Temos
conhecimento de que o apóstolo Paulo não teve uma participação direta no inicio
das comunidades cristãs na grande capital do Império Romano, mas com certeza
teve uma participação indireta muito forte para a expansão e fortalecimento do
trabalho inicial, pois ele se refere pessoalmente a um grande numero de pessoas
que ali residem e participam efetivamente das atividades eclesiásticas das
comunidades estabelecidas.
A cidade
de Roma comportava toda sorte de pessoas, desde os cidadãos romanos por
nascimento ou por direitos adquiridos, advindos de todos os lugares do Império,
bem como um numero grande de escravos e serviçais, e um numero acentuado de
viajantes que por ela transitavam diariamente, quer comprando quer vendendo
seus produtos. Há também uma forte colônia judaica e diversas sinagogas
espalhadas pela capital e delas fazem parte não apenas os judeus, mas também
muitos prosélitos e grande numero de mulheres, que como em outros lugares
encontram no judaísmo uma segurança e proteção moral que não encontravam em
outras religiões que perfaziam o panteão greco-romano e as chamadas religiões
de mistérios.
O que
parece é que um número significativo de judeus, advindos de Jerusalém após o
Pentecostes e tendo ouvido a pregação dos apóstolos foram convertidos e
retornando a Roma iniciaram as comunidades cristãs, tendo logo aderência tanto
dos prosélitos quanto das mulheres que frequentavam as sinagogas, o que deixou
as lideranças judaicas muito irritadas e belicosas. Um edito imperial que
expulsava os judeus da capital romana produziu uma grande diáspora judaica para
outras cidades e lugares do Império e a revogação posterior possibilitou o
retorno de grande parte deles. Nesse interim as comunidades cristãs se
desenvolveram com base no trabalho dos cristãos gentios e agora com o retorno
dos judeus cristãos tornam-se comunidades mistas, mas tendo a predominância numérica
dos gentios e não mais dos judeus cristãos como em suas origens. Com esse
pequeno pano de fundo em vista é possível nos aproximar melhor da epístola de
Paulo aos Romanos e compreendermos melhor os temas que ele trata com muito tato
no transcorrer da missiva apostólica.
Tema
e Propósito:
Diferentemente
de algumas de suas outras epístolas, Romanos não foi escrita para tratar de
algum problema local específico. Entretanto, três propósitos se
desdobram na carta de Romanos. O primeiro era simplesmente
anunciar os planos de Paulo para visitar Roma depois de seu retorno a Jerusalém
e para preparar a igreja para sua ida (15.24,28-29; Atos 19.21). Paulo queria coloca-los
à par de seus planos de maneira que eles pudessem participar e orar pela a concretização
destes objetivos (15.30-32). Visto que a grande maioria dos cristãos de Roma nunca o tinha visto, ele sentiu a
necessidade de se apresentar. Assim, é significativo que o sobrescrito de
Romanos (1,1‑6) seja bem mais longo do que em qualquer outra carta Paulina. Uma
vez que para Paulo o mais importante a
respeito de um apóstolo era a mensagem que ele estava incumbido de
proclamar, dificilmente surpreende ter decidido que o melhor meio de apresentar‑se seria incorporar na sua carta um
relato do evangelho conforme chegara a entendê‑lo.
O que
nos leva ao segundo propósito que era apresentar de forma
completa e detalhada a mensagem do evangelho que Deus o chamou para proclamar.
O apóstolo não desejava apenas “anunciar o evangelho àqueles que estavam em
Roma” (1.15), uma vez que eles já eram convertidos, mas ele queria que tivessem
uma compreensão clara de seu significado e todas as suas implicações. Diversas considerações práticas provavelmente o
estimularam a fazer este relato especialmente pleno e cuidadoso. Ele pregara o evangelho durante cerca de mais de vinte
anos e pode perfeitamente ter estado consciente de ter atingido certa maturidade de experiência, de reflexão e de
compreensão, o que o capacitava para tentar, com o auxílio divino, fazer uma apresentação
mais ordenada do Evangelho. Pode perfeitamente ter pensado que, em vista do tamanho e da importância da comunidade
cristã romana e da sua localização estratégica, para onde muitos cristãos de
outros lugares viriam numa época ou em outra, uma apresentação ordenada da
mensagem cristã dentro de sua carta aos cristãos romanos seria uma forma de
contribuir com eles e de beneficiar tantas pessoas quanto fosse possível (não
só edificando os crentes, mas também proporcionando orientação para os esforços
missionários da Igreja), para apresentação tão cuidadosa do Evangelho.
Um terceiro
propósito está relacionado às questões que surgiram naturalmente no meio dos
judeus e dos cristãos gentios em Roma no que se referia à conciliação do Evangelho
e a Lei e ritos do Primeiro Testamento, como bem coloca Baxter (1989, p.69).
“o
evangelho tinha sido pregado através do Império Romano durante um quarto de
século e muitas comunidades cristãs tinham surgido. A fé recém-divulgada não
poderia deixar de provocar perguntas importantíssimas. Que dizer da doutrina da
justiça de Deus se, como diz esta nova pregação, os pecadores em toda parte
podem ser livremente perdoados mediante a graça? Qual a relação entre este
"Evangelho" e a Lei de Moisés? Ele não repudia Moisés? E a aliança abraâmica?
Como a admissão dos gentios a privilégios equivalentes aos judeus pode ser
reconciliada com isso? O que acontecerá com a moral se Deus for tratar agora
com os homens através da graça em lugar de torná-los responsáveis perante uma
lei justa? As pessoas não pecarão cada vez mais, a fim de que a graça possa
prevalecer? E a relação especial de aliança entre Deus e Israel? O Novo
"evangelho" não sugere que Deus repudiou agora o seu povo? Para
muitos judeus piedosos, a nova doutrina parecia abandonar aquelas heranças mais
apreciadas e vitais. Muitos cristãos recém-convertidos, quer judeus ou gentios,
ficariam perplexos diante de tais perguntas.”
Diante
de questões tão complexas, quem mais naquele momento estava devidamente
preparado para respondê-las, a não ser Paulo o judeu que fora chamado e enviado
para ser o apostolo dos gentios. O Professor Findlay sintetiza isto de forma brilhante:
Com sua educação farisaica, sua
consciência estrita e sensível e sua fé intensa na religião de Israel, Paulo
compreendeu, mais ainda que seus oponentes, a força e a dificuldade dessas
questões; podemos ver que isso lhe custou, tanto antes como durante a
controvérsia, um esforço prolongado e o mais árduo empenho mental, a fim de
chegar à solução que nos apresentou. Não devemos supor que a inspiração tivesse
superado o estudo da parte dos mestres das Escrituras, que os dons do Espírito
Santo servissem de artifício para poupar esforços. Pelo contrário, só com
trabalho árduo e empenho contínuo, não poupando suas capacidades espirituais e
intelectuais, é que Paulo compôs suas grandes epístolas doutrinárias; e o
Espírito Santo estimulou, sustentou e recompensou o labor de sua vontade e
razão humanas (abud, BAXTER, 1989, p.69).
O tema e seu
desenvolvimento da epístola estão sintetizados de forma admirável logo na
abertura (1.16-17). Aqui o apóstolo mostra como Deus salva o pecador. Nestes
versos, os grandes temas da epístola são reunidos — o evangelho, o poder de
Deus, salvação, todo mundo, o que crê, justiça de Deus, judeu e gentios.
Baxter uma vez mais faz um resumo excelente desta questão:
Os oito primeiros capítulos são doutrinários, da primeira
à última folha. Eles explanam as doutrinas básicas do evangelho. Os três
capítulos seguintes (9-11) são nacionais, no sentido de responderem a perguntas
quanto à ligação entre o evangelho e Israel. Os capítulos restantes (12-16) são
práticos, aplicando as doutrinas do evangelho à conduta individual. Esses são,
portanto, os três principais movimentos de Romanos. No primeiro temos
exposição; no segundo, explanação; no terceiro, aplicação. A primeira parte é universal;
a segunda, israelita; a terceira individual. A primeira parte trata com o
problema do pecado; a segunda com o problema judeu; a terceira com o problema
da vida (1989, p.71).
Termos
Importantes
As formas
diversas do termo “justo” e “justiça” são abundantemente
espalhadas ao longo de Romanos. O substantivo grego dikaiosune “retidão,”
ocorre 34 vezes, o substantivo dikaios “uma
ação íntegra, absolvição, ordenança,” cinco vezes, o substantivo
dikaiokrisia “julgamento íntegro” uma
vez, o adjetivo dikaios “justo,”
acontece sete vezes, o substantivo dikaiosis “justificação, absolvição,” duas vezes, e o verbo dikaioo “declarar ou pronunciar como justo,”
ocorre 15 vezes para um total geral de 64
ocorrências.
Versos
Centrais:
Ø 1.16-17.
Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito. Mas o
justo viverá da fé.
Ø 3.21-26.
Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e
pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e
sobre todos os que creem; porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem
da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a
redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como
propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua
tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça
no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé
em Jesus.
Ø 6.1-4 Que diremos, pois?
Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante? De modo nenhum!
Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos? Ou, porventura,
ignorais que todos nós que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na
sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que,
como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também
andemos nós em novidade de vida.
Capítulos
Centrais.
Selecionar
Capítulos Centrais em Romanos é realmente difícil por se constituir de um
grande tratado doutrinário e sua aplicação para a vida, ou seja, todos os
capítulos são importantes. Mas certamente uma seção da carta distingue-se.
Ø Os
capítulos 3–5 distinguem-se pelo seu ensino da
justificação por graça através da fé em Cristo independentemente das obras da
lei. Em nenhum lugar é o evangelho da graça exposto mais claramente que nestes
capítulos extraordinários. Aqui nós aprendemos como ser livre da condenação do
pecado através da fé em Cristo Jesus, o dom de Deus.
Cristo como Vistos em
Romanos.
Paulo apresenta Jesus
Cristo como o Segundo Adão cuja justiça e morte redentiva concede justificação
para todo aquele que deposita sua fé nele. Ele oferece Sua justiça como um dom
para os pecadores, tendo suportado a condenação e ira de Deus por causa do
pecado deles. Sua morte e ressurreição são a base para a redenção,
justificação, reconciliação, salvação, e glorificação do crente.
Esboço.
Independente
da introdução (1.1-17), onde Paulo declara também seu tema, e da conclusão,
onde ele também insere mensagens pessoais e bênção (15.14–16.27), Romanos pode
ser facilmente divida em três divisões, conforme indica Baxter (1989, p.71).
Ø Os
primeiros oito capítulos são doutrinários e esboçam as doutrinas
básicas do evangelho da salvação (justificação e santificação) de Deus através
da fé.
Ø Os
próximos três capítulos (9-11) são nacionais e descrevem os
procedimentos de Deus com judeus e gentios e a relação de cada um com o
evangelho.
Ø Os
capítulos restantes (12-16) são práticos ou aplicativos onde o
apostolo demonstram as implicações do evangelho na vida diária do crente.
I.
Introdução. (1.1-17)
II. Condenação. A Necessidade de
Justificação por causa do Pecado em todos (1.18–3.20)
A.
A Condenação do Homem Imoral (os Gentios) (1.18-32)
B.
A Condenação do Homem Moral (2.1-16)
C.
A Condenação do Homem Religioso (os judeus) (2.17–3.8)
D.
A Condenação de Todos os Homens (3.9-20)
III.
Justificação. A Imputação da Justiça de Deus através de Cristo (3.21–5.21)
A.
A Descrição Justiça (3.21-31)
B.
A Ilustração da Justiça (4.1-25)
C.
As Bênçãos da Justiça (5.1-11)
D.
O Contraste da Justiça e Condenação (5.12-21)
IV.
Santificação. A justiça de Deu na prática (6.1–8.39)
A.
Santificação quanto ao Pecado (6.1-23)
B.
Santificação quanto a Lei (7.1-25)
C. Santificação efetuado pelo Espírito
Santo (8.1-39)
V.
Vindicação de judeus e gentios, no âmbito da Justiça de Deus (9.1–11.36)
A.
Passado de Israel. Eleição de Deus (9.1-29)
B.
Presente de Israel. Rejeição de Deus (9.30–10.21)
C.
Futuro de Israel. Restauração por Deus (11.1-36)
VI.
Aplicativo. a Prática da Justiça em Serviço (12.1–15.13)
A.
Em relação a Deus (12.1-2)
B.
Em relação a si Próprio (12.3)
C.
Em relação à Igreja (12.4-8)
D.
Em relação à Sociedade (12.9-21)
E.
Em relação ao Governo (13.1-14)
F.
Em relação a Outros cristãos (14.1–15.13)
VII.
Mensagens e Bênção pessoais (15.14–16.27)
A.
Planos de Paulo (15.14-33)
B.
Saudações pessoais de Paulo (16.1-16)
C.
Conclusão e Bênção de Paulo (16.17-27)
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
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