A língua
grega é uma das mais profícuas e por isso consegue expressar nuances de
significado. Enquanto no português temos uma palavra[1]
que pode expressar vários significados, no grego há várias palavras que
expressam nuances de uma mesma ideia.
É o que
acontece com a palavra Amor, que em português pode expressar
diversas ideias diferentes, mas que no grego encontramos ao menos quatro
palavras que expressam tipos diferentes de amar: ágapao (ἀγάπaw); phileo (filew), erôs (erwς) e astorgos (asτοργος) - que podem ser traduzidos para o português
por uma única palavra "amor".
Ágape é a virtude máxima da fé cristã e fica
mais bem compreendida quando contrastada com as outras palavras correlatas do
vocabulário grego:
Erôs,[2] tanto o substantivo quanto o verbo são
usados principalmente para expressar o amor entre os sexos, mais
caracteristicamente para o amor físico. Já na época dos filósofos gregos o
termo tinha sido degenerado de seu sentido primário e tornou-se pejorativo,
relacionado cada vez mais a toda sorte de excessos e desvios do comportamento
sexual. Além dos cultos de fertilidade, com suas influências orientais, e sua
glorificação do Eros (divindade) gerador da natureza, havia também as religiões
de mistério, cujos ritos eróticos visavam unir o participante com a divindade.
Provavelmente por causa destas conotações litúrgicas é que os escritores do NT
optaram por não utilizar este termo em seus escritos. Pela dificuldade em lidar
com a questão erótica muitos cristãos tem extirpado de suas vidas o amor
erótico que se deleita em seu parceiro. Todavia, no contexto bíblico, eros deve
sempre ser uma resposta reciproca – aquele que ama deve encontrar prazer no
amor. Na primeira parte da Bíblia temos um livro inteiro dedicado ao amor
erótico, em que o casal central celebra a vida física, pois na expressão do
amor erótico entre o homem e a mulher (marido e a esposa) encontra-se a
expressão maior da imagem de Deus com a qual foram criados (Gn 1.27). Ao abençoar
o casamento Deus amalgama de forma maravilhosa o ágape e o eros – onde deveria se
manifestar harmoniosamente a abnegação e a satisfação pessoal (infelizmente o
pecado rompeu essa harmonia). Por fim, o eros nunca esteve fora do contexto da
Aliança que Deus estabeleceu com seu povo, pois o profeta Oséias, usando seu
próprio casamento, referência o amor erótico como uma ilustração representativa
da experiência de Deus com a nação de Israel. É um equívoco histórico pensar
que se alcança uma genuína espiritualidade cristã ao rejeitar as expressões
eróticas. “O ágape sozinho não expressa a visão bíblica dessas ações divinas. E
o ágape mais o eros que se expressam nessa liberdade do beneplácito divino em
criar, redimir e encontrar deleite no que foi criado e redimido” (TENNEY, 2008,
p.139). Desta forma, o ensino bíblico declara que tanto o ágape quanto o eros
são partes integrantes e fundamentais da vida do ser humano. É na ausência ou desequilíbrio
destas duas expressões que se produzem a degeneração dos relacionamentos
humanos.
Astorgos, tem um uso mais exclusivo ao ambiente
familiar, pois descreve o amor mútuo entre pais e filhos, esposas e esposos,
mas principalmente do carinho recíproco de pais e filhos. Esta palavra não
ocorre no NT, mas um adjetivo philostorgos (φιλοστοργος) ocorre no contexto ético da epístola aos
Romanos (12.10) onde se traduz por "cordialmente, afetuosamente, gentilmente",
o que é sugestivo, porque implica que a comunidade cristã não é uma mera
sociedade religiosa, mas uma família.
Phileo, é a palavra mais comum no cotidiano
grego. Há um encanto peculiar nesta palavra, pois expressa uma atenção
afetuosa, podendo ser usada tanto no contexto da amizade, quanto na atmosfera
conjugal ou familiar. Traz a ideia de tratar alguém de forma carinhosa ou com
cuidado. Pode até mesmo incluir o contato físico (beijo), mas sem a conotação sexual. Esta palavra tem em si todo o calor da
afeição e amor genuíno. No NT é usada para se referir ao amor de pai e mãe e
filho e filha (Mat. 10.37). Ele é usado para descrever o amor de Jesus por
Lázaro (Jo 11.3, 36), e de Jesus para com o discípulo amado (João 20.2). Philía
é uma bela palavra para expressar um relacionamento saudável.
Ágape, em sua forma substantiva (120 vezes) e
verbal (130 vezes), é de longe o termo mais utilizado no NT para expressar o
genuíno amor cristão.
Uma primeira
razão pela qual o cristianismo se apropriou desta palavra para
expressar o "amor cristão" é que ágape exige
o envolvimento por inteiro da pessoa e deve permear todas as esferas de
relacionamentos. O amor cristão não deve estender-se apenas aos nossos mais
próximos e aos nossos queridos e aqueles que nos amam; o amor cristão deve ser
manifestado a todo irmão na fé, ao próximo e até mesmo ao inimigo -a todas
as pessoas indistintamente - este é o seu maravilhoso diferencial.
Uma segunda
razão pela qual os escritores do NT utilizam abundantemente esta
palavra é que Ágape tem a ver com a mente (vontade), de maneira que não é
simplesmente uma emoção que nasce espontaneamente em nossos corações, é um
princípio pelo qual escolhemos deliberadamente viver. É uma vitória sobre todas
as inclinações e emoções naturais, pois ninguém ama naturalmente, os seus
inimigos. Este tipo de amor somente é possível mediante a ação continua do
Espírito Santo (Gl 5.22; Rom 15.30; Col. 1.8). Ágape é o que descreve de forma
mais completa o relacionamento do Pai e do Filho, de Deus e Jesus (Jo 14.31;
17.26; "Filho amado" (Col. 1.13; Cf. Jo 3.35; 10,17; 15.9; 17,23,
24). O Ágape é a forma pela qual Deus escolheu se relacionar com o ser humano
(Jo 3.16; Rom. 8.37; Rom. 5.8; Ef. 2.4; II Co 13,14; I Jo 3.1, 16; 4.9, 10) e a
única resposta que o ser humano pode dar a Deus (Mt 22.37; Cf. Mc 12.30 e Lc
10.27; Rom. 8.28; I Co 2.9; II Tm. 4.8; I Jo 4.19).
A genuína
espiritualidade cristã somente é possível no exercício prático e
palpável de um Ágape sem qualquer tipo de reserva ou restrição. A máxima
cristã de que se deve amar o pecador, sem coadunar com o seu
pecado, é a proposta maior do Ágape.
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro
Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br
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Referências Bibliográficas
COENEN, Lothar (editor). O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v.1, ed. Vida Nova, 1989, pp. 193-204.
BARCLAY, William. New Testament Words, The Westminster Press, 1974. (a versão em português não trás este verbete).
COENEN, Lothar (editor). O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v.1, ed. Vida Nova, 1989, pp. 193-204.
BARCLAY, William. New Testament Words, The Westminster Press, 1974. (a versão em português não trás este verbete).
TENNEY, Merrill C. (Org.). Enciclopédia da Bíblia, v. 1. Tradução da Equipe de colaboradores da
Cultura Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, pp. 138-139.
TURNER, Nigel. Christian Words, 1980, pp. 261-266. Dictionary of Christian Theology, Angeles, 1985, p. 5 "agape"
TURNER, Nigel. Christian Words, 1980, pp. 261-266. Dictionary of Christian Theology, Angeles, 1985, p. 5 "agape"
Gostei do excelente texto ! O Ágape é para mim é o essencial . Tem haver com pensar e agir de acordo com os mandamentos de Deus em relação ao próximo. Vamos prosseguir nele!
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