Após se
identificar e saudar seus leitores, Paulo se dirige especificamente
a eles expressando o reconhecimento do que Deus tem feito na vida e através da
vida daqueles cristãos. Paulo sabia muito bem como era difícil vivenciar a fé
cristã naqueles dias, pois ele mesmo sentiu na própria pele toda a violência
produzida por aqueles que rejeitam o Evangelho (e temos visto isto diariamente
em nossas mídias eletrônicas). Não muito tempo de esta epístola ter sido
escrita os cristãos em Roma foram acusados injustamente de serem causadores de
um dos mais devastadores incêndios ocorridos na capital romana e centenas de
cristãos foram mortos das formas mais cruéis imagináveis.
Graças a Deus pela Fé
(v. 8) Primeiramente dou graças ao meu Deus, mediante Jesus Cristo, por
todos vós, porque em todo o mundo é anunciada a vossa fé.
Não sem motivo Paulo imediatamente à saudação protocolar
expressa sua gratidão a Deus pela fé daqueles cristãos no meio da maior cidade
do Império Romano.
Muito tempo antes de ver o rosto desses cristãos em Roma,
o velho apóstolo já orava em favor deles. “Já
ganhara a batalha antes de entrar nela” (F. B. Meyer). Antes de qualquer
outra coisa, diz Paulo, antes de compartilhar meus planos missionários e
solicitar o apoio de vocês, me coloco diante do “meu Deus” para agradecer pela vida de vocês, por estarem manifestando
a genuína fé em Jesus Cristo. O velho apóstolo aprendeu a caminhar com Deus,
assim como o salmista (Sl 18) que permeia seu cântico com esta preciosa
expressão “meu Deus”, de maneira que
o conhecimento deles não era de nenhuma forma acadêmico-escolástica, abstrata
ou especulativa, mas um conhecimento vivo e pessoal “meu Deus” – Davi como poucos conheceu profundamente a Deus e ao
compor uma de suas obras máximas declara: “O
Senhor é o meu
pastor”. O rei Ezequias referindo-se ao profeta Isaías declara: “o Deus de Isaías”
(Is 37.4); estando para lançar Daniel à cova dos leões o rei lhe pergunta: “Teu Deus, a quem serviste com perseverança,
ele te salvará?” (Dn 6.17). Em outra ocasião Paulo dá esse testemunho: “Deus, de quem eu sou, e a quem sirvo”
(At 27.23). É transparente que existe uma relação pessoal e um conhecimento
pessoal – assim deve se iniciar qualquer oração – “meu Deus”
Que melhor testemunho eles poderiam dar do que viverem
intensamente sua fé em meio a toda corrupção e depravação em que estavam
inseridos (Paulo vai fazer uma radiografia
da sociedade romana algumas linhas à frente). Dizer que é um
cristão é fácil, mas viver como um cristão no meio de uma sociedade corrompida
e dominada pelo pecado é outra coisa. Ainda
que nos anais da história romana pouco ou quase nada se registra sobre os
cristãos e as comunidades cristãs em Roma, este fato apenas revela a ignorância
deles sobre a mensagem salvadora do Evangelho; todavia, em todos os lugares
onde havia sido estabelecido um núcleo da igreja cristã, o testemunho dos
cristãos romanos era conhecido e servia de estimulo para a vida deles. Se Paulo escrevesse hoje para nós (nossas comunidades)
ele poderia ser grato a Deus pela nossa fé?
Intercessão amorosa
(v. 9-10) Pois Deus, a quem sirvo em meu espírito, no evangelho de seu
Filho, me é testemunha de como incessantemente faço menção de vós, pedindo
sempre em minhas orações que, afinal, pela vontade de Deus, se me ofereça boa
ocasião para ir ter convosco.
O fato de Paulo não conhecer a maioria dos cristãos que
moravam em Roma, mas conhecia muitos a quem nomeia ao final da carta, isso
nunca foi empecilho para que ele intercedesse em favor das suas vidas. Ele os tinha
em seu coração, pois somente se ora por aqueles que se ama, talvez seja essa a
triste razão pelas quais nossas orações são tão egocêntricas, pois amamos muito
a nós mesmos e pouco as demais pessoas. Paulo sentia-se responsa´vel e tinha “cuidado
de todas as igrejas” (I Co 11.28). Como seria diferente as nossas vidas se seguíssemos
o exemplo de Paulo e orássemos mais frequentemente pelas pessoas, mesmo que não
as conhecêssemos. Como seria diferente se orássemos mais por todas as igrejas e
não apenas pela nossa denominação. Jamais me esquecerei de um pastor que se
alegrava pelo fato de que uma igreja de outra denominação estava passando por
problemas pastorais e muitos membros estavam vindo para sua igreja – lamentável
atitude! Nestas palavras fica evidente o valor que Paulo dava a oração intercessora
(uma das reuniões das igrejas evangélica menos concorrida são as reuniões de
oração). Na mesma proporção em que a igreja deixa de orar ela se mundaniza.
Paulo não começou a orar pelos cristãos em Roma enquanto
escrevia a carta, mas ele a muito sempre orava em favor deles “incessantemente faço menção de vós, ... pedindo sempre [em todo o tempo]
em minhas orações”. O termo grego utilizado por Paulo denota a
ideia de “em todas as minhas orações”
ou ainda, “sempre me dirijo a Deus em
minhas orações”, popularmente “todas
as vezes que oro”. A oração é o termômetro da nossa fé – muita
oração, muita fé; pouca oração, pouca fé; nenhuma oração, nenhuma fé.
Demonstramos realmente a preocupação pela vida de alguém quando
nos dispomos a orar por ela. Revelamos o quanto nos preocupa de fato o destino
do nosso País, não twitando ou postando críticas e defesas no facebook, mas
quando dobramos os nossos joelhos e intercedemos pelo Brasil. John Knox orava
diariamente e sem cessar: “Senhor, dá-me
a Escócia, senão eu morro!” E a Escócia tornou-se uma Nação protestante e
foi importante na obra missionária (lamentavelmente não há mais John Knox na
Escócia e ela tem retrocedido aos tempos da incredulidade e da irreverência). O
salmista conclama a todos para que “orem
pela paz de Jerusalém”.
Antes de preocupar-se com seus planos, ainda que convicto
de que era da parte de Deus, Paulo revela sua preocupação com o bem estar dos
cristãos em Roma. Ele sabia que tudo deveria ser submetido a Deus em oração e
que, sem ela, todos os melhores planos e planejamentos se perderiam. Lembremos que tudo quanto formos fazer, das
mais simples às mais complexas, devem ser colocadas diante de Deus – Tiago exorta:
“nunca diga arrogantemente eu vou fazer
isso e aquilo, mas em profunda humildade coloque tudo diante de Deus e diga, se
Deus quiser farei isso ou aquilo”. Charles Hodge observa: “a providência de Deus deve ser reconhecida
em relação aos assuntos mais simples da vida”. E quando oramos, mas nada
fazemos estamos zombando de Deus; e quando fazemos as coisas sem orarmos antes
estamos roubando a glória de Deus (Robert Haldane). Os grandes fracassos do
evangelicalismo moderno é que primeiramente se faz as coisas e somente depois,
quando tudo se revela um fracasso, acorrem a Deus em desespero. As batalhas da
vida cristã somente são ganhas por aqueles que antes de iniciar a luta já
estava orando. A rainha Elizabete I
dizia que temia mais as orações dos cristãos do que os exércitos inimigos – os corruptos
de nossa Nação temem as orações dos evangélicos? O inferno treme em pavorosa
quando nos reunimos para orar? Vidas são transformadas quando nos propomos a
orar? As cracolândias e a corrupção no Brasil somente deixaram de existir
quando o povo de Deus começar a orar – antes disso somente nos cabe o corar
de vergonha, como tão bem expressou Daniel em sua oração.
Fortalecimento mútuo
(v. 11-12) Porque desejo muito ver-vos, para vos comunicar algum dom
espiritual, a fim de que sejais fortalecidos; isto é, para que juntamente
convosco eu seja consolado em vós pela fé mútua, vossa e minha.
O apóstolo revela um genuíno apresso e respeito por
aqueles irmãos quando afirma que a sua própria fé será fortalecida pela fé
deles, como a deles pela sua. Ele não estava apenas tentando ser gentil:
realmente cria nisto. Este é o fator máximo da genuína comunhão cristã –
crescimento espiritual mútuo. O termo usado por Paulo ”fortalecido” trás
a ideia de ser edificado, ser tornado mais completo e até mesmo de ser separado,
ou seja, apesar deles assim como o próprio apóstolo expressarem uma fé genuína,
ambos necessitam sempre de serem fortalecidos – a conversão não é o fim, mas apenas o começo da jornada cristã.
João Calvino declara: “Não há ninguém tão pobre na igreja de Cristo que não
possa compartilhar conosco algo de valor”. Os cristãos de Corinto foram censurados
pelo apóstolo por optarem em permanecerem agindo como “crianças em Cristo” (1 Co 3.1). Fazendo uma analogia com as
palavras de Jesus: o caminho largo da
infantilidade espiritual é amplo e espaçoso e a maioria opta por ele, mas o
caminho estreito, espinhento e pedregoso da maturidade é estreito e são poucos
os que perseveram nele. Há muito nossas reuniões e cultos perderam essa dimensão da comunhão que produz
fortalecimento da fé. Os shows gospel servem apenas como entretenimento e de
gosto discutíveis, mas jamais servira para estimular o crescimento e maturidade
espiritual resultante de uma fé genuína. Servem como berçário e creche nada
mais!
Ha' uma admirável mutualidade no serviço de Deus. Pense:
quanto do sucesso do ministério de Paulo foi devido 'as
orações dos fiéis? Oramos nós pelos ministradores do
evangelho, oficiais ou leigos, que fazem o trabalho que os anjos gostariam de
fazer que e' contar as boas novas do Evangelho?
Uma grande responsabilidade
(v. 13-14) E não quero que ignoreis irmãos, que muitas vezes propus
visitar-vos (mas até agora tenho sido impedido), para conseguir algum fruto
entre vós, como também entre os demais gentios. Eu sou devedor, tanto a gregos
como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes.
Há muito tempo que Paulo acalenta o desejo de ir a Roma e
estar usufruindo da comunhão daqueles irmãos, mas por razões independentes de
sua vontade ele ainda não pode realizar esse propósito. Paulo tinha plena
consciência da relevância estratégica da comunidade cristã romana e já
projetava fazer dela uma nova base para alcançar outras regiões além-mar (ex.
Espanha).
Desde sua conversão o Senhor Jesus deixou bem claro qual
o propósito para o qual Paulo fora chamado – levar o evangelho aos gentios,
todavia como judeu ele também se sentia responsável em comunicar as boas novas
aos seus patrícios da diáspora; Paulo havia estudo no maior centro acadêmico de
seus dias, mas jamais deixou de se preocupar com os mais simples e analfabetos.
Pesava sobre os ombros de Paulo a responsabilidade de comunicar o Evangelho a
todas as pessoas, independente de sua etnia ou cultura, em todos os lugares e
nada menos do que isso importava para o velho apóstolo.
Pronto
(v. 15) De modo que, quanto está em mim, estou pronto para anunciar o
evangelho também a vós que estais em Roma.
Todos os obstáculos e todos os impedimentos que até então
tinham adiado a ida de Paulo a Roma não foram suficientes p ara diminuir um
mínimo que fosse do desejo ardente que tinha de estar com os irmãos na Capital.
Como deixou claro desde a muito tempo esse desejo tem sido acalentado em seu
coração e os adiamentos apenas serviram para confirmar a sinceridade desta
vontade. Quando nossos propósitos são sinceros e visam a glória de Deus e a expansão
do Reino nenhum obstáculo é suficiente para demovê-lo de nossos corações. Mas
todos os propósitos que se desvanece com o passar dos anos é porque na verdade
nunca estiveram arraigados em nossos corações. Aqui temos ao menos dois
aspectos muito interessantes: Paulo sabia ou tinha muito claro de que tudo que
até então o havia impedido de estar com aqueles irmãos em Roma estavam debaixo
da vontade de Deus, ou seja, ainda não era o tempo oportuno, não era o melhor
momento, de maneira que cabia ao apóstolo continuar orando e aguardando que
Deus lhe permitisse alcançar seu objetivo; segundo, se desde a primeira vez
Paulo realizasse seu desejo, certamente não teríamos em nossas mãos essa
preciosa carta, que tem sido instrumento do Espírito Santo para salvação, edificação
e avivamento espiritual de milhares ou milhões de cristãos no mundo inteiro.
Agostinho, Martinho Lutero, John Bunyan (autor de “Peregrino”), John Wesley
estão entre aqueles que tiveram sua vidas transformadas pela leitura e estudo desta
epístola. Dentro do propósito eterno do Espírito Santo, na composição das
Escrituras Sagradas, havia a carta dirigida aos crentes em Roma, escrita pelo
apóstolo Paulo, e somente depois que ele a escreveu foi liberado para ir a
Roma. Foi assim com Paulo e continua sendo assim na vida de todos os cristãos,
pois os obstáculos, dificuldades e impedimentos estão sempre subordinados à
vontade soberana do Espírito Santo. As frustrações e decepções são decorrentes
do fato que nos esquecemos desta verdade.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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