quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Profeta Amós Sua Formação e a Influência Recabita



“Amós busca a pureza e a simplicidade do culto”
Paul F. Barackman
            A tarefa para a qual Deus enviou o profeta Amós era sem dúvida alguma das mais difíceis – pregar para pessoas cujas mentes estavam cauterizadas pelo materialismo e cujos corações estavam dominados pelo hedonismo. O que importava para os moradores do Reino do Norte (Israel) era o quanto iriam lucrar (prosperar) e quanto prazer eles poderiam alcançar – muito dinheiro no bolso e saúde para dar e vender.
            A possibilidade de uma resposta positiva diante da mensagem que Amós deveria pregar era diminuta, pois anunciar o juízo eminente de Deus sobre uma sociedade que vive em ascensão de prosperidade material e econômica é encontrar ouvidos completamente ensurdecidos. Mas a preocupação do profeta não era tanto com o resultado final de suas mensagens, mas acima de tudo, em cumprir fielmente o chamado de seu Deus e Senhor.
            Amós não era da linhagem sacerdotal, mas um comerciante e criador de rebanhos. Por morar em uma região rustica e por desempenhar atividades braçais, ele tinha a fibra e a determinação necessárias que Deus requeria para a árdua tarefa. Mas o que era mais importante é que Amós era um homem que tinha temor e tremor diante de Deus; sua vida estava integralmente comprometida com a vontade de Deus; conhecia bem as Escrituras mosaicas e os princípios que regiam a Aliança estabelecida por Deus com seu povo, pois desde a infância frequentava o Templo em Jerusalém, visto que sua região Tecoa ficava cerca de duas horas de caminhada e, além disso, muitas literaturas estavam circulando como os livros de Moisés, Samuel e Reis. Mas o profeta também conhecia bem a natureza humana e sabia com que facilidade se afastava da vontade de Deus e mergulhava voluntariamente em toda sorte de depravação física, moral e espiritual.
            O Reino do Norte (Israel) desde o processo de separação do Reino do Sul (Judá) optou por tomar a estrada que os distanciava cada vez mais da Aliança com Yahweh. A construção de templos e a instituição de uma casta sacerdotal independente da linhagem de Arão (levitas), nos primeiros anos de Jeroboão, contribuiriam para se institucionalizar uma religião sincretista que se cristalizaria na história posterior dos israelitas tendo como ápice o reinado da dinastia Omridas de Acabe e Jezabel.
            Mas o profeta Amós havia sido fortemente influenciado por muitas pessoas comprometidas com o propósito de Deus. Ainda se fazia ouvir as mensagens contundentes de Elias em Sarepta e no Carmelo e as de Eliseu em Sunem. Suas histórias ainda eram recontadas por grande parte da população sulista: a ressurreição do filho da viúva, a vitória sobre os profetas de Baal, a passagem a seco pelo rio Jordão, a posterior purificação das águas de Jericó, a utilização de ervas venenosas para suprir a fome em tempo de escassez alimentar – tudo isso era compartilhadas nas cidades e aldeias – e faziam o jovem coração de Amós vibrar!
            As mensagens de Joel, anunciando o grande e temível “Dia do Senhor” circulavam em cópias de rolos de couro e eram lidas e ensinadas; Jonas havia sido um profeta contemporâneo do seu tempo; seu pai Amitai exercia a função sacerdotal e era muito respeitado em sua região ao norte de Nazaré; em Jerusalém muito se falava de Azarias, sacerdote zeloso das prerrogativas levíticas e que por isso acabou confrontado o próprio rei. Essa ampla gama de influências positivas moldaram o caráter e a convicção do jovem Amós. Somado a isso é praticamente certo que em decorrência de suas atividades comerciais e decorrentes viagens por todo território judaico-israelita ele teve contato e foi influenciado pelos recabitas, um movimento religioso muito forte que se amalgamaram à história dos israelitas ainda nos dias de Moisés e Josué.
Os Recabitas Suas Origens e Influência
            Eles eram uma tribo errante de descendência quenita (1 Cr 2.55 ) e, portanto, ligados ao cunhado de Moisés ( Jz 1.16). Alguns descendentes desta tribo se estabeleceram no sul de Judá (1 Sm 27.10; 30.29) e outros perto de Quedes em Naftali (Jz 4.11).
            Depois de liberta os israelitas do Egito, passando pelas terras dos medianitas, onde seu sogro Jetro (Reuel) habitava, Moisés convenceu seu cunhado Hobabe a se juntar a eles na jornada em direção à Canaã, pois conheciam como poucos a região e seriam “os olhos” deles durante a peregrinação, indicando onde encontrar água potável, alimentos e pastos para os rebanhos e os alertaria dos lugares perigosos indicando os caminhos menos arriscados e em decorrência dessa associação seriam abençoados com as promessas da Aliança (Nm 10.29-32). A partir desse momento esses descendentes de Jetro passaram a fazer parte da história israelita incluindo o período pós-cativeiro (1Cr 2.55).
Apesar de viverem entre os israelitas, eles mantiveram suas origens nômades e um dos líderes desse clã foi Recabe. Ele se caracterizou por conduzir sua família a levar uma vida de austeridade e abstinência, pois desejava evitar que seus descendentes fossem levados à apostasia e à imoralidade. Os recabitas não edificavam casas, habitavam em tendas e peregrinavam pela terra; também não plantavam e nem faziam sementeiras,  adotavam a abstinência total de vinho, e dessa forma também não possuíam nenhuma vinha.
Participaram efetivamente do desenvolvimento histórico israelita, como revela o envolvimento deles no período de Reis quando se pôs fim à dinastia Omridas de Acabe e Jezabel. Jeú um oficial de alta patente, se não o comandante do exército de Israel, havia sido ungido rei de Israel pelo profeta Eliseu (2 Reis 9.1-3) que predisse a destruição da descendência idolatra dos Omridas (2 Rs 9.7,8). O descendente no trono naquele momento Jorão filho de Acabe e Jezabel, que havia sido ferido na guerra contra o rei da Síria e estava curando suas feridas na cidade fortaleza de Jizreel.
Uma vez ungido e aclamado novo rei de Israel Jeú empreende a jornada para invasão da fortaleza e matar Jorão e todos os seus descendentes, bem como todos os profetas de Baal que viviam à mordomia da corte. Mas antes de chegar à cidade vem ao seu encontro Jonadabe, homem de influência e maioral dos recabitas, que tomando conhecimento do que se sucedera, quer lhe fazer as saudações.
Jeú sabedor de que os recabitas eram inimigos mortais do culto à Baal e seus profetas – pois abominavam quaisquer tipos de idolatria – convidou Jonadabe para que fosse com eles e testemunhasse seu zelo pelo culto a Yahweh. Todavia, o que Jonadabe viu foi uma carnificina repugnante, pois além de assassinarem cerca de quarenta familiares de Acabe-Jezabel, todos os sacerdotes e profetas de Baal que viviam à custa do trono também foram mortos ao fio da espada (2 Rs 10.18-28).
Essas cenas de barbárie reforçou ainda mais o desejo de Jonadabe de conduzir seus descendentes à uma vida espiritual e moral em harmonia com os preceitos de Deus, mantendo uma separação literal da corrupção deteriorante que apodrecia a alma de Israel. E ele estava coberto de razão pois pouco tempo depois Jeú revelou sua verdadeira face - não teve a prudência de andar de todo o seu coração na Lei do Senhor e nem se afastou dos pecados cometidos por Jeroboão, um dos mais idólatras reis de Israel e continuou sacrificando a deuses estranhos (2 Rs 10.29-31) e apesar de até a quarta geração de jeú ocupar o trono, Deus começou a diminuir o território de Israel (2 Rs 10.32,33).
Nos dias do profeta Jeremias a fama dos recabitas eram cantadas em versos e prosas. Eles viviam sem excessos, com alto conceito moral e obediente às diretrizes de seu líder. O que contrastava veemente com a forma com que os israelitas viviam naqueles dias – entregue a toda sorte de sensualidades e depravação; permissiva a toda sorte de abusos, exploração e ganância econômica e jurídica - tudo revestido de uma roupagem religiosa sincretista.
Os recabitas se constituíam em um modelo do zelo religioso de Yahweh. Foi por esse motivo que o profeta Jeremias os utilizou como exemplo para contrastar o modo decadente dos israelitas (Jr 35). Por ordem de Deus o profeta Jeremias convidou uma família dos recabitas para virem com ele até o templo de Jerusalém e ali em uma das antecâmaras públicas coloca diante deles taças e jarros com vinho e disse a eles – podem tomar à vontade – é vinho de ótima qualidade. Mas a resposta deles foi: “Não beberemos vinho porque nosso pai, Jonadabe, filho de Recabe, deixou ordem para que os membros de nossa família jamais bebessem vinho” (35.6). Então Jeremias como boca de Deus declara a todos os presentes e à toda população: “O Senhor do Universo, o Deus de Israel, diz: Pergunte ao povo de Judá e de Jerusalém: Quando vocês vão obedecer os meus ensinos, as minhas ordens? Por que não aprendem uma lição com a família dos recabitas? Jonadabe, o fundador da família, ordenou que eles não bebessem vinho, e até hoje eles obedecem. Mas vocês, vocês não querem saber de Me obedecer, apesar de Eu os avisar diariamente, há muito tempo. Desde o princípio de sua nação venho enviando profetas e mais profetas com a mesma mensagem: Arrependam-se! Cada um deve deixar seus maus caminhos, e passar a fazer o que é direito. Não adorem nem sirvam a outros deuses! Assim vocês viverão para sempre na terra que dei a seus pais. Mas vocês nunca Me deram ouvidos, nunca Me obedeceram! A família de Recabe obedeceu fielmente às ordens de Jonadabe, seu fundador. Vocês, no entanto, nunca Me obedeceram. Por causa disso, o Senhor do Universo, o Deus de Israel, avisa: Já que vocês não Me obedecem quando dou uma ordem, já que não respondem quando chamo, castigarei Judá e Jerusalém com todo o sofrimento que venho prometendo” (35.13-17).
Certamente que o profeta Amós compartilhou dos ideais recabitas. Sua mensagem está impregnada da fragrância de uma vida de descontaminação do pecado e depravação que permeava toda a nação israelita. Para Amós nada menos do que um compromisso integral à vontade de Deus expresso nos princípios estabelecidos por Deus em sua Palavra era aceitável. A fé e a obediência à Deus e sua Aliança eram inegociáveis. A sua mensagem é um cântico de louvor composto por uma sinfonia de virtudes que ele prega a todo pulmão – nas praças, mercados, ruas e vielas de Samaria – na esperança de encontrar alguma ressonância nos corações de ao menos alguns israelitas. Sua mensagem é um espelho onde se reflete o anseio íntimo do profeta de ver restaurados pela fé os fieis de Yahweh – “Buscai o bem e não o mal e o Senhor dos Exércitos estará convosco” (Am 5.14).
Mas os israelitas estavam com seus ouvidos completamente tampados e seus corações petrificados por toda forma de pecados: se esqueceram do que era fazer o bem; suas ricas casas eram construídas com dinheiro fruto de roubou e corrupção; eram motivados a explorarem os pobres e oprimirem os necessitados; torceram a justiça em favor dos corruptos e contra a população; perderam completamente o senso da moralidade e da justiça; a balança da justiça pendia unicamente para favorecer os corruptos e bandidos; os cultos eram tradições estéreis de obediência genuína a Deus e sua Palavra.
Mas o profeta deixa muito claro de que o Juízo de Deus é eminente e toda essa indolência será punida: “Naquele dia, vocês serão como um homem que foge de um leão e acaba caindo nas garras de um urso; ou como um homem que se refugia na sua casa e, cansado, apoia sua mão na parede, e uma cobra o morde. Sim, aquele dia será de escuridão e desespero para todos vocês. Eu odeio o exibicionismo - o fingimento de me "honrar" com festas religiosas e assembleias solenes. Eu não aceitarei as ofertas queimadas e as ofertas de gratidão. Nem sequer vou olhar para as ofertas de paz. Acabem com esse barulho das suas canções; eles são um barulho que incomoda meus ouvidos. Não ouvirei suas músicas, por mais belas que seja. O que Eu quero ver é a justiça correndo como um rio. Quero ver uma correnteza de justiça e retidão” (5.19-24a).
Tão certo quanto o Senhor Vive, a maldade inclemente instalada na Sociedade brasileira e a indolência do evangelicalismo hedonista-materialista predominante nesta Nação, estão debaixo do eminente Juízo de Deus, assim como os israelitas nos dias de Amós.
“Buscai ao Senhor e vivereis!”

Além do Pó

Assim como caem as folhas
Cabelos também hão de cair
Anunciando uma nova estação
Lembrando a você que nem
Sempre é verão

Assim como a pedra desgasta
Seu corpo também vai se acabar
Fazendo mais pó para o vento levar
Abrindo passagem pra o tempo passar

Mas, além do pó.
Existe uma eternidade pra se viver
Onde você vai passá-la
Responda que eu quero saber

Assim como a pedra desgasta
Seu corpo também vai se acabar
Fazendo mais pó para o vento levar
Abrindo passagem pra o tempo passar

(Conjunto Novo Alvorecer)


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
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