sábado, 6 de fevereiro de 2016

OS LIVROS POÉTICOS E DE SABEDORIA - Introdução Geral

            O estudo dos livros poéticos e de sabedoria é fascinante e extremamente agradável. Ler cada um desses livros e extrair as joias raríssimas neles contidos eleva a alma. Uma das características mais extraordinária de pensarmos estas literaturas bíblicas é que elas nos fazem sentir a presença de Deus tão real e intensa, que podemos ouvi-lo, vê-lo e toca-lo como nenhuma outra porção das Escrituras é capaz de fazer.
            Nestes dias em que vivemos em meio a um turbilhão enfurecido que tenta nos arrancar e arrastar para o caos e a morte, meditar nos Salmos e demais literaturas poéticas e sábias, é encontrar um abrigo seguro e um lugar de descanso e renovo para a alma, o corpo e a mente – é um oásis no meio do deserto escaldante deste mundo tenebroso em que vivemos.
            Quero te convidar para juntos apreendermos os princípios límpidos e cristalinos que emanam de cada uma das páginas deste conjunto que perfazem a literatura poética e sapiencial desta primeira parte da nossa Bíblia. Meu único desejo é que você possa redescobrir ou quem sabe, descobrir, os mananciais que nascem e formam os mais impressionantes rios que você já viu, e quem sabe ao se aproximar desses rios você possa saciar sua sede de Deus e banhar-se refrescando sua alma.
Introdução Geral
O conjunto de livros bíblicos que denominamos Poéticos e Sabedoria (Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, e Cânticos dos Cânticos e/ou Cantares) de uma forma ou de outra se ajustam no contexto histórico do Pentateuco (Gênesis a Deuteronômio) e dos chamados livros Históricos (Josué a Ester).
            Embora as demais seções da Bíblia contenham um pouco de poesia (ex. os profetas anunciavam suas mensagens em forma poética – Isaías 53), os hebreus identificavam três grandes livros poéticos: Jó, Salmos e Provérbios.  Mas quando foi feita a versão latina Vulgata (Jerônimo) optou-se com incluir nesta mesma classificação os livros de Eclesiastes e Cantares, perfazendo um total de cinco livros geralmente denominados de ‘Poéticos’.  Mas pode-se fazer ainda uma outra subdivisão: três Livros de Sabedoria (Jó, Provérbios e Eclesiastes) e dois Livros de Cânticos (Salmos e Cantares).  
Para uma melhor compreensão deste peculiar conjunto literário do AT é oportuno resgatarmos um pouco da Poesia hebraica da antiguidade, ainda que pela limitação trabalhemos mais com conjecturas e hipóteses, ainda que razoavelmente abalizadas, do que propriamente com fatos inquestionáveis.
Os hebreus sendo um povo dominado por intensas e profundas emoções, com certeza desde cedo encontraram na poesia e na música uma fonte inesgotável para expressá-las em todas as ocasiões: festas religiosas e familiares, funerais e inclusive quando tinham que enfrentar as duras batalhas. Como os demais povos, eles utilizam a poesia e a música para registrar e perpetuar os seus acontecimentos históricos mais importantes. Podemos perceber facilmente isto nos registros dos acontecimentos primitivos: o cântico de Lameque (Gn.4:23); os diversos cânticos compostos durante a trajetória do Êxodo; o cântico celebre de Débora (Jz.5); e como os jovens relembravam a morte da filha de Jefté (Jz.11:40; 21:20).
Mesmo no transcorrer do tempo a poesia hebraica não perdeu sua primitiva simplicidade. A língua hebraica com sua construção gramatical singela possibilitou a preservação da sua beleza e aroma; ainda que por detrás dessa simplicidade haja uma multiforme variedade de expressões. Apesar das limitações impostas pelo verbo hebraico que é fraco em suas designações temporais, ela é amplamente compensada no emprego de suas formas intensas e peculiares.
No Hebraico, a forma, a preocupação literária, monta a muito pouco. É a ideia, o pensamento, a emoção que se procura desenvolver. Torna-se tanto complexo, por desconhecimento da gramatica hebraica, adentrarmos nas questões linguística como, por exemplo, meras mudanças de letras da raiz, e o uso dos sufixos, que modificam a força e o tom dos sentimentos que se quer exprimir.
Outrossim, o que também dá majestade a uma língua é o material sublime do pensamento que exprime. E neste aspecto o Hebraico é único. Deus, o que “É” o “Eu Sou”, o único e verdadeiro Deus, JAHVEH/YAVÉ, o Redentor do Seu povo, é o tema principal, quase constante, da língua e da literatura hebraica – não um Deus panteísta ou meramente deísta, mas uma Pessoa (Ser) que se relaciona com Suas criaturas, que o servem no gozo legitimo da vida; cuja Presença eles percebem, sentem e estremecem. Daí o realismo do Hebraico, a utilização abundante do antropomorfismo do Velho Testamento. O ser humano não aparece idealizado: apresenta-se tal qual é, com suas misérias e também na sua força e beleza natural. Mas este realismo é expresso com todas as gradações de cores, de que as línguas indo-germânicas não podem ter ideia. Nestas os sinônimos são poucos e bem assinalados; no Hebraico, porém, temos, por exemplo, 55 sinônimos para o verbo destruir, 60 para quebrar, 74 para tomar, e assim por diante. Torna-se trabalho impossível definir claramente as sutis gradações entre eles. Esta riqueza de sinônimos das palavras, bem como das frases, contribui poderosamente para a majestade estupenda do pensamento. É uma lira de que dispõe um grande artista, com milhares de cordas, cada uma com seu som, sua cor especial, e que são capazes de reproduzir as mais transcendentes harmonias.
Este grande movimento, esta vivacidade e fervor do pensamento hebraico, dão à língua uma grande sinceridade, tenacidade e ênfase no modo de dizer, de expressar. É uma língua transparente como um vidro através do qual se vê a alma do povo. Nada daquela reserva, calma e fria, daquela autoconsciência da literatura e da língua grega (RODRIGUES, 1921, pp.140-141).
Por tudo isto, pode se perceber que a poesia hebraica está centrada no desenvolvimento da ação, de modo que as formas de raciocínio e o desenvolvimento natural do pensamento têm uma importância secundária.
Razões Para o Estudo dos Livros Poéticos e Sabedoria
1.    Os cinco livros representam uma parte expressiva da revelação de Deus no Velho Testamento.
2.     Eles são ampla e abundantemente citados, tanto pelo Senhor Jesus quanto pelos escritores neotestamentários, principalmente Salmos.[1]
3.     Eles lidam com algumas das questões básicas e universais do ser humano, tais como: “Por que do sofrimento? ” (), “Qual o significado da vida? ” (Eclesiastes), “Por que o ímpio prospera? ” (Salmo 73), “Deus considera o sexo como algo sujo? ” (Cânticos).
4.     Estes livros têm um caráter pessoal. Eles focalizam as reflexões pessoais do crente e sua relação pessoal com seu Deus.[2] [2]
5.    Eles contêm o que há de mais bonita e poderosa na literatura humana.
Características Peculiares dos Livros Poéticos e Sabedoria
Antes de examiná-los, devemos observar certas características peculiares destes livros, tão bem destacadas por Baxter (1993, pp. 14-15):
ü  Os dezessete livros anteriores são históricos. Estes cinco livros poéticos são experienciais.
ü  Os dezessete livros históricos se preocupam com uma nação, como tal. Estes cinco livros poéticos se preocupam com indivíduos, como tal.
ü  Os dezessete livros anteriores se relacionam com a raça hebreia. Estes cinco se relacionam com o coração humano (universal).
ü  É preciso compreender, claramente, que o termo “poético” só se refere à forma deles. Não deve ser pensado que eles são simplesmente um produto da criatividade humana.
ü  Estes cinco livros denominados “poéticos” não são a única poesia nas Escrituras hebraicas. Há extensões de poesia nos escritos dos profetas que nós veremos no transcorrer de nossos estudos.
 Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


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Artigo Relacionado
A BONDADE DE DEUS - Salmo 136    
Referências Bibliográficas
BAXTER, J. Sidlow. Examinai as Escrituras, v.3, São Paulo: ed. Vida Nova, 1993.
ELLISEN, Stanley A. Conheça Melhor o Antigo Testamento. Flórida: ed. Vida, 1991.
RODRIGUES, José Carlos. Estudo Histórico e Crítico sobre o Velho Testamento, v.1. Rio de Janeiro: editora? ,1921.




[1] “Das 360 citações e alusões ao Antigo Testamento encontradas no Novo Testamento, quase um terço (112) referem-se aos Salmos. W. Graham Scroggie (The Psalms) observou que elas se referem a noventa e sete salmos, e encontram-se em vinte e três dos vinte e sete livros do Novo Testamento. ... Os Salmos contêm muitas referências à pessoa e à vinda do Messias. As descrições de Cristo e sua obra são algumas vezes mais detalhadas do que nos Evangelhos, registrando, por exemplo, não somente a sua morte, mas os seus pensamentos, quando ele estava na cruz. Essas referências eram consideradas tão importantes que o Senhor repreendeu os discípulos por não compreenderem que elas se referiam a ele (Lucas 24:25,44) ” (ELLISEN, 1991, p. 169-172). O autor traz ainda uma relação das setenta e sete citações mais importantes (p.169) e um  breve esboço das referências gerais messiânicas dos Salmos (p.172).
[2] Na leitura do Pentateuco podemos ver apenas uma sombra tênue desta relação pessoal; nos livros Históricos podemos percebe-la inserida nos fatos e eventos registrados; nos Profetas ela se manifesta nas convicções e preocupações relacionadas com a sociedade e o mundo; mas nestes cinco livros o relacionamento e questionamento mais íntimo e profundo do indivíduo, podem ser visto em cada uma de suas páginas.

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