Os grãos de areia da ampulheta temporal de Jesus esta
rapidamente se esgotando – já é quarta-feira
(Nisã 13 - 1 de abril de 33 DC). Após
tomar o café matutino, preparado com carinho pelas irmãs Marta e Maria, cujo
irmão Lazaro havia sido ressuscitado alguns dias atrás, Jesus e os discípulos dirigem-se
uma vez mais para Jerusalém. A distância é de apenas alguns poucos quilômetros
e percorrida em pouco mais de uma hora. Mesmo tendo plena consciência de tudo
que está para lhe acontecer seus passos são firmes, pois sabe que foi para isso
que veio – para fazer a vontade do Pai.
Na
medida em que se aproximam do portão principal o barulho e a agitação da cidade
vão invadindo seus ouvidos. A população urbana triplicava nesse período das
festas da Páscoa que emendava com a do Pentecostes. Milhares de peregrinos,
vindos de todos os lugares da Palestina judaica e adjacência, somados aos que
vinham de outros países (Atos 2.9-11) tomavam as praças, ruas e vielas
apertadas de Jerusalém. Os comerciantes estão ávidos diante do lucro eminente e
muitos se aproveitam para aumentar inescrupulosamente os preços de suas
mercadorias; as lideranças religiosas do Templo contabilizavam as ofertas que
entravam nos gazofilácios e também o que recebiam por fora das comissões dos
mercantilistas.
Os
discípulos lembram que tinha de se fazer os preparativos para a refeição
pascoal na virada daquele dia, pois o dia judaico inicia às 18h, quando o sol
de põe. Então Pedro e João (Lc 22.8; cf.
Mc 14.13,14) são orientados a procurarem uma determinada pessoa que os
conduziriam a um local apropriado (Cenáculo) para que pudessem fazer os
preparativos: o cordeiro deveria ser imolado; as ervas amargas, o pão e o vinho
deveriam ser comprados; finalmente o cordeiro deveria ser assado e os molhos prontos;
é provável que algumas das mulheres que acompanharam Jesus durante seu
ministério ajudaram na preparação desta refeição.
Nos
bastidores daquela quarta-feira as autoridades religiosas acertam com Judas
Iscariotes os detalhes da entrega de Jesus. De todas as possibilidades que eles
haviam cogitado para prendê-lo com toda certeza nenhuma delas é mais conveniente
que um dentre o grupo mais íntimo dos discípulos o traísse (Mc 14.10-11).
O
que levou Iscariotes a um ato tão vil como esse? Foi um dos privilegiados, pois
havia sido separado pelo próprio Jesus para compor o grupo dos Doze (Mt 26.14;
Mc 14.10; Lc 22.3; Jo 6.70,71). Durante quase três anos conviveu com ele, foi
testemunha ocular das suas ações mais extraordinárias (acalmando uma tempestade
no mar da Galiléia; multiplicando pães; curando as enfermidades mais diversas:
lepra, hemorragia, cegueira, paralisia; e finalmente a ressurreição de Lazaro morto
a três dias); ouviu os mais extraordinários ensinos e respostas plena de
autoridade às perguntas que eram elaboradas para tentar incrimina-lo ou descredencia-lo.
Uma razão proposta para sua traição é de que o aprisionamento seria uma espécie
de start que forçaria Jesus a manifestar todo seu poder messiânico e finalmente
liderasse uma rebelião contra o domínio romano e iniciasse seu próprio reinado
sobre a nação judaica, o qual ele e seus companheiros exerceriam papeis de
destaque. O exegeta William Hendriksen, em seu comentário do evangelho de
Marcos, expõe alguns outros possíveis motivos que levaram Iscariotes a trair
seu Mestre (2003, p. 709-710).
A
razão indicada pelos evangelistas é de que Iscariotes foi tomado pelo espírito
maligno que se utilizou dele para levar Jesus à morte (Jo 13.3,4; 17.12). A
traição revela que Iscariotes nunca entendeu de fato a mensagem do Reino ensinada
por Jesus, assim como fica explicito na multidão que ovaciona quando Jesus
entra em Jerusalém e cinco dias depois estão gritando “crucifica-o”! O
agravante de Iscariotes é que ele tinha usufruído da intimidade de Jesus por um
longo período.
A
mudança de humor da multidão e a traição de Iscariotes também se refletem na
negação de Pedro e na fuga dos demais discípulos na hora derradeira,
exemplificado nos dois discípulos de Emaús, que retornam frustrados e
decepcionados, a ponto de nem mesmo reconhecerem Jesus (ressurreto) que caminha
juntamente com eles. Após a ressurreição de Jesus paulatinamente eles começam a
compreender o verdadeiro significado da mensagem evangélica de Jesus e as
questões concernentes ao Seu Reino, mas será somente após o Pentecostes que
eles de fato estarão preparados para anunciarem tudo que tinham visto e ouvido!
Pouca
coisa mudou desde então! As mais diversas lideranças eclesiásticas continuam se
aproveitando da credulidade daqueles que deveriam ser cuidados por eles – se servem
em vez de servirem; as frustrações e decepções de um número crescente de
cristãos estão vinculadas diretamente a não compreensão dos valores espirituais
do Reino de Deus e bilhões de pessoas continuam alienadas das verdades salvadora
do Evangelho.
O
sol começa a se a declinar, as sombras vão tomando conta - a quinta-feira se
aproxima rapidamente e agora apenas algumas horas estão entre Jesus e a Cruz!
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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