quarta-feira, 6 de julho de 2016

APOCALIPSE: A Relação com a Literatura Apocalíptica

O livro reivindica ser um apocalipse (1:1), uma profecia (1:3) uma epístola (1:4, 11: 22:21) e uma visão (9:17). É escrito em parte no estilo da literatura Apocalíptica Judaica,[1] conhecida através de abundante produção literária, que se estendeu pelo período que vai do século II a.C. ao século III d.C., desenvolvendo-se primeiramente numa ramificação judaica e depois judaica e cristã. Ainda outros exemplos deste estilo de escrito na Bíblia incluem partes de Daniel, Ezequiel e Zacarias. O fato de o Apocalipse se enquadrar no gênero apocalíptico é uma das chaves para sua interpretação. Mounce destaca que “um papel principal do apocalipse era explicar por que o crente sofria e por que o reino de Deus se demorava” (1977) e podemos ver claramente estes dois aspectos no Apocalipse.
Este tipo de literatura era escrito debaixo do pseudônimo[2] de alguém importante do passado como Moisés ou Enoque, mas o Apocalipse difere neste aspecto, pois foi escrito sob o nome de João o qual era um nome comum e contemporâneo de seus primeiros leitores. O apocalipse era normalmente revelado por um ser celestial, como um anjo, este também é o caso com o Apocalipse, porém Deus faz reivindicações explicitas de sua autoria, através da mediação de Jesus Cristo e Seu anjo.
A mensagem do Apocalipse é expressa através de um simbolismo vívido e retrata as lutas entre bons e maus no transcorrer da história mundial passada e futura. Descreve o ser humano como sendo impotente para vencer sozinho o mal. Finalmente Deus intervirá cataclismicamente para destruir os poderes do mal. Isto está intimamente associada com o retorno do Messias e a inauguração do reino de Deus (20).
Esta linguagem apocalíptica era um estilo familiar para o público de João, mas para nós ele parece estranho. O livro é repleto de alusões aos escritos do Primeiro Testamento e/ou Antigo Testamento, entre citações literais e alusões contam-se cerca de quinhentas.  Mas, diferentemente dos outros autores neotestamentários, o autor do Apocalipse não introduz suas citações com referência explicita (como: “assim a Escritura”, “assim disse Isaías”, etc...), mas as integra no corpo de sua própria mensagem, como se fossem palavras suas. Conforme explica Vanni:
Variantes significativas com relação ao original veterotestamentário, indicam às vezes uma interpretação própria do autor e, geralmente, o enredo abrangente de alusões e de referências põe o Antigo Testamento em contato contínuo como o Novo. O Novo Testamento constitui seu ponto de chegada, mas sem uma compreensão adequada do Antigo, tornar-se-ia ininteligível. Para a hermenêutica do Apocalipse será necessário, portanto, tomar conhecimento desses contatos, explicitá-los, avalia-los em seu sentido originário, deduzir a partir deles as consequências e as aplicações que o autor deixa apenas entrever. Numa palavra, a hermenêutica do Apocalipse é em grande parte uma releitura do Antigo Testamento (1984, pp.31-32)
            Vejamos algumas características desta utilização conforme mencionadas por A. Vanhoye: a) Parece que o autor recorre diretamente ao texto hebreu e não às traduções gregas conhecidas. b) As citações exatas são muito raras.  João conserva uma inteira liberdade para se inspirar na Escritura, interpretando-a num sentido cristão. Frequentemente simplifica os textos, para melhor delinear os aspectos importantes. Ficamos, por exemplo, afogados na visão inaugural de Ezequiel (Ez 1-2); João soube discernir seus poucos traços fundamentais (Ap 4).  Frequentemente também lhes confere uma dimensão universal que não comportam sempre (1983, p.18-19).
Outra diferença entre o Apocalipse e a literatura apocalíptica judaica deve ser destacada, pois, embora João fosse um judeu ele era também um cristão e como tal sua mensagem é Cristocentrica.
A razão para o estilo apocalíptico é por ser vívido o bastante para ser lembrado por aqueles que estão debaixo de forte perseguição e a quem é primeiramente dirigido, pois aqueles que estão sofrendo perseguição não se lembrariam tão facilmente da teologia epistolar, mas a imagem vívida do Apocalipse podia facilmente ser recordada. O uso de imagens simbólicas torna-se também significativo para todas as gerações posteriores porque elas não atrelam os símbolos a qualquer evento específico da história da Igreja. “Sua linguagem, por vezes simbólica, tem a vantagem de vencer mais facilmente o tempo, pois o símbolo não altera sua representação com o perpassar dos anos” (NOVAH, 1989, p. 3).
Obviamente a imagem da besta pode ser frequentemente mostrada para relacionar-se ao Império Romano (como os preteristas interpretam), mas não está limitada apenas ao Império Romano, mas a todas as espécies de tiranias manifestadas através dos séculos e que perseguem a igreja e que culmina num anticristo. Significa também que não podemos usar o Apocalipse para predizer o tempo exato da segunda vinda de Cristo, pois o propósito central do Apocalipse é ajudar a preparar o povo de Deus para a segunda vinda e para o tempo difícil antes deste último acontecimento histórico.
O livro é apocalíptico em estilo e então deva ser interpretado simbolicamente e não literalmente. Optando por uma aproximação completamente literal logo se depara com dificuldades, por exemplo, quando se tenta interpretar isoladamente o oitavo rei de Ap 17:11, ou o significado do número da besta, 666, ou a nova Jerusalém que tem 12.000 estádios cúbicos de extensão. Por sua própria descrição percebe-se que são simbólicos, e Jesus mesmo explica o simbolismo das sete estrelas e dos sete castiçais (1:20) e deste modo dá a nós cristãos do início do século XXI uma chave para sua interpretação: “Quanto ao mistério das sete estrelas que viste na minha mão direita e aos sete candeeiros de ouro, as sete estrelas são os anjos das sete igrejas, e os sete candeeiros são as sete igrejas”.
Porém, como uma profecia ele está predizendo o futuro, mas também continua sendo a palavra de Deus. Como uma epístola João cria uma tensão entre arrependimento e santidade por parte dos santos. Visa encorajar os santos para suportar perseguição, e para não assumir compromisso com os padrões do mundo e como estimulo e alerta ele mostra as recompensas daqueles que creem e obedecem às palavras deste livro e o castigo dos que não o levarem a sério.
Temos ainda no livro do Apocalipse um caleidoscópio de descrições e visões de Jesus em sua glória divina e fornece também muitos exemplos de hinos de louvor e adoração que tem inspirado por séculos os compositores de hinos.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br//

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Referências Bibliográficas
BORNKAMM, Gunther. Bíblia - Novo Testamento-Introdução aos seus Escritos no Quadro da História do Cristianismo Primitivo. São Paulo: Paulinas, 1981.
COSTA, Hermisten Maia Pereira da, A Literatura Apocalíptica – Judaica. São Paulo: ed. CEP, 1992.
MOUNCE R. H. The Book of Revelation, New international Commentary on the New Testament. Eerdmans, 1977.
NOVAH, Maria Salette da Silva. Apocalipse – Livro Aberto. São Paulo: 1989, p. 3.
SUMMERS Ray. A Mensagem do Apocalipse. Rio de Janeiro: Ed. JUERP, 1980.
VANHOYE, A. Uma Leitura do Apocalipse. São Paulo: Edições Paulinas, 1983. [Citado em Cadernos Bíblicos].
VANNI, Hugo. Apocalipse - Uma Assembleia Litúrgica Interpreta a História. São Paulo: Edições Paulinas, 1984.




[1] “A apocalíptica é uma forma tardia de profecia do Antigo Testamento que ainda leva as marcas de sua origem, com suas extensas citações, imagens e sentenças tiradas dos profetas do Antigo Testamento. Mas a apocalíptica difere da profecia em virtude do dualismo cósmico em que se incuba sua expectativa do fim”. (BORNKAMM, 1981, p. 121). Para uma compreensão mais apurada deste tipo de literatura, tanto suas semelhanças quanto suas diferenças em relação ao Apocalipse de João, recomendam-se uma obra do Rev. Hermisten cujo pressuposto é de que “o estudo da Apocalíptica Judaica torna-se numa ferramenta muitíssimo importante para a compreensão da complexidade do Livro de Apocalipse, fornecendo-nos, assim, subsídios para a sua interpretação, mostrando-nos o perigo do literalismo, o qual foi tão explorado desde um passado remoto até aos nossos dias”.  (COSTA, 1992, p.7). Para uma visão preliminar dos principais livros apocalípticos ver (SUMMERS, 1980, p. 26-36).
[2] O Rev. Hermisten destaca algumas razões para este característico (COSTA, 1992, p.35-36).

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