terça-feira, 13 de setembro de 2016

VT - Os Livros Pseudepígrafos

            
Além do conjunto de livros e/ou textos que compõe a Bíblia Cristã/Hebraica, há uma quantidade expressiva de literatura que foram produzidas paralelamente e que por diversas razões ficaram fora da seleção canônica que deu origem às duas partes da nossa bíblia, que são denominados de Antigo Testamento, que compõe a bíblia hebraica, e o Novo Testamento, que somados compõe a bíblia cristã. Esta literatura que permaneceu alienada podem ser classificadas em dois grupos principais: os apócrifos e os pseudepígrafos.
            Os apócrifos (escondidos, secretos) perfazem um grupo de quinze livros relacionados ao Antigo Testamento, que alguns ramos do cristianismo – a Igreja Ortodoxa Russa, Ortodoxa Grega, a Católica Romana[1] e a Copta – os incluem em suas bíblias, ainda que diferentemente, por entenderem serem estas literaturas revestidas de autoridade espiritual (inspiradas). Mas os reformadores do século XVI sempre rejeitaram esses livros como parte integrante do cânon. Apesar deles conterem alguns ensinos e conceitos teológicos até grotescos, esta coleção de escritos contém informações relevantes para que possamos compreender o contexto em que os fatos narrados no Novo Testamento ocorreram. A literatura apócrifa ficou conhecida e popularizada porque foram acopladas na Septuaginta, versão grega da bíblia hebraica. Eles foram produzidos entre o segundo século a.C. e o primeiro século d.C.
            Os pseudepígrafos (escritos falsos e/ou espúrios) foram produzidos entre o segundo século a.C. até o quinto e possivelmente o sexto século d.C. Mormente esses escritos são atribuídos à nomes proeminentes do Antigo Testamento. Em sua grande maioria são escritos de origem judaica, mas é possível perceber vestígios de interpolações cristãs e até mesmo entre eles haja alguma obra eminentemente cristã. Nestes mais de cinquenta textos encontra-se uma diversidade de temática: apocalíptica, poesia e sabedoria, históricos, o Midrash e outras formas literárias. Da mesma forma estas literaturas contribuem na elaboração do contexto histórico/religioso que nos permitam uma melhor compreensão do que estava acontecendo no período neotestamentário e primórdios do cristianismo.
            É preciso esclarecer que alguns livros Apócrifos também são escritos com "falsas assinaturas" ou seja, se apropriam de nomes conhecidos - Baruque, Carta de Jeremias, 2 Esdras, Sabedoria de Salomão, etc., e desta forma acaba criando alguma confusão em torno de livros que são considerados Apócrifos daqueles livros que são parte dos Pseudepígrafos. Todavia, em sua obra de grande envergadura acadêmica, James Charlesworth (2010, p. xxv) propõe cinco características básicas para identificar os livros Pseudepígrafos:
a)    São escritos judeus/cristãos
b)    São frequentemente atribuídos (autoria) a figuras ideais do passado de Israel
c)    Habitualmente reivindicam conter palavra ou mensagem de Deus
d)    Frequentemente constroem suas ideais e narrativas a partir de textos do Antigo Testamento
e)    E quase sempre foram compostos durante o período de 200 a.C. a 200 d.C., ou até mais tarde, e aparentemente, preservar, ainda que de uma forma editada, tradições judaicas que datam desse período.

Autoria
            Na Antiguidade a questão de autoria não tinha a mesma relevância que temos atualmente. Por esta razão as obras circulavam livremente, sem qualquer restrição, podendo ser apropriados livremente, por esta razão a obra denominada de 2 Baruque, afirma ter sido escrita pelo discípulo do profeta Jeremias chamado Baruque, personagem histórica do século 6 a.C., entretanto, as evidências internas do livro indicam que foi escrito no segundo século d.C. e certamente não foi por aquele personagem bíblico do livro de Jeremias. Mas ao se atribuir à Baruque o que se propõe é revesti-lo do valor e autoridade intrínseco da antiguidade.
            Deste modo, não é possível determinarmos alguma autoria para os livros Pseudepígrafos, mas é possível determinarmos com alguma precisão, muitas vezes, onde e qual o contexto histórico em que eles foram escritos. Quando se estabelece isso obtemos uma visão mais ampla da situação histórica e o desenvolvimento tanto dos primórdios do judaísmo quanto, posteriormente, do cristianismo.

Relevância Histórica
            Esta imensa gama de literatura Pseudopígrafas foi quase totalmente ignorada por muitos séculos, sendo resgatadas em seu estudo crítico e acadêmico apenas no século dezenove pela chamada Escola Tubingen que naquele momento buscavam descobrir as pontes da transição do judaísmo para o cristianismo.
A literatura Pseudepígrafa nos proporciona pequenas janelas por onde podemos contemplar alguns instantâneos do desenvolvimento histórico do judaísmo e também do cristianismo iniciante:
Nos fornecem subsídios para melhor compreendermos as diversas situações histórica-cultural-religiosas e as implicações que geraram tantos conflitos.
Eles esclarecem muito sobre o caráter do judaísmo posterior, complementando os escritos canônicos do Antigo Testamento e revelando as influências étnicas sofridas pelos judeus no período em que esses livros estavam sendo escritos.
Fazem a ponte entre o Velho e o Novo Testamento, prenunciando as novas ideias que aparecem no último.
As ideias e imagens dos escritos Pseudoepígrafos influenciaram não só os cristãos das primeiras gerações, mas continuaram a refletir-se nas produções e pensamento do mundo da Idade Média.
O conhecimento mais profundo adquirido atualmente da cultura do Antigo Oriente tem comprovado que até mesmo a cultura do presente esta influenciada e condicionada pelo que aparece nesses escritos.
            A título de demonstrar a relevância desta literatura transcrevo uma lista, não exaustiva, das literaturas pseudoepígrafos mais relevantes e conhecidas, ou seja, mais exaustivamente estudas:
Livros de Adão e Eva - tradução da versão latina
A vida de Adão e Eva - tradução da versão eslava
A vida de Adão e Eva - tradução da versão grega (O Apocalipse de Moisés)
Apocalipse de Adão
O Livro de Adão
O Segundo Tratado do Grande Sete
1 Enoque (Etíope Apocalipse de Enoque)
1 Enoque (cf. Charles, Lawrence e outros)
2 Enoque (eslava Livro dos Segredos de Enoque)
Melquisedeque
Livro de Abraão
Testamento de Abraão
Apocalipse de Abraão
Apocalipse de Moisés
A história de Azenate
Seleções do Livro de Moisés
Revelação de Moisés
A Assunção de Moisés (O Testamento de Moisés)
O martírio de Isaías
A Ascensão de Isaías
Apocalipse de Esdras
Livro dos Jubileus
Testamento dos Doze Patriarcas
Testamento de Moisés
Testamento de Ezequiel
Testamento de Jó
A Carta de Aristeu
Apocalipse de Sofonias
Apocalipse de Jeremias
Apocalipse de Zacarias
Apocalipse de Baruque (2 Baruque)
O Apocalipse grego de Baruque (3 Baruque)
Fragmentos de uma obra Zadoque (cf. O Documento de Damasco)
O Testamento de Salomão     


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


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Referências Bibliográficas
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. V. 5. São Paulo: Hagnos, 2006.
Charlesworth, J. H. The Old Testament Pseudepigrapha. (Hendrickson Publishers, 2010).
Pseudepigrapha, Apocrypha and Sacred Writings - http://www.pseudepigrapha.com/
The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge [Dictionary edition] http://www.ccel.org/ccel/schaff/encyc09.html?term=Pseudepigrapha,%20Old%20Testament




[1] Os católicos romanos, por vezes, chamam alguns desses escritos, que eles incluíram em seu cânon, de deuterocanônicos e que significa "Segunda Canon", 

5 comentários:

  1. Muito boa está explicação parabéns

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  2. Bom dia. Depois que começei a estudar esses livros obtive resposta para pergunta de pessoas leigas à respeito da criação de como se propagou a raça humana,e lendo alguns apócrifos vi que uma parte deles não poderia ser retirado do cânon,o que vc pode me instruir acerca desse meu raciocínio

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    1. As partes que vc entende que deveriam constar no cânon já estão lá nas literaturas canônicas. Seria apenas redundâncias literárias. Todavia, muito das informações extra canônicas são fantasiosas e até mesmo conflitante com o ensino dos livros canônicos.

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  3. Boa noite, meu irmão, paz seja contigo. obrigado pelo conteúdo esclarecedor e relevante, onde precisamos ficar sempre atentos à Palavra que o Espírito de Deus nos deixou inspirando e confirmando homens fiéis ao Senhor. grato pelo vosso trabalho, Deus continue lhe abençoando.

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