Quando abrimos as páginas iniciais das narrativas
evangélicas elaboradas por Mateus e
Lucas nós somos informados sobre o nascimento de
Jesus. Os outros dois evangelistas, Marcos
e João, optaram por não registrarem
informações sobre estes acontecimentos. Marcos inicia com a pessoa de João
Batista e sua pregação contestadora da frívola religiosidade judaica de seus
dias e prenuncia a vinda daquele que haveria de mudar radicalmente esta caótica
situação; O evangelista João opta por retroceder à origem divina de Jesus
apresentando-o como a plena revelação de Deus ao seu povo e a partir de então a
toda humanidade.
Apressadamente alguns comentaristas têm inferido de que os relatos natalícios
são informações secundárias e, portanto de importância periférica para a
compreensão da mensagem evangélica; outros entendem que as informações de
Mateus e Lucas são introduções opcionais sobre o personagem central do
evangelho e que poderiam ser suprimidas sem causar danos maiores ao
desenvolvimento das narrativas e sua mensagem.
Essas deduções apressadas não são validadas por um estudo mais criterioso do
conteúdo destas informações iniciais e o conjunto das narrativas que se seguem.
Os textos natalícios são parte integrante da elaboração evangélica proposto por
seus respectivos escritores e estão perfeitamente sincronizadas com o todo dos
relatos posteriores; com ausências destas informações preliminares a composição
sofreria um lapso histórico-teológico irreparável, empobrecendo as narrativas
sucessivas. Tanto Lucas quanto Mateus utilizam-se deste preambulo natalício
para preparar seus leitores para uma compreensão mais profunda dos temas que
estão por virem a serem abordados ao longo das suas narrativas.
É preciso alertar sempre para o fato de que nenhum deles esta escrevendo uma
biografia, nos molde moderno do termo, mas tão somente registrando dentro de
critérios por eles estabelecidos, os acontecimentos envolvendo a vida de Jesus.
Por outro lado, tais relatos não se constituem em uma coletânea de lendas
místicas, utilizadas desde muito para enaltecer o personagem central em relação
aos demais. De maneira que, o ambiente proposto por Lucas e Mateus é muito
distinto daqueles encontrados nas narrativas evangélicas denominadas apócrifas,
como por exemplo, o Protoevangelho de
Tiago, ou o Evangelho da infância
segundo Tomé, que registram o sobrenatural como artificio para suscitar a
admiração dos leitores. Para Lucas e Mateus os relatos são apenas preparatórios
para se compreender de forma mais adequada quem foi Jesus e a razão de seu
ministério, sua morte e ressurreição.
Esses relatos natalinos também se constituem em importante ponte de ligação com
os registros na primeira parte da Bíblia. Os personagens aqui mencionados são
representativos da herança religiosa desenvolvida por séculos dentro do
judaísmo. Para Lucas e Mateus compreender a mensagem do Primeiro Testamento é
compreender corretamente a manifestação do Advento de Cristo, pois Jesus se
constitui no cumprimento de tudo quanto foi proclamado no transcorrer de toda
história israelita. Pois dentro da forma interpretativa dos evangelistas, suas
introduções natalícias têm como propósito relacionar diretamente o tempo de
Jesus como a conclusão do tempo israelita e a inauguração do novo tempo da
igreja. Pois para os evangelistas os propósitos de Deus são revelados
paulatinamente e se desenvolvem no transcorrer dos fatos por eles registrados
em seus respectivos evangelhos.
Quando analisadas separadamente as duas narrativas são diferentes, mas jamais
contraditórias; mas quando estudadas conjuntamente elas se completam de forma
harmoniosa como se completam e se harmonizam perfeitamente os diversos
instrumentos em submissão a musica composta e sob a batuta de um único regente.
Aproximação do natal possibilita e estimula uma leitura desses relatos tão
ricos sobre o nascimento de Jesus. Caberá a cada leitor as suas próprias
conclusões sobre a relevância dessas informações para compor sua significação
do que Jesus é para eles. Desde os escritores e seus primeiros leitores, bem
como dos últimos a lerem essas narrativas natalinas, o pressuposto da fé e
continuara a ser sempre um fator decisivo para recepção, interpretação e
divulgação desta mensagem, que mesmo após dois mil anos ainda permanecem
tocando profundamente a vida de milhões de pessoas em todo o mundo que leem e
ouvem essas narrativas natalícias de Jesus.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
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Contexto
Histórico dos Evangelhos
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