quinta-feira, 11 de abril de 2024

Você é um Parepidemos?



        Após a última ordem de Jesus dada aos seus discípulos: Ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho – no cume do monte das Oliveiras quando de sua ascensão, a mensagem cristã se espalha por toda região do Império Romano. Podemos acompanhar esta expansão virtualmente através do livro de Atos (Jerusalém, Judéia, Samaria e até os confins da terra).

          No grande mundo que abrange todo o Mediterrâneo, a província romana da Ásia Menor (onde se encontra a atual Turquia) é o palco principal da expansão do cristianismo. Algumas correspondências de Paulo, como aos Gálatas, Éfeso e Colossenses são dirigidas às respectivas comunidades que ali foram implantadas e desenvolvidas. As sete correspondências, contidas nos dois primeiros capítulos do Apocalipse, são endereçadas às igrejas que estão nesta área geográfica da Ásia Menor.

          Saindo da esfera da literatura canônica, no início do século II o governador romano Plínio, responsável pelas províncias do Ponto e da Bitínia, escreve ao imperador Trajano expressando sua grande preocupação com o rápido crescimento do número de cristãos (ele foi o primeiro a nomeá-los por este título), a ponto de esvaziarem os templos dedicados aos outros deuses, afetando todo o comercio religioso daquela região (o que implica em menos arrecadação de impostos públicos).

    O apostolo Pedro vai escrever esta sua carta circular direcionada às comunidades que estão localizadas justamente nesta região geográfica ... Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia (1.1). Ele inicia se referindo aos leitores como sendo parepidemos (Παρεπιδήμοι) neste mundo. Ainda que o termo grego seja originalmente um adjetivo, nos documentos neotestamentários ele é utilizado com a função de substantivo, trazendo um significado de alguém que é um “estranho”, “peregrino”, “alienígena” (1Pe 1.1; 2.11; Hb 11.13) uma vez que em Cristo eles passam a viver temporariamente neste mundo uma vez que a sua morada/cidadania permanente/definitiva está no céu (Fp 3.20). A exortação é de que o cristão não deve sentir-se demasiado confortável com a vida aqui nesta terra, pois ela dura pouco tempo; a verdadeira vida permanente e eterna está no Reino glorioso de Cristo.

          Abaixo algumas das muitas traduções que esta palavra oferece:

residentes temporários

refugiados

peregrinos

os que estão longe de suas casas

peregrinos

viver como estrangeiros

aqueles que se estabeleceram ao lado de uma população incrédula (Wuest)

os que residem temporariamente no estrangeiro

          Quanto a tradução “exilados” utilizada por alguns tradutores, ainda que seja possível, dentro da perspectiva de Pedro e outros escritores bíblicos não se ajusta ao contexto cristão, pois o cristão faz uma escolha pessoal de viver como peregrinos neste mundo. No espírito da oração intercessora de Jesus ao Pai em favor daqueles que ainda haveriam de crer: “não peço que os tire do mundo, mas que os preserve do mal” (João 17.15).

Desta forma o cristão não é simplesmente alguém que está de passagem, (ainda que pela perspectiva da eternidade a nossa vida aqui seja um “breve pensamento”), mas um estrangeiro/peregrino que se estabelece, seja por pouco ou longo tempo, ao lado ou entre outros povos, etnias, culturas, sem, todavia, se deixar moldar por elas.  

Que retrato do crente no meio de uma geração corrupta e corruptora! Parepidemos é alguém que não espera e nem busca torna-se um igual entre aqueles que vivem ao seu redor. Está foi a proposta de Deus para o povo de Israel desde o início, mesmo antes de entrarem na terra de Canaã; os quarenta anos no deserto deveria ter-lhes ensinado esse princípio, todavia, o comportamento imediato e posterior vai demonstrar que eles nunca realmente entenderam a vontade de Deus para suas vidas.

O livro de Juízes é um triste testemunho da rebeldia deles, o grito deles ao velho sacerdote e profeta Samuel, que tanto entristeceu seu coração, revela que eles nunca entenderam o conceito de serem parapidermos entre todos os povos da terra - “queremos um rei, IGUAL a todos os povos que estão ao nosso derredor”. Eles não queriam ser parepidemos, mas iguais aos demais povos canaanitas.

Foi quando Ló abriu mão, escolheu deixar de ser um parapidermos (como Abraão) e se tornou um residente permanente em Sodoma (Gn 13.1-18), com direito a sentar-se à porta da cidade (reconhecimento de igual), que ele perdeu sua consagração, seu testemunho e tudo o que adquiriu ao longo de toda sua vida, e que em poucas horas se transformou em fumaça, literalmente (Gn 19.1-29). O comportamento de Ló e de uma parcela crescente do evangelicalismo brasileiro atual nos faz parar e pensar nas palavras de Jesus na parábola do rico insensato: “Louco, hoje mesmo te pediram a tua alma. E o que lutou tanto para acumular, de que te servirá?” (Lc 12.16-21). Este é o final para todos aqueles, de dentro das igrejas, que se recusam a viver como parepidemos neste mundo tenebroso e se moldam e se deixam moldar (Rm 12.2) por esta Sociedade promiscuas e perniciosa influenciada pelo inferno.

Os “evangélicos/crentes” brasileiros lutaram por décadas para não serem parepidemos na sociedade corrupta brasileira, e hoje conseguiram um lugar à porta da Sociedade brasileira. O resultado pode ser visto na deterioração crescente do evangelicalismo nacional. O crescimento nominal não corresponde a um maior impacto transformador da Sociedade brasileira. Pois, na mesma proporção em que os evangélicos desistem voluntariamente de serem parepidemos eles assimilam de forma crescente e rápida os conceitos da Sociedade em que estão inseridos. Desta forma ocorre uma inversão terrível de valores, os evangélicos absorvem cada vez mais os conceitos permissivos e libertinos da Sociedade – o novo normal do evangelicalismo, enquanto a Sociedade continua cada vez mais afundando no atoleiro da depravação física, moral e espiritual.

Devemos nos lembrar cotidianamente de que somos parapidemos neste mundo tenebroso. É neste sentido que Jesus disse que somos “luz do mundo e sal da terra”.  Entretanto, quando deixamos de ser parapidemos, nos tornamos luz embaixo da mesa e sal insipido – perdemos a nossa função de luz/sal na Sociedade e nos tornamos cada vez mais semelhantes aos filhos das trevas e passamos a desenvolvemos uma vida sem sabor, sem as qualidades distintivas dos temperos do cristianismo vivo e transformador.

Quais as Implicações em ser um Parapidemos?

          Na epistola aos Hebreus (11.8-16) o escritor faz um retrato falado de um parapidemos:

Obediente ao chamado (11.8)

Nunca se acomoda (11.9)

Procura uma cidade eterna (11.10)

Tem visão telescópica (11.13)

Professa sua fé abertamente (11.13)

Nunca retrocedem ao velho estilo de vida (11.15)

Almeja por uma terra melhor (11.16)

Está disposto a morrer por sua fé (11.13)

          Quantos cristãos no século XXI se ajustam dentro deste quadro pintado no século I?

 

Utilização livre desde que citando a fonte

Guedes, Ivan Pereira

Mestre em Ciências da Religião.

Universidade Presbiteriana Mackenzie

me.ivanguedes@gmail.com

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sexta-feira, 5 de abril de 2024

Ler a Bíblia & Estudo Bíblico



A leitura diária da Bíblia é benéfica para a nossa vida cristã. O estudo bíblico é o meio pelo qual podemos nos aprofundar no conhecimento das verdades cristãs. As duas práticas não são excludentes, mas complementares. Quando dicotomizamos estas duas práticas as enfraquecemos. Mas quando juntamos as duas em uma prática continua alcançamos um crescimento espiritual e caminhamos na direção segura de uma maturidade cristã autêntica.

A leitura diária da bíblia é algo que todo crente deve fazer por prazer. Essa leitura produz um enriquecimento pessoal e fortalece a comunhão com Deus.  não domínio do conteúdo. A leitura da Bíblia é uma ação inerentemente devocional, e não exige muito esforço, apenas acuidade e determinação.

O estudo bíblico, por sua vez, exige concentração e esforço. Para isso precisamos apreendermos algum tipo de método ou técnica, e termos `|a nossa disposição certos tipos de ferramentas auxiliares (dicionários, comentários). Um estudo bíblico consistente e sério nos leva a fazermos perguntas ao texto, procurando e respeitando seu contexto literário: a quem ou para quem foi escrito, onde, em que época, por que, e tantas questões quanto forem possíveis de serem feitas. As perguntas serviram de roteiro do estudo a ser realizado naquele texto a ser estudado.

Todos nós podemos tomar uma xícara de café, todavia, o barista vai além de saboreá-lo, ele vai fazer uma série de distinções da qualidade do grão utilizado e da forma como ele foi trabalhado desde a colheita até a seleção e a forma com que estes grãos foram torrados e moídos. Aqui está uma ilustração simples para distinguir a leitura bíblico e o estudo bíblico.

Ainda que seja possível fazermos uma leitura simples do texto bíblico, sem necessariamente estudá-lo mais afundo, o inverso não é possível. Ninguém pode estudar a bíblia sem lê-la cuidadosamente.

Portanto, a leitura diária da Bíblia e o estudo aprofundado dos textos bíblicos não competem por nossa preferência, mas se complementam. Quanto mais eu estudo a bíblia, mais eu preciso lê-la e quanto mais eu leio a bíblia, maior é a minha necessidade de estudá-la e compreendê-la mais precisamente.

 Mesmo a leitura simples da Bíblia pode ser feita várias formas: posso ler seus textos aleatoriamente, mas posso lê-los de forma organizada – um livro inteiro de cada vez; na sequência em que está começando de Gênesis até Apocalipse; por blocos – todos os Salmos ou todos os Profetas ou todos os Evangelhos. O estudo bíblico também pode ser realizado com a mesma diversidade: análise de um capítulo ou livro por vez; por temas – profecias, poéticos, históricos. O resultado desta leitura e deste estudo bíblico será o nosso crescimento espiritual e a maturidade da nossa vida cristã.

Se você não está lendo e estudando a Bíblia comece agora!

 

Utilização livre desde que citando a fonte

Guedes, Ivan Pereira

Mestre em Ciências da Religião.

me.ivanguedes@gmail.com

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