sexta-feira, 3 de maio de 2019

Epístola de Paulo aos Romanos: Estudo Devocional (1.8-15)



            Após se identificar e saudar seus leitores, Paulo se dirige especificamente a eles expressando o reconhecimento do que Deus tem feito na vida e através da vida daqueles cristãos. Paulo sabia muito bem como era difícil vivenciar a fé cristã naqueles dias, pois ele mesmo sentiu na própria pele toda a violência produzida por aqueles que rejeitam o Evangelho (e temos visto isto diariamente em nossas mídias eletrônicas). Não muito tempo de esta epístola ter sido escrita os cristãos em Roma foram acusados injustamente de serem causadores de um dos mais devastadores incêndios ocorridos na capital romana e centenas de cristãos foram mortos das formas mais cruéis imagináveis.
Graças a Deus pela Fé
(v. 8) Primeiramente dou graças ao meu Deus, mediante Jesus Cristo, por todos vós, porque em todo o mundo é anunciada a vossa fé.
Não sem motivo Paulo imediatamente à saudação protocolar expressa sua gratidão a Deus pela fé daqueles cristãos no meio da maior cidade do Império Romano.
Muito tempo antes de ver o rosto desses cristãos em Roma, o velho apóstolo já orava em favor deles. “Já ganhara a batalha antes de entrar nela” (F. B. Meyer). Antes de qualquer outra coisa, diz Paulo, antes de compartilhar meus planos missionários e solicitar o apoio de vocês, me coloco diante do “meu Deus” para agradecer pela vida de vocês, por estarem manifestando a genuína fé em Jesus Cristo. O velho apóstolo aprendeu a caminhar com Deus, assim como o salmista (Sl 18) que permeia seu cântico com esta preciosa expressão “meu Deus”, de maneira que o conhecimento deles não era de nenhuma forma acadêmico-escolástica, abstrata ou especulativa, mas um conhecimento vivo e pessoal “meu Deus” – Davi como poucos conheceu profundamente a Deus e ao compor uma de suas obras máximas declara: “O Senhor é o meu pastor”. O rei Ezequias referindo-se ao profeta Isaías declara: “o Deus de Isaías” (Is 37.4); estando para lançar Daniel à cova dos leões o rei lhe pergunta: “Teu Deus, a quem serviste com perseverança, ele te salvará?” (Dn 6.17). Em outra ocasião Paulo dá esse testemunho: “Deus, de quem eu sou, e a quem sirvo” (At 27.23). É transparente que existe uma relação pessoal e um conhecimento pessoal – assim deve se iniciar qualquer oração – “meu Deus
Que melhor testemunho eles poderiam dar do que viverem intensamente sua fé em meio a toda corrupção e depravação em que estavam inseridos (Paulo vai fazer uma radiografia da sociedade romana algumas linhas à frente). Dizer que é um cristão é fácil, mas viver como um cristão no meio de uma sociedade corrompida e dominada pelo pecado é outra coisa. Ainda que nos anais da história romana pouco ou quase nada se registra sobre os cristãos e as comunidades cristãs em Roma, este fato apenas revela a ignorância deles sobre a mensagem salvadora do Evangelho; todavia, em todos os lugares onde havia sido estabelecido um núcleo da igreja cristã, o testemunho dos cristãos romanos era conhecido e servia de estimulo para a vida deles. Se Paulo escrevesse hoje para nós (nossas comunidades) ele poderia ser grato a Deus pela nossa fé?
Intercessão amorosa
(v. 9-10) Pois Deus, a quem sirvo em meu espírito, no evangelho de seu Filho, me é testemunha de como incessantemente faço menção de vós, pedindo sempre em minhas orações que, afinal, pela vontade de Deus, se me ofereça boa ocasião para ir ter convosco.
O fato de Paulo não conhecer a maioria dos cristãos que moravam em Roma, mas conhecia muitos a quem nomeia ao final da carta, isso nunca foi empecilho para que ele intercedesse em favor das suas vidas. Ele os tinha em seu coração, pois somente se ora por aqueles que se ama, talvez seja essa a triste razão pelas quais nossas orações são tão egocêntricas, pois amamos muito a nós mesmos e pouco as demais pessoas. Paulo sentia-se responsa´vel e tinha “cuidado de todas as igrejas” (I Co 11.28). Como seria diferente as nossas vidas se seguíssemos o exemplo de Paulo e orássemos mais frequentemente pelas pessoas, mesmo que não as conhecêssemos. Como seria diferente se orássemos mais por todas as igrejas e não apenas pela nossa denominação. Jamais me esquecerei de um pastor que se alegrava pelo fato de que uma igreja de outra denominação estava passando por problemas pastorais e muitos membros estavam vindo para sua igreja – lamentável atitude! Nestas palavras fica evidente o valor que Paulo dava a oração intercessora (uma das reuniões das igrejas evangélica menos concorrida são as reuniões de oração). Na mesma proporção em que a igreja deixa de orar ela se mundaniza.
Paulo não começou a orar pelos cristãos em Roma enquanto escrevia a carta, mas ele a muito sempre orava em favor deles “incessantemente faço menção de vós, ... pedindo sempre [em todo o tempo] em minhas orações”.  O termo grego utilizado por Paulo denota a ideia de “em todas as minhas orações” ou ainda, “sempre me dirijo a Deus em minhas orações”, popularmente “todas as vezes que oro”. A oração é o termômetro da nossa fé – muita oração, muita fé; pouca oração, pouca fé; nenhuma oração, nenhuma fé.
Demonstramos realmente a preocupação pela vida de alguém quando nos dispomos a orar por ela. Revelamos o quanto nos preocupa de fato o destino do nosso País, não twitando ou postando críticas e defesas no facebook, mas quando dobramos os nossos joelhos e intercedemos pelo Brasil. John Knox orava diariamente e sem cessar: “Senhor, dá-me a Escócia, senão eu morro!” E a Escócia tornou-se uma Nação protestante e foi importante na obra missionária (lamentavelmente não há mais John Knox na Escócia e ela tem retrocedido aos tempos da incredulidade e da irreverência). O salmista conclama a todos para que “orem pela paz de Jerusalém”.
Antes de preocupar-se com seus planos, ainda que convicto de que era da parte de Deus, Paulo revela sua preocupação com o bem estar dos cristãos em Roma. Ele sabia que tudo deveria ser submetido a Deus em oração e que, sem ela, todos os melhores planos e planejamentos se perderiam.  Lembremos que tudo quanto formos fazer, das mais simples às mais complexas, devem ser colocadas diante de Deus – Tiago exorta: “nunca diga arrogantemente eu vou fazer isso e aquilo, mas em profunda humildade coloque tudo diante de Deus e diga, se Deus quiser farei isso ou aquilo”. Charles Hodge observa: “a providência de Deus deve ser reconhecida em relação aos assuntos mais simples da vida”. E quando oramos, mas nada fazemos estamos zombando de Deus; e quando fazemos as coisas sem orarmos antes estamos roubando a glória de Deus (Robert Haldane). Os grandes fracassos do evangelicalismo moderno é que primeiramente se faz as coisas e somente depois, quando tudo se revela um fracasso, acorrem a Deus em desespero. As batalhas da vida cristã somente são ganhas por aqueles que antes de iniciar a luta já estava orando. A rainha Elizabete I dizia que temia mais as orações dos cristãos do que os exércitos inimigos – os corruptos de nossa Nação temem as orações dos evangélicos? O inferno treme em pavorosa quando nos reunimos para orar? Vidas são transformadas quando nos propomos a orar? As cracolândias e a corrupção no Brasil somente deixaram de existir quando o povo de Deus começar a orar – antes disso somente nos cabe o corar de vergonha, como tão bem expressou Daniel em sua oração.
Fortalecimento mútuo
(v. 11-12) Porque desejo muito ver-vos, para vos comunicar algum dom espiritual, a fim de que sejais fortalecidos; isto é, para que juntamente convosco eu seja consolado em vós pela fé mútua, vossa e minha.
O apóstolo revela um genuíno apresso e respeito por aqueles irmãos quando afirma que a sua própria fé será fortalecida pela fé deles, como a deles pela sua. Ele não estava apenas tentando ser gentil: realmente cria nisto. Este é o fator máximo da genuína comunhão cristã – crescimento espiritual mútuo. O termo usado por Paulo ”fortalecido” trás a ideia de ser edificado, ser tornado mais completo e até mesmo de ser separado, ou seja, apesar deles assim como o próprio apóstolo expressarem uma fé genuína, ambos necessitam sempre de serem fortalecidos – a conversão não é o fim, mas apenas o começo da jornada cristã. João Calvino declara: “Não há ninguém tão pobre na igreja de Cristo que não possa compartilhar conosco algo de valor”. Os cristãos de Corinto foram censurados pelo apóstolo por optarem em permanecerem agindo como “crianças em Cristo” (1 Co 3.1). Fazendo uma analogia com as palavras de Jesus: o caminho largo da infantilidade espiritual é amplo e espaçoso e a maioria opta por ele, mas o caminho estreito, espinhento e pedregoso da maturidade é estreito e são poucos os que perseveram nele. Há muito nossas reuniões e cultos perderam essa dimensão da comunhão que produz fortalecimento da fé. Os shows gospel servem apenas como entretenimento e de gosto discutíveis, mas jamais servira para estimular o crescimento e maturidade espiritual resultante de uma fé genuína. Servem como berçário e creche nada mais!
Ha' uma admirável mutualidade no serviço de Deus. Pense: quanto do sucesso do ministério de Paulo foi devido 'as
orações dos fiéis? Oramos nós pelos ministradores do evangelho, oficiais ou leigos, que fazem o trabalho que os anjos gostariam de fazer que e' contar as boas novas do Evangelho?
Uma grande responsabilidade
(v. 13-14) E não quero que ignoreis irmãos, que muitas vezes propus visitar-vos (mas até agora tenho sido impedido), para conseguir algum fruto entre vós, como também entre os demais gentios. Eu sou devedor, tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes.
Há muito tempo que Paulo acalenta o desejo de ir a Roma e estar usufruindo da comunhão daqueles irmãos, mas por razões independentes de sua vontade ele ainda não pode realizar esse propósito. Paulo tinha plena consciência da relevância estratégica da comunidade cristã romana e já projetava fazer dela uma nova base para alcançar outras regiões além-mar (ex. Espanha).
Desde sua conversão o Senhor Jesus deixou bem claro qual o propósito para o qual Paulo fora chamado – levar o evangelho aos gentios, todavia como judeu ele também se sentia responsável em comunicar as boas novas aos seus patrícios da diáspora; Paulo havia estudo no maior centro acadêmico de seus dias, mas jamais deixou de se preocupar com os mais simples e analfabetos. Pesava sobre os ombros de Paulo a responsabilidade de comunicar o Evangelho a todas as pessoas, independente de sua etnia ou cultura, em todos os lugares e nada menos do que isso importava para o velho apóstolo.
Pronto
(v. 15) De modo que, quanto está em mim, estou pronto para anunciar o evangelho também a vós que estais em Roma.
Todos os obstáculos e todos os impedimentos que até então tinham adiado a ida de Paulo a Roma não foram suficientes p ara diminuir um mínimo que fosse do desejo ardente que tinha de estar com os irmãos na Capital. Como deixou claro desde a muito tempo esse desejo tem sido acalentado em seu coração e os adiamentos apenas serviram para confirmar a sinceridade desta vontade. Quando nossos propósitos são sinceros e visam a glória de Deus e a expansão do Reino nenhum obstáculo é suficiente para demovê-lo de nossos corações. Mas todos os propósitos que se desvanece com o passar dos anos é porque na verdade nunca estiveram arraigados em nossos corações. Aqui temos ao menos dois aspectos muito interessantes: Paulo sabia ou tinha muito claro de que tudo que até então o havia impedido de estar com aqueles irmãos em Roma estavam debaixo da vontade de Deus, ou seja, ainda não era o tempo oportuno, não era o melhor momento, de maneira que cabia ao apóstolo continuar orando e aguardando que Deus lhe permitisse alcançar seu objetivo; segundo, se desde a primeira vez Paulo realizasse seu desejo, certamente não teríamos em nossas mãos essa preciosa carta, que tem sido instrumento do Espírito Santo para salvação, edificação e avivamento espiritual de milhares ou milhões de cristãos no mundo inteiro. Agostinho, Martinho Lutero, John Bunyan (autor de “Peregrino”), John Wesley estão entre aqueles que tiveram sua vidas transformadas pela leitura e estudo desta epístola. Dentro do propósito eterno do Espírito Santo, na composição das Escrituras Sagradas, havia a carta dirigida aos crentes em Roma, escrita pelo apóstolo Paulo, e somente depois que ele a escreveu foi liberado para ir a Roma. Foi assim com Paulo e continua sendo assim na vida de todos os cristãos, pois os obstáculos, dificuldades e impedimentos estão sempre subordinados à vontade soberana do Espírito Santo. As frustrações e decepções são decorrentes do fato que nos esquecemos desta verdade.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante

Artigos Relacionados
Epístola de Paulo aos Romanos: Estudo Devocional (1.1-7)
NT - As Epístolas Paulinas: Introdução Geral
Epístolas Paulinas: Romanos (Tema e Propósito)
Epístolas Paulinas: Romanos (Autoria e Data)
Epístolas Paulinas: Data e Autoria Conservadores e Liberais
Cartas ou Epístolas?
O Mundo do Apóstolo Paulo: A Filosofia
Reconhecimento Progressivo dos Livros do Segundo Testamento
Tubingen: a Escola Holandesa Radical

Referências Bibliográficas
BARCLAY, William. Romanos - El Nuevo Testamento comentado. Buenos Aires (Argentina), Asociación Editorial la Aurora, 1974.
BRUCE, F. F. Romanos – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1991.
CALVINO, João. Exposição de Romanos. Tradução Valter Graciano Martins. São Paulo: Edições Paracletos, 1997. [Comentário à Sagrada Escritura].
CRANFIELD, C. E. B. Carta aos Romanos. Tradução Anacleto Alvarez. São Paulo: Edições Paulinas, 1992. [Grande Comentário Bíblico].
ERDMAN, Charles R. Comentários de Romanos. Tradução Waldyr Carvalho Luz. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, s/d. (Fhiladelphia: The Westminster Press, 1925).
GREATHOUSE, William M. A epístola aos Romanos. Tradução Degmar Ribas Júnior. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. [Comentário Bíblico Beacon, v. 8].
KERTELGE, Karl. A epístola aos romanos. Tradução de Assis Pitombeira. Petrópolis (RJ): Editora Vozes, 1982. [Coleção Novo Testamento – comentário e mensagem, nº 6].
LLOYD-JONES, D. Martyn. Romanos – o Evangelho de Deus. Tradução Odayr Olivetti. São Paulo: Editora PES, 1998. [Exposição sobre Capítulo 1].
WILSON, Geoffrey B. Romanos – um resumo do pensamento reformado. Tradução Fernando Quadros Gouvêa. São Paulo: PES, 1981.

Nenhum comentário:

Postar um comentário