Há
diversos personagens que se cruzam nas narrativas evangélicas dos momentos
cruciais da paixão de Jesus. Mas com certeza um dos mais polêmicos é a figura
de Pôncio Pilatos, administrador ou
uma espécie de prefeito da então província da Judéia e, por conseguinte da
cidade de Jerusalém, na qualidade de quinto procurador romano.
Poucas
são as informações a respeito dele, tanto de sua origem quanto de seus últimos
anos o que abriu espaço para toda sorte de especulações: nos séculos
posteriores surgiram toda sorte de lendas sobre sua pessoa; alguns apontavam para
uma conversão ao cristianismo junto com sua esposa Prócula, que passou a ser
venerada como santa na Igreja Ortodoxa (Oriente) por sua defesa de Jesus (Mt
27.19); o próprio Pilatos se encontra entre os santos da Igreja Etíope e Copta. Certo mesmo somente algumas poucas
informações que podem ser extraídas dos registros produzidos pelos evangelistas
bíblicos e ratificados pelas primeiras gerações de cristãos.
A
região da Palestina sempre fora um espinho administrativo para o Império
Romano. Após a morte de Herodes Magno, uma vez mais revoltas explodem em toda a
região. Próximo do ano vinte da era cristã, no período da chamada Festa das Semanas, que atraia grande
número de peregrinos a cidade de Jerusalém, uma destas revoltas explodiu e as consequências
foram trágicas, pois o exército romano foi rapidamente acionado e mais de dois
mil homens envolvidos na revolta foram crucificados,
produzindo uma cena horripilante.
Pilatos
ao assumir a sua função de Prefeito da Judéia tinha pleno conhecimento destes
fatos e sabia duas coisas: a) as
festas religiosas eram estopins para grandes revoltas; b) quando tal ameaça surgisse, só havia uma sentença: o da cruz.
Pilatos
passa a morar na residência oficial, em Cesaréia, pois era muito mais agradável
do que morar em Jerusalém. A proximidade do mar lhe proporcionava uma agradável
sensação como na Itália; além do grande e magnífico porto, outros dois
monumentos se erguiam sobre um elevado terraço - um templo dedicado a Augusto e
outro à deusa Roma. Para sua diversão havia um hipódromo e um teatro.
Paira
sobre ele a sombra escura do antissemitismo, o que ele nunca fez questão de
desmentir, ao contrário, sua quase total desconsideração para com os
sentimentos e costumes dos judeus, sempre foi uma constante desde seus
primeiros dias como "Praefectus Judaeae".[1]
Uma destas atitudes que irritavam os judeus estava o fato de que ele foi o
único administrador romano da região que permitiu cunhar moedas com símbolos
pagãos. Fez circular uma moeda de cobre com dois símbolos: o lituus, um bastão em forma de chifre que
era relacionado aos sacerdotes pagãos; e o simpulum,
uma concha sagrada símbolo dos áugures imperiais. Cada moeda tornou-se uma
afronta a qualquer judeu que morava na Palestina naqueles dias. Tanto Flavio
Josefo, maior historiador judeu, quanto Fílon, um dos maiores rabinos judaico,
registram estas atitudes pouco amistosas de Pilatos em relação às tradições e
costumes dos judeus. Se tais atitudes eram totalmente propositais ou fruto de
uma falta de habilidade política, é algo a se buscar uma afirmação.
Mas
o certo é que, apesar de todas estas atitudes irreverentes e provocantes,
Pilatos realizou obras de grande magnitude na região. Foi ele quem melhorou o
abastecimento, até então precário, de Jerusalém, fazendo a transposição do
manancial Ain Atan até a cidade, onde as cisternas e os mananciais já não eram
suficientes para suprir a grande demanda de uma população crescente.
Em
torno do ano 36, após uma ação violenta contra o que ele pensa ser um levante
samaritano no Monte Garizim, seus opositores apresentam queixa junto o legado
romano da Síria, Vitélio, que tinha autoridade sobre a Palestina, e Pilatos é
destituído de seu posto, após dez anos, e enviado a Roma, onde haveria de se
defender de suas acusações. Entretanto, para sua tristeza, neste ínterim morre
seu grande protetor, o imperador Tibério.
Mas
o único fato, pelo qual Pilatos passou a ser conhecido nos anais da história e
pela qual ele é lembrado em todo o mundo, é a sua triste participação nos
eventos relacionados ao julgamento e crucificação de Jesus Cristo.
O
historiador e evangelista Lucas insere os acontecimentos do nascimento de João
Batista e de Jesus no calendário humano da seguinte maneira: "No ano décimo quinto do império de Tibério
César, quando Pôncio Pilatos era governador da Judéia". Quanto à
participação dele no julgamento de Jesus, o evangelista Lucas enfatiza por três vezes que Pilatos inocenta Jesus diante de seus acusadores
e diante da multidão.[2] A
razão de Lucas é demonstrar para Teófilo e os demais leitores gentios de que em
momento algum Jesus Cristo foi, como o acusam as autoridades judaicas, uma ameaça política para o Império Romano,
e, portanto, seu julgamento e crucificação fora totalmente arbitrária; mas
conforme os relatos mencionados acima se pode inferir que Pilatos percebendo a
armação forjada pelos líderes religiosos judaicos, aproveita mais esta
oportunidade para irritá-los, contrariando suas pretensões e tentando impor
mais uma vez suas prerrogativas governamentais, o que se harmoniza
perfeitamente com sua personalidade.
Sua
referência no Credo Apostólico:
"Foi crucificado sob Pôncio Pilatos"
é de grande importância, porque registra que a fé cristã é uma religião
histórica e não um programa ético ou filosófico. A redenção se realizou no
tempo identificável do calendário humano e em um espaço geográfico do mapa
mundial, a Palestina, em um momento histórico especifico, ou seja, quando
Pilatos era prefeito da Judeia.
Utilização livre desde que citando a
fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Referências Bibliográficas
SPEIDEL, Kurt A. A sentença de Pilatos. São Paulo: Paulinas,
1982.
MAGGIONI, Bruno. Os relatos evangélicos da Paixão.
Tradução Bertilo Brod. São Paulo: Paulinas, 2000. (Coleção: Espiritualidade sem
fronteiras).
Walker, Peter. Pelos Caminhos de Jesus. São Paulo: Ed.
Rosari, , 2007.
SCHWARTZ, D. R., "Pontius Pilate", en Anchor Bible Dictionary, vol. 5. Doubleday,
New York: ed. D.N.Freedman, 1992.
[1] Este
título corresponde aos que exerceram este cargo antes do Imperador Claudio e
confirmado por uma inscrição que apareceu na cidade de Cesaréia. O título de
"procurator", empregado por alguns autores antigos para se referir a
seu ofício, é um anacronismo. Os evangelistas se referem a ele pelo título
genérico de "governador".
[2] Lucas
não é um defensor de Pilatos, e nem ameniza suas atitudes belicosas contra os
judeus, no seu capítulo 13.1 ele registra a matança de muitos galileus
realizada por ordem explicita de Pilatos.
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