sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

NT - Evangelho Segundo Mateus: Introdução Geral - Autoria

Nenhum outro dos livros que compõem o Segundo Testamento e/ou Novo Testamento poderia inicia-lo de forma tão harmoniosa como o evangelho escrito por Mateus. Nenhum dentre os documentos cristãos serve de elo de ligação tão perfeito com a primeira parte da Bíblia, composta pelos escritos judaicos, do que a narrativa evangélica elaborada pelo apóstolo Mateus. Abaixo menciono rapidamente algumas opiniões de conceituados estudiosos sobre este primeiro evangelho:
            “Em grandeza de concepção, e no rigor com que uma massa de material se subordina a grandes ideias, nenhum livro em qualquer um dos Testamentos, tratando de um tema histórico, deve ser comparado com Mateus.” (Zahn, 1953, p.556).
“O evangelho de Mateus tem sido aceito em todos os tempos, como narrativa autoritária da vida de Cristo, o documento fundamental da religião cristã.” (SCOTT, 1932, p.65).
“Pelos meados do século II d.C., era o mais usado dos evangelhos, evidenciado pelo fato que escritores cristãos do segundo século citam-no mais que qualquer outro evangelho.... Mateus parece ter sido o primeiro evangelho universalmente aceito pela igreja como autoritário, e em pé de igualdade com o A.T.” (CHAMPLIN, 1985, p.259).

Autoria
Nenhum dos evangelhos bíblicos trazem originalmente a identificação de seu autor. Mas isso não significa que os nomes indicados em nossas bíblias sejam artificiais, pois há três tipos de evidências que são utilizadas para se chegar a uma conclusão satisfatória sobre a autoria deste primeiro evangelho, bem como de todos os demais livros bíblicos: o título, evidência externa e evidência interna.  Verifiquemos cada uma delas:

O Título: É aceito pela grande maioria dos estudiosos, que os títulos dos evangelhos do Novo Testamento não estavam inseridos nos autógrafos[1], mas foram adicionados posteriormente. Naqueles dias iniciais do primeiro século, sobretudo os orientais, não tinham o costume de nomear seus escritos, a não ser as cartas pessoais (ex. as cartas de Paulo). Mas como explica João Leal, os títulos nominais dos evangelhos já são encontrados no segundo século e de acordo com ele “possivelmente nasceram ao começo, com o fim de distinguir os Evangelhos autênticos e oficialmente reconhecidos pelos bispos católicos dos outros apócrifos e não admitidos na leitura oficial das Igrejas” (1945, p. 37-38). Carson corrobora o valor histórico destes títulos que nomeiam os evangelhos:
Muitas vezes se afirmam que o evangelho tradicionalmente conhecido como de Mateus é, à semelhança dos outros evangelhos canônicos, obra anônima.  Do ponto de vista formal, isso é correto, se o padrão de comparação for, digamos, a epístola de Paulo aos romanos, em que as linhas iniciais do texto identificam tanto o autor quanto os primeiros leitores.  Não há nada semelhante a isto em Mateus, Marcos, Lucas e João.  No entanto, não temos qualquer prova de que esses evangelhos chegaram a circular sem uma designação adequada, kata lahaiom (kata Mathoaion, “segundo Mateus”) ou algo parecido” (1997, p. 72-73 – Itálico meu).
Em relação a este evangelho a tradição histórica é universal: todos os manuscritos encontrados trazem alguma espécie de inscrição referente a Mateus. Alguns pesquisadores sugerem que este título foi inserido bem cedo, próximo a 125 d.C.  A inscrição simples encontrada no manuscrito Aleph B (segundo Mateus), com o tempo progrediu e ficou mais elaborado e no quinto século o título comum já era (O Evangelho segundo Mateus), e posteriormente passou a ser identificado como (o Sagrado Evangelho segundo Mateus) MSS Bizantino e outros. Assim, com a existência destas abundantes inscrições, somado ao fato de que em nenhum momento da narrativa evangélica o autor se identifica, fortalece bem a posição de que Mateus foi o escritor.

Evidência Externa:  A declaração mais antiga de que Mateus escreveu algum material evangélico vem de Papias (100 d.C.),[2] citado por Eusébio [3], onde ele faz uma referência difícil de ser claramente entendida em seu sentido literal: (‘compôs’?, ‘compilou’?), ‘dispôs [de forma organizada]’? ) (‘as declarações’?, ‘o evangelho’?) em (na ‘língua hebraica [aramaica]’?, ‘o estilo hebraico [aramaico]’?, e cada um os (‘interpretou’?, ‘traduziu’?, ‘transmitiu’?) da melhor forma que pôde”[4].  Por causa destas dificuldades os estudiosos aceitam esta referência com reservas. É discutível se de fato a intenção de Papias era identificar a “logia” como sendo todo o Evangelho de Mateus ou apenas uma coleção de extratos ainda sem organização.  Mas como ele também se refere a Marcos afirmando que ele havia feito um arranjo da “logia do Senhor”, como se referindo ao todo do nosso segundo evangelho, não há porque não aceitar o mesmo tratamento em relação a Mateus. A opção mais consensual é de que Papias faz referência a uma fonte de escritos copilados por Mateus e que provavelmente ele os incorporou ao escrever o que nós temos hoje como o “Evangelho segundo Mateus”. A conclusão possível é de que Papias está se referindo ao apóstolo Mateus como autor de um material sobre a vida de Jesus. Se era um proto-Mateus, “Q”, ou o Evangelho propriamente dito, não o sabemos ao certo, todavia, a autoria de Mateus quanto ao primeiro evangelho é diretamente ou indiretamente abalizado por esta declaração. Os estudos recentes que rejeitam esta interpretação muitas vezes têm como objetivo apenas distanciar o máximo possível a narrativa evangélica da vida de Jesus, de modo que haveria espaço suficiente para se criar o mito ou lenda a seu respeito.
Ainda dentro das evidências externas temos a citação de Ireneu: “Mateus publicou também um Evangelho entre os hebreus no seu próprio dialeto, enquanto Pedro e Paulo pregavam em Roma e punham os fundamentos da Igreja”[9]. Parece óbvio que Ireneu obtém a base desta informação de Papias (pois ele conheceu pessoalmente seu trabalho), mas ele adiciona dois pontos interessantes: (1) o público do trabalho de Mateus era os judeus (ou cristãos judaicos); (2) o tempo em que este trabalho foi escrito durante a permanência de Pedro e Paulo em Roma (esta parte da tradição não recebe um testemunho independente). Mas, Ireneu adiciona um ponto interessante, uma vez que os dois apóstolos estiveram em Roma próximo de 60 d.C., isto pode ajudar a se fixar uma data para o Evangelho de Mateus. Sucedem a estes outros como Origines, Eusébio, Jerônimo, Agostinho que corroboram a opinião da autoria de Mateus[10].
Em relação a uma possível obra em hebraico-aramaico escrita por Mateus, não há nenhum vestígio de manuscritos. Para Champlin são poucos os “eruditos modernos pensam que Mateus teve um original hebraico, como se o mesmo fosse apenas uma ‘tradução’ para o grego” e por esta razão, continua ele “a maioria deles pensa que aqueles antigos personagens se referem a alguma outra obra, talvez incorporada no evangelho de Mateus, mas não próprio evangelho de Mateus, conforme o conhecemos hoje em dia” (1985, p. 259).
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

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Referência Bibliográfica
ZAHN, Theodor. Introduction to the New Testament. Michigan: Kregel Publications, 1953, p.556.
SCOTT, E. F. The Literature of the New Testament. Edinburgh: T&T Clark, 1932.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado. São Paulo: ed. Milenium, 1985. [v. 1].
CARSON, D. A., MOO, Douglas J. e MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.

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[1] Autógrafo é o termo que se refere à edição original de um trabalho particular, escrito ou ditado pelo autor. É a primeira cópia da qual todas as cópias seriam mais tarde reproduzidas.
[2] Papias viveu em cerca de 130 d.C. e foi discípulo ou do apóstolo João ou do presbítero João, da Ásia Menor. O historiador Eusébio o relaciona com o primeiro.
[3] Chamado de o pai da história da igreja, que veio a tornar-se bispo de Cesaréia no início do século quarto - 325 d.C.
[4] A citação seria: “Mateus, compôs em aramaico os Oráculos do Senhor, que foram traduzidos para o grego por cada pessoa conforme era capaz. ” (Eusébio, História Ecclesiae, III, xxxix, 16).


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