sexta-feira, 10 de maio de 2019

Epístola de Paulo aos Romanos: Estudo Devocional (1.16 e 17)



Tendo feito as saudações protocolares, reconhecido o testemunho positivo da fé vivencial daqueles irmãos e indicado seu proposito em escrever esta carta, Paulo agora em apenas quatro ou cinco linhas vai fazer uma das mais extraordinárias definições do que seja o Evangelho. Essas palavras preciosas do velho apóstolo foram moldadas na bigorna da experiência cristã, tendo ele próprio recebido as pancadas de inúmeras perseguições, prisões, açoites e apedrejamento, além de tantas outras provações. Não são palavras de um erudito confinado em sua biblioteca ou um mercador da mensagem cristã, mas de um apóstolo que se gastou e se deixou gastar em prol da proclamação da mensagem salvadora de Cristo, pois se sentia responsabilizado em comunica-la a todas as pessoas, em todos os lugares em tempo e fora de tempo, mesmo com o risco permanente de morte que lhe acompanhava como uma nuvem sombria.
Estes dois versos desta epístola aos Romanos, agora em destaque, tem produzido mais conversões e avivamentos espirituais na História da Igreja Cristã, do que milhares de reuniões eclesiásticas estéreis e inócuas. Estas palavras de Paulo deveriam ser pregadas perenemente nos púlpitos das igrejas até que nos corações e na alma dos ouvintes queimasse as chamas do genuíno avivamento; até que cada palavra fosse cravada com ponta de diamante, pelo Espírito, na mente e nos corações de cada cristão.

O Coração do Evangelho

(v. 16) Porque não me envergonho do evangelho, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego. Porque no evangelho é revelada, de fé em fé, a justiça de Deus, como está escrito: Mas o justo viverá da fé.
“Porque não me envergonho do evangelho”
Paulo sempre fez uso dos recursos retóricos que possuía e emprega aqui uma figura de linguagem, litotes,[1] onde se utiliza a forma negativa para enfatizar a ideia oposta, ou seja, quando Paulo declara que “não se envergonha do evangelho”,[2] significa exatamente o contrário, nada lhe é mais honroso do que ser um pregador do Evangelho, mesmo que isso lhe custe e custará a própria vida! Em sua carta anterior aos Gálatas ele é enfático: “Longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (6.14). Ele se gloriava no Cristo crucificado; para ele não havia honra maior neste mundo do que ser apóstolo e pregador da mensagem do Cristo morto na cruz - mas aqui ele prefere dizer - “não me envergonho do Evangelho” da cruz.
Todavia, há uma razão especifica para que o velho apóstolo utilize a expressão enfática “não me envergonho do evangelho” – pois muitos naqueles primeiros dias do cristianismo e durante todos os séculos até o presente tem se “envergonhado” do Evangelho bíblico. Em seu último documento escrito, que temos conhecimento, escrito para o jovem pastor Timóteo há uma exortação reflexiva: “Não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor”, e complementa, “nem de mim, que sou prisioneiro seu” (2 Timóteo 1.8). É possível que o jovem pastor estivesse sendo pressionado por forças de fora e até mesmo por lideranças internas da comunidade cristã a amenizar, suavizar, tornar mais palatável a mensagem do Evangelho, quem sabe sugerindo que colocasse menos ênfase na questão da cruz, pois um “evangelho” sem a cruz é mais agradável aos ouvidos sensíveis das pessoas – Paulo como seu mentor e amigo exorta-o: não faça isso! Não tenha vergonha do Evangelho que salvou sua vida e que foi colocado aos seus cuidados para ser preservado como um precioso tesouro e repassado a outros de forma idônea.
            Vivemos dias em que grande parte dos evangélicos tem vergonha do Evangelho bíblico (cf. Lc 12.8,9). Fazem todo o esforço para torna-lo mais “atrativo” para as pessoas – temas como pecado, juízo, inferno – há muito tempo foi extirpado da boca dos pregadores modernos. Pregar que todo aquele que não crer já está condenado não é politicamente correto; declarar que todo pecado, seja qual for, ofende a Deus é algo ultrapassado, afirmar que a Bíblia é inspirada e única regra de fé e prática é inadmissível. Sim, estas pessoas tem vergonha do Evangelho bíblico. O Evangelho bíblico foi e sempre será loucura e escândalo para aqueles que não creem, pois denuncia abertamente seu estado de pecado e miséria. Algumas linhas posteriores Paulo vai fazer uma radiografia da Sociedade em seus dias, à luz do Evangelho, e o resultado é uma completa metástase do pecado em cada célula da Sociedade humana em seu estado natural. Mas certamente esta radiografia e diagnóstico bíblico são inaceitáveis para qualquer geração pervertida e incrédula e a nossa não será diferente. Nesse exato momento (histórico) estão sendo forjadas na bigorna do inferno instalada no Congresso brasileiro leis que haverão de proibir toda e qualquer pregação do Evangelho bíblico. Em breve serão expostos à luz do dia todos aqueles que têm e aqueles que não têm VERGONHA do Evangelho de Cristo.
            E por que Paulo não se envergonhava do Evangelho? Simplesmente porque o Evangelho que ele pregava não era seu, mas de Jesus Cristo. Em outras palavras, o poder do Evangelho não estava (nunca esteve) naquele que prega ou ensina, mas no autor do Evangelho – Jesus Cristo. O Evangelho genuinamente bíblico é de Deus e o poder dele emana do próprio Deus. Assim como os profetas, Paulo e quaisquer outros pregadores ao longo desses milênios são unicamente porta-vozes da mensagem de Deus. Paulo jamais se envergonha do Evangelho porque o poder é de Deus – todos nós somos apenas vasos de barro, para que toda a glória seja unicamente do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém!
            Infelizmente nos dias atuais (e antes também) as pessoas ao se dirigirem aos locais de culto não dizem: qual parte do Evangelho ou qual texto da bíblia vai ser pregado hoje? Mas dizem: quem vai pregar hoje? A ênfase não está no poder da Palavra de Deus (Evangelho), mas no “poder” do pregador – dai a necessidade de títulos grandiosos (apóstolos; bispos; evangelistas, pastores, doutores, mestres, papa, etc....). Mas Paulo deixa bem claro que o PODER DE DEUS está única e exclusivamente no EVANGELHO (na Bíblia; Palavra de Deus). Nenhum pregador pode converter ou transformar a vida de uma única pessoa, somente o Evangelho têm poder para converter e transformar a vida do pecador mais contumaz e depravado em um “filho de Deus”. Porque não me envergonho do evangelho, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego.
Porque no evangelho é revelada, de fé em fé, a justiça de Deus, como está escrito: Mas o justo viverá da fé.
O Evangelho da Justiça 
De acordo com Paulo ele não tinha vergonha do Evangelho porque era as boas novas de salvação, proveniente do próprio Deus e, portanto, poderoso para transformar o maior dos pecadores (ele próprio) e uma mensagem para todos os povos em todos os lugares e em todos os tempos.
            Agora Paulo acrescenta outro aspecto extraordinário do Evangelho: revela a justiça de Deus! A falta de compreensão dessa dimensão da mensagem evangélica tem produziu mais malefícios à igreja do que qualquer outra heresia. O inferno trabalha dia e noite para separar o Evangelho da Justiça, como se fossem duas coisas distintas e antagônicas, mas o velho apóstolo sabia que o Evangelho e a Justiça de Deus são inseparáveis. O Evangelho revela a Justiça de Deus e a Justiça é plenamente satisfeita no Evangelho de Deus. Quando está verdade explodiu no coração e permeou toda a alma de Martinho Lutero ele finalmente sentiu-se reconciliado com Deus e experimentou da paz que excede todo o entendimento.
            Um evangelho que não revela a Justiça de Deus é um engodo do inferno para manter as pessoas debaixo da ira e da condenação de Deus. Nada ofende mais o ser humano na sua essência natural do que ser desmascarado em sua falsa autojustiça. Aquele jovem rico que se aproxima de Jesus Cristo, cheio de si mesmo, afasta-se triste após perceber que não era tão bom quanto parecia aos seus próprios olhos. Nada irrita e frustra as pessoas quando ouvem o Evangelho de Cristo e descobrem que não elas não são boas, justas e inocentes como imaginavam que fossem. A expressão mais adiante de Paulo de que “todos pecaram” coloca na mesma posição de condenação: homens e mulheres, jovens e velhos, ricos e pobres, cultos e incultos. E ele ainda completara o quadro declarando em alto e bom som: “não há justo, nenhum sequer”. Enquanto a pessoa estiver cheia de si mesma e fundamentada em sua própria justiça, jamais entenderá o que Jesus Cristo fez por ele na Cruz. Enquanto a pessoa não entender que está assentada no banco dos réus e que está por ouvir a sentença de condenação pronunciada pelo Juiz eterno, ela não dependerá da justiça que emana da cruz. Saulo de Tarso era autossuficiente em sua religiosidade judaica, mas depois que compreendeu a Justiça de Deus, o agora Paulo não tinha nenhum pudor em declarar: porque dos pecadores eu sou o principal.
            Ao separar a Justiça de Deus da pregação do Evangelho da Graça os pregadores atuais lançam seus ouvintes ao inferno! Somente compreenderá o Evangelho de Cristo aqueles que sentirem toda sua miserabilidade diante da Justiça de Deus – “sê propicio a mim pecador”.
Em cegueira eu andei e perdido vaguei,
Longe, longe do meu Salvador!
Mas da glória desceu, o seu sangue verteu
E salvou este pobre pecador.
Foi na cruz, foi na cruz que um dia eu vi
Meu pecado castigado em Jesus!
Foi ali pela fé, que meus olhos abri
E agora me alegro em sua luz!
Vivendo pela Fé
            A justiça que se manifesta pela fé não é encontrada em nenhuma outra religião. Todas as demais religiões trabalham com o pressuposto de que o ser humano é bom e que por seu esforço e dedicação pode tornar-se justo; mas no Evangelho a justiça emana unicamente de Deus o justo e justificador de todo aquele que crê na eficiência e suficiência do sacrifício redentor de Jesus Cristo.  Como tão bem Paulo vai declarar mais adiante – o Justo pelo injusto.  Aqui está o cerne do Projeto Redentor de Deus, o cerne da salvação.
            Nestas quatro linhas Paulo menciona “fé” quatro vezes – demonstrando a centralidade da fé. Toda interpretação e compreensão desta epístola, bem como da própria bíblia, estará prejudicada se não houver um entendimento correto do que é “fé”. A grande armadilha de Satanás é incutir na mente e no coração das pessoas que esse negócio de fé não é importante, o que realmente importa é você acreditar em alguma coisa, seja o que for. Certamente o inferno estará lotado de toda sorte de “crentes”, dos mais variados credos religiosos, incluindo “evangélicos”.
            A fé à qual Paulo se refere aqui não é proveniente do coração corrupto do ser humano decaído e morto em seus delitos e pecados; a fé aqui é um dom (presente) de Deus, mediante sua graça (favor não merecido). A bíblia não acalenta a ilusão de que todas as pessoas serão salvas, mas que unicamente serão salvas aquelas que experimentam o inefável dom da fé. Desta forma, Paulo está declarando que a fé que nos justifica diante do tribunal de Deus não é proveniente de nós mesmos, mas provém da graça de Deus! “O justo viverá pela fé”, somente quando compreendeu esta verdade Martinho Lutero abandou todo seu arsenal de autoflagelação, e seu saco furado de boas obras e religiosidade e depositou sua fé unicamente no sacrifício de Jesus Cristo, que o purifica e justifica de todos os pecados. Paulo é enfático – de fé em fé – “Ele não diz, de fé em obras, nem, de obras em fé; mas, de ‘fé em fé’, isto é, somente pela fé” (M. Poole, apud WILSON, 1981, p. 12). Foi assim nos dias do profeta Habacuque (2.4) e continua sendo assim nos dias de Paulo e nos dias atuais.
Desde o princípio até o final somos salvos unicamente pela fé na retidão justificadora de Cristo. Uma vez que sou justificado por Deus e não por meus esforços, estou justificado para sempre, de maneira que, nada e nem ninguém – nem morte, nem vida, nem o presente ou o futuro, nem principados, nem potestades – nada, absolutamente nada, poderá me condenar, pois é Deus quem me justifica. Aleluia!
Justificados, pois pela fé
temos paz com Deus!

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas
BARCLAY, William. Romanos - El Nuevo Testamento comentado. Buenos Aires (Argentina), Asociación Editorial la Aurora, 1974.
BRUCE, F. F. Romanos – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1991.
CALVINO, João. Exposição de Romanos. Tradução Valter Graciano Martins. São Paulo: Edições Paracletos, 1997. [Comentário à Sagrada Escritura].
CRANFIELD, C. E. B. Carta aos Romanos. Tradução Anacleto Alvarez. São Paulo: Edições Paulinas, 1992. [Grande Comentário Bíblico].
ERDMAN, Charles R. Comentários de Romanos. Tradução Waldyr Carvalho Luz. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, s/d. (Fhiladelphia: The Westminster Press, 1925).
GREATHOUSE, William M. A epístola aos Romanos. Tradução Degmar Ribas Júnior. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. [Comentário Bíblico Beacon, v. 8].
KERTELGE, Karl. A epístola aos romanos. Tradução de Assis Pitombeira. Petrópolis (RJ): Editora Vozes, 1982. [Coleção Novo Testamento – comentário e mensagem, nº 6].
LLOYD-JONES, D. Martyn. Romanos – o Evangelho de Deus. Tradução Odayr Olivetti. São Paulo: Editora PES, 1998. [Exposição sobre Capítulo 1].
WILSON, Geoffrey B. Romanos – um resumo do pensamento reformado. Tradução Fernando Quadros Gouvêa. São Paulo: PES, 1981.



[1] John Stott em seu comentário de Romanos discorda desta interpretação (2000, p. 29).
[2] A expressão “eu não me envergonho” é o equivalente intensificado de confessar, proclamar, declarar.

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