quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Paulo sua vida & teologia

 


            Quando estudamos a vida de Paulo é impossível não se referir à sua teologia e quando falamos da teologia paulina torna-se fundamental conhecer os fatos sobre a vida de Paulo. Isso acontece porque a teologia dele não foi elaborada em uma confortável sala universitária, mas foi forjada na bigorna da vida. Os temas mais celestiais desenvolvido pelo apostolo dos gentios em suas preciosas epístolas estão plenamente conectadas com as realidades cotidianas dele e, de seus leitores. As correspondências paulinas não são exotéricas, místicas ou de auto ajuda, mas teológicas pastorais onde a compreensão dos temas teológicos deve ser compreendida e aplicada em todas as esferas da vida humana.

               Esta conexão direta de sua vida com o desenvolvimento de seu pensamento teológico pode ser percebida no fato de que ele valoriza sua história, não apenas após a conversão no caminho para Damasco, mas até mesmo antes, em relação à sua origem judaica. De maneira que não é possível, como os acadêmicos liberais tentam fazer, separar os extratos autobiográficos de Paulo de sua teologia epistolar.

            Escrevendo aos crentes da Galácia (4.12) ele se coloca como modelo de crente para eles; na primeira carta aos Corintos (9.1) ele declara que foi o instrumento da conversão deles; ao Filipenses (1.12) ele recorda que todas as dificuldades pelas quais passou, desde sua conversão e no transcorrer de seu ministério apostólico itinerante, serviu para promover o Evangelho; assim também escreve aos crentes em Roma (15.18) onde declara que seu ensino era autenticado por tudo quanto Cristo realizara em sua vida. Paulo esperava que esses pequenos extratos de sua trajetória pessoal pudessem de alguma forma contribuir para a autenticação de seu ensino e pregação.

            Desta forma, se para o apóstolo Paulo essas informações pessoais eram relevantes dentro do escopo de seu ministério apostólico, quando estudamos suas correspondências não podemos simplesmente ignora-las ou minimizá-las, pois tais informações contribuirá para uma melhor compreensão do contexto histórico do qual suas cartas e teologia podem melhor serem compreendidas e interpretadas.

            Reforça o argumento suscitado acima o fato de que cada epístola escrita por Paulo está prenha das circunstâncias imediatas, visto que elas são ocasionais, ou seja, elas são produzidas na medida em que fatos vão ocorrendo e ele precisa tratar destas questões o mais rapidamente possível. Elas são endereçadas a comunidades e pessoas especificas e em um momento histórico-temporal especifico.  

Outro aspecto peculiar é que suas correspondências são uma extensão de seu trabalho pastoral. Diante das limitações espaço-temporais Paulo faz de suas correspondências um substituto para sua presença. A linguagem é a mais próxima possível de uma pastoral, sermão ou aula audível. Toda sua teologia esta voltada para as necessidades prementes de seus leitores, fossem comunidade ou pessoais. Seu objetivo primário era de os leitores fossem fortalecidos na fé e na prática de uma vida cristã dinâmica e frutífera.

Por esta razão as cartas de Paulo não podem ser colocadas dentro da moldura da retórica epistolar antiga. Em uma mesma correspondência podemos encontrar diversas características epistolares, pois ele não estava preocupado com a forma, mas sim em verbalizar por meio da escrita o seu pensamento e sentimentos em relação ao contexto e a vida de seus leitores primários. Ainda que ele mantenha em suas cartas um padrão semelhante às correspondências daquela época: identificação de quem escreve; para quem escreve; saudação inicial e saudação final (trato deste aspecto em artigo especifico).

O epistolário de Paulo não textos crus que devem ser estudados somente a através das ferramentas gramaticais exegéticas adequadas, mas para serem lidas, estudadas e pregadas em harmonia com a vivência do apostolo. A primeira epístola saída da pena do apóstolo, que defendo ser a dirigida aos Gálatas, revela um Paulo ainda sob o impacto de sua conversão e zeloso quanto ao conteúdo da mensagem do Evangelho,  o que transparece na forma contundente e veemente trata os desvios doutrinários daqueles crentes da Galácia do Sul, provavelmente ainda como resquícios de seus muitos anos de fariseu extremista.

Mas na medida em que vai amadurecendo na sua caminha cristã Paulo vai aprendendo a dosar sua linguagem e nas epístolas mais maduras, ainda que trate de temas teológicos mais complexos e profundos, seu vocabulário vai se revestindo de um tom cada vez mais pastoral e mesmo quando escreve uma série de cartas aos Corintos, certamente a comunidade mais difícil e problemática das que ele havia estabelecido, ele os corrige com firmeza, mas sem a veemência da carta aos Gálatas. No meio de uma série de correções doutrinários e morais, ele insere um dos hinos mais belos de toda a literatura bíblica, que ele apresenta como sendo o caminho sobremodo excelente – o Amor (1 Coríntios 13). E não podemos deixar de mencionar sua carta mais terna e amorosa dirigida aos Filipenses, que durante todo seu ministério cooperou com ele inclusive financeiramente.

E quando chegamos ao seu canto do cisne (2 Timóteo), podemos ver o quanto Paulo amadureceu como cristão e mesmo antevendo seu martírio escreve uma das correspondências mais sensíveis de todo seu epistolário, dirigida ao seu jovem discípulo, agora não tão jovem mais, plena de expressões paternais e cuidados para com o amigo de ministério, que terá que assumir o pesado fardo de não apenas preservar o bom depósito do Evangelho, mas de transmiti-lo com fidelidade para as novas gerações que o sucederão. Mas a nota, nesta última carta da pena de Paulo, que entendo ser o representativo deste longo processo vivencial, é a menção de sua reconciliação com João Marcos, que fora motivo de sua separação de Barnabé, mas que agora se constitui em companheiro muito útil no desenvolvimento do ministério cristão dele e da igreja. Essa pequena nota revela o quanto Paulo aprendeu e amadureceu como apóstolo dos gentios.

Menosprezar ou minimizar esse processo de amadurecimento pessoal de Paulo, quando se estuda suas correspondências, é empobrecer muito sua mensagem e seus ensinos pastorais teológicos. Suas epístolas não são teses acadêmicas teológicas, elaboradas em escritórios universitários ou áridos seminários, mas correspondências de um apostolo que desde seu primeiro dia de conversão até seu último dia antes do martírio, provavelmente decapitado em Roma, foi aprendendo e reaprendendo a vivenciar na prática cotidiana seus ensinos doutrinários. Em todas suas cartas Paulo trata dos temas pesados e difíceis doutrinários e os mescla com uma práxis desta teologia na vida cristã ordinária.

Assim como tem de ser com todos os genuínos pregadores e professores bíblicos de ontem e de hoje, as correspondências de Paulo, antes de ser apenas para seus leitores, eram dirigidas para si mesmo, pois ele jamais utilizaria o ditado popular: “faça o que ensino, prego e escrevo, mas não faça o que eu faço”.

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
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Referências Bibliográficas

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COLLINS, R. F. Latters that Paul did not write (Wilmington, Glazier, 1988).

GARDNER, Paul (Ed.). Quem é quem na bíblia sagrada. Tradução Josué Ribeiro. São Paulo: Editora Vida, 1999.

HAWTHORNE, Gerald F. e MARTIN, Ralph P. e REID, Daniel G. (Org.). Dicionário de Paulo e suas cartas. 2ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

LONGENECKER, Bruce W. and STILL, Todd D. Thinking through Paul: an introduction to his life, letters, and theology. Michigan: Zondervan, Grand Rapids, 2014.

 

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