianos [2], partidários de HerodesAntipas e os saduceus, ligados diretamente ao Sumo Sacerdote e ao Templo e que não desejavam irritar os mandatários romanos; dos opositores há os fariseus que resistem de forma menos incisiva e os zelotes que estavam dispostos a ações mais contundentes e até mesmo violentas. Flávio Josefo (Antiguidades Judaicas. xviii. 1.1,6; B. J. ii.l) refere-se a eles como a “quarta seita de filosofia judaica” (ou seja, em adição aos fariseus, saduceus e essênios) que foi fundada por Judas, o Galileu (cf At 5.37).
            O nome “zelote[3] vem do grego (Znlwtnç) “ser zeloso por, desejar grandemente, alguém zeloso” que pode estar relacionado com a pratica da Torá judaica (SAULNIER e ROLLAND, 1983, p. 55), mas é verdadeiro que essa era uma característica de todos os demais segmentos religiosos judaicos (HORSLEY e HANSON, 1985). Pode-se concordar com Hale quando ele afirma que os zelotes eram extremistas do partido dos fariseus que defendiam a independência da Nação e autonomia plena dos judeus (HALE, 2001, p. 19-20), e não se limitavam apenas ao discurso político, mas estavam dispostos a irem às últimas consequências e à utilização da violência física.
            Há muitas dúvidas sobre sua origem tanto no que concerne a data quanto de que segmento religioso eles se originaram. O movimento dos zelotes parece ter tirado sua inspiração dos asmoneus (ou seja, o Macabeus) e de Finéias (Nm 25.8), neto de Arão. Quando Israel no deserto pecou adorando Baal-Peor, e quando um israelita tomou por esposa uma midianita desrespeitando a Lei de Moisés, foi Finéias, que em seu zelo para com o Senhor matou ambos, aplicando, assim, a ira de Deus para com os rebeldes israelitas (Nm 25.1-15.). Como Finéias, os asmoneanos eram zelosos pela lei de Deus, livrando a terra e o templo de apóstatas (I Macabeus 2.19-28). Alguns os colocam juntos com os sicários;[4] outros compreendem que sua origem está no movimento produzido pelos essênios, um grupo monástico que vivia isoladamente no deserto. Quando optamos apenas pelas informações do historiador judaico Flavio Josefo os zelotes era apenas um grupo terrorista da época.[5] Ainda com base nos relatos do historiador judeu, os zelotes utilizavam um discurso social religioso para camuflar suas ações de espoliação e saques, pois entendia que este enriquecimento era fruto das ligações e comercialização com o Império Romano, alvo de sua ira acumulada.
            Outra forma de interpretar este grupo dos zelotes é enxergá-los como um movimento religioso-político com fortes convicções messiânicas e que esperavam que Israel viesse a ser o centro do governo mundial do Messias. Mas, diferentemente de outros grupos religiosos como os saduceus, fariseus e os essênios, os zelotes estavam dispostos levar suas propostas às últimas consequências.
Na pressa de estabelecer um link do movimento dos zelotes com o movimento cristão, se utiliza o fato de Jesus ter enfatizado em seu ensino aos discípulos a necessidade deles “tomarem a cruz” para poder segui-Lo, visto que a cruz também se constituía em um símbolo que os zelotes impunham aos seus adeptos.[6] Entretanto, um exame ainda que superficial da proposta evangélica de Jesus torna-se evidente que são completamente antagônicas e irreconciliáveis com a proposta libertária político-econômica dos zelotes.[7]
Outra associação se tem feito pelo fato de que os zelotes também eram chamados de "galileus". Judas, o organizador do movimento da liberdade, tanto no livro de Atos (5.37) e em Josefo, recebe a alcunha de "o Galileu". A persistente resistência na Galileia contra Herodes, e a insurreição após sua morte, mostram que esta província era desde cedo um centro revolucionário de oposição ao poder estrangeiro e seus apoiadores. A cidade de Séforis, na Galileia parece ter sido a principal fortaleza em que os Zelotes concentraram suas forças. Era muito natural, que todos os rebeldes em todo o território judeus passassem a ser chamados de "galileus". Jesus Cristo vem justamente dessa região da Galileia e é denominado na narrativa bíblica de Galileu, bem como muitos de seus discípulos (Lc 22.59; 23.6 e Atos 1.11; 2.7).
Por fim, Alguns estudiosos associam Jesus com este movimento fanático, por causa do título sobre a cruz: "Este é o Rei dos Judeus", indicação que Pilatos condenou-o como um nacionalista violento. Entretanto, o todo do ensino e ações de Jesus indica o contrário. Um verdadeiro revolucionário fanático nunca defenderia, "Amai os vossos inimigos" (Mateus 5.44), o pagamento de impostos a César (Mateus 22.21, Marcos 12.17, Lucas 20.25), e ficaria satisfeito com duas espadas (Lucas 22.38), para produzir uma revolta contra o maior império da época.                                                                                     
Aspectos Teológicos dos Zelotes
            Existe uma escassez de informação sobre o pensamento doutrinário ou teológico dos zelotes, mas por advirem do farisaísmo podemos fazer uma aproximação nos aspectos em que se assemelham e destacarmos os aspectos que os distinguem.

 A Relação dos Zelotes com a Lei, o Templo e a Influência Helenista
            Como mencionado acima eles tinham um ferrenho apego à Lei mosaica, no que se assemelha aos fariseus, em que os aspectos não apenas religiosos, mas também os sociais deveriam ser orientados pela observância dessa Lei. A questão da idolatria também era fundamental, pois há somente um Deus verdadeiro e que exige adoração exclusiva. Um diferencial deles com os fariseus está na relação do Templo, que para eles era fundamental e com o qual mantinham fortes laços, pois muitos eram sacerdotes dissidentes. [8] Em concordância com os fariseus eles repudiavam toda e qualquer influência do helenismo na cultura e religião judaica.

O Pensamento Messiânico dos Zelotes
            O messianismo dos Zelotes estava vinculado diretamente à rejeição do jugo romano, dentro da cosmovisão de que Israel era a nação escolhida para reinar com o Messias no Reino Escatológico.[9] Eles levaram esta interpretação ao extremo, de maneira que somente um governo teocrático teria legitimidade e que no caso específico deles o governante seria um Sacerdote, daí a importância que davam ao Templo. Para estabelecer novamente a teocracia, a resistência armada foi sancionada, tal como tinha sido com os Macabeus. Esta mensagem escatológica radical tornou-se o credo de um movimento popular substancial.
            O zelo pela santidade e redenção de Israel exigia uma total devoção à vontade de Deus, uma prontidão para sofrer e até mesmo sacrificar a própria vida. Para eles, a passividade dos contemporâneos em relação ao jugo pagão (Roma) fazia com que a manifestação do Reino dos Céus fosse adiada, o que justificava seus esforços guerrilheiros para remover o jugo romano e apressar a vinda do grande dia.
            Somente esta interpretação escatológica radical poderia explicar o fato de que centenas de zelotes se tornaram mártires quando da invasão dos exércitos romanos sobre Jerusalém, pois com suas mortes eles estavam abrindo o caminho para o Reino eminente de Deus.

 Resumo Histórico do Movimento dos Zelotes
0 d.C. - Eles surgem no início do primeiro século da era cristã como oposição radical contra o governo de Herodes, o Grande.
06 d.C. - Os zelotes, sob a liderança de Judas da Galileia, iniciam uma rebelião como protesto contra Judá que é colocada totalmente sob o domínio romano. A rebelião, foi rapidamente derrotada e muitos de seus líderes foram mortos.
Cerca de 10 a 60 d.C. os zelotes ainda estão ativos em ataques terroristas, mas apenas em pequena escala.
66 d.C. - Os zelotes são centrais na organização da revolta contra os romanos.
70 d.C. - A rebelião judaica em Jerusalém é esmagada, e com ela a maior parte dos zelotes são mortos.
73 d.C. - Com a queda de Jerusalém, um grupo de Zelotes se refugiam e resistem na Fortaleza de Massada 10] onde finalmente são derrotados pelos exércitos romanos, e cometem suicídio coletivo. Mas isso não representa o fim dos zelotes, pois havia vários pequenos grupos em torno da Palestina que continuou a ser ativo.
2º séc. d.C. - Últimos relatórios de atividade dos Zelotes.


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas
ANDRADE, Claudionor de. Geografia Bíblica: a geografia da Terra Santa é uma das maneiras mais emocionantes de se entender a história sagrada. 13ª. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.
BRANDON, Samuel George Frederick. Jesus and the Zealots – a study of the political fator in primitive christianity. New York: Charles Scribner’s Sons, 1967.
BRIGTH, Jonh. História de Israel. 7ª. ed. São Paulo: Paulus, 2003.
DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1995.
HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001.
HORSLEY, Richard A. & HANSON, John S. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. 2 ed. São Paulo: Paulus, 1995.
JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no Tempo de Jesus: pesquisa de história econômico-social no período neotestamentário. 4 ed. São Paulo: Paulus, 1983.
LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes: uma breve história da interpretação. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
OTZEN, Benedikt. O Judaísmo na Antiguidade: a História política e as correntes religiosas de Alexandre Magno até o Imperador Adriano. São Paulo: Paulinas, 2003.
PIXLEY, Jorge. A História de Israel a partir dos pobres. 9ª ed. Petrópolis: Vozes,
2004.
SAULNIER, Christiane & ROLLAND, Bernard. A Palestina nos tempos de Jesus. 7ª
ed. São Paulo: Paulinas, 1983.
SCARDELAI, Donizete. Da religião bíblica ao judaísmo rabínico: origens da religião de Israel e seus desdobramentos na história do povo judeu. São Paulo: Paulus, 2008.
SCHUBERT, Kurt. Os Partidos Religiosos Hebraicos da época Neotestamentária. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 1979.
STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianismo. São Leopoldo, RS: Sinodal; São Paulo: Paulus, 2004.
ZEITLIN, Irving M. Jesus and the Judaism of his time. John Wiley & Sons, 2013.
Contexto Histórico-Social, Político, Religioso e Cultural no Livro de Atos. Disponível em
< http://www.geocities.ws/joshuaibg/textos/contexto_historico_atos.htm >. Acesso em
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Dicionário Bíblico. Disponível em
<http://www.bibliaonline.net. Acesso em 21/03/2014.
SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão da. A Palestina no Século I d. C.
Disponível em < http://ejesus.com.br/a-palestina-no-seculo-i-d-c/>. Acesso em
29/08/2014.

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[1] As narrativas evangélicas são econômicas quanto aos detalhes biográficos de Simão. As listas apostólicas (Mt 10.2-4, Mc 3-16-19, Lc 6.13-16 e At 1.13) encerram tudo o que sabemos, biblicamente, acerca de Simão. Informações históricas difíceis de serem atestadas indicam que era da pequena Cana da Galiléia e um dos prováveis convidados da festa de casamento onde Jesus realizou o primeiro milagre; o texto apócrifo do Evangelho dos Ebioniotas o coloca entre os primeiros discípulos chamados à beira mar na Galiléia; outra informação o coloca entre os pastores que ouviram o anuncio do nascimento do Salvador; Doroteu, bispo de Tiro, declara: “Pregou a Cristo através de toda Mauritânia e África Menor. Foi, por fim, crucificado, dilacerado e enterrado na Britânia”.
[2] Este grupo gravitava ao redor de Herodes Antipas, que era nomeado pelo Imperador Romano. Os herodianos viam em Jesus uma ameaça ao governo de seu bem feitor, por isso sempre tratavam Jesus com hostilidade (Mt 22.16; Mc 3.6; 12,13).
[3] Em relação ao termo “zelote” de origem grega utilizado por Josefo, Martin Hengel observou que na Septuaginta as palavras hebraicas “El Kannai” ("Deus zeloso") são traduzidos como “Theos zelote”, a palavra zelote na literatura grega em geral tem uma conotação moral que é retida na Septuaginta, a tradução helenístico judaica da Bíblia Hebraica. Entretanto, a palavra, tinha um significado distinto na Cultura judaica da época, para a qual não existe equivalente grego, ou seja, devoto e zeloso são sinônimas de religioso. Assim, tornou-se o nome de um "partido" que era zeloso por Deus.
[4] Autores como Smith, Rhoads, Horsley, Crossan e outros, consideram os “sicários” e “zelotes” como movimentos independentes (STEGEMANN, 2004, p. 202).
[5] Ele chama-os de "salteadores" e de "bandidos" em suas várias citações e somente na insurreição judaica de 66 d.C. ele os chama pela primeira vez de "zelotas". Porém, no entendimento de Pixley (2004, p. 127) Flavio Josefo tem uma má vontade por não simpatizar-se com os zelotas, ainda que reconheça o papel deles quando da guerra contra os romanos. Outro fato é que Josefo desejava desvincular os zelotes do movimento dos fariseus.
[6] No período de 6-66 d.C., o movimento zelote, ganhou mais e mais adeptos, o que levou os estudiosos, a partir da proposta de Hermann Samuel Reimarus, no século XVIII, de associar Jesus com este movimento.
[7] Como uma das ironias da história, a narrativa evangélica lucana coloca o nascimento de Jesus no momento em que o Império Romano, ano 06 d.C., decreta o censo por toda Judéia como marco do pleno domínio sobre eles. Este censo tinha como objetivo determinar a quantia de tributos que os judeus deveriam pagar a Roma, de maneira que provocava na população um espírito de humilhação por sua sujeição a uma potência estrangeira, que vai incitar e nutrir o movimento dos Zelotes. (BRANDON, 1967, p. 26).
[8] Horsley discorda dessa associação imediata entre os Zelotes e sua origem sacerdotal, pois entende que o “zelo” pelo Templo foi circunstancial, uma vez que foram forçados a utilizar o Templo como refugio, quando acossados pelas autoridades judaicas e romanas em Jerusalém. (1995, p.229).
[9] Judas Galileu organizou um movimento que se fundamentava: a) no reinado exclusivo de Deus e, b) o ser humano deveria colaborar com Deus, evitando qualquer outro domínio.
[10] Massada, que, provavelmente, significa "lugar seguro" ou "fortaleza", é um imponente planalto escarpado, situado no litoral sudoeste do Mar Morto. O local é uma fortaleza natural, com penhascos íngremes e terreno acidentado. Na parte leste, a face do penhasco se eleva 400 metros acima da planície circundante. O acesso só é possível através de uma difícil trilha que serpenteia pela montanha.



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