“Amós busca a pureza e a simplicidade do culto”
Paul F. Barackman
A tarefa para a qual Deus enviou o profeta Amós era sem
dúvida alguma das mais difíceis – pregar para pessoas cujas mentes estavam
cauterizadas pelo materialismo e cujos corações estavam dominados pelo
hedonismo. O que importava para os moradores do Reino do Norte (Israel) era o
quanto iriam lucrar (prosperar) e quanto prazer eles poderiam alcançar – muito
dinheiro no bolso e saúde para dar e vender.
A possibilidade de uma resposta positiva diante da
mensagem que Amós deveria pregar era diminuta, pois anunciar o juízo eminente
de Deus sobre uma sociedade que vive em ascensão de prosperidade material e
econômica é encontrar ouvidos completamente ensurdecidos. Mas a preocupação do
profeta não era tanto com o resultado final de suas mensagens, mas acima de
tudo, em cumprir fielmente o chamado de seu Deus e Senhor.
Amós não era da linhagem sacerdotal, mas um comerciante e
criador de rebanhos. Por morar em uma região rustica e por desempenhar
atividades braçais, ele tinha a fibra e a determinação necessárias que Deus
requeria para a árdua tarefa. Mas o que era mais importante é que Amós era um
homem que tinha temor e tremor diante de Deus; sua vida estava integralmente
comprometida com a vontade de Deus; conhecia bem as Escrituras mosaicas e os
princípios que regiam a Aliança estabelecida por Deus com seu povo, pois desde
a infância frequentava o Templo em Jerusalém, visto que sua região Tecoa ficava
cerca de duas horas de caminhada e, além disso, muitas literaturas estavam
circulando como os livros de Moisés, Samuel e Reis. Mas o profeta também
conhecia bem a natureza humana e sabia com que facilidade se afastava da
vontade de Deus e mergulhava voluntariamente em toda sorte de depravação
física, moral e espiritual.
O Reino do Norte (Israel) desde o processo de separação
do Reino do Sul (Judá) optou por tomar a estrada que os distanciava cada vez
mais da Aliança com Yahweh. A construção de templos e a instituição de uma
casta sacerdotal independente da linhagem de Arão (levitas), nos primeiros anos de Jeroboão, contribuiriam para se institucionalizar uma religião sincretista que se
cristalizaria na história posterior dos israelitas tendo como ápice o reinado
da dinastia Omridas de Acabe e Jezabel.
Mas o profeta Amós havia sido fortemente influenciado por
muitas pessoas comprometidas com o propósito de Deus. Ainda se fazia ouvir as
mensagens contundentes de Elias em
Sarepta e no Carmelo e as de Eliseu em
Sunem. Suas histórias ainda eram recontadas por grande parte da população
sulista: a ressurreição do filho da viúva, a vitória sobre os profetas de Baal,
a passagem a seco pelo rio Jordão, a posterior purificação das águas de Jericó,
a utilização de ervas venenosas para suprir a fome em tempo de escassez alimentar
– tudo isso era compartilhadas nas cidades e aldeias – e faziam o jovem coração
de Amós vibrar!
As mensagens de Joel,
anunciando o grande e temível “Dia do Senhor” circulavam em cópias de rolos de
couro e eram lidas e ensinadas; Jonas havia sido um profeta contemporâneo do
seu tempo; seu pai Amitai exercia
a função sacerdotal e era muito respeitado em sua região ao norte de Nazaré; em
Jerusalém muito se falava de Azarias,
sacerdote zeloso das prerrogativas levíticas e que por isso acabou confrontado
o próprio rei. Essa ampla gama de influências positivas moldaram o caráter e a
convicção do jovem Amós. Somado a isso é praticamente certo que em decorrência
de suas atividades comerciais e decorrentes viagens por todo território
judaico-israelita ele teve contato e foi influenciado pelos recabitas, um movimento religioso muito
forte que se amalgamaram à história dos israelitas ainda nos dias de Moisés e
Josué.
Os Recabitas Suas Origens e
Influência
Eles eram uma tribo errante de descendência quenita (1 Cr
2.55 ) e, portanto, ligados ao cunhado de Moisés ( Jz 1.16). Alguns descendentes
desta tribo se estabeleceram no sul de Judá (1 Sm 27.10; 30.29) e outros perto
de Quedes em Naftali (Jz 4.11).
Depois de liberta os israelitas do Egito, passando pelas
terras dos medianitas, onde seu sogro Jetro (Reuel) habitava, Moisés convenceu
seu cunhado Hobabe a se juntar a eles na jornada em direção à Canaã, pois conheciam
como poucos a região e seriam “os olhos” deles durante a peregrinação,
indicando onde encontrar água potável, alimentos e pastos para os rebanhos e os
alertaria dos lugares perigosos indicando os caminhos menos arriscados e em
decorrência dessa associação seriam abençoados com as promessas da Aliança (Nm
10.29-32). A partir desse momento esses descendentes de Jetro passaram a fazer parte
da história israelita incluindo o período pós-cativeiro (1Cr 2.55).
Apesar
de viverem entre os israelitas, eles mantiveram suas origens nômades e um dos
líderes desse clã foi Recabe. Ele se caracterizou por conduzir sua família a levar
uma vida de austeridade e abstinência, pois desejava evitar que seus
descendentes fossem levados à apostasia e à imoralidade. Os recabitas não
edificavam casas, habitavam em tendas e peregrinavam pela terra; também não plantavam
e nem faziam sementeiras, adotavam a
abstinência total de vinho, e dessa forma também não possuíam nenhuma vinha.
Participaram
efetivamente do desenvolvimento histórico israelita, como revela o envolvimento
deles no período de Reis quando se pôs fim à dinastia Omridas de Acabe e
Jezabel. Jeú um oficial de alta patente, se não o comandante do exército de
Israel, havia sido ungido rei de Israel pelo profeta Eliseu (2 Reis 9.1-3) que
predisse a destruição da descendência idolatra dos Omridas (2 Rs 9.7,8). O descendente
no trono naquele momento Jorão filho de Acabe e Jezabel, que havia sido ferido
na guerra contra o rei da Síria e estava curando suas feridas na cidade
fortaleza de Jizreel.
Uma
vez ungido e aclamado novo rei de Israel Jeú empreende a jornada para invasão da
fortaleza e matar Jorão e todos os seus descendentes, bem como todos os
profetas de Baal que viviam à mordomia da corte. Mas antes de chegar à cidade
vem ao seu encontro Jonadabe, homem de influência e maioral dos recabitas, que
tomando conhecimento do que se sucedera, quer lhe fazer as saudações.
Jeú
sabedor de que os recabitas eram inimigos mortais do culto à Baal e seus
profetas – pois abominavam quaisquer tipos de idolatria – convidou Jonadabe
para que fosse com eles e testemunhasse seu zelo pelo culto a Yahweh. Todavia,
o que Jonadabe viu foi uma carnificina repugnante, pois além de assassinarem
cerca de quarenta familiares de Acabe-Jezabel, todos os sacerdotes e profetas
de Baal que viviam à custa do trono também foram mortos ao fio da espada (2 Rs
10.18-28).
Essas
cenas de barbárie reforçou ainda mais o desejo de Jonadabe de conduzir seus descendentes
à uma vida espiritual e moral em harmonia com os preceitos de Deus, mantendo
uma separação literal da corrupção deteriorante que apodrecia a alma de Israel.
E ele estava coberto de razão pois pouco tempo depois Jeú revelou sua verdadeira
face - não teve a prudência de andar de todo o seu coração na Lei do Senhor e
nem se afastou dos pecados cometidos por Jeroboão, um dos mais idólatras reis
de Israel e continuou sacrificando a deuses estranhos (2 Rs 10.29-31) e apesar
de até a quarta geração de jeú ocupar o trono, Deus começou a diminuir o
território de Israel (2 Rs 10.32,33).
Nos
dias do profeta Jeremias a fama dos recabitas eram cantadas em versos e prosas.
Eles viviam sem excessos, com alto conceito moral e obediente às diretrizes de
seu líder. O que contrastava veemente com a forma com que os israelitas viviam
naqueles dias – entregue a toda sorte de sensualidades e depravação; permissiva
a toda sorte de abusos, exploração e ganância econômica e jurídica - tudo revestido
de uma roupagem religiosa sincretista.
Os
recabitas se constituíam em um modelo do zelo religioso de Yahweh. Foi por esse
motivo que o profeta Jeremias os utilizou como exemplo para contrastar o modo
decadente dos israelitas (Jr 35). Por ordem de Deus o profeta Jeremias convidou
uma família dos recabitas para virem com ele até o templo de Jerusalém e ali em
uma das antecâmaras públicas coloca diante deles taças e jarros com vinho e
disse a eles – podem tomar à vontade – é vinho de ótima qualidade. Mas a
resposta deles foi: “Não beberemos vinho porque nosso pai,
Jonadabe, filho de Recabe, deixou ordem para que os membros de nossa família
jamais bebessem vinho” (35.6). Então
Jeremias como boca de Deus declara a todos os presentes e à toda população: “O Senhor do Universo, o Deus de
Israel, diz: Pergunte ao povo de Judá e
de Jerusalém: Quando vocês vão obedecer os meus ensinos, as minhas ordens? Por
que não aprendem uma lição com a família dos recabitas? Jonadabe, o fundador da
família, ordenou que eles não bebessem vinho, e até hoje eles obedecem. Mas
vocês, vocês não querem saber de Me obedecer, apesar de Eu os avisar
diariamente, há muito tempo. Desde o princípio de sua nação venho enviando
profetas e mais profetas com a mesma mensagem: Arrependam-se! Cada um deve
deixar seus maus caminhos, e passar a fazer o que é direito. Não adorem nem
sirvam a outros deuses! Assim vocês viverão para sempre na terra que dei a seus
pais. Mas vocês nunca Me deram ouvidos, nunca Me obedeceram! A família de
Recabe obedeceu fielmente às ordens de Jonadabe, seu fundador. Vocês, no
entanto, nunca Me obedeceram. Por causa disso, o Senhor do Universo, o Deus de
Israel, avisa: Já que vocês não Me obedecem quando dou uma ordem, já que não
respondem quando chamo, castigarei Judá e Jerusalém com todo o sofrimento que
venho prometendo” (35.13-17).
Certamente
que o profeta Amós compartilhou dos ideais recabitas. Sua mensagem está
impregnada da fragrância de uma vida de descontaminação do pecado e depravação
que permeava toda a nação israelita. Para Amós nada menos do que um compromisso
integral à vontade de Deus expresso nos princípios estabelecidos por Deus em
sua Palavra era aceitável. A fé e a obediência à Deus e sua Aliança eram
inegociáveis. A sua mensagem é um cântico de louvor composto por uma sinfonia
de virtudes que ele prega a todo pulmão – nas praças, mercados, ruas e vielas
de Samaria – na esperança de encontrar alguma ressonância nos corações de ao
menos alguns israelitas. Sua mensagem é um espelho onde se reflete o anseio íntimo
do profeta de ver restaurados pela fé os fieis de Yahweh – “Buscai
o bem e não o mal e o Senhor dos Exércitos estará convosco” (Am 5.14).
Mas
os israelitas estavam com seus ouvidos completamente tampados e seus corações
petrificados por toda forma de pecados: se esqueceram do que era fazer o bem;
suas ricas casas eram construídas com dinheiro fruto de roubou e corrupção;
eram motivados a explorarem os pobres e oprimirem os necessitados; torceram a
justiça em favor dos corruptos e contra a população; perderam completamente o
senso da moralidade e da justiça; a balança da justiça pendia unicamente para
favorecer os corruptos e bandidos; os cultos eram tradições estéreis de
obediência genuína a Deus e sua Palavra.
Mas
o profeta deixa muito claro de que o Juízo de Deus é eminente e toda essa
indolência será punida: “Naquele
dia, vocês serão como um homem que foge de um leão e acaba caindo nas garras de
um urso; ou como um homem que se refugia na sua casa e, cansado, apoia sua mão
na parede, e uma cobra o morde. Sim, aquele dia será de escuridão e desespero
para todos vocês. Eu odeio o exibicionismo - o fingimento de me
"honrar" com festas religiosas e assembleias solenes. Eu não
aceitarei as ofertas queimadas e as ofertas de gratidão. Nem sequer vou olhar
para as ofertas de paz. Acabem com esse barulho das suas canções; eles são um
barulho que incomoda meus ouvidos. Não ouvirei suas músicas, por mais belas que
seja. O que Eu quero ver é a justiça
correndo como um rio. Quero ver uma correnteza de justiça e retidão” (5.19-24a).
Tão
certo quanto o Senhor Vive, a maldade inclemente instalada na Sociedade
brasileira e a indolência do evangelicalismo hedonista-materialista
predominante nesta Nação, estão debaixo do eminente Juízo de Deus, assim como
os israelitas nos dias de Amós.
“Buscai ao Senhor e vivereis!”
Além
do Pó
Assim como caem as folhas
Cabelos também hão de cair
Anunciando uma nova estação
Lembrando a você que nem
Sempre é verão
Assim como a pedra desgasta
Seu corpo também vai se acabar
Fazendo mais pó para o vento levar
Abrindo passagem pra o tempo passar
Mas, além do pó.
Existe uma eternidade pra se viver
Onde você vai passá-la
Responda que eu quero saber
Assim como a pedra desgasta
Seu corpo também vai se acabar
Fazendo mais pó para o vento levar
Abrindo passagem pra o tempo passar
(Conjunto Novo
Alvorecer)
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro
Blog
Historiologia
Protestante
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