O
primeiro pressuposto que se faz necessário para uma compreensão correta dos
chamados “salmos imprecatórios” é: qual
sua concepção de Deus? Se seu entendimento de Deus é humanista certamente
os salmos imprecatórios é uma abominação. Para os filhos de Erasmo de Roterdã
Deus está apenas um degrau acima do ser humano e, portanto, passível de
equívocos e desvios de conduta. Para pessoas que somente aceitam um deus
humanizado (incluindo as imperfeições) o salmo imprecatório contraria o politicamente
correto e, portanto, devem ser simplesmente descartados (assim como 95% dos
textos bíblicos).
Mas
para aqueles que têm uma concepção de Deus, em harmonia com aquilo que a Bíblia
declara sobre Ele, cuja soberania permeia todas as suas ações e que não há
debaixo do sol qualquer coisa que esteja alheia ao exercício de Sua soberania,
para esses os salmos imprecatórios são particularmente imprescindíveis e muito
tem a ensinar sobre as consequências do mal ou das ações malignas praticadas
por quem quer que seja e em qualquer época, incluindo os dias presentes.
Evidente
que a leitura e reação desse artigo vão depender de qual é a sua visão que o
leitor tem de Deus.
O
Que e Quais São os Salmos Imprecatórios
Eles
perfazem um seleto e pequeno grupo de salmos que estão igualmente inseridos no
conjunto do Saltério bíblico. Uma vez inseridos no Saltério são igualmente
dignos de serem cantados e no que concerne à inspiração e inerrância eles são
equivalentes em grau, gênero e número com todos os demais salmos e demais
literaturas bíblicas de ambos os Testamentos. Rejeita-los ou classifica-los
como anomalia literária produzida por mentes nacionalistas e radicais é abrir a
possibilidade de que a Bíblia em sua totalidade possa ser reclassificada. Evidentemente
que aqueles que têm dificuldade em digerir esses salmos, igualmente encontram
tremendas dificuldades em degustar uma infinidade de outras literaturas
bíblicas onde sobressai a manifestação do juízo e da justiça de Deus, pois para
essas pessoas Deu somente deve manifestar sua graça e misericórdia. Essa
dicotomia que tais pensadores fazem do Deus da Bíblia se assemelha em muito a
velha concepção dicotômica proposta por Marcião, ainda no inicio do segundo
século, em que ele defendia que o Deus do Primeiro Testamento era distinto do
Deus do Segundo Testamento. Ele já bebia no rio do gnosticismo dualista, e
depois dele incontáveis outros até os dias atuais continuam expressa ou
sutilmente ensinando esta mesma distorção interpretativa.
Mas nas páginas bíblicas a misericórdia
e graça de Deus jamais estiveram separadas ou foi tratada de forma distinta de
sua justiça e juízo. Podemos ver isso nitidamente nos grandes eventos como o
diluvio onde apenas Noé e sua família sobreviveram (graça) em meio à toda
população que pereceu (juízo); Sodoma e Gomorra foram totalmente consumidas
pelo fogo (justiça), enquanto Ló e suas filhas eram tiradas às pressas e
viveram (misericórdia). O apóstolo Paulo em sua carta dirigida à comunidade
cristã em Roma responde uma das mais extraordinárias perguntas da teologia
bíblica: como Deus pôde conciliar Sua
perfeita misericórdia e graça, com sua perfeita justiça e juízo? E Paulo
responde sem pestanejar – NA CRUZ!
Aqui temos uma das mais lindas e sublimes doutrinas bíblicas – a justificação. Quando Jesus Cristo
clama na cruz: “Está Consumado!”
significa que finalmente a Justiça de Deus estava plenamente satisfeita e
igualmente significa que a graça de Deus se manifestou em toda sua plenitude.
Na cruz a Justiça e a Graça são a uníssima manifestação de Deus.
Portanto, os salmos
imprecatórios estão confortavelmente inseridos no conjunto inspirado do cânon
bíblico. Não é necessário qualquer tipo de censura arbitrária
pastoral-teológica-exegética, a não ser por parte daqueles que têm dificuldades
em crer no Deus revelado na totalidade das Escrituras. Mas para aqueles crentes
fieis que continuam crendo que Deus é e continuara sendo Deus em toda e
quaisquer circunstâncias da vida e da história humana, os salmos imprecatórios
se constituem em alimento para sua alma. Mas infelizmente hoje, muitos temem
mais a opinião da mídia e das redes sociais ou mesmo de pseudos personagens em
evidência nos círculos cristão-evangélicos, do que ao próprio Deus e Sua
Palavra. Mas no livro do Apocalipse está registrado que na Nova Jerusalém
(celestial) ficaram de fora ... os covardes!
Interessante que em seu
relevante comentário dos Salmos o estudioso Allan Harman coloca um subtítulo –
O Problema dos Cânticos – onde aborda a questão dos salmos imprecatórios (2011,
p. 61). Mas invés de definirmos é preferível descrever o que vem a ser um
“salmo imprecatório”. Uma característica dos salmos imprecatórios é que ele
contém um grito, um clamor pois são sempre expressões que provém do mais fundo
da alma aflita e oprimida, para uma ação retributiva,[1] um grito/clamor para que
Deus manifeste sua ira justa sobre os inimigos do salmista, mormente um
representativo do povo em geral. Nos salmos imprecativos o salmista inquire,
questiona, interroga e ora, clama, roga para que haja um imediato julgamento de
todos aqueles que atentaram contra a vida dele (sua família, seu povo). No
diapasão da intensidade da dor, sofrimento e angustia pela qual o salmista
passa ou passou, procede de sua boca juízos implacáveis contra seus inimigos,
que em alguns casos quase destruíram sua vida (família, povo). De acordo com J.
Carl Laney, em seu interessante artigo, para uma classificação correta de um
salmo imprecatório é necessário que ele contenha “uma invocação - uma oração ou um pedido para Deus conter os inimigos de
uma pessoa ou de Yahweh que deve ser julgado e punido” (1981, p. 36).
Alguns comentaristas
bíblicos tem advogado que o termo “salmo imprecatório” não expressa com
precisão o conteúdo dos salmos referidos em sua inteireza. A solução seria
falar de “imprecações nos salmos”, visto segundo estes comentaristas que o
elemento imprecatório não se constitui na maioria dos casos o elemento central
do salmo, quando não um elemento menor, inserido em uma única linha ou verso
(MARTIN, 1972, p. 113). Ainda outros utilizando uma perspectiva psicológica
entendem que esses salmos na verdade não contém imprecações ou maldições, mas
estão carregadas de petições e desejos passionais diante de Deus (ZENGER, 1996,
p. viii). Daniel Simango, em seu trabalho acadêmico de defesa para obtenção de
seu título de Doutorado, um dos mais completos sobre essa temática, considera
os salmos imprecatórios como lamentos individuais ou comunitários e que as
imprecações são um subgênero desses lamentos (p. 268).
Todavia, ainda que o salmo
contenha lamento, petição e anseios passionais, o impulso ou motivação
principal do salmista é de caráter imprecatório, de maneira que não há nenhum
motivo para não utilizar a moldura imprecatória para expô-lo, a não ser como já
falei a dificuldade de lidar com as consequências do pecado manifestada no
juízo de Deus.
Assim como a classificação
desse grupo de salmos é discutível, quais e/ou quantos também provocam não
poucas divergências entre os estudiosos. O já citado Chalmers Martin é de
opinião que o numero destes salmos não ultrapassa mais do que dezoito (1972, p.
113). Por sua vez Alex Luc em seu artigo sobre o tema vai além e abrange ao
menos vinte e oito salmos que contém um ou mais versos imprecatórios (LUC,
1999, p. 395-96) e Willem A. VanGemeren opta por vinte e quatro salmos na
categoria de imprecatórios (1991, p. 832). Há também poucos que encontram um
numero muito maior, como o caso de R. M. Benson, que classifica trinta e nove
salmos nesta categoria, todavia muitos desses indicados por ele não contém os
elementos básicos para sustentar essa afirmação (LUC, 1999, p. 395-96). Na
contra mão temos John N. Day que classifica apenas quatorze salmos como
imprecatórios (2002, p. 166-86).
Dentro
de um mínimo denominador comum podemos classificar como imprecatórios os salmos
aqui mencionados: 7, 35, 55, 58, 59, 69 79, 83, 109 e 137, pois é possível encontrar neles as características
próprias da imprecação.
Qual foi a motivação do
salmista para que orasse dessa forma tão enfática contra seus adversários? Essa
questão tem recebido, como todas as demais até aqui, distintas respostas e mais
uma vez o divisor de águas está na concepção de Deus e da inspiração dos
salmos. Muitas das propostas têm sido elaboradas no sentido de amenizar o teor
mais intenso de retribuição contra os inimigos, mas acabam por descaracterizar
o salmo e minimizar a manifestação do juízo de Deus sobre a maldade humana.
Ninguém gosta de um Deus implacável contra o mal e que ouve e atende as orações
imprecatórias dos seus servos. Mormente se deseja ser mais justo e mais
magnânimo do que Deus, o que nunca deu certo antes e continua não dando certo
ainda hoje. O mal em todas as suas multiplicidades continua avançando
violentamente contra o povo de Deus e somente a ação poderosa de Deus pôde
refreá-lo e fazê-lo cessar.
Uma proposta que tem atraído
grandes pensadores cristãos é a de que o salmista expressão seus próprios
sentimentos humanos e não necessariamente a vontade de Deus. A ideia de
vingança é pertença à velha natureza decaída e não expressão de um coração
dirigido pelo Espírito. Deste modo, os salmos imprecatórios são reflexos do
“velho homem” que ainda controla os sentimentos do salmista. Portanto, essas
expressões imprecatórias não podem ser usadas como modelo de oração para nenhum
cristão. Alguns, como o grande escritor C. S. Lewis, chega a declarar que tais
expressões imprecatórias são “malícia refinada” instigada pelo próprio diabo
(1958, p. 23-25). Ainda nesta mesma linha interpretativa temos William Holladay
que realça o fato de que as orações imprecatórias se distinguem nitidamente do
“espírito” do ensino do Segundo Testamento, onde os cristãos são exortados a
amarem seus inimigos, mas aqui o salmista manifesta ódio aos seus inimigos, sem
fazer qualquer distinção entre o pecador e o pecado (1995, p. 308).
Alguns dos mais conceituados
comentaristas bíblicos e teólogos tem proposto que os salmos imprecatórios são
expressões proféticas, de maneira que o salmista neste momento projeta as ações
futuras do juízo de Deus sobre os inimigos do Reino de Deus. Um dos personagens
mais famosos da História da Igreja, Agostinho, em sua interpretação do Salmo
109 declara que as expressões imprecatórias ali são visões futuras previsões futuras
"sob a aparência de desejar o mal"
(1853, p. 213). Nesta mesma linha interpreta Herbert Lockyer de que as
maldições não devem ser vistas como imprecações, mas como previsões do fim dos
iníquos (1993, p. 446-47). Os defensores desta proposta lembram que Davi, um
dos compositores destes salmos, é denominado de profeta (Atos 2.30 e 4.25) e
que a função profética do salmista é destacada no Segundo Testamento (cf. Sl 41.9
em João 13.18 e Mateus 26.23-24; Salmo 35.19 em João 15.25). O comentarista
Chalmer Martin relaciona a figura de Davi com Pedro, de maneira que os salmos
imprecatórios de Davi são advertências da ira divina contra o pecado e contra
todos os pecadores contumazes que rejeitam o arrependimento, assim como foi o
sermão de Pedro após o Pentecostes (1972, p. 128-129). E se enfatiza ainda que
algumas das expressões imprecatórias destes salmos são referenciadas no Segundo
Testamento (Sl 69.25 e Sl 109.8 em Atos 1.20; e Salmo 69.22-23 em Romanos 11.9-11)
dentro do contexto das profecias do tempo messiânico. Para reforça o argumento
dos salmos imprecatórios como expressões proféticas Alex T. Luc (1999, p.
403-5) realça diversos paralelos entre a linguagem de ambos (Is 26.11; Jr 11.20-22;
Jr 17.18; Jr 18.21 cf. Sl 109; Is 14.20-21;
47.3; 44.11 cf. Jr 50.27, Dn 4.23, Jr 13.10, Ml 2.12).
Outra forma de interpretar
os salmos imprecatórios é coloca-los na moldura da Aliança (LANEY, 1981, p. 41).
Uma vez que o Pacto implica em bênçãos e maldições toda agressão feita ao povo
de exclusividade de Deus será tratada dentro das prescrições da Aliança. Ainda
de acordo com sua argumentação "o Pacto Abraâmico (Gênesis 12: 1-3)
prometia bênção àqueles que abençoavam a posteridade de Abraão e amaldiçoavam
os que amaldiçoavam" (1981, p. 41-42). Ele ainda cita como exemplo o caso
de Balaão que foi contratado para amaldiçoar os israelitas, mas foi impedido e
acabou por abençoa-los (Nm 22-24; 31.16). Assim, dentro desta linha de
raciocínio Davi como rei e representante do povo da Aliança e citado como autor
de parte destes salmos imprecatórios, tinha a liberdade de clamar pela efetiva
justiça de Deus contra os inimigos fossem pessoais (como rei) ou da nação. Corroborando
essa proposta Allan Harman usa os Salmos 5 e 109 como ilustrativos e
relacionando-os aos textos proféticos (Os 13.6 e Is 13.16), cuja base é a
aliança (1995, p.65, 69, 72). Igualmente John Day endossa o pacto abraâmico (Gn
12.2-3) como fundamento, mas acrescenta que as raízes se estendem por toda
Torá, ilustrada no cântico de Moisés (Dt 32.1-43) que contém uma promessa de
retribuição divina contra os inimigos de Deus e seu povo (2002, p. 168).
Do ponto de vista teológico Geerhardus
Vos (1942, p. 136-37) e Chalmers Martin (1972, p. 120, 123 -24) defendem que a
questão da justiça de Deus que efetua a reivindicação de seu povo é um aspecto
fundamental no conceito de aliança no Primeiro Testamento. Assim, essas orações
não devem ser consideradas imorais, pois estão dentro do escopo da soberania de
Deus que ao derramar seu juízo sobre o mal está agindo dentro de sua esfera de
justiça. Isso se manifesta não apenas no juízo final, mas também na economia da
história humana e a Bíblia registra algumas destas manifestações, como o
dilúvio conforme acima mencionado. Ainda nesta perspectiva se coloca os anseios
imprecatórios do salmista como expressão do zelo por Deus e seu Reino, visto
haver uma ligação terminológica intima entre Aliança e Reino. Por fim, esses
salmos expressam a indignação e aversão do salmista diante de toda sorte de
injustiça e maldade praticada em todas as suas formas – falsidade, traição,
astúcia, ganância, ódio, crueldade, arrogância e orgulho – de maneira que os
“inimigos” nos salmos imprecatórios são réprobos que devem ser punidos por
Deus. Deste modo, onde houver a manifestação do mal em quaisquer de suas
expressões, justifica-se a oração imprecatória (ZENGER, 1996, p. 92),
tornando-os relevantes para os dias atuais, onde o mal tem se manifestado
abertamente em todo o mundo.
Por
fim temos a proposta de Sigmund Mowinckel (1962, p. 48-49), conforme mencionada
por Laney (1981, p. 39) de que os “inimigos” do salmista são personificações de
forças malignas espirituais e não inimigos humanos. Assim, os salmos
imprecatórios assemelham-se às objurgações contra os poderes malignos ou
demoníacos que produzem toda sorte de malefícios sejam guerras, violências ou
doenças. Todavia, essa proposta introduz um subjetivismo desnecessário nos
salmos, pois Davi teve e lutou contra inimigos reais (ex.: 1 Sm 21.7) e dentro
deste contexto vivencial dele é difícil pensar que os “inimigos” fossem
entidades malignas e não pessoas físicas reais.
Ainda que os salmos sejam um
espelho da alma do salmista e que de alguma forma também para nós hoje, não é
de bom tom caracterizar esse grupo de salmos apenas pelo prisma do espírito de
vingança e ódio pelos inimigos ou por aqueles que de alguma forma lhe tenha
causado mal ou dano. Evidente que normatizar os salmos é algo que se deva fazer
com muita acuidade por parte do interprete. Para os interpretes de linha
reformada o fio hermenêutico condutor é a continuidade entre os Testamentos ou
seja a Aliança, para os de linha batista o viés são as características
proféticas dos salmos.
Portanto, uma solução em
relação à validação atual das orações imprecatórias perpassa pela questão de
continuidade ou descontinuidade dos Testamentos. Para aqueles que defendem a
descontinuidade os salmos imprecatórios ficam limitados à moldura do Primeiro
Testamento, dentro da dispensação da Lei e centrada no Israel nacional. Hoje
vivemos na dispensação da Graça e da Igreja, de maneira que o cristão não deve
utilizar-se da oração imprecatória, visto que dentro do escopo da Nova Aliança
a ênfase está no amor e perdão ao inimigo. As imprecações do salmista se
cumprem literalmente na pessoa de Cristo e sua morte na cruz.
Todavia, aqueles que
defendem a continuidade dos Testamentos, pois o Novo Pacto é uma extensão do
Velho Pacto de maneira que não há tensão ou dicotomia entre eles e assim, as
bênçãos e maldições permanecem validas, pois Deus continua manifestando sua
justiça e misericórdia. Uma vez que Deus não muda seu padrão ético continua
valido. O clamor por justiça por parte do cristão oprimido continua sendo
ouvido por Deus.
A primícia explicitada ainda
no inicio deste texto enfatiza que as orações imprecatórias nos dias do
salmista e nos dias atuais, estão como sempre estiveram subordinadas à soberania
de Deus que sempre manifestou sua misericórdia e sua justiça concomitantemente,
pois como duas linhas paralelas elas coexistem igualmente sem jamais se
anularem. Deus não pode manifestar sua misericórdia sem justiça e jamais
manifestou sua justiça sem a misericórdia e a cruz é o ponto convergente de
ambas as linhas. Na cruz temos a expressão máxima da Justiça de Deus e da
Misericórdia de Deus.
Assim como o crente do
Primeiro Testamento, o crente do Segundo Testamento esta sujeito a sofrer
opressões externas de seus inimigos quer sejam no sentindo individual ou
institucional, de modo que da mesma forma que os primeiros os atuais tem a
mesma liberdade de clamar a Deus para que tome as providências necessárias para
que o mal possa ser erradicado e o bem possa novamente ser manifestado. O
Primeiro Testamento não produz um senso moral de qualidade inferior àquela
sustentada no Segundo Testamento; isso porque, concomitantemente com as
imprecações encontramos nesses salmos uma espiritualidade que nós deveríamos
manifestar (Sl 139 é um caso típico).
Em nenhum dos Salmos
imprecatórios a vingança é feita com as próprias mãos do salmista ou se reivindica
a destruição dos inimigos como satisfação mórbida. No contexto
veterotestamentário há diversas passagens que proíbe a vingança e o
ressentimento (Lv 19.17-18), ensina que o Senhor odeia a violência (SI 5.6), e
insiste que a vingança deve ser deixada para Ele e (SI 7.4; Pv 20.22; etc.). A
preservação da vida seja individual do salmista ou coletiva de seu povo, bem
como a preservação da justiça são as razões pela qual ele apela para Aquele que
tem o Poder de fato. O salmista tem plena consciência de que somente Deus pode
extirpar o mal e fazer prevalecer o bem, que somente Ele pode endireitar as
veredas entortadas pela corrupção decorrente da natureza pecaminosa do ser
humano alienado de Deus.
A vindicação e a vingança
são distintas. Ainda que Davi tenha sido muitas vezes fustigado violentamente
por seus inimigos, como o rei Saul que em diversas ocasiões tentou matar Davi, esse
foi capaz de reagir com generosidade em relação ao inimigo (2 Sm 16.11;
19.16-23). As orações imprecatórias de Davi eram sempre no sentido de que a
justiça prevalecesse e que o direito fosse restabelecido e que o injusto e
perverso sofresse as consequências de seus atos, de maneira que o pedido de
Davi era para uma vindicação – justiça, que encontra ressonância no Segundo
Testamento na parábola proferido por Jesus (ex. Lc 18.1-8).
Por fim, podemos perceber
nos salmos imprecatórios uma aversão do salmista em relação ao pecado. As diversas
manifestações do juízo de Deus contra o pecado registrado nas páginas da
Bíblia, que tanto horror produz às mentes cauterizadas, e a descrição do juízo
futuro e final registrado em imagens nítidas nas paginas do Apocalipse, com o
qual se encerra o cânon bíblico, é o contexto mais amplo em que estão inseridas
as orações imprecatórias dos crentes do Primeiro e do Segundo Testamento. O
pecado em todas as suas nuanças, em todos os seus tons de cinza, deveriam
causar uma aversão no crente ao ponto dele levantar um clamor imprecatório
diante de Deus – mas lamentavelmente o evangelicalismo atual está longe de
sentir aversão ao pecado, mesmo em suas formas mais espúrias e depravadas. E
aqui está a razão pela qual a Sociedade brasileira vive em um estado permanente
e crescente de decadência moral. Onde a corrupção e a injustiça estão
impregnadas em todas as instâncias dos poderes constituídos. Com toda certeza
vivemos os dias pré-apocalíptico – vivemos os últimos dias!
Salmo 55
ESCUTA A MINHA oração, ó Deus! - Não Te escondas quando eu peço a
tua ajuda.
Ouve-me com
atenção e responde-me! Eu não consigo entender meus problemas e estou muito perturbado.
Meus inimigos gritam ameaças contra mim; os homens maus me
rodeiam. Lançam males sobre mim, com ódio e furor.
Dentro do peito,
meu coração dispara dolorido, com medo da morte.
Sou dominado pelo medo e pelo pavor, o horror me oprime.
Eu disse:
"Quem dera que tivesse asas como uma pomba! Voaria para longe e viveria em
paz.
Voaria rápido até os desertos distantes e viveria por lá mesmo.
Assim poderia
achar um abrigo para escapar da tempestade.
Senhor; provoca confusão e desentendimento entre os meus inimigos,
faz com que sejam destruídos pela sua própria violência.
De
dia e de noite, giram pela cidade, andando sobre os muros. Espalharam a maldade
e a miséria dentro da Cidade.
Dentro dela existe morte e destruição;
nas ruas acontecem assaltos e exploração.
Quem me ofende
não é um inimigo. Se fosse, eu ainda poderia aguentar; poderia fugir e me
esconder.
Quem está me traindo é você, meu companheiro, meu amigo do peito!
Costumávamos
andar juntos, conversando alegremente enquanto íamos para o templo de Deus com
o seu povo.
Que a morte apanhe essa gente de surpresa, porque seus corações e
seus lares estão imundos de pecado.
Mas eu pedirei
ajuda a Deus e o Senhor me salvará.
Farei orações pela manhã, ao meio-dia e à noitinha; contarei a
Deus os meus problemas e Ele me ouvirá.
Muita gente me
persegue e tenta me destruir, mas Ele me salva e dá paz à minha alma.
Deus - o Rei Eterno - dará aos meus
inimigos o que eles merecem, porque não respeitam a Deus, porque não se
arrependem.
Este falso amigo
atacou quem vivia em paz com ele; não cumpriu os compromissos que tinha feito.
Ele falava macio, mas no coração planejava a morte. Suas palavras
pareciam ser doces como mel, mas na verdade eram facas afiadas.
Entregue todas as
suas preocupações ao Senhor. Ele levará o peso dos seus problemas. Deus nunca
deixa o justo tropeçar e cair.
Senhor, Tu lançarás meus inimigos no mais profundo abismo da
destruição. Eles são assassinos e traidores; por isso vão morrer muito cedo;
viverão apenas meia vida.
Quanto a mim, confio em Ti para
sempre!
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
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Famosos Cânticos Bíblicos (fora do Saltério)
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[1] A
justiça retributiva é uma teoria da punição que, quando um infrator infringe a
lei, a justiça exige que ele sofra em troca. Também exige que a resposta a um
crime seja proporcional à ofensa. A prevenção de crimes futuros ou a
reabilitação do agressor são outros propósitos de punição (Wikipedia inglês).
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