Os estudiosos agrupam e
classificam Jó, Provérbios e Eclesiastes como a Literatura de Sabedoria do
Velho Testamento. Falando tecnicamente, Salmos e Cânticos de Salomão não
pertencem à Literatura de Sabedoria. Mas desde que eles contêm uma certa afinidade
com eles, são às vezes incluídos. Por esta razão estes cinco livros são
chamados às vezes de Livros Poéticos e/ou Literatura de Sabedoria do Antigo
Testamento.
Os
Livros Poéticos e de Sabedoria e a Literatura Oriental Antiga
Evidentemente que a literatura
poética bíblica não é única, mas os salmistas e sábios hebreus tinham
conhecimento das formas literárias que geralmente eram usadas pelos povos e
culturas antigas tais como Suméria,[1] Babilônia, Egito,[2] e em relação à poesia
sapiencial dos cananeus e edomitas, pouco restou e somente de forma indireta
pode-se identificar traços nos textos poéticos de sabedoria hebraicos.
Seria ingenuidade não admitir
que os escritores bíblicos se utilizaram desses modelos literários e partindo
deles produziram suas próprias e peculiares composições. Os israelitas estavam
estabelecidos na encruzilhada comercial e cultural entre a Mesopotâmia e o
Egito, portanto, foram tanto beneficiados quanto influenciados pelas correntes
transculturais por essas civilizações mais antigas.
Todavia, ainda que esta
relação da poética e sabedoria hebraica possa, e deva ser estuda à luz da
literatura existente naquelas culturas orientais nos quais os israelitas
estavam inseridos, uma análise e comparação mais perspicaz revelam uma clara e
distintiva autonomia e autenticidade dos escritos bíblicos, conforme vemos
abaixo na adaptação das excelentes considerações do Dr. Thomas L. Constable:
a) O
politeísmo das culturas Orientais Antigas nunca permitiu o alto nível
conceitual-teológico expresso na poesia e literatura sapiencial bíblica.
Nenhuma outra literatura subiu ao nível de uniformidade de fé e profundeza de
pensamento que encontramos na poesia bíblica. Embora a poesia bíblica contenha
uma diversidade vital, o seu monoteísmo penetra e permeia todos os seus
conceitos e padrões morais básicos.
b) As
pressuposições e conclusões teológicas da poesia bíblica são muito diferentes e
distintas da poesia e outras literaturas daqueles povos.
c) A
sabedoria contida nos livros bíblicos supera em muito a sabedoria encontrada em
outras literaturas próximas. De acordo com 1 Reis 4.30-31, “Era a sabedoria de Salomão maior do que a de
todos os do Oriente e do que toda a sabedoria dos egípcios. Era mais sábio do
que todos os homens, mais sábio do que Etã, ezraíta, e do que Hemã, Calcol e
Darda, filhos de Maol; e correu a sua fama por todas as nações em redor”.
Deste modo, podemos concluir
que há um valor relativo em estudar estas outras literaturas para se alcançar
um entendimento maior desta nossa literatura bíblica. E o aspecto mais
relevante nesta distinção entre uma e outra produção literária é o fato de
entendermos que livros que compõem o Antigo Testamento são divinamente
revelados, de modo que, para nós o ponto de partida e de chegada é sempre a
Palavra Revelada de Deus somente.
A literatura poética
sapiencial hebraica ocupa um espaço entre o material litúrgico/cúltico e os
mandamentos explícitos de Yahweh, ou seja, no que concerne à vida cotidiana,
dos relacionamentos interpessoais, e em relação ao próprio individuo como ser
ético. Mas certamente, o cerne desta literatura, e uma das razões para estarem incluídas
no cânon bíblico, é que essa sabedoria é resultante do conhecimento e temor de
Deus e a sua justiça.
Assim como a mensagem
profética, a sabedoria é interpretada por Israel como uma revelação que indica
com clareza qual é à vontade Deus. Tecnicamente poderíamos dizer que o profeta se
dirige à comunidade como um todo, mas pode ser aplicada individualmente, enquanto
o sábio dirige-se ao indivíduo, mas pode ser aplicada por toda a comunidade, de
maneira que estes dois meios se completam na forma de Deus se comunicar com seu
povo.
Um aspecto muito importante é
o fato de que o sábio tem plena consciência de que a sabedoria, fruto da
experiência humana, deve estar submissa à vontade expressa de Deus. O Salmo 119
é um manifesto aberto e franco da relevância da Torá como padrão de todo aquele
que deseja andar pelo caminho da sabedoria – qualquer outro caminho é da loucura,
ou seja, fora da Torá não há genuína sabedoria.
Na evolução histórica de
Israel a sabedoria vai se amalgamando à mensagem profética, o que foi possível
pelo fato de que ela sempre manteve um caráter religioso. Todos os aspectos
naturais abordados pela literatura poética sapiencial israelita estão vinculados
diretamente à sua fé e ao seu relacionamento com Deus.
Por fim, por compartilharem de
um contexto cultural comum, o mundo da sabedoria, com os povos circunvizinhos, geográfica
e/ou historicamente, a literatura sapiencial israelita, fecundada de seus conceitos
teológicos, transpôs as barreiras étnicas nacionalistas, tornando possível compartilhar sua fé
com esses outros povos.
A
Canonicidade dos Livros Poéticos e de Sabedoria
Evidentemente que a literatura poética e de sabedoria hebraica não se
restringe apenas ao que foi inserido e preservado no Cânon. O que temos é
apenas um pequeno estrato de uma profícua e vasta literatura desenvolvida ao
longo dos séculos. O critério mais relevante para que estes livros viessem a
fazer parte do Cânon bíblico é o de inspiração. Abaixo, à guisa de introdução,
menciono algumas referências que indicam que os escritores foram especialmente
capacitados por Deus para comporem suas respectivas obras:
1) Davi
é identificado como o autor de grande parte dos salmos bíblicos e testemunhou
que escreveu por inspiração de Deus, “São estas as últimas palavras de Davi.
Palavra de Davi, filho de Jessé, palavra do homem que foi exaltado, do ungido
do Deus de Jacó, do maravilhoso salmista de Israel. O Espírito do SENHOR fala
por meu intermédio, e a sua palavra está na minha língua”. (2 Samuel 23.1,2).
(a)
isto é confirmado pelo NT em passagens onde é declarado que o Espírito Santo
tem falado por meio de Davi (Marcos 12.36; Atos 1.16; 4.24,25; Hebreus 4.7).
(b) também
é confirmado pelo NT em passagens onde Davi é chamado de profeta (Mateus 27.35,
cf. Salmo 22.18; Atos 2.29,30, cf. Salmo 16.10)
(2) Salomão que é a autoridade atrás dos
livros de Provérbios, Cantares e provavelmente de Eclesiastes, é outro escritor
que foi inspirado pelo Espírito Santo.
(a)
Embora Salomão não seja chamado de profeta, há evidência de que ele tinha um
dom. Deus lhe apareceu e falou em visão pelo menos duas vezes (1 Reis 3.5; 9.2;
11.9,11; cf. Num 12.6).
(b) há
uma história judia apócrifa que descreve Salomão escrevendo o livro de Cantares
com o entusiasmo da mocidade, Provérbios com a perspicácia da maturidade e
Eclesiastes com a desilusão da velhice!
(3) Asafe
que escreveu diversos salmos é chamado de vidente em 2 Crônicas 29.30, e um
profeta em Mateus 13.35 (cf. Salmos 78.2).
Posição
dos Livros Poéticos e Sabedoria no Cânon Hebraico/Cristão
Esses livros foram colocados em
nossas versões em português (inglês) seguindo a ordem da Septuaginta (LXX).
Essa é uma sequência cronológica, seguindo uma ordem natural, uma vez que Jó
tem seu contexto na era patriarcal, em seguida temos os salmos associados a
Davi, seguido pela literatura produzida por seu filho e sucessor no trono
israelita, Salomão (Provérbios, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos). Na bíblia
hebraica esses livros foram colocados na terceira e última parte, seguindo uma
ordem teológica e abrindo com os Salmos que ilustram de forma prática a
obediência à Torá.
No Cânon Hebraico[3] estes cinco livros
(Jó a Cantares) foram originalmente colocados na sua 3ª e última divisão
denominada os “Escritos”.[4]
§ Esta
divisão incluiu também os livros de Rute, Lamentações, Ester, Daniel, Esdras,
Neemias e 1 e 2 Crônicas (13 livros ao todo).
§ O 1º
livro nesta divisão era o livro de Salmos (Jó era originalmente o 3º), por isto
a divisão inteira às vezes era chamada “Salmos” (Lucas 24.44).
Na Septuaginta o nome grego para esta divisão era Hagiógrafo (Escritas
Sagradas).
§ Foi
colocado depois dos Livros Históricos e antes dos Profetas.
§ A
ordem era. Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cânticos dos Cânticos e Jó.
A Vulgata Latina moveu Jó, colocando-o no início ao invés do fim,
estabelecendo a ordem que as versões inglesas e portuguesas vieram adotar (Jó,
Salmos, Provérbios, Eclesiastes, e Cânticos dos Cânticos).
§ Esta
ordem evidentemente foi estabelecida sob considerações cronológicas, visto que
Jó foi escrito mais cedo que Salmos.
§ A
nossa Bíblia em português os classificam de “Livros Poéticos”.
§ Isto
se relaciona obviamente à natureza poética dos seus conteúdos, embora
Eclesiastes seja escrito dentro de “um estilo prosaico elevado que só às vezes
tem um padrão métrico” (BULLOCK , 1988, p.43).
§ Embora
Lamentações também seja poético foi colocado junto com Jeremias porque está
relacionado ao escrito dele.
É importante destacar ainda o
arranjo efetuado pelos Massoretas que
colocaram Jó, Provérbios e Salmos juntos.
§ Porque
elaboraram um sistema especial de acentuação poética a estes três livros.
§ Os
denominaram de “O Livro da Verdade” porque a primeira letra de cada um destes
livros forma a palavra “תמא - emeth” (verdade).
§ Os
Massoretas pegaram os outros dois livros (Eclesiastes e Cântico de Salomão) e
os incluíram com Rute, Lamentações e Ester formando assim um subgrupo especial
dos Escritos.
§ Os
quais chamaram de Megilloth (Rolos).
Para um propósito litúrgico, cada um destes livros era lido durante uma
importante Festa religiosa judaica, prática que continua até hoje nas
Sinagogas.
§ Cântico dos Cânticos – lido no oitavo dia
da Páscoa
§ Rute –
lido no segundo dia das Semanas ou Pentecostes
§ Lamentações – lido no nono dia de abe,
jejum, relembrando a destruição de ambos os Templos.
§ Eclesiastes
– lido no terceiro dia da Festa dos Tabernáculos.
§ Ester - lido na Festa de Purim.
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan
Pereira
Mestre em
Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Referências
Bibliográficas
ARNOLD, Bill T. e BEYER, Bryan E. Descobrindo o Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.
BULLOCK, C.
Hassell. An Introduction to the Old Testament Poetic Books. Chicago.
Moody Press, 1988.
CONSTABLE, Thomas L. Expository Notes on Psalms. Disponível
em: http://www.soniclight.com/constablc/notcs.htm
Acesso em: 30/01/2016.
LASOR,
William S., Hubbard David A. e Bush, Frederic W. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1999.
MONLOUBOU,
L. Os salmos e os outros escritos.
Tradução Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1996. [Biblioteca de ciências
bíblicas].
SCHREINER,
Josef. Palavra e mensagem do Antigo
Testamento. Tradução Benôni Lemos. 2ª ed. São Paulo: Editora Teológica,
2004.
[1][1]
“Na Mesopotâmia encontramos copilações suméricas de provérbios, provenientes do
antigo período babilônico, as quais muitas vezes foram traduzidas e
transmitidas em duas línguas e gozavam da reputação de canônicas” (SCHREINER, 2004, p. 336).
[2] “A literatura sapiencial egípcia, embora
abranja um período muito extenso, do império antigo até a decadência (de 2800 a
100 a.C.), conservou-se bastante coerente” (SCHREINER, 2004, p. 335).
[3] A ordem dos livros da Bíblia não leva a
autoridade de inspiração. Inspiração Divina só se aplica ao conteúdo deles.
[4] A Bíblia Hebraica tem 3 divisões. Lei
(Torá), Profetas (Nebiy'im) e os Escritos (Kethubim). As palavras de Jesus (Lc
24.44) destacam que em seus dias havia uma tríplice divisão do Canon. “...
importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos
Profetas e nos Salmos”. É possível que o termo “Salmos”, engloba também os
demais livros que compõe os “Escritos”, assim como “Lei” se refere aos cinco
livros do Pentateuco ou até mesmo ao todo do Velho Testamento.
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