segunda-feira, 25 de julho de 2016

A T O S - Os discursos e/ou Pregações

A narrativa de Atos é intercalada por vários esboços de discursos[1] e/ou pregações, perfazendo aproximadamente um terço do livro, sendo que a maioria está relacionada diretamente a Pedro e Paulo. Ainda que haja muita discussão se de fato foram pronunciados pelos personagens ou se Lucas apenas coloca estes discursos em seus lábios,[2] há um consenso de que estes discursos fornecem uma excelente trilha que apontam o imenso caminho percorrido pela pregação e ensino apostólico.
 Isto é especialmente verdadeiro em relação aos discursos de Pedro, que tranquilamente poderiam ser rastreados até sua fonte palestinense primaria. Contêm o que parece ser alguns dos primitivos títulos de Jesus, por exemplo, "Servo” de Deus (Atos 3:13, 26), e evita por exemplo o título "Filho de Deus”; não relaciona perdão, como Paulo faz, com a morte de Jesus. É possível, por outro lado, encontrar um padrão comum da pregação apostólica nesses discursos, que se repete, no discurso de Paulo na Antioquia da Pisídia (13: 17-41), e ocasionalmente pode ser vislumbrada nas epístolas de Paulo onde a mensagem está mais desenvolvida.
Este padrão consiste de uma série de declarações sobre Jesus e ligado diretamente a um apelo à conversão:
Jesus de Nazaré é o Messias, o Cristo, enviados por Deus,
             como prometido nas Escrituras, como predito pelos profetas,
             para o perdão dos pecados, para salvação do mundo;
Ele foi rejeitado pelo povo, condenado pelas autoridades;
             Ele sofreu, foi crucificado, morreu e foi sepultado
Mas Deus o ressuscitou dentre os mortos e o elevou às alturas
             e ele vai voltar um dia para nós, em glória.
Em resposta, as pessoas devem se arrepender, crer, ser batizada,
receber o Espírito Santo e juntar-se à comunidade dos crentes (Igreja).
Há boas razões para pensar que esse modelo representa as principais linhas da pregação apostólica daqueles primeiros dias, embora deva ter tido muitas variações individuais e sofreu um processo contínuo de desenvolvimento, como pode ser verificado nos escritos posteriores de I Pedro e nas epístolas paulinas. Os discursos de Atos podem, portanto, ser considerado não como um registro literal e integral das palavras faladas em várias ocasiões, mas como uma série de breves sínteses[3] que geralmente dão uma ideia precisa dos principais pontos da pregação apostólica, numa fase precoce; estes resumos foram devidamente editorados seja pelo próprio Lucas ou pelo editor da fonte utilizada por ele, que coincidirá com a situação particular em que estão colocados.
A importância deste ponto de vista dos discursos, na primeira metade de Atos reside no fato de que, com essas provas da pregação pré-paulinas da Igreja é possível estimar um justo processo de desenvolvimento, que teve lugar na mensagem proclamada entre os primeiros dias da igreja de Jerusalém e do encerramento do primeiro século.
Os discursos relacionados a Paulo na segunda metade de Atos também são de grande importância. À primeira vista são estranhamente diferentes do ensino epistolar de Paulo, pois tem pouco a dizer sobre os grandes temas doutrinários “paulinos" de Fé e Obras e da união com Cristo, que são tão proeminentes nas epístolas (cf. Atos 13:39, 20:21, 24), e o Paulo de Atos utiliza-se de muitas expressões que não se repetem nas epístolas (por exemplo, Atos 20:28, 26:23).
Esta divergência na verdade tem se constituído na base para que alguns estudiosos rejeitem a autoria lucana de Atos. Deve ser lembrado, no entanto, que as epístolas de Paulo foram escritas às pessoas e/ou comunidades que estavam afinadas com o ensino dele, e o ensino teológico nelas inseridos visam corrigir as dificuldades de interpretação que surgiram ou para ampliar e aprofundar os conceitos anteriormente ensinados.
Em Atos, por outro lado, Lucas parece interessado em utilizar-se dos resumos da pregação de Paulo para ilustrar a forma diferenciada de abordagens para se alcançar os mais diversos públicos, que estavam ouvindo a mensagem cristã, pela primeira vez.
Os discursos dos Atos podem ser divididos em querimático-missionários (2.14-36; 3.12-26; 4.8-12; 5.29-32; 10.34-43); proféticos (7.2-54); apologéticos (22.1-21; 24.10-21; 26.2-23), resolutivos (15.7-11, 13-21) ou de gênero composto (20.18-35).

Conclusão
Assim sendo, estes discursos constituem um artifício literário por meio do qual o autor expõe suas ideias, desenvolve seu ensinamento, fortalece a fé do leitor. Distribuídos harmonicamente no texto, representam um momento de pausa e reflexão no desenvolvimento dos acontecimentos, ajudando o leitor a aprofundar o conteúdo das partes narrativas. Em suas formas concisas, terminam sempre no momento certo, quando o autor já acabou de manifestar seu pensamento. Não são, pois, dirigidos aos personagens que aparecem no relato, mas são oferecidos por Lucas ao leitor como explicações úteis para entender sua mensagem.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br//


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Referências Bibliográficas
BERGER, Klaus. As formas literárias do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1998.
EARLE, Ralph. Comentário Bíblico Beacon, v.7. São Paulo: CPAD, 2006.
SMITH, T. C. Comentário Bíblico Broadman, v. 10. Rio de Janeiro: JUERP, 2ª ed., 1987.



[1] “Os discursos dos evangelhos distinguem-se claramente dos de Atos, embora tenham muitos pontos em comum provenientes da tradição retórica. Na tradição sinótica os discursos são composições temáticas (reino de Deus, juízo vindouro, ensinos protréptico). Em Atos, porém, os discursos estão via de regra, em função de uma única finalidade redacional” (BERGER, 1998, p. 71).
[2]  “Dificilmente será razoável presumir que o autor de Atos relatou literalmente o que foi dito em cada discurso que inseriu nesse seu livro. Contudo, ao mesmo tempo, não devemos acusar Lucas de inventar tudo o que colocou na boca de seus personagens. Ele possuía materiais primitivos de pregações feitas na igreja, que podia usar para construir os sermões” (SMITH, 1987, p. 20). Selwyn em seu excelente comentário da Primeira Epístola de Pedro, onde faz um paralelo entre os sermões em Atos e o texto da epístola conclui que mediante a ausência de ideias teológicas avançadas “nos primeiros discursos de Pedro colabora fortemente para o uso das fontes documentais primitivas” e ele faz referência ainda ao “estilo semita áspero e à doutrina primitiva que marcam partes dos discursos de Pedro”. (Apud, EARLE, 2006, p. 220).  
[3] “Outra tendência que havia entre os historiadores contemporâneos, da qual Lucas parece estar livre, era alongar um discurso, que, quando pronunciado originalmente, podia ter sido bem curto. Mesmo o discurso mais longo de Atos pode não representar tudo o que foi dito na ocasião. Lucas parece resumir, em vez de expandir a mensagem” (SMITH, 1987, p. 20).

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