sexta-feira, 16 de março de 2018

Páscoa: Jesus no Cenáculo - Prelúdio (João 13.3)


Jesus sabia que receberia do Pai todas as coisas, que tinha vindo de Deus e voltaria para Deus. E como Ele amava aos seus discípulos! (Parafrase – Biblia Viva)
Jesus, sabendo que o Pai tinha depositado nas suas mãos todas as coisas, e que havia saído de Deus e ia para Deus, (Corrigida Fiel – Português)
Jesus sabia que o Pai havia colocado todas as coisas debaixo do seu poder, e que viera de Deus e estava voltando para Deus; (Nova Versão Internacional – Português)
Jesus, sabendo que o Pai lhe entregara tudo nas mãos, e que viera de Deus e para Deus voltava, (Revisada – Português)

Texto Grego – Textus Receptus
13:3  εἰδὼς ὅτι πάντα ἔδωκεν αὐτῷ ὁ πατὴρ εἰς τὰς χεῖρας καὶ ὅτι ἀπὸ θεοῦ ἐξῆλθεν καὶ πρὸς τὸν θεὸν ὑπάγει. ειδως ο ιησους οτι παντα δεδωκεν αυτω ο πατηρ εις τας χειρας και οτι απο θεου εξηλθεν και προς τον θεον υπαγει

Como vimos o evangelista João inicia essa grande perícope com um pequeno proêmio o qual já vimos os dois primeiros versos e concluímos com o exame desse terceiro.
Esse verso três retrata o autentico Jesus joanino como aquele que recebe plenos poderes de Deus, de maneira que é plenamente livre e soberano sobre tudo e todos que estão envolvidos nos acontecimentos acontecendo e os que seram desdobrados, pois a hora havia chegado.
Esse verso é fundamental para deixar bem claro ao leitor e ao crente em todas as épocas de que tudo que concerne aos mínimos detalhes dos acontecimentos que compõem a Paixão são muito mais ações de Jesus, do que ações passivas de sofrimento e morte, decorrente de sua perfeita união com o Pai (Deus), que seus próprios discípulos compreederam apenas após o Pentecostes, pois sem a capacitação do Espírito Santo ninguém haverá de compreender está unidade divina.  
Jesus sabia:[1] Uma vez mais o evangelista enfatiza que Jesus tem pleno conhecimento de tudo que está e vai ocorrer nas horas subsequentes “Jesus sabia” (cf. 6.61; 13.1.3; 18.4; 19.28), ele é aquele que executa a ação aqui. Sabia antes, sabe agora e continuara sabendo, este é o fundamento da paz e das ações de Jesus. Todos haverão de surpreender com cada detalhe que está por vir, menos Jesus que tudo sabe de antemão. Sabe que Judas haverá de traí-lo; sabe que Pedro haverá de negá-lo; sabe que todos irão abandoná-lo; sabe que os lideres religiosos e políticos de Jerusalém se uniram para mata-lo; sabe que será humilhado e desprezado por aqueles pelos quais havia deixado sua glória; sabe que o final deste tempo é a cruz e este cálice o Pai não vai deixar passar; mas sabe também que vencerá a morte com sua ressurreição. Jesus sabe todas as coisas!
É difícil para nós imaginarmos. Quantas vezes desejamos saber cinco minutos, cinco horas ou cinco dias do nosso futuro! E, no entanto, se pudéssemos, poderíamos optar por evitar o caminho que estará diante de nós. Mas Jesus, conhecendo de antemão os terríveis acontecimentos ainda por acontecerem, permaneceu firme em Seu caminho pré-estabelecido em plena submissão ao Pai. Ele podia ver não apenas a cruz, mas também contemplava a coroa. Por esta razão Ele suporta tudo com serenidade sem que sua mente entre em colapso no limiar do Getsêmani e do Gólgota.
O evangelista nomeia três coisas que Jesus sabia:
que o Pai tinha dado[2] (entregue) nas suas mãos todas as coisas [= semitismo para “todos”): é expressão paralela em 3.35 “o Pai ama o Pilho e tudo pôs em suas mãos”. O termo todas as coisas”,[3]  inclui tudo o que existe, tanto no céu como na terra. Ele tinha toda autoridade do Pai (Mt 11.27; Lc 10.22). Colocar todas as coisas nas mãos de alguém, ou debaixo de seus pés, é equivalente a dar-lhes autoridade sobre tudo e fazer o que assim desejar e da forma que desejar. Tudo que Jesus haveria de fazer será com plena consciência de sua divindade e messiado. Tudo está nas mãos de Jesus, inclusive sua própria vida, a qual ninguém poderia toma-la, a não ser que Ele mesmo a desse espontânea e livremente (cf. 10,18: Está em minhas mãos entregá-la [a vida] e está em minhas mãos recuperá-la. Este é o mandamento/encargo que recebi do meu Pai). – como o fez!
E nesse “todas as coisas” estão também os nossos pecados. Deus, o Pai, colocou todo o pecado em sujeição ao nosso Senhor Jesus Cristo (Jo 19.28-30; Cl 1.20; Hb 4.15; 9.22; 1Co 15.54-57).
e que havia saído [enviado] de Deus: é uma frase única de João (cf. 8.42; 13.3; 16.28,30; 17.8), trazendo a ideia de origem (divina), de lugar (céus) e também de porque, o motivo e a razão pela qual se “afastou” momentaneamente do Pai e da sua glória. Há um foco em sua preexistência, sua natureza divina eterna em perfeita e absoulta comunhão com o Pai (estava desde o principio com Deus [Pai] e era Deus). Como Deus, todas as coisas estão em suas mãos. Ele é co-igual, co-infinito e co-eterno com Deus o Pai e com Deus o Espírito Santo. Como Deus, Jesus Cristo se tornou homem sem abri mão de Sua Divindade. O apóstolo Paulo ensinou aos filipenses que Jesus abriu voluntariamente mão de sua glória eterna (não de sua divindade), para assumir a plenitude de nossa humanidade.
Ele não foi coagido a vir, veio motivado pelo mesmo amor do Pai pelo ser humano perdido “vim buscar e salvar os perdidos”. Todo o mistério da encarnação de Jesus está relacionado à separação momentânea do Pai, pois Ele deixou a presença de Deus como o "Enviado", mas após sua morte e ressurreição, Ele haverá de retornar à glória que ele tinha com o Pai antes dos tempos eternos Esse tema de que Jesus foi enviado [saído] da parte de Deus Pai é recorrente nesse evangelho por mais de quarenta vezes. Esta é a origem que o mundo não conhece (cf. 3.8; 7.27s; 8.14) e somente após uma conversão efetuada pelo Espírito Santo (como no Pentecostes em relação aos discípulos) é que alguém pode realmene discernir a divindade do Filho.
Algumas razões pelas quais Jesus precisou assumir a plenitude de nossa humanidade:
§  Jesus Cristo teve que se tornar verdadeiramente humano para ser o nosso Salvador (Fp 2.7-8; Hb 2.14-15).
§  Jesus Cristo teve que assumir nossa humanidade para se constituit no único mediador entre nós e Deus (Jó 9.2, 32-33; 1Tm 2.5-6).
§  Jesus Cristo teve que assumir nossa humanidade para ser o nosso Sumo Sacerdote (Gn 14.18-20; Hb 7.4-5, 14, 28; 10.5, 10-14)
§  Jesus Cristo teve que tornar-se verdadeiramente humano para ser o nosso rei e governante para sempre (cumprir a Aliança davídica 2Sm 7.8-16; Sl 89.20-37; linhagem de José (Mt 1.6) e a linha de Maria (Lc 3.31).
e voltaria para Deus:  (cf. João 7.33; 14.12,28; 16.5,10,17,28; 20.17). Aqui temos mais um dualismo típico de João - acima vs. Abaixo. Os versos 1 e 3 sintetizam o movimento do Verbo feito carne: saiu do Pai e veio ao mundo; agora sai do mundo e regressa ao Pai. Ele tinha vindo "de" (apo - ἀπὸ) Deus e estava voltando "para" (pros - προς) Deus, mais especificamente refere-se ao "lugar de Deus", Sua sala do trono, este é o lugar para onde Jesus Cristo está retornando; para estar sentado à direita do Pai, onde todas as coisas estaram sujeitas a Ele.
Jesus sempre teve plena consciência de onde veio e para onde voltaria e enquanto discutia com os fariseus no templo ele declara: “Mesmo que eu testifique sobre mim mesmo, o meu testemunho é verdadeiro, pois sei de onde eu vim e para onde eu vou” (João 8.14). Mas entre os dois movimentos - existe a cruz. Ante de voltar ao Pai é necessário sorver todo o cálice do sacrifício e da morte. Mas, Jesus Cristo ressuscitou e venceu a morte, como cantavam os primeiros cristãos: Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória? O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a Lei. Mas graças a Deus, que nos dá a vitória por meio de nosso Senhor Jesus Cristo (1Co 15.55-57).
Mas este caminho de volta ao Pai tem três etapas: 1) Ressurreição, 2) Ascensão e 3) Entronização.
1)    Ressurreição: é o fundamento da nossa fé, posto que atesta de modo incontestável que Deus interveio na história humana para salvar os pecadores. O apóstolo Paulo deixa claro a supra importância desta verdade da resssurreição de Cristo: “se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé e vã nossa pregação” (1Co 15.17). A ressurreição é a manifestação do poder de Deus que comunica vida aos pecadores “mortos em seus delitos e pecados” por meio de Jesus Crito. Ele é o primogénito entre os mortos e todos ressuscitaremos por Ele e n’Ele.
2)    Ascensão e Entronização: Com a Ascensão, que sucedeu quarenta dias após a Ressurreição (cf. Atos 1.9-10) e sua Entronização, termina a missão de Cristo, ou seja, a sua encarnação para realização do projeto salvador de Deus. A Ascensão é sinal da nova situação de Jesus. Assenta-se à direita do Pai, não somente como o Filho eterno, mas também enquanto verdadeiro Homem, vencedor do pecado e da morte. A glória da Ressurreição completa-se agora com a pública entronização nos céus como Soberano da criação, junto do Pai, onde recebe a adoração e o louvor dos seres celestiais e reina soberanamente, como tão maravilhosamente descrito no livro do Apocalipse.
Se na sua encarnação Ele nos redime dos nossos pecados e nos reconcilia com Deus, na sua Ascensão e Entronização Cristo nos introduz na glória celestial. Ele é o Segundo Adão, o Cabeça da Nova Criação que Deus está realizando por meio dele. Sentado à direita do Pai, Jesus continua o seu ministério de único Mediador entre nós e Deus.
E completando este quadro maravilhoso, dez dias depois da Ascensão ao céu, Jesus enviou o Espírito Santo aos discípulos conforme havia prometido. O Espírito Santo continua a obra salvifica de Cristo, regenerando e introduzindo os pecadores e inserindo-os na Igreja de Cristo, que é o Seu Corpo espiritual.
            Lamentavelmente os evangélicos brasileiros tem minimizado ano após ano estas verdades tão extraordinárias da Ressurreição, Ascensão e Glorificação de Jesus Cristo. Até pouco tempo ainda tínhamos em muitas igrejas evangélicas históricas os chamados cultos das sete palavras; o culto da ressurreição pelo domingo de manhã, mas nesses últimos tempos até mesmo isso tem sido demarcado por templos esvaziados, como se tratasse de meras tradições religiosas de pouco importância. Quanto a Ascensão e Entronização são raríssimas as igrejas que as incluem em suas liturgias dominicais, como se fossem apenas tradição católica romana e não verdades eternas que emanam das páginas bíblicas do Segundo Testamento.
Desta forma desde a cena de Betânia (12.1), esta última Páscoa já não é mais a Páscoa dos Judeus, mas a Páscoa de Jesus, o Cordeiro de Deus que libertará a humanidade do seu pecado. Ela será a Páscoa da libertação do ser humano escravizado pelo pecado: possibilitar-lhe-á o êxodo das trevas para a luz (8.12; cf. 4.34), inaugurará a vida e a festa (7.37); será o último dia (cf. 6.39; 6.40; 7.37), em que tudo ficará concluído (19.30).

"Ele saiu de Deus sem deixá-Lo;
 e ele vai a Deus sem nos abandonar "
.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
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Referências Bíblicas
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[1] No grego é o mesmo que "sabendo" e pode ser qualquer um dos dois significados. Aqui talvez fosse preferível “porque Ele sabia”. É a palavra grega “eidon” (εἶδον) como um particípio do verbo no Tempo Perfeito, Voz Ativa e Caso Nominativo.
[2] É verbo grego  “edoken” (ἔδωκεν) no Tempo Aoristo, na Voz Ativa e Modo Indicativo de “didomi” (δίδωμι) que significa dar; conceder, permitir, colocar; nomear; estabelecer; entregar, causar”.
[3] Essas serão as últimas palavras de Jesus aos seus discípulos antes de ascender aos céus: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra, portanto, ide e pregai o evangelho a toda criatura" (Mateus 28.18).

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