sexta-feira, 22 de março de 2019

Paulo: Suas Relações Pessoais (Acaio-Bar-Jesus)



            Quando pensamos sobre a figura do apóstolo Paulo somos tentados a imagina-lo como um herói do cristianismo do primeiro século; alguém que solitariamente enfrentou tudo e todos para proclamar o Evangelho em os mais diversos lugares do Império Romano; evidente que sua sucinta biografia registrada em sua segunda epístola dirigida à Igreja de Corinto (11.24-26) apenas reforça essa necessidade que temos de estabelecermos heróis, pois assim fazendo, nos isentamos de realizarmos algo parecido em e com as nossas vidas, pois afinal de contas somos meros mortais e não figuras heroicas como Paulo, Pedro, Abraão, Davi, Daniel.....
            Na verdade o próprio Paulo em diversos momentos distintos de sua vida cristã evidencia que ele tinha plena consciência de suas limitações e plena dependência da graça de Deus; ele mais do que qualquer outro sabia o quanto era indispensável estabelecer uma rede de amigos e companheiros que pudessem dar suporte ao ministério missionário. Ele nunca minimizou a contribuição de quem quer que fosse, dos mais simples aos mais nobres, dos mais ignorantes aos mais letrados, fossem homens ou mulheres, jovens ou velhos. Paulo sempre valorizou mais seus amigos, irmãos e companheiros acima de si mesmo e sabia que o trabalho de cada um deles era tão ou mais apreciado e honrado por Deus. Todo alto conceito que temos da figura de Paulo é fruto de nossa imaginação, pois ele sabia e declara que “dos pecadores eu sou o principal”.
No livro de Atos encontramos Paulo construindo sua rede de companheiros, mas são em suas epistolas que haveremos de encontrar diversas listas de pessoas que eram preciosas, alguns desses nomes somente são conhecidas na literatura bíblica e na História da Igreja porque foram citados por Paulo – o apóstolo sabia que sem essas pessoas muito pouco poderia ter realizado na obra missionária e as comunidades por ele estabelecidas somente permaneceram por que irmãos amados continuaram a obra ali fundada. Mas não apenas nas comunidades por ele iniciada, Paulo escreve valorizando aquelas comunidades estabelecidas por outros amigos, dos quais não teve nenhuma participação direta, como por exemplo, a epístola enviada à comunidade cristã em Colossos, bem como uma de suas cartas mais maduras que foi dirigida à comunidade cristã que havia sido estabelecida na cidade de Roma, a grande capital do Império e ao qual Paulo expressa seu desejo acalentado de poder visita-los e poder compartilhar mutuamente suas experiências e aprendizado da mensagem cristã, além do que lhes solicita apoio para que a partir daquela comunidade cristã romana ele pudesse partir para os campos além mar em direção à Espanha. Não há provas documentais que ele tenha feito esta viagem missionária, mas estudiosos conceituados defendem que Paulo chegou ao menos anunciar por pouco tempo sua mensagem evangélica na Espanha e adjacências.
A proposta nesta série de postagens é listarmos essa rede de companheiros (cerca de cem indivíduos) estabelecida por Paulo ao longo de seus mais de vinte e cinco anos de ministério missionário itinerante. Em algum momento serão citadas algumas pessoas que trouxeram dificuldades e transtornos ao apóstolo e seu trabalho, pois de alguma forma conviveram com ele. Será uma lista concisa em suas informações sobre essas pessoas, mas posteriormente haveremos de destacar em verbetes específicos aquelas pessoas que foram mais próximas e conviveram por mais tempo com ele, como Barnabé, Silas, Timóteo, Tito e muitos outros. Como a lista é longa haveremos de elabora-la em partes e utilizaremos na medida do possível uma ordem alfabética[1].

A
Acaico [Ἀχαϊκός] (1 Coríntios 16.17) fazia parte da comunidade cristã em Corinto, cujo nome parece indicar seu local de origem (Acaia) e seu nome não é mencionado em nenhum outro lugar da literatura neotestamentária. Ele, junto com Estéfanas e Fortunato, fizeram a longa viagem até Éfeso onde Paulo estava aprisionado (54 a 57 dC). O apóstolo estava preocupado com a comunidade de Corinto depois de receber noticias inquietantes por parte da família de Cloe, mas a vinda desta pequena comitiva o tranquilizou e muitos comentaristas bíblicos defendem que eles foram os portadores de uma carta (desconhecida por nós) mencionada em 1 Coríntios 7.1 O documento continha uma serie de perguntas que estava gerando dúvidas e perturbando o ambiente da comunidade, de maneira que Paulo pudesse responder e assim orientar aqueles irmãos ainda neófitos na fé cristã (1Coríntios 7.1). Uma anotação no final de 1 Coríntios, encontrada em muitas traduções da Bíblia,  afirma que Acaico e seus companheiros de viagem, bem como Timóteo, anotaram as respostas de Paulo e outros ensinamentos que compuseram a primeira epistola (cf. 1Coríntios 1.1-2). Com certeza Acaico e seus dois amigos foram os portadores do documento paulino à igreja de Corinto. A visita deles alegrou e revigorou o espírito de Paulo. A hipótese de que Acaico fosse um escravo convertido, seja de Estéfanas ou de Cloe não se ajusta ao contexto desta pequena delegação oficialmente enviada e também à recomendação de Paulo para que a igreja de Corinto os reconheça como autoridades eclesiásticas e trata-los com deferência (compare 1 Tessalonicenses 5.12).
Ágabo [Onγαβος] (Atos 11.28 e 21.10). Figura muito peculiar, pois é um dos raros profetas registrado nas páginas do Segundo Testamento. Esteve com Paulo em duas ocasiões. Há fortes indicações de que fosse natural da Judéia e mais especificamente de Jerusalém (portanto, um judeu convertido). No texto (At 11.28) ele esta acompanhando outros videntes que vieram de Jerusalém e se destaca por prever uma grande fome que estava por recair sobre todo o “mundo” leia-se o Império Romano. A narrativa lucana afirma que ocorreu nos dias do imperador Claúdio (41-54 dC), mais provavelmente no ano 46 dC, conforme registrada pelo historiador judeu Josefo como especialmente severa na Judéia e corroborada pelos historiadores romanos (Tácito (Anais xii.43) e Suetônio (Cláudio 18). Foi tão severa está fome que se pensava tratar-se do juízo divino. Diante das palavras de Ágabo imediatamente os cristãos de Antioquia levantaram uma oferta generosa e a enviaram através de Paulo e Barnabé para suprir as necessidades dos cristãos da Judéia. O segundo encontro de Ágabo com Paulo (At 21.10) agora em Cesaréia, foi na casa do diácono Felipe o evangelista. Uma vez mais indica-se eu ele veio da Judeia e enquanto se hospeda com eles prediz que o apóstolo será preso em Jerusalém pelas mãos dos gentios, o que de fato aconteceu, assim como ocorrerá antes com a grande fome, comprovando que Ágabo era de fato um profeta com autenticação do Espírito Santo. Ele faz sua predição no estilo dos profetas do Primeiro Testamento (Is 20.1-3; Jr 13.1-7 e Ez 4.1-6 e ainda 1 Reis 22.11), pegando o cinto de Paulo e amarrando seus próprios pés e mãos. Os amigos suplicam para que Paulo não se dirija à Jerusalém, mas as palavras de Ágabo eram apenas para preparar Paulo e não para desviá-lo desta rota. Em Jerusalém o apóstolo é acusado pelas autoridades judaicas, então ele faz uso de sua cidadania romana e apela para ser julgado por um tribunal romano. Assim, Paulo chega a Roma, não como imaginara e escrevera aos Romanos, mas como ele mesmo fala, um prisioneiro por causa de Cristo.
Alexandre (Atos 19.33; 1 Timóteo 1.19,20; 2 Timóteo 4.14,15). Com certeza esse não foi um dos amigos do apóstolo, ao contrário, tudo corrobora para identifica-lo como um daqueles que tenazmente se opôs à Paulo e sua pregação. Era judeu e morava na cidade de Éfeso, onde Paulo havia estabelecido sua base missionária para alcançar toda aquela região. A pregação de Paulo encontrara acolhida na vida de muitas pessoas que abandonam a idolatria centrada na deusa Diana e com isso causando prejuízo financeiro à todo comercio derivado do templo a ela dedicado. Uma turba arrasta Paulo e outros dois Gaio e Aristarco diante do tribunal e exigem que eles sejam presos e mortos. Paulo tentar esclarecer, mas a multidão começa a gritar o nome de Diana dos Efésios. Nesse momento surge a figura de Alexandre, impelido pelos judeus que também faziam parte da multidão, cujo o objetivo é desassociar a figura e a mensagem de Paulo da dos judeus que ali residiam, de maneira que a ira do populacho não se voltasse contra eles também. Seu objetivo era defender os judeus e reforçar a ideia de que todo aquele alvoroço deveria recair somente sobre Paulo e seus companheiros de pregação cristã. Mas a população logo o identifica como judeu e também se recusam a ouvi-lo, uma vez que os judeus também eram contra a idolatria representada por Diana e seu templo. Nas duas cartas a Timóteo (1Tm 1.19,20 e 2Tm 4.14,15), sendo a segundo o último documento paulino de que temos conhecimento, o velho apostolo refere-se a um Alexandre adjetivado de Latoeiro (trabalhava com latão ou outros metais), cujo os comentaristas associam com o Alexandre de Éfeso, ainda que não haja consenso geral. Sua profissão leva a pensar que sobrevivia da fabricação de suvenires relacionada às centenas de templos espalhados pelo Império se relacionando desta forma ao episódio em Éfeso e lembrando ainda que assim como em Éfeso a cidade Roma abrigava uma imensa colônia judaica e que igualmente se esforçam por se desvencilhar de qualquer ligação com o movimento cristão. Se o identificarmos com o Alexandre de Atos (19.33,34), temos aqui um judeu, daqueles amargurados e inimigo declarado do Apóstolo dos Gentios, que o perseguiam a cada passo, e não improvável, no final, em sua morte. Seu objetivo era demonstrar aos magistrados romanos que Paulo como líder cristão se constituía em uma pessoa perigosa, visto que, desde o grande incêndio da cidade de Roma, a religião cristã perdera seu status de “religio licita”.   Paulo alerta o jovem pastor Timóteo que tomasse muito cuidado e evitasse qualquer contato com essa pessoa perniciosa (2 Tm 4.15). E por ser uma pessoa tão maliciosa e problemática, bem como um blasfemador e um herege contumaz, Paulo o entrega a Satanás.
Amplíato (Romanos 16.8). É um nome romano comum, sendo, uma contração de Ampliatus (cf. Vulgata Latina, assim como a cópia alexandrina, e a versão etíope), que é a leitura dos melhores textos e em vários casos encontrados em conexão com a família imperial. Esse nome foi encontrado em inscrições de dois túmulos no cemitério de Domitila, em Roma, sendo uma delas datada do primeiro século cristão. A expressão acrescida “meu dileto amigo no Senhor ou meu amado no Senhor” serve para demostrar que o apreço do apóstolo não era decorrente de qualquer posse ou status social que Amplíato pudesse gozar, mas uma expressão do amor emanado da graça de Cristo, que os unia. Um "irmão" como a versão etíope o identifica e que foi honrado com os dons e graças do Espírito, e se tornara útil na propagação do Evangelho de Cristo Jesus. Apesar de se ele esta em Roma é possível que tenha conhecido Paulo em período anterior, visto que o apóstolo até então nunca havia estado na Capital romana. Provavelmente em uma das viagens missionárias de Paulo pela Ásia Menor fora evangelizado e passou a integrar a rede de cooperadores do apóstolo, uma vez que está associado aos demais nomes deste grupo de apoio aqui mencionados.
Ananias (Atos 9.10-17; 22.12). A forma como Deus realiza seus propósitos surpreende a cada página das Escrituras. Ananias não era diácono e nem apóstolo, mas um judeu convertido que morava na cidade de Damasco. Mas foi ele o primeiro a ter contato com Saulo de Tarso (Paulo) logo após sua conversão na estrada de Damasco. Aquele que deveria ser perseguido e preso é agora o instrumento para curar a cegueira de Saulo e batizá-lo no Espírito Santo e posteriormente com água dando-lhe entrada oficial no rol de membros da Igreja de Cristo. Somente mais tarde Saulo/Paulo teria contato com os apóstolos em Jerusalém. Esse Ananias ficou marcado na história de vida de Paulo e todas as vezes que relembrava sua conversão (cf. 22.12) falava com carinho e consideração especial da participação deste “homem piedoso” e que tinha “bom testemunho” na comunidade e na sociedade; foi esse homem simples que o Espírito Santo usou para comunicar a Saulo/Paulo suas primeiras instruções cristãs e comunicar-lhe qual seria seu ministério missionário e o preço alto que teria que pagar – de perseguidor implacável a perseguido implacavelmente. Na História da Igreja Cristã os Ananias precedem o(s) Paulo(s), para que a glória seja sempre de Deus – os menores no Reino são os maiores e os maiores no Reino são os menores.
Ananias (o sumo sacerdote - Atos 23.2, 24.1). Os nomes podem ser os mesmos, mas o caráter de cada um deles é totalmente diferente. Esse Ananias serviu como Sumo Sacerdote do templo de 46 a 58 d.C., portanto não é o mesmo das narrativas evangélicas (Lc 3.2; Jo 18.13) e do inicio de Atos (4.7) e Paulo quando preso em Jerusalém (conforme havia predito Ágabo referido acima) foi conduzido a ele como autoridade máxima do judaísmo, visto que Paulo estava sendo acusado de fomentar uma revolta no Templo. Estes fatos ocorrem logo após a terceira viagem missionária do apóstolo quando ele vai levar a oferta recolhida junto as igrejas gentílicas em favor dos cristãos da Judeia. Esse Ananias era um homem de mau caráter e o historiador judeu Josefo o descreve como “um homem ousado de temperamento e extremamente insolente”. Sua fama era de ser ganancioso e violento, não tendo qualquer pudor de utilizar a força letal contra seus opositores. Explorava os sacerdotes mais simples extorquindo-lhes seus dízimos (um miliciano sacerdotal). Quando Paulo em sua defesa declara ter sua “consciência limpa como cristão” o sumo sacerdote ficou tão enfurecido e ordenou que alguém próximo ao apóstolo lhe batesse no rosto! O bater no rosto era um ato sumamente ofensivo para um judeu e a resposta de Paulo é contundente declarando que Deus haveria revidar e que Ananias era uma parede branqueada (mesma expressão de túmulo caiado) ilustração de hipocrisia (cf. Ez 13.10s; Is 30.13; Mt 23.27; Lc 11.44) - hipócritas são forçados a se trair pela violência. Esse mesmo Ananias mais tarde viajaria para Cesaréia, acompanhado de uma comitiva do Sinédrio, para pessoalmente testemunhar contra Paulo diante do governador romano Félix, pois temiam que Paulo pudesse ser liberado pelo governador romano. De acordo com o livro Guerra dos Judeus (Livro 2, Capítulo 17, Seção 9), Ananias foi arrancado de um esgoto onde se escondia e foi assassinado por zelotes Sicários, que odiavam os romanos e mais ainda os que eram seus instrumentos de opressão, pouco tempo depois de 66 d.C., quando a revolta judaica contra Roma começou.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


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Referências Bibliográficas
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BARCLAY, William. El Nuevo Testamento comentado. Buenos Aires (Argentina), Asociación Editorial la Aurora, 1974.
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1849
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CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento interpretado – versículo por versículo. São Paulo: Milenium, 1989 [1979].
________________________. Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia. V. 1. São Paulo, 2006 [1991].
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[1] Um quadro precioso que nos permite ver essa rede de colaboradores de Paulo pode ser encontrada no excelente trabalho organizado por Hawthorne em Paulo e Suas Cartas (2008, p. 233).

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