Abraão e Isaque (Rembrant van Rijn) |
Uma das figuras mais proeminentes na literatura bíblica é
sem dúvida alguma a pessoa de Abraão. No âmbito da religião monoteísta ele
aparece como modelo de fé para as três grandes: judaísmo, islamismo e
cristianismo.
Abraão no Judaísmo
Uma das coisas pelas quais todo israelita dos dias
bíblicos enchiam a boca para falar era: “sou filho/descendente de Abraão”. Nas
páginas do Segundo Testamento vamos encontrar alguns judeus debatendo com Jesus
e um de seus argumentos para contestar o ensino de Jesus era que eles, judeus,
era “filhos de Abraão”, o que Jesus então os confronta de forma simples e
contundente: “se vocês fossem de fato e de verdade “filhos de Abraão”, fariam
as mesmas obras que ele fez e creriam da mesma forma que ele creu”.
Abraão viveu entre os séculos XVII e o século XII a.C.;
depois de ter uma experiência pessoal com Deus (Yahweh) ele rompe com sua
tradição religiosa (Ur dos Caldeus), e seguindo o mandato divino parte para uma
terra distante. No judaísmo é quase impossível distinguir o Abraão como
personagem histórico, do Abraão como modelo religioso de fé. Mais do que
qualquer outra coisa ele é um, sinal teológico, ainda que seja fundamentalmente
um personagem histórico.
Certamente o texto fundamental do Primeiro Testamento
mais significativo no judaísmo em relação à Abraão seja Gênesis (12.1-7), que
narra o chamado de Deus para que ele deixasse sua terra e parentela
(Mesopotâmia). Nesta pequena narrativa encontramos os pontos cardeais da vida
de Abraão.
Depois de narrar todos os fatos concernentes à criação do
mundo e do ser humano, bem como a chamada pré-história da humanidade (Gn 1-11),
a narrativa bíblica inicia um novo bloco histórico tendo a vida de Abraão o
marco fundamental. Aqui Deus deseja estabelecer uma nova relação com a
humanidade por meio de Abraão e seus descendentes. Aqui temos os princípios elementares
da eleição e aliança que Deus deseja estabelecer com todas as pessoas. E Deus
optou por não fazer isso por meio de anjos ou quaisquer outros seres, mas
através de um homem e seus descendentes.
Inicialmente o seu nome é Abrão (pai elevado ou grande
pai). Posteriormente Deus lhe muda o nome (cf. Gn 17.4-8), ocorre com outros
personagens bíblicos também, para Abraão (pai de muitos ou pai misericordioso),
nome que será simbolizado nas promessas de que seria o pai de uma grande
nação/povo, em função da misericórdia divina.
A primeira ordem de Deus a ele é para que “saísse”,
marcando desta forma uma nítida ruptura religiosa e social, marca distintiva de
toda a história posterior. Ele sobe pelo Crescente Fértil, um caminho que vai da
Mesopotâmia para o Egito, entretanto, passa habitar a região de Canaã, onde
Deus deseja estabelecer uma nova humanidade. A ruptura é total: terra (cultura,
língua, religião); parentela, pois a partir dele Deus fará uma nova família que
incluirá não apenas seus descendentes diretos, mas todos que vierem a
participar da mesma fé; e a casa de seu pai, pois em Abraão inicia-se uma nova
genealogia.
Esse novo grande povo (goy gadol) surgirá não em decorrência
do poder de Abraão, mas mediante a ação continua da bênção de Deus (te
abençoarei); Abraão rompe todos os laços pois não mais voltará. Sua vida agora
está nas mãos de Deus, não lhe pertence mais. Nele Deus abençoara e/ou
amaldiçoara os demais povos da terra (abençoarei quem te abençoar e amaldiçoarei
os que te amaldiçoar).
Por esta razão Abraão torna-se um símbolo de benção e
maldição em relação a ação de Deus sobre a humanidade. Muitos séculos depois
Moisés haverá de resgatar esta relação quando em sua recapitulação da Lei (Dt 30.19).
Mas simultaneamente Abraão é o caminho para a salvação/resgate da humanidade – “em
ti serão benditas/abençoadas todas as famílias da terra”. Posteriormente a
mesma função de Abraão será a de Israel – berakah – bênção para todas as
pessoas.
A Obediência de Abraão
Inicialmente Abraão é um peregrino; não possui
propriedades e nem poder político. Mas esta enriquecido pela revelação de Deus.
Portanto, seu propósito não é tomar as nações/povos à força – através de um
Império – mas ele o fará mediante sua submissão à vontade de Deus. Quem o
sustentara e protegera de todos os perigos e inimigos será o próprio Deus que
se constitui em seu “goel” o protetor máximo.
A pequenez e insuficiência de Abraão é na verdade sua
grande força e grandeza. Ao atender a ordem de Deus e sair, literalmente, pôr-se
a caminho (Gn 12.4), Abraão dá seu primeiro passo de fé. A única coisa que
Abraão têm é a Palavra de Deus, e nada mais. Aqui ele se torna o símbolo de
todo crente do antigo e do novo testamento.
Quando foi chamado e partiu era um ancião de 75 anos.
Portanto, não era um jovem sonhador e entusiasta. A promessa de uma grande
descendência é dada a um homem com muitos anos (cf. Gn 15.1-2; 17.17; 18.11). A
ausência de um descendente (filho) implicava que a história (vida) de Abraão
teria um fim (morte) mas a promessa de Deus é vida. O posterior nascimento de
Isaque demarca um “novo nascimento” para Abraão, pois no filho sua vida e história
perpetuará em nova vida e nova história.
Torna-se também muito significativo o fato de que
enquanto peregrino, Abraão vai demarcando a presença permanente de Deus,
erigindo altares (mizbeah) manifestando assim sua fé monoteísta em contraste as
demais religiões politeístas que estão ao seu derredor. A cada altar erigido
Abraão testemunha de sua fé e gratidão ao Deus (Yahweh) que lhe havia
aparecido/chamado.
Por tudo isso os israelitas/judeus tomam Abraão como seu “Pai”,
ou seja, o primeiro, aquele que lhes deu a descendência – através do nascimento
de Isaque, que cumpre as promessas de Deus (cf. Gn 12-25). Abraão é visto por
eles como o pai nacional, como o iniciador de uma raça. Mas para uma
compreensão correta, os israelitas/judeus devem compreender que Abraão é pai de
todo aquele que vier a crer nas mesmas promessas que ele creu. Esse
etnocentrismo exacerbado dos israelitas/judeus sempre se constituiu em uma
pedra de tropeço para eles em todos os tempos.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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