Após
a última ordem de Jesus dada aos seus discípulos: Ide por todo o mundo e
anunciai o Evangelho – no cume do monte das Oliveiras quando de sua
ascensão, a mensagem cristã se espalha por toda região do Império Romano.
Podemos acompanhar esta expansão virtualmente através do livro de Atos
(Jerusalém, Judéia, Samaria e até os confins da terra).
No grande mundo que abrange todo o
Mediterrâneo, a província romana da Ásia Menor (onde se encontra a atual
Turquia) é o palco principal da expansão do cristianismo. Algumas
correspondências de Paulo, como aos Gálatas, Éfeso e Colossenses são dirigidas
às respectivas comunidades que ali foram implantadas e desenvolvidas. As sete
correspondências, contidas nos dois primeiros capítulos do Apocalipse, são
endereçadas às igrejas que estão nesta área geográfica da Ásia Menor.
Saindo da esfera da literatura
canônica, no início do século II o governador romano Plínio, responsável pelas
províncias do Ponto e da Bitínia, escreve ao imperador Trajano expressando sua
grande preocupação com o rápido crescimento do número de cristãos (ele foi o
primeiro a nomeá-los por este título), a ponto de esvaziarem os templos
dedicados aos outros deuses, afetando todo o comercio religioso daquela região
(o que implica em menos arrecadação de impostos públicos).
O apostolo Pedro vai escrever esta sua carta
circular direcionada às comunidades que estão localizadas justamente nesta
região geográfica ... Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia (1.1). Ele
inicia se referindo aos leitores como sendo parepidemos (Παρεπιδήμοι) neste mundo. Ainda que o termo grego seja
originalmente um adjetivo, nos documentos neotestamentários ele é utilizado com
a função de substantivo, trazendo um significado de alguém que é um “estranho”,
“peregrino”, “alienígena” (1Pe 1.1; 2.11; Hb 11.13) uma vez que
em Cristo eles passam a viver temporariamente neste mundo uma vez que a sua
morada/cidadania permanente/definitiva está no céu (Fp 3.20). A exortação é de que
o cristão não deve sentir-se demasiado confortável com a vida aqui nesta terra,
pois ela dura pouco tempo; a verdadeira vida permanente e eterna está no Reino
glorioso de Cristo.
Abaixo algumas das muitas traduções
que esta palavra oferece:
residentes temporários
refugiados
peregrinos
os que estão longe de suas casas
peregrinos
viver como estrangeiros
aqueles
que se estabeleceram ao lado de uma população incrédula (Wuest)
os que residem temporariamente no
estrangeiro
Quanto a tradução “exilados”
utilizada por alguns tradutores, ainda que seja possível, dentro da perspectiva
de Pedro e outros escritores bíblicos não se ajusta ao contexto cristão, pois o
cristão faz uma escolha pessoal de viver como peregrinos neste mundo. No
espírito da oração intercessora de Jesus ao Pai em favor daqueles que ainda
haveriam de crer: “não peço que os tire do mundo, mas que os preserve do mal”
(João 17.15).
Desta forma o cristão não é simplesmente alguém que está de passagem,
(ainda que pela perspectiva da eternidade a nossa vida aqui seja um “breve
pensamento”), mas um estrangeiro/peregrino que se estabelece, seja por pouco ou
longo tempo, ao lado ou entre outros povos, etnias, culturas,
sem, todavia, se deixar moldar por elas.
Que retrato do crente no meio de uma geração corrupta e corruptora! Parepidemos é
alguém que não espera e nem busca torna-se um igual entre aqueles que vivem ao
seu redor. Está foi a proposta de Deus para o povo de Israel desde o início,
mesmo antes de entrarem na terra de Canaã; os quarenta anos no deserto deveria
ter-lhes ensinado esse princípio, todavia, o comportamento imediato e posterior
vai demonstrar que eles nunca realmente entenderam a vontade de Deus para suas
vidas.
O livro de Juízes é um triste testemunho da rebeldia deles, o grito
deles ao velho sacerdote e profeta Samuel, que tanto entristeceu seu coração,
revela que eles nunca entenderam o conceito de serem parapidermos entre
todos os povos da terra - “queremos um rei, IGUAL a todos os povos que estão
ao nosso derredor”. Eles não queriam ser parepidemos, mas iguais aos
demais povos canaanitas.
Foi quando Ló abriu mão, escolheu deixar de ser um parapidermos
(como Abraão) e se tornou um residente permanente em Sodoma (Gn 13.1-18), com
direito a sentar-se à porta da cidade (reconhecimento de igual), que ele perdeu
sua consagração, seu testemunho e tudo o que adquiriu ao longo de toda sua
vida, e que em poucas horas se transformou em fumaça, literalmente (Gn
19.1-29). O comportamento de Ló e de uma parcela crescente do evangelicalismo
brasileiro atual nos faz parar e pensar nas palavras de Jesus na parábola do
rico insensato: “Louco, hoje mesmo te pediram a tua alma. E o que lutou
tanto para acumular, de que te servirá?” (Lc 12.16-21). Este é o final para
todos aqueles, de dentro das igrejas, que se recusam a viver como parepidemos
neste mundo tenebroso e se moldam e se deixam moldar (Rm 12.2) por esta
Sociedade promiscuas e perniciosa influenciada pelo inferno.
Os “evangélicos/crentes” brasileiros lutaram por décadas para não
serem parepidemos na sociedade corrupta brasileira, e hoje conseguiram
um lugar à porta da Sociedade brasileira. O resultado pode ser visto na
deterioração crescente do evangelicalismo nacional. O crescimento nominal não
corresponde a um maior impacto transformador da Sociedade brasileira. Pois, na
mesma proporção em que os evangélicos desistem voluntariamente de serem parepidemos
eles assimilam de forma crescente e rápida os conceitos da Sociedade em que
estão inseridos. Desta forma ocorre uma inversão terrível de valores, os
evangélicos absorvem cada vez mais os conceitos permissivos e libertinos da
Sociedade – o novo normal do evangelicalismo, enquanto a Sociedade continua
cada vez mais afundando no atoleiro da depravação física, moral e espiritual.
Devemos nos lembrar cotidianamente de que somos parapidemos neste
mundo tenebroso. É neste sentido que Jesus disse que somos “luz do mundo e
sal da terra”. Entretanto, quando
deixamos de ser parapidemos, nos tornamos luz embaixo da mesa e sal
insipido – perdemos a nossa função de luz/sal na Sociedade e nos tornamos cada
vez mais semelhantes aos filhos das trevas e passamos a desenvolvemos uma vida
sem sabor, sem as qualidades distintivas dos temperos do cristianismo vivo e transformador.
Quais as Implicações em
ser um Parapidemos?
Na epistola aos Hebreus (11.8-16) o escritor faz um retrato
falado de um parapidemos:
Obediente ao chamado
(11.8)
Nunca se
acomoda (11.9)
Procura uma cidade
eterna (11.10)
Tem
visão telescópica (11.13)
Professa sua fé
abertamente (11.13)
Nunca retrocedem
ao velho estilo de vida (11.15)
Almeja por uma terra
melhor (11.16)
Está
disposto a morrer por sua fé (11.13)
Quantos cristãos no século XXI se ajustam dentro deste quadro
pintado no século I?
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro
Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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