Lucas
continua a compor sua pequena e impressionante cantada natalina.[1] O
primeiro cântico teve como solista nada menos do que a própria Maria (Magnificat)
e depois temos mais um solo entoado agora por Zacarias (Benedictus).
Então o evangelista registra agora o refrão do que foi o terceiro cântico,
entoado pelo maior e mais extraordinário coral de anjos.[2]
Este cântico recebe o titulo de Glória.
A
última palavra deste refrão (eudokia) que em português é traduzida “boa
vontade” RC e “quer bem” RA também pode ser traduzida por “benevolência/beneplácito”
e é uma palavra rara no vocabulário do NT. Podemos encontrá-la na oração
de louvor de Jesus: “Graças te dou, ó
Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes
e as revelaste às criancinhas; assim é, ó Pai, porque assim te aprouve”
(Lc 10.21).
Este
cântico está perfeitamente conectado com o cântico anterior (Benedictus)
ao utilizar a palavra “paz” que é a última palavra do cântico de
Zacarias e se conectará ao próximo cântico (de Simeão) através
do termo “glória”, que Lucas retomara após a ressurreição no
dialogo de Jesus com os dois discípulos de Emaús (Lc. 24.26).
Como
característica literária de Lucas este terceiro cântico trás também o contraste
céu/terra uma vez que o
nascimento de Jesus implica que enquanto Deus é glorificado no céu aos homens
na terra é oferecida a paz.
Esta
paz somente é possível por causa da encarnação do Filho de Deus que
haverá de por meio de seu sacrifício no calvário reconciliar (pacificar) o ser humano pecador com o Deus eterno (Rm
5.1,1; 2 Co 5.18-21).
Aos
anjos resta apenas glorificarem a Deus nas alturas (céus), pois jamais tinham
presenciado tamanha manifestação da bondade de Deus e/ou seu beneplácito para
com aqueles aos quais elegeu por sua graça.
A paz aqui
cantada será uma realidade tão somente na vida daqueles que são alvos desta graça
salvadora de Deus (Is 26.3,12; Ag 2.9; Zc 9.10; Lc 1.78,79; Jo 14.27; 16.33; Rm
5.1; Ef 2.14,17; Co 1.20). A obra da reconciliação que estabelece a paz entre o
pecador e Deus começa e se conclui unicamente na e pela graça divina, pois
nenhum ser humano é merecedor ou pode alcança-la por seus próprios esforços.
Impactados
por tão extraordinária mensagem os pastores deixam tudo (como faram
posteriormente os discípulos) e vão verificar in loco este sinal anunciado. “Vendo-o, contaram a palavra que lhes fora
dita a respeito do menino” (v.17). Ao compartilharem a mensagem eles
tornam-se preceptores dos próprios discípulos que ao final receberão a grande comissão de irem e proclamarem a
mensagem da reconciliação.
Ao
registrar que “todos os que os ouviram ficavam maravilhados...” (v.18) e
que eles “voltam, glorificando a Deus” (v.20) Lucas amplia e engloba
seus leitores que também é chamado a glorificarem a Deus por tudo o que acabam
de lhes ser compartilhado.
Cada uma das composições da Cantata Natalina nos envolve
em uma atmosfera de alegria e louvor. Louvam os personagens humanos: Zacarias,
Isabel, Maria, os pastores, os anciões Simeão e Ana que somados às vozes angelicais
formam o grande Coral. Esta atmosfera se manifesta nos lares, no campo e no
templo – em todo lugar. Uma alegria que não pode ser contida e que extravasa e
extrapola!
O plano redentor de Deus está sendo manifestado e não há
obstáculo que possa impedir sua concretização – nem toda maldade humana e nem o
inferno inteiro podem se opor aos desígnios do Altíssimo. Por esta razão o jubilo
não pode ser contido e permeia a todos através dos cânticos.
No
Primeiro Testamento temos um conjunto de cento e cinquenta cânticos (Saltério/Salmos);[3] o
último livro do cânon bíblico (Apocalipse) contém as mais extraordinárias
composições hínica que extrapolam o tempo e espaço. As primeiras comunidades
cristãs incorporaram desde os primeiros momentos os cânticos em suas reuniões e
liturgias; os cristãos martirizados cantavam diante de seus algozes e da
plateia ensandecida e seus cânticos penetravam aquelas mentes empardecidas e
quebrantava aqueles corações enrijecidos pelo pecado e violência.
Nestes dias turbulentos e onde aparentemente o mal parece
ser incontido, como cristãos podemos a plenos pulmões entoarmos os cânticos que
manifestam a glória e o poder do nosso Deus, pois o Natal é um testemunho
perene de que Somos Mais do Que Vencedores por causa Daquele que nos amou!
Glória a Deus nos mais
altos céus,
e paz na terra àqueles a
quem Deus quis derramar sua graça!”
Na mesma proporção em que os cristãos pós-modernos perdem
a capacidade de se emocionar e contemplar a glória de Deus e de apreender o valor
imensurável da paz que emana da cruz, o cristianismo perde seu maior poder de
atração e torna-se uma luz pálida no meio das tensas trevas que permeia a
sociedade humana.
Glória que sobe do homem a Deus, da terra ao céu.
Paz que desce de Deus ao homem, do céu à terra.
Glória a Deus nos mais
altos céus,
e paz na terra a
quem Deus quis derramar sua graça!”
O cântico dos anjos revela porque existe o Natal:
a glória
de Deus e a nossa paz.
Precisamos urgentemente resgatar essa genuína mensagem do
Natal!
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
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Referências Bibliográficas
ASH, Anthony Lee. O
Evangelho Segundo Lucas. Tradução Neyd V. Siqueira. São Paulo: Editora
Vida Cristã, 1980.
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CARSON D. A., DOUGLAS, J.
Moo & MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 1997.
CASALEGNO, Alberto. Lucas
– a caminho com Jesus missionário. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
CHAMPLIN, Russell
Norman. O Novo Testamento Interpretado – versículo por versículo, v.
II. São Paulo: Millenium, 1987.
________________________. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e
Filosofia, v.3. São Paulo: Candeia, 1995.
LEAL, João. Os
Evangelhos e a Crítica Moderna. Porto: Livraria Apostolado da
Imprensa, 1945.
MORRIS, Leon L. Lucas
– introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 2008. [Série
Cultura Cristã].
TENNEY, Merrill C. O
Novo Testamento - sua origem e análise, 2a ed. São Paulo: Vida Nova, 1972.
[1] Os mais
antigos cânticos judaico-cristãos palestinos, os hinos das cartas de Paulo,
nas quais Cristo é considerado o centro de todo o desígnio salvífico de Deus Fp 2.6-11; Ef 1.3-14; Cl 1.15-20), e o prólogo do Evangelho de João (Jo 1.1-18), cume da composição de hinos do Novo
Testamento.
[2] Anjo é a palavra grega para
“Mensageiro”. Eles aparecem desde cedo na Bíblia. Suas manifestações são
chamadas de “angelofania”.
[3] Mas o gênero literário de “hino” não
aparece somente no Saltério: encontramo-lo ao longo de toda a Bíblia, desde o
Pentateuco (Dt 32), passando pelos Profetas anteriores (Jz 5; 1
Sm 2.1-10; 2 Sm 22) e posteriores (Is 12.1-6), segundo a terminologia hebraica, até chegar aos livros sapienciais (Jó, Cantares).
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