O
estudo dos livros poéticos e de sabedoria é fascinante e extremamente
agradável. Ler cada um desses livros e extrair as joias raríssimas neles
contidos eleva a alma. Uma das características mais extraordinária de pensarmos
estas literaturas bíblicas é que elas nos fazem sentir a presença de Deus tão
real e intensa, que podemos ouvi-lo, vê-lo e toca-lo como nenhuma outra porção
das Escrituras é capaz de fazer.
Nestes
dias em que vivemos em meio a um turbilhão enfurecido que tenta nos arrancar e
arrastar para o caos e a morte, meditar nos Salmos e demais literaturas
poéticas e sábias, é encontrar um abrigo seguro e um lugar de descanso e renovo
para a alma, o corpo e a mente – é um oásis no meio do deserto escaldante deste
mundo tenebroso em que vivemos.
Quero
te convidar para juntos apreendermos os princípios límpidos e cristalinos que
emanam de cada uma das páginas deste conjunto que perfazem a literatura poética
e sapiencial desta primeira parte da nossa Bíblia. Meu único desejo é que você
possa redescobrir ou quem sabe, descobrir, os mananciais que nascem e formam os
mais impressionantes rios que você já viu, e quem sabe ao se aproximar desses
rios você possa saciar sua sede de Deus e banhar-se refrescando sua alma.
Introdução
Geral
O conjunto de livros bíblicos
que denominamos Poéticos e Sabedoria (Jó,
Salmos, Provérbios, Eclesiastes, e Cânticos dos Cânticos e/ou Cantares)
de uma forma ou de outra se ajustam no contexto histórico do Pentateuco
(Gênesis a Deuteronômio) e dos chamados livros Históricos (Josué a Ester).
Embora
as demais seções da Bíblia contenham um pouco de poesia (ex. os profetas
anunciavam suas mensagens em forma poética – Isaías 53), os hebreus
identificavam três grandes livros poéticos: Jó,
Salmos e Provérbios. Mas quando foi feita a versão latina Vulgata (Jerônimo) optou-se com incluir
nesta mesma classificação os livros de Eclesiastes
e Cantares, perfazendo um total de
cinco livros geralmente denominados de ‘Poéticos’.
Mas pode-se fazer ainda uma outra subdivisão: três Livros de Sabedoria (Jó, Provérbios e Eclesiastes) e dois Livros
de Cânticos (Salmos e Cantares).
Para uma melhor compreensão
deste peculiar conjunto literário do AT é oportuno resgatarmos um pouco
da Poesia hebraica da antiguidade, ainda que pela limitação
trabalhemos mais com conjecturas e hipóteses,
ainda que razoavelmente abalizadas, do que propriamente com fatos
inquestionáveis.
Os hebreus sendo um povo
dominado por intensas e profundas emoções, com certeza desde cedo
encontraram na poesia e na música uma fonte
inesgotável para expressá-las em todas as ocasiões: festas religiosas e
familiares, funerais e inclusive quando tinham que enfrentar as duras batalhas.
Como os demais povos, eles utilizam a poesia e a música para
registrar e perpetuar os seus acontecimentos históricos mais importantes.
Podemos perceber facilmente isto nos registros dos acontecimentos primitivos: o
cântico de Lameque (Gn.4:23); os diversos cânticos compostos durante a
trajetória do Êxodo; o cântico celebre de Débora (Jz.5); e como os jovens
relembravam a morte da filha de Jefté (Jz.11:40; 21:20).
Mesmo no transcorrer do tempo
a poesia hebraica não perdeu sua primitiva simplicidade. A língua hebraica
com sua construção gramatical singela possibilitou a preservação da sua beleza
e aroma; ainda que por detrás dessa simplicidade haja uma multiforme
variedade de expressões. Apesar das limitações impostas pelo verbo
hebraico que é fraco em suas designações temporais, ela é amplamente
compensada no emprego de suas formas intensas e peculiares.
No Hebraico, a forma, a
preocupação literária, monta a muito pouco. É a ideia, o pensamento, a emoção
que se procura desenvolver. Torna-se tanto complexo, por desconhecimento da gramatica
hebraica, adentrarmos nas questões linguística como, por exemplo, meras
mudanças de letras da raiz, e o uso
dos sufixos, que modificam a força e o tom dos sentimentos que se quer exprimir.
Outrossim, o que também dá
majestade a uma língua é o material sublime do pensamento que exprime. E neste aspecto o Hebraico é único.
Deus, o que “É” o “Eu Sou”, o único e verdadeiro Deus, JAHVEH/YAVÉ, o Redentor
do Seu povo, é o tema principal,
quase constante, da língua e da literatura hebraica – não um Deus panteísta ou
meramente deísta, mas uma Pessoa
(Ser) que se relaciona com Suas criaturas, que o servem no gozo legitimo da
vida; cuja Presença eles percebem, sentem e estremecem. Daí o realismo do Hebraico, a utilização abundante do antropomorfismo
do Velho Testamento. O ser humano não aparece idealizado: apresenta-se tal qual é, com suas misérias e também na
sua força e beleza natural. Mas este realismo
é expresso com todas as gradações de cores,
de que as línguas indo-germânicas não podem ter ideia. Nestas os sinônimos são
poucos e bem assinalados; no Hebraico, porém, temos, por exemplo, 55 sinônimos para o verbo destruir, 60 para quebrar, 74 para tomar, e assim por diante. Torna-se trabalho impossível definir
claramente as sutis gradações entre eles. Esta riqueza de sinônimos das
palavras, bem como das frases, contribui poderosamente para a majestade
estupenda do pensamento. É uma lira de que dispõe um grande artista, com
milhares de cordas, cada uma com seu som, sua cor especial, e que são capazes
de reproduzir as mais transcendentes harmonias.
Este grande movimento, esta
vivacidade e fervor do pensamento hebraico, dão à língua uma grande sinceridade, tenacidade e ênfase no
modo de dizer, de expressar. É uma língua transparente como um vidro através do
qual se vê a alma do povo. Nada daquela reserva, calma e fria, daquela
autoconsciência da literatura e da língua grega (RODRIGUES, 1921, pp.140-141).
Por tudo isto, pode se
perceber que a poesia hebraica está centrada no
desenvolvimento da ação, de modo que as formas de raciocínio
e o desenvolvimento natural do pensamento têm uma importância secundária.
Razões
Para o Estudo dos Livros Poéticos e Sabedoria
1. Os
cinco livros representam uma parte expressiva da revelação de Deus no Velho
Testamento.
2. Eles
são ampla e abundantemente citados, tanto pelo Senhor Jesus quanto pelos
escritores neotestamentários, principalmente Salmos.[1]
3. Eles
lidam com algumas das questões básicas e universais do ser humano, tais como: “Por
que do sofrimento? ” (Jó), “Qual o significado da vida? ” (Eclesiastes),
“Por que o ímpio prospera? ” (Salmo 73), “Deus considera
o sexo como algo sujo? ” (Cânticos).
4. Estes
livros têm um caráter pessoal. Eles focalizam as reflexões pessoais do crente e
sua relação pessoal com seu Deus.[2] [2]
5. Eles
contêm o que há de mais bonita e poderosa na literatura humana.
Características
Peculiares dos Livros Poéticos e Sabedoria
Antes de examiná-los, devemos
observar certas características peculiares destes livros, tão bem destacadas
por Baxter (1993, pp. 14-15):
ü Os
dezessete livros anteriores são históricos. Estes cinco livros
poéticos são experienciais.
ü Os
dezessete livros históricos se preocupam com uma nação, como tal.
Estes cinco livros poéticos se preocupam com indivíduos, como tal.
ü Os
dezessete livros anteriores se relacionam com a raça hebreia. Estes
cinco se relacionam com o coração humano (universal).
ü É
preciso compreender, claramente, que o termo “poético” só se refere à
forma deles. Não deve ser pensado que eles são simplesmente um produto da
criatividade humana.
ü Estes
cinco livros denominados “poéticos” não são a única poesia nas Escrituras hebraicas.
Há extensões de poesia nos escritos dos profetas que nós veremos no transcorrer
de nossos estudos.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan
Pereira
Mestre em
Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana
Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Poéticos e Sabedoria no Canon Hebraico
Artigo Relacionado
A BONDADE DE DEUS - Salmo 136
Referências
Bibliográficas
BAXTER, J. Sidlow. Examinai as Escrituras, v.3, São Paulo: ed. Vida Nova, 1993.
ELLISEN, Stanley A. Conheça Melhor o Antigo Testamento. Flórida: ed. Vida, 1991.
RODRIGUES, José Carlos. Estudo
Histórico e Crítico sobre o Velho Testamento, v.1. Rio de Janeiro: editora? ,1921.
[1] “Das 360 citações e alusões ao Antigo
Testamento encontradas no Novo Testamento, quase um terço (112) referem-se aos
Salmos. W. Graham Scroggie (The Psalms) observou que elas se referem a noventa
e sete salmos, e encontram-se em vinte e três dos vinte e sete livros do Novo
Testamento. ... Os Salmos contêm muitas referências à pessoa e à vinda do
Messias. As descrições de Cristo e sua obra são algumas vezes mais detalhadas
do que nos Evangelhos, registrando, por exemplo, não somente a sua morte, mas
os seus pensamentos, quando ele estava na cruz. Essas referências eram
consideradas tão importantes que o Senhor repreendeu os discípulos por não
compreenderem que elas se referiam a ele (Lucas 24:25,44) ” (ELLISEN, 1991, p.
169-172). O autor traz ainda uma relação das setenta e sete citações mais
importantes (p.169) e um breve esboço
das referências gerais messiânicas dos Salmos (p.172).
[2] Na leitura do Pentateuco podemos ver
apenas uma sombra tênue desta relação pessoal; nos livros Históricos podemos
percebe-la inserida nos fatos e eventos registrados; nos Profetas ela se
manifesta nas convicções e preocupações relacionadas com a sociedade e o mundo;
mas nestes cinco livros o relacionamento e questionamento mais íntimo e
profundo do indivíduo, podem ser visto em cada uma de suas páginas.
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