Uma das características mais fascinantes das narrativas
bíblicas é que nelas seus personagens são plenamente humanos, com suas virtudes
e defeitos. Seja um grande líder ou uma pessoa comum ou mesmo o povo em sua
maioria, são retratados de forma nua e crua. Por isso podemos ler e nos
identificar com esses milhares de personagens, que são verdadeiros espelhos de
nós mesmos.
O livro de Juízes é a sequência histórica natural do seu
antecessor, o livro de Josué. Sob a liderança forte e carismática de Josué os
israelitas foram tomando parte por parte o território dos povos canaanitas.
Evidentemente que nem tudo foram flores, pois inumeráveis espinhos dificultaram
tão extraordinária campanha bélica. Grande parte das dificuldades foram criadas
pelos próprios israelitas, que para variar, nunca entenderam e atenderam para
as orientações de Deus, e na maioria das vezes, metiam os pés pelas mãos
(evidentemente nós nunca fazemos isso).
Agora, Josué já foi sepultado, bem como seu grande companheiro
de batalhas e fé, Calebe. Uma nova geração de israelitas está usufruindo as
conquistas de seus pais. Mas como tudo que vem fácil, vai fácil, esta nova
geração se “esqueceu” de tudo quanto
Deus havia falado e feito e se sentiram desobrigados a viverem uma fé e
religião que lhes privava das coisas prazerosas que Canaã oferecia. Tudo isso está
sintetizado na frase que se constitui um refrão do livro de Juízes: “fizeram o que parecia mal aos olhos do
Senhor”.
Infelizmente o livro é uma ode triste e dramática de um
povo e seus líderes que reiteradamente optam por se afastarem de seu Deus, que
os havia libertado da escravidão, sustentado no deserto e lhes havia capacitado
a tomarem posse de uma terra que lhes havia sido prometida ainda nos remotos
dias de Abraão, Isaque, Jacó e Moisés.
Mas por outro lado, podemos encontrar nas páginas deste
livro, a manifestação extraordinária da graça [favor não merecido] de Deus. Em
poucas partes da bíblia podemos visualizar de forma tão concreta a longânime
paciência de Deus, para com um povo ingrato e determinado a fazer o que
desagrada a Deus.
Há um ciclo pernicioso que se repete durante toda a
narrativa deste livro (2.16-23): reincidência na desobediência (pecado);
disciplina (invasão de povos inimigos); arrependimento (reconhece o pecado);
livramento (providência de Deus) e período de paz (graça de Deus). Há pelo
menos oito ciclos registrado neste livro, conforme nomeados abaixo.
Mas esses ciclos não são apenas meras repetições, mas há
uma terrível espiral descendente, onde a cada um desses ciclos os israelitas
paulatinamente vão se afastando cada vez mais da vontade de Deus, claramente
estabelecida na Aliança, cujos os termos foram registrados no Pentateuco. Desta
forma, quanto mais se afastam do padrão de Deus, mais afundam na decadência e
depravação das religiões e costumes dos povos canaanitas. Qualquer semelhança
com o evangelicalismo brasileiro não é mera coincidência.
No livro de Juízes os israelitas vivem continuamente no
fio da navalha. A cada novo ciclo de desobediência aos termos da Aliança, mais
se aproximam da decadência total. As conclusões do livro, com os registros de
acontecimentos sórdidos, foram colocadas (alguns comentaristas dizem
deslocadas) como um epitáfio de um período deprimente e degenerado do “povo de
Deus”. Essa geração evangélica brasileira narcisista/hedonista está muito
próxima de seu epitáfio.
O título do livro “Juízes” (Shophetim) é decorrente
dos diversos líderes que Deus levantou para liderar,
libertar e governar as tribos. Esses líderes são tribais e nenhum deles de
fato julgou todas as tribos. Não houve sucessores entre os juízes, como
acontecem com os reis, e em alguns momentos mais de um juiz exerceu essa função
simultaneamente. Entre eles destaca-se uma mulher, Débora, que diante da negativa de Baraque em assumir a liderança
para a batalha, assumiu o papel de juíza, liderando e vencendo a batalha contra
os inimigos que lhes oprimia.
É preciso entender que os ciclos cronológicos citados na
narrativa, 40 anos (uma geração), ou de seu múltiplo 80, ou ainda seus
submúltiplos 20, 10, são simbólicos e não exatos, visto que o escritor
certamente não possuía em mãos os dados exatos. Desta forma estabelecer uma
cronologia do período de Juízes é muito complicado, pois a somatória simples do
tempo que cada juiz exerceu sua função e as invasões somam 410 anos, de maneira
que fica além da cronológica histórica da época.
A escolha de cada juiz é feita por Deus, não
necessariamente fundamentada no caráter dos escolhidos. Se houve juiz como
Débora de caráter ilibado, houve também Gideão titubeante, Sansão inconsequente
e Jefté que em um rompante idolatra acaba por condenar sua própria filha à
morte. Evidentemente, que cada um deles foi chamado e cumpriu seus objetivos,
unicamente por que Deus os capacitou, e não por causa de suas habilidades ou
capacidades pessoais. Na verdade, nenhum deles, ou de nós, está apto por si mesmo
a servir a Deus, pois como dizia acertadamente o poeta/rei Davi – “o meu pecado está sempre diante de mim”.
Nas páginas da Bíblia não há super homem ou super mulher, apenas e tão somente,
pecadores nas mãos de um Deus gracioso, que os capacita e sustenta, quando
chamados a fazerem sua vontade e cumprir seus desígnios.
O livro de Juízes (9.8) registra a primeira alegoria encontrada na Bíblia, provavelmente a primeira
parábola. Uma alegoria é uma história na qual um significado é transmitido
diferentemente do que está no texto ou sendo dito; serve para ilustrar uma
verdade, que no caso as árvores representam pessoas que haverão de eleger ou
escolher um rei para eles. Enquanto pessoas dignas (carvalhos) se omitirem os
maus caráter (espinheiros) sempre governaram sobre o povo.
Esboço Básico
I. Uma Retrospectiva (1 a 2.10)
II. Modelo do Ciclo de Apostasia (2.11 a 3.6)
1. Desobediência (2.11-13, 17, 19.
2. Consequência (2.14,15)
3. Arrependimento (2.18)
4. Libertação e Descanso (2.16)
Esse ciclo
se repete no transcorrer e todo o livro.
III. Autoexame (3.7 a Rute)
1. De forma geral (3.7 – 16) Ciclo de 12 Juízes
ü Otniel (3.7-11) – Mesopotâmia
ü Eúde (3.12-30) – Moabe
ü Sangar (3.31) – Filistéia
ü Débora e Baraque (4.1-5.31) Canaã (Hazor)
ü Gideão (6.1-8.35) – Midiã
ü Abimeleque, Tola e Jair (9.1-10.5) [sem inimigos externos]
ü Jefté (10.6-12.7) – Amom
ü Ibsã, Elom e Abdom (12.8-15) [sem inimigos externos]
ü Sansão (13.1-16.31 – último dos juízes) - Filistéia
2. Especifico (17 –
Rute) 02 episódios negativos e um positivo
ü Mica e sua idolatria (17-18)
ü Gibeá e Benjamim – atrocidade e guerra civil (19 – 21)
ü Noemi e Rute – uma moabita é modelo de fé (livro de Rute)
Link com o Novo Testamento
Há poucas referências deste livro no NT: Atos (13.20) faz
referências a fatos ocorridos nos dias dos juízes; o livro de Hebreus (11.32)
menciona literalmente alguns dos personagens de Juízes: Baraque (4); Gideão (6-8); Jefté
(11-12) e Sansão (14-16); todos
eles, apesar de suas fraquezas e imperfeições, são incluídos na “Galeria da Fé”.
Estatísticas: 7º
livro da Bíblia; 21 capítulos; 618 versos; 23 vezes Deus comunica sua vontade; 15 povos lutam contra os israelitas (Filisteus – 3.31; Cananeus – 1.1-33; Sidônios
– 3.3; Heveus – 3.5; Heteus – 3.5; Amorreus 1.34-36, 3.5; Ferezeus
1.4,5, 3.5; Jebuseus – 1.21, 3.5; Babilônios – 3.8-11; Moabitas 3.12-30; Amonitas – 3.13; Amalequitas
– 3.13; Midianitas – 6.1-33; Ismaelitas – 8.24; Maonitas – 10.12).
Cronologia História
A elaboração de uma cronologia dos
fatos históricos da bíblia é sempre um exercício difícil, pois nem sempre os
acontecimentos são demarcados com indiscutível exatidão. Mesmo com o avanço
expressivo da ciência arqueológica há muito que ignoramos da época Patriarcal
(Genesis), dos primórdios de Israel e seu estabelecimento em Canaã (Êxodo-Rute).
A partir da Monarquia (Davi) a cronologia começa a ter maior grau de exatidão e
conciliação com a História geral da época.
Cronologia Histórica
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História
de Israel
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Historia Geral
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Egito-Palestina na época do Bronze Antigo
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Império Antigo (2600-2500)
Império Médio (2100-1730)
Mesopotâmia
3ª dinastia de Ur (2100-2000)
Código de Hammurabi
rei
de Babilônia
(1800)
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Patriarcas
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Época do Bronze Médio
Chegada de Abraão em Canaã
(próximo de 1850)
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Jacó e sua família sobem para o Egito
(próximo 1700)
Opressão dos israelitas no Egito
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Moisés
e Josué
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Egito – Ramsés II
(1304-1238)
|
Batalha em Cades (1286)
Saída dos israelitas do Egito
A Promulgação da
Lei – Monte Sinai
(próximo de 1250)
|
Me. ipg
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BÍBLICA – Josué
SÍNTESE
BÍBLICA – Deuteronômio
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