DATA, LUGAR E DESTINATÁRIOS
Data
A tradição da Igreja
nos primeiros tempos situou o Evangelho de João no final do primeiro século,
como o último dos Evangelhos canônicos.
Alguns críticos defendem
uma data antes de 70 (mas depois de 65), tendo como base em algumas indicações
do texto que apontam para uma ideia de que a cidade de Jerusalém e o conjunto
arquitetônico do Templo ainda estariam funcionando, ou seja, antes de 70 d.C.; por
exemplo, o evangelista escreve: “Ora,
existe ali (em Jerusalém), junto à Porta das Ovelhas, um tanque” (Jo 5.2).
O argumento seria conclusivo, como explica Carson, “a não ser pelo fato de que João frequentemente emprega o tempo presente
do grego para referir-se a algo no passado” (2001, p. 189). Um estudioso
chamado Erwin R. Goodenough, citado por Tenney, lançou a ideia de que João escreveu
seu Evangelho por volta do ano 40 d.C., mas não encontrou respaldo para uma
data tão primitiva (TENNEY, 1972, p. 197).
Outros por sua vez, cuja
tendência é rejeitar a autoria de João, o apóstolo e filho de Zebedeu, é optar por uma data o quanto mais
distante possível dos fatos registrados, onde alguns chegam a propor uma data
de 200 d.C.[1], entretanto, a
descoberta do Papiro 52, restringiu a circulação do quarto Evangelho a antes de 130 d.C., como nos
indica Champlin (1987, p. 251) em seu comentário, e posteriormente outro documento foi descoberto, o Egerton Papiro
2 (PACK, 1983, p. 19). Pelo fato de que a produção de cópias era um trabalho artesanal
e custoso, é possível que concluir que o autor o escreveu em um tempo anterior e
que nesta data já havia uma ampla divulgação de seu texto evangélico.
Reforçando ainda mais a tese de uma data no primeiro
século, temos as evidências de que o quarto evangelho foi largamente utilizado
em círculos gnósticos, dos quais é possível encontrar em suas literaturas
passagens similares aos evangelhos, inclusive o escrito por João.
Por fim, há uma herança testemunhal boa e antiga, como registra Carson, “de que o Apóstolo João
viveu até idade avançada, chegando até o reinado do imperador Trajano (98 a 117
d.C.); veja Ireneu, Adv. Haer. 2.22.5; 3.3.4; citado por Eusébio, H.E.
3.23.3-4). Jerônimo, embora tenha vivido no século IV, coloca a morte de João
no sexagésimo oitavo ano ‘depois da paixão de nosso Senhor’ (De vir. Ill. 9),
isto é, por volta de 98” e,
continua ele, citando mais “evidências patrísticas de que João foi o último dos
evangelistas a escrever seu livro (Ireneu, Adv. Haer. 3.1.1; Clemente, citado
por Eusébio, H.E. 6.14.7; o próprio Eusébio, H.E. 3.24.7)” (2001, p. 189-190).
Desta forma, tanto as evidências internas, quanto as
externas, corroboram para se fixar
a
data de produção do Evangelho
de João, no período entre 80 e 90 d.C. (CARSON, 2001, p. 191; HENDRIKSEN, 2004, p. 44), até
que surjam novas e comprovadas evidências,
está continuará
sendo a opção mais abalizada.
Lugar
O consenso entre os críticos conservadores tem sido de que
João escreveu
seu Evangelho da região da Ásia
Menor,
mais especificamente na cidade
de Éfeso.
Alguns críticos têm dispendido esforços em demonstrar, tendo como
base algumas
evidências interna e externa, que o local onde este Evangelho foi escrito, teria sido outras localidades, conforme abaixo citadas, entretanto,
essas hipóteses
não demonstraram serem suficientemente
consistentes (cf. HULL, 1983, p.238;
PACK, 1983, p. 19).
Uma forte candidata têm sido a
cidade de
Alexandria, pelo fato de que
os papiros mais antigos deste quarto evangelho se encontram no Egito, bem como ali se sentia a forte influência da filosofia judaica de Filón, da qual alguns exageradamente veem uma dependência joanina.[2] Também nesta cidade proliferou os escritos herméticos (um tipo de misticismo
especulativo que prevaleceu no Egito e em alguns outros lugares do mundo
antigo) e que de forma tênue pode-se
perceber alguma
afinidade com certos pensamentos ou
conceitos e de
linguagem com o texto evangélico. Todavia,
a
questão é que não se tem qualquer vestígio sólido que vincule
este evangelho com Alexandria, como, por outro lado, se verifica com Éfeso, e
por isso a teoria não tem alcançado aceitação generalizada.
Também se tem pensado na
cidade de Antioquia,
da Síria, o grande centro missionário gentílico,
por
causa das afinidades com os escritos de Inácio de Antioquia e com outras obras
contemporâneas da região Síria. Fortalecendo esta posição existe um fragmento,
em siríaco, do comentário de Efrem, sobre o Diatessaron de Taciano, que diz:
"João escreveu aquele (evangelho),
em Antioquia, porquanto permaneceu no país, até os tempos de Trajano". A questão é que não se pode comprovar a
exatidão dessa informação, porquanto não se sabe a origem final.
Alguns poucos defendem
que João escreveu ainda na Palestina, advogam devido à sua grande familiaridade
com detalhes culturais e topográficos peculiares à região, mas este não é um
argumento incontestável, João poderia fazê-lo tranquilamente estando fora da
região de origem. Um outro argumento é a similaridade entre este evangelho e os
chamados Manuscritos do mar Morto, encontrados numa antiga comunidade dos
essênios, que habitavam a palestina naqueles dias de João. Mas, não se pode esquecer que João é judeu e, portanto,
familiarizado com a linguagem e conceitos religiosos essênios.
Os defensores de Éfeso se contrapõem às argumentações
daqueles que afirmam ser impossível que o apóstolo João pudesse ainda estar
vivo e morando em Éfeso, como tenta demonstrar M. Harnack. Entretanto, como
concluem enfaticamente Bonnet e Schroeder a presença de João na cidade de Éfeso
“é um fato que resiste a todos os ataques
da crítica mais penetrante, e que deve ser considerado como demonstrado, pelo
menos na medida em que os acontecimentos dessa época tão obscura são susceptíveis
de demonstração” (1974, p. 15-17).
Desta forma, a cidade de Éfeso continua sendo a melhor opção,
visto ser o local onde o velho Apóstolo terminou seus dias e também explica
porque Atos e a carta aos Efésios não fazem qualquer alusão à João, uma vez que
ele passou a morar ali ao menos uns vinte anos
depois da morte de Paulo e quando o livro de Atos já havia sido redigido.
Destinatários
Este quarto evangelho
em si não faz qualquer menção a seus destinatários primários. As inferências que podemos fazer estão
relacionadas diretamente com o propósito pelo qual João escreve este evangelho.
O texto de 20.31 estabelece seu público alvo: “Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o
Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome”. Assim,
podemos deduzir ao menos dois públicos alvos do evangelista:
a) cristãos, no sentido
de fortalecer a fé no que concerne à pessoa e obra de Cristo e combater algumas
heresias que desde os primeiros anos tentavam colar no cristianismo, e foram
duramente combatidas por Paulo em suas cartas, e que agora no final do primeiro
século estavam ainda mais insidiosas no esforço de se alojarem dentro do
cristianismo;[3]
b) não cristãos,
visando à evangelização tanto de judeus da diáspora e prosélitos, mas também as
pessoas de forma geral, argumentando e demonstrando que o Evangelho anunciado
por Jesus era uma mensagem de salvação universal. Para Bruce, os destinatários imediatos possivelmente foram os "membros
das
comunidades das sinagogas na área da
dispersão em que
viviam o evangelista e seus amigos" (1990, p.25).
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan
Pereira
Mestre em
Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
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Próximo artigo: Propósito do Quarto Evangelho
Artigo Relacionado
EXEGESE
DE JOÃO 4.24 - Autoria
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NT
- Evangelho de João: Contexto Religioso
Referências Bibliográficas
BONNET,
Luis y SCHROEDER, Alfredo. Comentário
del Nuevo Testamento. Buenos Aires: La Aurora, 1974. [v. 5].
CARSON, D. A. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2001.
HENDRIKSEN,
William.
Comentário do Novo Testamento – João. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2004. [v.1,].
HULL,
W. E. Comentário Bíblico Broadman. Rio de Janeiro: JUERP, 1983. [v. 9].
MCARTHUR,
John. Comentário Macarthur del Nuevo
Testamento – Juan. Epanha: Kregel, 2011.
PACK,
Frank. O Evangelho Segundo João. São
Paulo: Vida Cristã, 1983. TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento - sua origem e análise,
2a ed. (São Paulo, Vida Nova, 1972) p.194.
[*]
Trabalho Exegético no Evangelho Segundo João, para efeito de ordenação ao
ministério pastoral.
[1] Faço menção de apenas alguns desses
críticos e suas propostas de datação: F. C. Bauer (160-170); Volkmar (155);
Zeller e Scholten (150); Hilgenfeld (130-140); Keim (130); Schenkel (115-120);
Reuss, Nicolas, Renan, Sebatier, Hase (110-125); Scott E. F. (95-115).
[2] Conforme comentário de Carson, alguns
estudiosos “têm visto uma influência de
Filo, especialmente no que diz respeito ao emprego da palavra logos (‘palavra’
[NVI] ou ‘verbo’ [ARA]) em 1.1. Filón toma emprestado o conceito estoico da
palavra como o princípio da realidade, o meio de criação e governo. Pode-se
observar diversos outros paralelos” (2001, p. 179).
[3] Um claro exemplo é a de Cerinto, que
viveu nos dias do Apóstolo João, ensinava que Jesus era meramente um ser
humano, filho de Jose e Maria por geração natural, no entanto, era mais justo e
sábio do que qualquer outra pessoa, que no batismo, o Cristo, na forma de uma
pomba, havia descido sobre ele, mas o havia deixado novamente antes do
sofrimento, de tal maneira que não foi o Cristo quem sofreu, morreu e
ressuscitou, mas sim Jesus (Ireneu, Contra Heresias I, xxvi, 1/ Hipólito,
Refutação de todas as Heresias VII, xxi). A ênfase no fato de que o Verbo (Jesus)
se fez carne logo nas primeiras linhas do evangelho e as maldições sobre
aqueles que rejeitam a encarnação de Jesus nas epístolas visam claramente
corrigir tais interpretações equivocadas.
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