terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Teologia: A Ira de Deus

Introdução

          Um filme sem apelação comercial e por isso pouco conhecido trás um tema instigante – “Coisas que perdemos pelo caminho”. Sem entrar no mérito do filme o tema reflete bem a nossa vida, pois todos nós continuamente perdemos coisas na trajetória de nossas vidas. Não perdemos apenas coisas irrelevantes e desnecessárias, mas muitas vezes perdemos coisas de valor incalculável e fundamentais.

          Como cristão perdemos muitas coisas preciosas no transcorrer de nossa caminhada cristã. Uma dessas lamentáveis perdas é o conhecimento dos chamados Atributos de Deus. A bíblia jamais tem a pretensão de definir Deus, pois se assim o fizesse colocaria um limite em Deus e nada e ninguém pode limitar o que Deus é.

Todavia, Deus não nos deixou ignorante sobre si mesmo. Ele vai se revelando progressivamente nas páginas das Escrituras. Na proporção que vamos estudando a Bíblia tomamos conhecimento de muitas das características que Deus possui e que na somatória nos permite conhecermos, dentro de nossas limitações, o que podemos chamar de Caráter de Deus. Evidente que jamais o conheceremos em sua totalidade, mas aquilo que podemos apreender das Escrituras são suficientes para nos habilitar a um correto relacionamento com Deus, com temor e tremor.

A irreverência crescente com que incrédulos e até mesmo grande parcela do cristianismo atual tratam a questão de Deus demonstra apenas a ignorância que possuem sobre quem Ele é. Está é uma das razões pela qual a mensagem cristã tem sido esvaziada em seu poder de impactar a vida das pessoas.

Sem duvida alguma um dos atributos de Deus que foi propositalmente perdido pelo caminho dos séculos foi o da Sua Ira. Atualmente, mas em construção há muito tempo, se construiu uma imagem falsa de Deus, como sendo um deus (com letra minúscula mesmo) bonachão e fofinho, que passa a mão na cabeça do ser humano independentemente do que fazem. Nesta construção infernalmente elaborada, deus torna-se uma figura patética e completamente esvaziado de poder e glória, um personagem figurativo que pode ser facilmente manipulado ao bel prazer dos seres humanos. Um deus com apelo religioso comercial, para se construir templos cada vez mais luxuosos e produzir milhares de títulos editoriais. Tornou-se um tabu referir-se a Ele como um Deus de ira. O deus ficcional manifesta apenas graça, amor, perdão, jamais haverá de manifestar juízo e ira. Grande parte da juventude cristã do século XXI jamais ouviu falar da Ira ou do Juízo de Deus. Não se razão temos uma das piores gerações humana de todos os tempos.

Uma grande e crescente parcela da chamada geração evangélica tratam as questões relacionadas ao céu ou inferno como se fossem tão somente histórias da carochinha criadas para explicar às crianças cousas que elas ainda não podem compreender. Tais pessoas não querem pensar sobre a Ira de Deus, preferindo apenas pensar e falar do amor de Deus. Aqueles que acreditam que Deus é um Deus de ira como também um Deus de amor preferem pensar sobre Sua ira apenas como uma manifestação do passado. Muitos parecem acreditar que a ira de Deus é uma verdade apenas do Primeiro Testamento, e que com a vinda de Cristo, podemos pensar em termos de Deus apenas em amor e graça.

O exímio comentarista bíblico e teólogo  A. W. Pink, já em séculos anteriores, escrevendo sobre os Atributos de Deus faz uma peculiar observação:

É triste ver tantos cristãos professos que parecem considerar a ira de Deus como uma coisa pela qual eles precisam pedir desculpas, ou, pelo menos, parece que gostariam que não existisse tal coisa. Conquanto alguns não fossem longe o bastante para admitir abertamente que a consideram uma mancha no caráter divino, contudo, estão longe de vê-la com bons olhos, não gostam de pensar nisso e dificilmente a ouvem mencionada sem que surja em seus corações um ressentimento contra essa ideia. Mesmo dentre os mais sóbrios em sua maneira de julgar, não poucos parecem imaginar que há na questão da ira de Deus uma severidade terrificante demais para propiciar um tema para consideração proveitosa. Outros dão abrigo ao erro de pensar que a ira de Deus não é coerente com a Sua bondade, e assim procuram bani-la dos seus pensamentos.

Sim, muitos há que fogem de visualizar a ira de Deus, como se fossem intimados a ver alguma nódoa no caráter divino, ou algum defeito no governo divino. Mas, o que dizem as Escrituras? Quando a procuramos nelas, vemos que Deus não fez tentativa alguma para ocultar a realidade da Sua ira. Ele não se envergonha de dar a conhecer que a vingança e a cólera Lhe pertencem (PINK, 1985, p.85).

 

Quando fazemos uso de uma concordância bíblica séria facilmente perceberemos que o tema da ira de Deus não é apenas um pequeno e imperceptível tópico, mas é princípio fundamental e proeminente nas Escrituras, em todas as suas partes. Não faltam exemplos práticos da manifestação da ira Divina sobre toda sorte de pecados e malefícios: o dilúvio, Sodoma e Gomorra, os povos canaanitas, bem como os próprios israelitas e judeus que sofrem os terríveis desterros, em decorrência de seus pecados.  Veremos também que nas páginas do Segundo Testamento não faltam ilustrações da manifestação do juízo de Deus sobre todos aqueles que escolhem permanecerem na incredulidade e rebelião contra Deus: o próprio Jesus trata sobre isso; nas correspondências paulinas encontramos esse tema e no último livro que encerra o cânon de toda Escritura encontramos as mais terríveis descrições do juízo implacável de Deus sobre todo pecado e mal que se manifesta cada vez mais abertamente contra Cristo e Sua Igreja.

A ira é um atributo de Deus tanto como qualquer outro atributo, um atributo sem o qual Deus seria menos que Deus.

A ira de Deus é tanta uma perfeição Divina como é Sua graça, fidelidade, poder ou misericórdia. Deve ser assim, para que não exista nenhuma lacuna, nenhum defeito no caráter de Deus.

Mas o que vem a ser a ira de Deus? Uma vez mais utilizaremos a obra de Pink, quando ele procura definir o que seja a ira de Deus:

A ira de Deus é a Sua eterna ojeriza por toda injustiça. É o desprazer e a indignação da divina equidade contra o mal. É a santidade de Deus posta em ação contra o pecado. É a causa motora daquela sentença justa que Ele lavra sobre os malfeitores. Deus está irado contra o pecado porque este é rebelião contra a Sua autoridade, um ultraje à Sua soberania inviolável. Os insurgentes contra o governo de Deus saberão um dia que Deus é o Senhor. Serão levados a sentir quão grandiosa é aquela Majestade que eles desprezaram, e como é terrível aquela ira de que foram ameaçados e a que não deram a mínima importância. Não que a ira de Deus seja uma retaliação maldosa e mal-intencionada, infligindo agravo só pelo prazer de infringi-lo, ou devolver a ofensa recebida.  Não; embora seja verdade que Deus vindicará o domínio como Governador do universo, Ele não será revanchista (PINK, 1985, p.85).

Quando procuramos em um dicionário uma definição de ira encontraremos que ela é: cólera, raiva contra alguém; indignação; desejo de vingança. Mas para alinharmos com o propósito deste pequeno artigo uma definição mais concisa seja suficiente:

A ira Divina é a indignação e o castigo íntegro de Deus, provocado pelo pecado.

OBS.: Em próximos artigos veremos – a Ira de Deus no Primeiro Testamento e/ou Antigo Testamento e Segundo Testamento e/ou Novo Testamento (Jesus Cristo é aquele que sofre a plenitude da ira de Deus; mas também será aquele que executara a ira de Deus no tempo do julgamento derradeiro.

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante



 

Referências Bibliográficas

DEFFINBAUGH, Robert. Let Me See Thy Glory - A Study of the Attributes of God. Biblical Studies Press, 1995.

TOZER, A. W. The Knowledge of the Holy. New York: Harper and Row, Publishers, 1961.

PINK, A.W. Os Atributos de Deus. São Paulo: ed. PES, 1985.

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