sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Páscoa: O Domingo de Ramos e a Frustração Humana



Esta é a última vez que Jesus entra na cidade de Jerusalém. Diferentemente das anteriores em que ele entrou e saiu sem chamar atenção, desta vez sua entrada é marcada por uma manifestação popular raramente vista nos últimos tempos.
No transcorrer dos séculos essa entrada passou a ser conhecida como o Domingo de Ramos e abre a chamada Semana da Paixão e/ou Pascoa. A alcunha decorre do fato de que os evangelistas narram que quando Jesus entrou as multidões de peregrinos vindos de todas as regiões da Palestina e até mesmo de outros países distantes começaram a cantar e as pessoas começaram a lançar adiante dele folhas de palmeiras e seus mantos enquanto lentamente sua montaria, um pequeno jumentinho, passava. Esta euforia que foi tomando conta da multidão não era sem motivo, pois a cena expressava toda expectativa messiânica que impregnava a atmosfera da proximidade da festa da Páscoa. As autoridades religiosas judaicas e romanas entram em estado de alerta!
A questão que inspirava perigo não era a manifestação carinhosa das palmeiras e mantos lançados à frente de Jesus, mas as palavras entoadas pela multidão – Hosana, Hosana o que vem em nome do Senhor!
Na verdade, não eram os ramos das palmeiras que eram o problema, e sim o que as pessoas estavam dizendo: “Bendito é o rei que vem em nome do Senhor!” (Lc 19.38). Imediatamente alguns fariseus aproximam-se de Jesus e ordenam que Jesus repreenda a multidão, pois eles sabiam que não era apenas o refrão de uma canção, mas uma profecia!
            O refrão da música faz parte do Salmo 118, cuja temática é a alegria triunfal do Senhor. No cântico o salmista declara que a pedra que foi rejeitada veio a se torna a “pedra angular [fundamental]” (verso 22). Para todos os israelitas em todos os lugares para onde foram dispersos esse era o tão esperado Dia da Salvação! (versos 23-24); e no verso 25 um grande coral ora: “Salva-nos, agora, te pedimos, ó SENHOR; ó SENHOR, te pedimos, prospera-nos”. E todo israelita sabia que essa salvação e prosperidade somente viriam na manifestação do Messias, por isso no verso seguinte o salmista declara: “Bem-aventurado aquele que vem em nome do SENHOR!”  
            Aqui está a indignação e pânico das autoridades religiosas judaicas; a voz da multidão cantando o Salmo 118, na medida em que Jesus adentra os portões de Jerusalém e começa a caminhar por suas ruas em direção ao Templo, é uma declaração de que Ele é o Messias tão aguardado por séculos.
Por isso o pedido desesperado dos fariseus: “Ouça o que a multidão está dizendo; eles acham que você é o Messias que veio salvá-los – impeça-os de continuarem declarando isso!” Mas Jesus nos os impediu e ainda declara que se eles viessem a se calar as próprias pedras clamariam. Jesus é o Messias e Ele veio para salvar o seu povo!
            Mas onde está o problema então?
            A multidão estava certa na questão da salvação, pois Jesus é de fato o salvador; todavia, como aquela multidão e tantas outras depois dela, se equivocaram no que tange à maneira como Jesus realizaria esta salvação.
            Aquelas pessoas queriam a salvação e a prosperidade (sucesso, riqueza, glória); a grande expectativa era de que o Messias (Jesus) marchasse pelas ruas da cidade e fosse confrontar as autoridades romanas. Eles queriam ficar livres da opressão romana (sem se aperceberem que sua maior fonte de opressão vinha das próprias autoridades religiosas que os explorava); eles queriam uma libertação com pragas sobre os romanos, como nos dias de Moisés. Eles queriam um novo êxodo – um libertador que expulsasse os romanos e seus exércitos.
            Mas para grande frustração deles, em vez disso, o que eles viriam na sexta-feira dessa mesma semana, era um homem totalmente desfigurado e coberto de sangue, um prisioneiro em custódia romana, rejeitado por suas próprias autoridades religiosas, ao lado de um criminoso conhecido chamado Barrabás. No domingo viram um rei incomparável e na sexta estavam vendo um homem completamente humilhado e vencido – era o que seus olhos podiam ver (qualquer semelhança com os dias atuais não são meras coincidências).
Essa decepção e frustração da multidão são reveladas na manhã de sexta-feira, com gritos de fúria e violência. O “Bem-aventurado”, do domingo foi substituído pelo “crucifica-o” da sexta.
O problema não está no Salmo – sua mensagem está correta e foi cumprida literalmente. O problema não está em Jesus Cristo, pois ele de fato é o Messias que haveria de vir, trazendo da parte de Deus salvação. O grande problema daquela multidão e das multidões atuais continua sendo o velho e petrificado coração do ser humano decaído.
As pessoas continuam rejeitando Jesus pelo mesmo motivo – um coração petrificado pelo pecado. Eles querem a “prosperidade” da mensagem evangélica (tem até partido político fundando igrejas), mas rejeitam violentamente o Jesus Cristo do Evangelho. Um coração à parte da graça divina é uma fonte de onde jorram o mal e a morte.
Mas o Evangelho foi e continuara sendo pregado até que todos possam saber que Jesus é o Salvador. Podem transformar as igrejas em instituições religiosas estéreis e que buscam apenas a própria prosperidade de seus territórios feudais religiosos. Mas o genuíno Evangelho, que transforma pecadores em novas criaturas continuara sendo proclamado a tempo e fora de tempo, em todos os lugares e até os confins da Terra.
Hosana, Hosana àquele que vem em nome do Senhor! Esse refrão cantado pelo salmista mil anos antes da vinda de Jesus continuara sendo cantado por todos os salvos até que Jesus volte e ecoara por toda a eternidade.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas
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DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1995.
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento – Marcos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.
JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no Tempo de Jesus: pesquisa de história econômico-social no período neotestamentário. 4 ed. São Paulo: Paulus, 1983.
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Walker, Peter. Pelos Caminhos de Jesus. São Paulo: Ed. Rosari, 2007.


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