Quando nos aproximamos da Bíblia ou qualquer um de seus
textos, podemos fazê-lo de apenas duas formas: pela fé ou simplesmente pela razão.
Atualmente tem aumentado o numero de pessoas que tem
estudado os textos bíblicos, mas cada vez mais tais pessoas encontram
dificuldades em crerem que os fatos narrados são genuinamente plausíveis. Então
se inicia o processo de esquartejamento dos textos bíblicos, multiplicando-se
os autores, de maneira que praticamente nenhum livro tem um único autor, espalhando
os textos bíblicos por décadas, de maneira que estes textos são resultantes de inúmeras
redações, assim, pouco sobra do que poderíamos chamar realmente de um texto
bíblico genuíno.
A razão pela qual todo esse esforço tem sido feito
durante os últimos séculos e se acentuado atualmente, de maneira que muitos
“estudiosos” da Bíblia há muito abandonaram o conceito de inspiração divina, é
que estes biblicistas, como gostam de serem denominados, não conseguem crer ou
preferem não crer. Nos distantes dias de Soren Kierkegaard ele já dizia que
muitos complicam e tornam complexos os textos bíblicos, para não terem que crer
neles e coloca-los em prática em suas vidas [em bom português dizemos: porque
simplificar se podemos complicar].
Ao nos aproximarmos do livro de Jó, bem como a Bíblia
toda, temos apenas duas reações: crer nessa
história com todos os seus detalhes e seus pontos de interrogações ou rejeitá-lo como
um evento real apoiado em uma teia interminável de questionamentos, muitas
vezes destituídos do genuíno espírito biblicista. O caminho mais fácil é sempre
o segundo, mas assim como o caminho largo este também não conduz à presença de
Deus. Ao crermos no relato bíblico de Jó, como está registrado (caminho
estreito), estaremos nos abrindo para uma confrontação implacável com nosso
status quo e sofreremos fortes abalos sísmicos em nossa zona de conforto.
Assim como Jó e seus amigos não teremos respostas a
muitas questões que envolvem a nossa vida cotidiana, que na verdade somente são
levantadas quando passamos por momentos traumáticos, como ele passou. Enquanto
as coisas concorrem na normalidade da nossa vida tais questionamentos não
emergem, permanecendo na parte mais profunda das nossas convicções cristãs. Mas
quando Deus começa abalar nossas frágeis estruturas vivenciais, tirando aquelas
coisas que aparentemente nos dão sustentação (e nos faz estufar o peito em autossuficiência)
e nas quais nos agarramos possessivamente, então as perguntas de Jó e seus
amigos emergem em nossa mente e coração como um tsunami, que vai arrastando
violentamente todas as nossas mais consistentes convicções cristãs.
Tudo
que se relaciona com perdas nos incomodam. Em
brincadeira falamos que não gostamos de perder nem em par ou impar. Se de fato,
você deseja saber quem é uma pessoa – tire algo dela; você quer conhecer mais profundamente quem a pessoa é
– tire algo significativo dela; mas se você quer conhecer a alma (fé) desta pessoa –
tire tudo que ela tem.
A
mulher de Jó até conseguiu lidar com a perda de seus bens e de seus filhos, mas
não pode continuar contemplando o sofrimento de seu marido, assim como muitos
séculos depois Pedro e seus companheiros não puderam compreender o que estava
acontecendo com Jesus ao ponto de não poder contempla-lo na cruz. Assim como a
mulher de Jó, na mente e no coração daqueles discípulos nada daquilo que estava
acontecendo com Jesus fazia sentido – tanta
dor e sofrimento (em uma visão messiânica o profeta Isaías diz que
toda a beleza Dele desapareceu consumida pela dor e sofrimento – Ele ficou
totalmente desfigurado e irreconhecível). E não somos diferentes deles quando
acontece com nossos queridos ou conosco. Somente
quando somos totalmente desnudados de tudo que possuímos e somos, descobrimos em
que realmente consiste a nossa fé.
Mesmo diante da perda sofrida pelo outro, ainda temos
tremendas dificuldades de entender. Os amigos de Jó se esforçam muito para
encontrar uma resposta teo(lógica) para
tudo que esta acontecendo com seu amigo, mas falham tragicamente. Suas
teologias, exegeses e hermenêuticas demostraram serem ineficazes e
insuficientes para responder as perguntas que se exteriorizou em meio à
perplexidade dos eventos ocorridos na vida do amigo. A cada tentativa deles
mais perguntas surgem e mais aflição se infligem a Jó. As saídas propostas
pelos amigos de Jó, como em um labirinto, terminam sempre em uma parede e
precisam retornar ao inicio.
A
resposta não está em Jó, não está em suas perdas, não está em seu sofrimento, mas unicamente em Deus. A história se abre com Deus e se conclui com Deus! Essa é a única chave hermenêutica para
uma leitura proveitosa do livro de Jó – Deus
no inicio e Deus no final. Não se trata de Jó e muito menos de Satanás, que
fugazmente surge no prologo para desaparecer completamente da história, pois assim
como em toda a Bíblia, trata-se
de Deus. A bíblia abre-se com as Palavras criadoras de Deus (criação
dos céus e da terra) e encerra-se com as Palavras recriadoras de Deus (novos
céus e nova terra).
Uma
leitura antropocêntrica dessa narrativa, assim como de todos os demais textos bíblicos,
cegam completamente os olhos do entendimento e da compreensão correta das
Escrituras. Os biblicistas antropocêntricos de plantão não conseguem enxergar
além do ser humano. Tudo deve ser explicado à luz das ações humanas. A
sociologia, psicologia, antropologia e tantas outras “logias” (incluído a
própria teologia) colocam o ser humano no centro das paginas da bíblia e
deslocam Deus para os espaços periféricos da narrativa. O ser humano torna-se
o protagonista das histórias bíblicas e Deus é relegado ao papel de coadjuvante (podendo até ganha um Oscar
aqui e ali por sua atuação em algum evento).
O livro de Jó trata sobre Deus. Aqueles
que não conseguem compreender isso, jamais haverão de aceitar os fatos ali
narrados. Trata-se então apenas de liberdade poética ou de uma literatura
parabólica ilustrativa, ou como muitos gostam de dizer um “mashal”,[1] mas não algo real. Deus
não pode estar envolvido diretamente nessa história de dor e sofrimento. Mas tanto
o prólogo quanto o epílogo não deixam qualquer duvida aos leitores que toda a
história de Jó esta dentro dos colchetes divinos. As palavras colocadas na boca
de Jó no inicio [o
Senhor deu, o Senhor tomou, bendito o nome do Senhor] e no fim da história
[antes te conhecia só de ouvir falar, mas agora meus
olhos te veem] também declaram em alto e bom som – é Deus!
Deus, somente Deus,
Criou o mundo e o que nele há,
O ser que pode respirar,
Existe pra mostrar,
A glória do Senhor.
Deus, somente
Deus,
Os seus mistérios pode revelar
Os seus desígnios, quem jamais
Um dia conheceu
Pois Deus, somente
é Deus.
Deus, somente
Deus,
Domina o trono do universo,
Que a voz da criação,
Se erga para dar
Louvor somente a
Deus.
Deus, somente
Deus,
Eternamente em nós há de inspirar,
A alegria de adorar
Desejo de exaltar,
A Deus somente a
Deus.
Deus, somente
Deus,
Domina o trono do universo,
Que a voz da criação,
Se erga para dar
Louvor somente a
Deus
[Deus Somente Deus
Vencedores Por Cristo]
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro
Blog
Historiologia Protestante
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[1] Palavra hebraica correspondente no
grego ao termo “parabolé”, “parábola”; que trás a ideia não só de comparação
[como o termo grego], mas também de um enigma. Esse gênero literário foi
bastante utilizado na corrente sapiencial dos livros bíblicos.
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