segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Páscoa: Contagem Regressiva das Últimas Horas Antes da Cruz - Prelúdio


            Os grãos de areia da ampulheta temporal de Jesus esta rapidamente se esgotando – já é quarta-feira (Nisã 13 - 1 de abril de 33 DC). Após tomar o café matutino, preparado com carinho pelas irmãs Marta e Maria, cujo irmão Lazaro havia sido ressuscitado alguns dias atrás, Jesus e os discípulos dirigem-se uma vez mais para Jerusalém. A distância é de apenas alguns poucos quilômetros e percorrida em pouco mais de uma hora. Mesmo tendo plena consciência de tudo que está para lhe acontecer seus passos são firmes, pois sabe que foi para isso que veio – para fazer a vontade do Pai.
Na medida em que se aproximam do portão principal o barulho e a agitação da cidade vão invadindo seus ouvidos. A população urbana triplicava nesse período das festas da Páscoa que emendava com a do Pentecostes. Milhares de peregrinos, vindos de todos os lugares da Palestina judaica e adjacência, somados aos que vinham de outros países (Atos 2.9-11) tomavam as praças, ruas e vielas apertadas de Jerusalém. Os comerciantes estão ávidos diante do lucro eminente e muitos se aproveitam para aumentar inescrupulosamente os preços de suas mercadorias; as lideranças religiosas do Templo contabilizavam as ofertas que entravam nos gazofilácios e também o que recebiam por fora das comissões dos mercantilistas.
Os discípulos lembram que tinha de se fazer os preparativos para a refeição pascoal na virada daquele dia, pois o dia judaico inicia às 18h, quando o sol de põe.  Então Pedro e João (Lc 22.8; cf. Mc 14.13,14) são orientados a procurarem uma determinada pessoa que os conduziriam a um local apropriado (Cenáculo) para que pudessem fazer os preparativos: o cordeiro deveria ser imolado; as ervas amargas, o pão e o vinho deveriam ser comprados; finalmente o cordeiro deveria ser assado e os molhos prontos; é provável que algumas das mulheres que acompanharam Jesus durante seu ministério ajudaram na preparação desta refeição.
Nos bastidores daquela quarta-feira as autoridades religiosas acertam com Judas Iscariotes os detalhes da entrega de Jesus. De todas as possibilidades que eles haviam cogitado para prendê-lo com toda certeza nenhuma delas é mais conveniente que um dentre o grupo mais íntimo dos discípulos o traísse (Mc 14.10-11).
O que levou Iscariotes a um ato tão vil como esse? Foi um dos privilegiados, pois havia sido separado pelo próprio Jesus para compor o grupo dos Doze (Mt 26.14; Mc 14.10; Lc 22.3; Jo 6.70,71). Durante quase três anos conviveu com ele, foi testemunha ocular das suas ações mais extraordinárias (acalmando uma tempestade no mar da Galiléia; multiplicando pães; curando as enfermidades mais diversas: lepra, hemorragia, cegueira, paralisia; e finalmente a ressurreição de Lazaro morto a três dias); ouviu os mais extraordinários ensinos e respostas plena de autoridade às perguntas que eram elaboradas para tentar incrimina-lo ou descredencia-lo. Uma razão proposta para sua traição é de que o aprisionamento seria uma espécie de start que forçaria Jesus a manifestar todo seu poder messiânico e finalmente liderasse uma rebelião contra o domínio romano e iniciasse seu próprio reinado sobre a nação judaica, o qual ele e seus companheiros exerceriam papeis de destaque. O exegeta William Hendriksen, em seu comentário do evangelho de Marcos, expõe alguns outros possíveis motivos que levaram Iscariotes a trair seu Mestre (2003, p. 709-710).
A razão indicada pelos evangelistas é de que Iscariotes foi tomado pelo espírito maligno que se utilizou dele para levar Jesus à morte (Jo 13.3,4; 17.12). A traição revela que Iscariotes nunca entendeu de fato a mensagem do Reino ensinada por Jesus, assim como fica explicito na multidão que ovaciona quando Jesus entra em Jerusalém e cinco dias depois estão gritando “crucifica-o”! O agravante de Iscariotes é que ele tinha usufruído da intimidade de Jesus por um longo período.
A mudança de humor da multidão e a traição de Iscariotes também se refletem na negação de Pedro e na fuga dos demais discípulos na hora derradeira, exemplificado nos dois discípulos de Emaús, que retornam frustrados e decepcionados, a ponto de nem mesmo reconhecerem Jesus (ressurreto) que caminha juntamente com eles. Após a ressurreição de Jesus paulatinamente eles começam a compreender o verdadeiro significado da mensagem evangélica de Jesus e as questões concernentes ao Seu Reino, mas será somente após o Pentecostes que eles de fato estarão preparados para anunciarem tudo que tinham visto e ouvido!
Pouca coisa mudou desde então! As mais diversas lideranças eclesiásticas continuam se aproveitando da credulidade daqueles que deveriam ser cuidados por eles – se servem em vez de servirem; as frustrações e decepções de um número crescente de cristãos estão vinculadas diretamente a não compreensão dos valores espirituais do Reino de Deus e bilhões de pessoas continuam alienadas das verdades salvadora do Evangelho.
O sol começa a se a declinar, as sombras vão tomando conta - a quinta-feira se aproxima rapidamente e agora apenas algumas horas estão entre Jesus e a Cruz!

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas
ÁLVARO BARREIRO, SJ. O itinerário da fé pascal. São Paulo: Edições Loyola, 2005. (4ª edição – revista e ampliada).
ASH, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas. Tradução Neyd V. Siqueira. São Paulo: Editora Vida Cristã, 1980.
BINZ, Stephen J. The Passion and Resurrection Narratives of Jesus. , Collegeville (Minnesota): The Liturgical Press, 1989.
CARSON D. A., DOUGLAS, J. Moo & MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado – versículo por versículo. São Paulo: Millenium, 1987.
DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1995.
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento – Marcos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.
JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no Tempo de Jesus: pesquisa de história econômico-social no período neotestamentário. 4 ed. São Paulo: Paulus, 1983.
MAGGIONI, Bruno. Os relatos evangélicos da Paixão. Tradução Bertilo Brod. São Paulo: Paulinas, 2000. (Coleção: Espiritualidade sem fronteiras).
Walker, Peter. Pelos Caminhos de Jesus. São Paulo: Ed. Rosari, 2007.

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