Quando pensamos sobre a figura do
apóstolo Paulo somos tentados a imagina-lo como um herói do cristianismo do
primeiro século; alguém que solitariamente enfrentou tudo e todos para proclamar
o Evangelho em os mais diversos lugares do Império Romano; evidente que sua
sucinta biografia registrada em sua segunda epístola dirigida à Igreja de
Corinto (11.24-26) apenas reforça essa necessidade que temos de estabelecermos
heróis, pois assim fazendo, nos isentamos de realizarmos algo parecido em e com
as nossas vidas, pois afinal de contas somos meros mortais e não figuras heroicas
como Paulo, Pedro, Abraão, Davi, Daniel.....
Na verdade o próprio Paulo em
diversos momentos distintos de sua vida cristã evidencia que ele tinha plena
consciência de suas limitações e plena dependência da graça de Deus; ele mais
do que qualquer outro sabia o quanto era indispensável estabelecer uma rede de
amigos e companheiros que pudessem dar suporte ao ministério missionário. Ele
nunca minimizou a contribuição de quem quer que fosse, dos mais simples aos
mais nobres, dos mais ignorantes aos mais letrados, fossem homens ou mulheres,
jovens ou velhos. Paulo sempre valorizou mais seus amigos, irmãos e
companheiros acima de si mesmo e sabia que o trabalho de cada um deles era tão ou
mais apreciado e honrado por Deus. Todo alto conceito que temos da figura de
Paulo é fruto de nossa imaginação, pois ele sabia e declara que “dos pecadores
eu sou o principal”.
No livro de Atos encontramos Paulo construindo sua rede
de companheiros, mas são em suas epistolas que haveremos de encontrar diversas
listas de pessoas que eram preciosas, alguns desses nomes somente são
conhecidas na literatura bíblica e na História da Igreja porque foram citados
por Paulo – o apóstolo sabia que sem essas pessoas muito pouco poderia ter
realizado na obra missionária e as comunidades por ele estabelecidas somente
permaneceram por que irmãos amados continuaram a obra ali fundada. Mas não
apenas nas comunidades por ele iniciada, Paulo escreve valorizando aquelas
comunidades estabelecidas por outros amigos, dos quais não teve nenhuma
participação direta, como por exemplo, a epístola enviada à comunidade cristã
em Colossos, bem como uma de suas cartas mais maduras que foi dirigida à
comunidade cristã que havia sido estabelecida na cidade de Roma, a grande
capital do Império e ao qual Paulo expressa seu desejo acalentado de poder
visita-los e poder compartilhar mutuamente suas experiências e aprendizado da
mensagem cristã, além do que lhes solicita apoio para que a partir daquela
comunidade cristã romana ele pudesse partir para os campos além mar em direção
à Espanha. Não há provas documentais que ele tenha feito esta viagem
missionária, mas estudiosos conceituados defendem que Paulo chegou ao menos
anunciar por pouco tempo sua mensagem evangélica na Espanha e adjacências.
A proposta nesta série de postagens é listarmos essa rede
de companheiros (cerca de cem indivíduos) estabelecida por Paulo ao longo de
seus mais de vinte e cinco anos de ministério missionário itinerante. Em algum
momento serão citadas algumas pessoas que trouxeram dificuldades e transtornos
ao apóstolo e seu trabalho, pois de alguma forma conviveram com ele. Será uma
lista concisa em suas informações sobre essas pessoas, mas posteriormente
haveremos de destacar em verbetes específicos aquelas pessoas que foram mais
próximas e conviveram por mais tempo com ele, como Barnabé, Silas, Timóteo,
Tito e muitos outros. Como a lista é longa haveremos de elabora-la em partes e
utilizaremos na medida do possível uma ordem alfabética[1].
A
Acaico
[Ἀχαϊκός] (1 Coríntios 16.17) fazia parte da comunidade cristã em
Corinto, cujo nome parece indicar seu local de origem (Acaia) e seu nome não é
mencionado em nenhum outro lugar da literatura neotestamentária. Ele, junto com
Estéfanas e Fortunato, fizeram a longa viagem até Éfeso onde Paulo estava
aprisionado (54 a 57 dC). O apóstolo estava preocupado com a comunidade de
Corinto depois de receber noticias inquietantes por parte da família de Cloe,
mas a vinda desta pequena comitiva o tranquilizou e muitos comentaristas
bíblicos defendem que eles foram os portadores de uma carta (desconhecida por
nós) mencionada em 1 Coríntios 7.1 O documento continha uma serie de perguntas
que estava gerando dúvidas e perturbando o ambiente da comunidade, de maneira
que Paulo pudesse responder e assim orientar aqueles irmãos ainda neófitos na
fé cristã (1Coríntios 7.1). Uma anotação no final de 1 Coríntios, encontrada em
muitas traduções da Bíblia, afirma que
Acaico e seus companheiros de viagem, bem como Timóteo, anotaram as respostas
de Paulo e outros ensinamentos que compuseram a primeira epistola (cf.
1Coríntios 1.1-2). Com certeza Acaico e seus dois amigos foram os portadores do
documento paulino à igreja de Corinto. A visita deles alegrou e revigorou o
espírito de Paulo. A hipótese de que Acaico fosse um escravo convertido, seja
de Estéfanas ou de Cloe não se ajusta ao contexto desta pequena delegação
oficialmente enviada e também à recomendação de Paulo para que a igreja de
Corinto os reconheça como autoridades eclesiásticas e trata-los com deferência
(compare 1 Tessalonicenses 5.12).
Ágabo
[Onγαβος] (Atos 11.28 e 21.10). Figura muito peculiar, pois é um dos raros
profetas registrado nas páginas do Segundo Testamento. Esteve com Paulo em duas
ocasiões. Há fortes indicações de que fosse natural da Judéia e mais
especificamente de Jerusalém (portanto, um judeu convertido). No texto (At
11.28) ele esta acompanhando outros videntes que vieram de Jerusalém e se
destaca por prever uma grande fome que estava por recair sobre todo o “mundo”
leia-se o Império Romano. A narrativa lucana afirma que ocorreu nos dias do
imperador Claúdio (41-54 dC), mais provavelmente no ano 46 dC, conforme
registrada pelo historiador judeu Josefo como especialmente severa na Judéia e
corroborada pelos historiadores romanos (Tácito (Anais xii.43) e Suetônio
(Cláudio 18). Foi tão severa está fome que se pensava tratar-se do juízo
divino. Diante das palavras de Ágabo imediatamente os cristãos de Antioquia
levantaram uma oferta generosa e a enviaram através de Paulo e Barnabé para
suprir as necessidades dos cristãos da Judéia. O segundo encontro de Ágabo com
Paulo (At 21.10) agora em Cesaréia, foi na casa do diácono Felipe o
evangelista. Uma vez mais indica-se eu ele veio da Judeia e enquanto se hospeda
com eles prediz que o apóstolo será preso em Jerusalém pelas mãos dos gentios,
o que de fato aconteceu, assim como ocorrerá antes com a grande fome,
comprovando que Ágabo era de fato um profeta com autenticação do Espírito Santo.
Ele faz sua predição no estilo dos profetas do Primeiro Testamento (Is 20.1-3;
Jr 13.1-7 e Ez 4.1-6 e ainda 1 Reis 22.11), pegando o cinto de Paulo e
amarrando seus próprios pés e mãos. Os amigos suplicam para que Paulo não se
dirija à Jerusalém, mas as palavras de Ágabo eram apenas para preparar Paulo e
não para desviá-lo desta rota. Em Jerusalém o apóstolo é acusado pelas
autoridades judaicas, então ele faz uso de sua cidadania romana e apela para
ser julgado por um tribunal romano. Assim, Paulo chega a Roma, não como
imaginara e escrevera aos Romanos, mas como ele mesmo fala, um prisioneiro por
causa de Cristo.
Alexandre (Atos 19.33; 1 Timóteo 1.19,20; 2 Timóteo 4.14,15). Com
certeza esse não foi um dos amigos do apóstolo, ao contrário, tudo corrobora
para identifica-lo como um daqueles que tenazmente se opôs à Paulo e sua
pregação. Era judeu e morava na cidade de Éfeso, onde Paulo havia estabelecido
sua base missionária para alcançar toda aquela região. A pregação de Paulo
encontrara acolhida na vida de muitas pessoas que abandonam a idolatria
centrada na deusa Diana e com isso causando prejuízo financeiro à todo comercio
derivado do templo a ela dedicado. Uma turba arrasta Paulo e outros dois Gaio e
Aristarco diante do tribunal e exigem que eles sejam presos e mortos. Paulo
tentar esclarecer, mas a multidão começa a gritar o nome de Diana dos Efésios.
Nesse momento surge a figura de Alexandre, impelido pelos judeus que também
faziam parte da multidão, cujo o objetivo é desassociar a figura e a mensagem
de Paulo da dos judeus que ali residiam, de maneira que a ira do populacho não
se voltasse contra eles também. Seu objetivo era defender os judeus e reforçar
a ideia de que todo aquele alvoroço deveria recair somente sobre Paulo e seus
companheiros de pregação cristã. Mas a população logo o identifica como judeu e
também se recusam a ouvi-lo, uma vez que os judeus também eram contra a
idolatria representada por Diana e seu templo. Nas duas cartas a Timóteo (1Tm
1.19,20 e 2Tm 4.14,15), sendo a segundo o último documento paulino de que temos
conhecimento, o velho apostolo refere-se a um Alexandre adjetivado de Latoeiro
(trabalhava com latão ou outros metais), cujo os comentaristas associam com o
Alexandre de Éfeso, ainda que não haja consenso geral. Sua profissão leva a
pensar que sobrevivia da fabricação de suvenires relacionada às centenas de
templos espalhados pelo Império se relacionando desta forma ao
episódio em Éfeso e lembrando ainda que assim como em Éfeso a cidade Roma
abrigava uma imensa colônia judaica e que igualmente se esforçam por se
desvencilhar de qualquer ligação com o movimento cristão. Se o identificarmos
com o Alexandre de Atos (19.33,34), temos aqui um judeu, daqueles amargurados e
inimigo declarado do Apóstolo dos Gentios, que o perseguiam a cada passo, e não
improvável, no final, em sua morte. Seu objetivo era demonstrar aos magistrados
romanos que Paulo como líder cristão se constituía em uma pessoa perigosa,
visto que, desde o grande incêndio da cidade de Roma, a religião cristã perdera
seu status de “religio licita”. Paulo alerta o jovem pastor Timóteo que tomasse
muito cuidado e evitasse qualquer contato com essa pessoa perniciosa (2 Tm
4.15). E por ser uma pessoa tão
maliciosa e problemática, bem como um blasfemador e um herege contumaz, Paulo o
entrega a Satanás.
Amplíato (Romanos 16.8). É um nome romano comum, sendo, uma contração de Ampliatus
(cf. Vulgata Latina, assim como a cópia alexandrina, e a versão etíope), que é
a leitura dos melhores textos e em vários casos encontrados em conexão com a
família imperial. Esse nome foi encontrado em inscrições de dois túmulos no
cemitério de Domitila, em Roma, sendo uma delas datada do primeiro século
cristão. A expressão acrescida “meu
dileto amigo no Senhor ou meu amado no Senhor” serve para demostrar que o
apreço do apóstolo não era decorrente de qualquer posse ou status social que
Amplíato pudesse gozar, mas uma expressão do amor emanado da graça de Cristo,
que os unia. Um "irmão" como a versão etíope o identifica e que foi
honrado com os dons e graças do Espírito, e se tornara útil na propagação do
Evangelho de Cristo Jesus. Apesar de se ele esta em Roma é possível que tenha
conhecido Paulo em período anterior, visto que o apóstolo até então nunca havia
estado na Capital romana. Provavelmente em uma das viagens missionárias de
Paulo pela Ásia Menor fora evangelizado e passou a integrar a rede de cooperadores
do apóstolo, uma vez que está associado aos demais nomes deste grupo de apoio
aqui mencionados.
Ananias (Atos 9.10-17; 22.12). A forma como Deus realiza seus
propósitos surpreende a cada página das Escrituras. Ananias não era diácono e
nem apóstolo, mas um judeu convertido que morava na cidade de Damasco. Mas foi
ele o primeiro a ter contato com Saulo de Tarso (Paulo) logo após sua conversão
na estrada de Damasco. Aquele que deveria ser perseguido e preso é agora o
instrumento para curar a cegueira de Saulo e batizá-lo no Espírito Santo e
posteriormente com água dando-lhe entrada oficial no rol de membros da Igreja
de Cristo. Somente mais tarde Saulo/Paulo teria contato com os apóstolos em
Jerusalém. Esse Ananias ficou marcado na história de vida de Paulo e todas as
vezes que relembrava sua conversão (cf. 22.12) falava com carinho e
consideração especial da participação deste “homem piedoso” e que tinha “bom
testemunho” na comunidade e na sociedade; foi esse homem simples que o Espírito
Santo usou para comunicar a Saulo/Paulo suas primeiras instruções cristãs e
comunicar-lhe qual seria seu ministério missionário e o preço alto que teria
que pagar – de perseguidor implacável a perseguido implacavelmente. Na História
da Igreja Cristã os Ananias precedem o(s) Paulo(s), para que a glória seja
sempre de Deus – os menores no Reino são os maiores e os maiores no Reino são
os menores.
Ananias (o sumo sacerdote - Atos
23.2, 24.1). Os nomes podem ser os mesmos, mas o caráter de cada um deles é
totalmente diferente. Esse Ananias serviu como Sumo Sacerdote do templo de 46 a
58 d.C., portanto não é o mesmo das narrativas evangélicas (Lc 3.2; Jo 18.13) e
do inicio de Atos (4.7) e Paulo quando preso em Jerusalém (conforme havia
predito Ágabo referido acima) foi conduzido a ele como autoridade máxima do
judaísmo, visto que Paulo estava sendo acusado de fomentar uma revolta no
Templo. Estes fatos ocorrem logo após a terceira viagem missionária do apóstolo
quando ele vai levar a oferta recolhida junto as igrejas gentílicas em favor
dos cristãos da Judeia. Esse Ananias era um homem de mau caráter e o historiador
judeu Josefo o descreve como “um homem ousado de temperamento e extremamente
insolente”. Sua fama era de ser ganancioso e violento, não tendo qualquer pudor
de utilizar a força letal contra seus opositores. Explorava os sacerdotes mais
simples extorquindo-lhes seus dízimos (um miliciano sacerdotal). Quando Paulo
em sua defesa declara ter sua “consciência limpa como cristão” o sumo sacerdote
ficou tão enfurecido e ordenou que alguém próximo ao apóstolo lhe batesse no
rosto! O bater no rosto era um ato sumamente ofensivo para um judeu e a
resposta de Paulo é contundente declarando que Deus haveria revidar e que
Ananias era uma parede branqueada (mesma expressão de túmulo caiado) ilustração
de hipocrisia (cf. Ez 13.10s; Is 30.13; Mt 23.27; Lc 11.44) - hipócritas são
forçados a se trair pela violência. Esse mesmo Ananias mais tarde viajaria para
Cesaréia, acompanhado de uma comitiva do Sinédrio, para pessoalmente
testemunhar contra Paulo diante do governador romano Félix, pois temiam que
Paulo pudesse ser liberado pelo governador romano. De acordo com o livro Guerra
dos Judeus (Livro 2, Capítulo 17, Seção 9), Ananias foi arrancado de um esgoto
onde se escondia e foi assassinado por zelotes Sicários, que odiavam os romanos
e mais ainda os que eram seus instrumentos de opressão, pouco tempo depois de
66 d.C., quando a revolta judaica contra Roma começou.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Historiologia Protestante
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Referências
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ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
KUMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 1982.
[1] Um
quadro precioso que nos permite ver essa rede de colaboradores de Paulo pode
ser encontrada no excelente trabalho organizado por Hawthorne em Paulo e Suas
Cartas (2008, p. 233).
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