"Na terra de Uz vivia um homem chamado Jó." (Jó 1.1)
Das literaturas que compõem a Bíblia há diversos livros que não atraem muito a atenção dos leitores. Certamente um destes livros que não são devidamente apreciados pelos evangélicos atuais que estão mais preocupados com seu bem estar e com sua autossatisfação, podemos colocar em primeiro lugar a história de Jó. A temática da perda e do sofrimento não é algo que atraia a atenção desta geração evangélica impregnada de um espirito materialista e hedonista. Mas aqui está justamente uma das razões pelas quais o Espírito Santo aprouve inserir nas Escrituras a história deste homem, que somente Jesus Cristo o superou em questão de perda e sofrimento. A história de Jó é fundamental para resgatarmos uma cosmovisão correta do mundo e da eternidade. Uma grande maioria dos evangélicos está vivendo a ilusão de que vale a pena investir toda sua vida e seu tempo acumulando riquezas ou procurando bem estar neste mundo, mas a história de Jó deixa claro que tudo isso é uma grande ilusão. A nossa vida neste mundo, como ensina o salmista, é como uma flor do campo, que pela manhã floresce e à tarde do mesmo dia murcha e morre. Jesus alerta sempre seus discípulos para que não vivam em função das riquezas deste mundo, pois elas serão comida de ferrugem e vermes. Mais do que em outros tempos, se faz urgente e necessário que voltemo-nos para o livro de Jó; que possamos lê-lo; que possamos estuda-lo; que possamos ensiná-lo e pregá-lo em nossas comunidades cristãs.
Na medida em que nos aproximamos do livro de Jó somos impactados por sua história. Desde as primeiras linhas somos alertados para o fato de que coisas terríveis estão por vir sobre a vida deste crente fiel e piedoso (testemunho do próprio Deus). E na medida em que vamos lendo somos tomados por uma sensação inquietante; muitas vezes somos tentados a interromper a leitura e o estudo deste livro, pois a mente e o nosso coração tem a tendência natural (dos amigos dele) de não aceitarmos nem a perda e nem o sofrimento, pois afinal de contas Jó era um homem temente a Deus e se estas coisas aconteceram com ele o que será de nós?
A sensação de que tudo aquilo pode acontecer conosco, nos assusta, apavora e nos faz recuar. A nossa mente rapidamente procura se defender e muitos tentam se acalmar afirmando que a história é apenas uma lenda religiosa, uma ficção ilustrativa, uma grande parábola e tantas outras hipóteses. Todavia, Jó é uma pessoa real de carne e osso; tudo que lhe aconteceu foi real e verdadeiro. Nenhum escritor do Primeiro e do Segundo Testamento tiveram dúvidas da veracidade e realidade da história de Jó.
O estudo deste livro servirá de termômetro do quanto de fato cremos nas Escrituras como Palavra de Deus, inspirada e autoritativa sobre as nossas vidas. A fuga deliberada e covarde de estudar o livro de Jó revela a verdade sobre nosso relacionamento com Deus. Para aqueles crentes que insistem em manter um relacionamento virtual com Deus a história de Jó é totalmente descartável; mas para aqueles que desejam experimentar uma comunhão pessoal e real com Deus, a leitura periódica e o estudo permanente deste livro é fundamental e indispensável. Se para você Deus é apenas um dogma teológico-religioso o livro de Jó não terá qualquer utilidade (bem como todo o restante das Escrituras); mas se para você Deus é real, então a história deste crente piedoso e justo lhe será de grande valor e fortalecerá sua fé e lhe capacitara a manter uma cosmovisão correta deste mundo e da eternidade.
A maioria daqueles que pregam ou ensinam no livro de Jó o fazem consciente ou inconscientemente de forma totalmente equivocada. Mormente se abordam os dois primeiros capítulos e depois se faz um salto gigantesco para se abordar o último capítulo. Mas evitam a qualquer custo, o desenrolar da narrativa poética que perfazem 90% da narrativa. O resultado é que acaba desvirtuando completamente a mensagem do livro. Eu preciso crer que ou toda a Escritura é inspirada, isto inclui a totalidade da narrativa de qualquer um de seus livros, ou nenhum destes livros são inspirados – e se não são inspirados porque lê-los ou gastar tempo estudando-os? O livro de Jó é referido apenas uma vez no Segundo Testamento, no final do livro de Tiago, onde o autor presume que todos os seus leitores conhecem a história de Jó. O apóstolo Paulo ensina que toda a Escritura é soprada por Deus, de modo que este livro de Jó também foi inspirado por ele. O Espírito Santo não apenas inspirou o registro desta história como a preservou por séculos e a inseriu no cânon bíblico. Ou cremos nisso, ou podemos jogar a bíblia no lixo, pois ela não passará de um livro qualquer.
Ao longo da história da igreja cristã milhares de sermões, estudos e palestras extraídas do livro de Jó foram pronunciados em alto e bom som. E o resultado na vida destas pessoas foi impactante e transformador. Pois nesse livro encontraram uma fonte inesgotável de instrução e conforto; alguém afirmou que o livro de Jó está para o Primeiro Testamento, o que a epístola aos Romanos está para o Segundo Testamento. Mas infelizmente para a grande maioria dos cristãos pós-modernos o livro de Jó é um completo desconhecido, e a culpa é exclusivamente dos atuais responsáveis em pregar toda a Palavra de Deus, mas evitam o livro de Jó e a grande maioria da literatura bíblica.
É interessante que o livro inicia com a afirmativa: “Havia um homem na terra de Uz”. E por mais que a arqueologia tenha progredido nestes últimos séculos, ainda não foi possível determinar com exatidão onde era a “terra de Uz”; assim ela pode ser qualquer lugar dentro ou fora de Canaã; pode ser no subúrbio de qualquer grande metrópole do mundo como São Paulo, Nova York, Londres, Paris. Portanto, essa história pode acontecer em qualquer lugar e em qualquer tempo e com qualquer cristão piedoso e temente a Deus. Diante da violência cotidiana que vivemos nesses últimos dias, quando o que temos nos é tirado violentamente (Jó perdeu todos os seus bens) e quando nossos entes queridos são mortos abruptamente (todos os filhos de Jó morreram no mesmo dia), trazer à memória a história de Jó é o remédio para mantermos nossa sanidade mental e a nossa fé firmada no poder e providência de Deus. Quando estiver em profunda dor do corpo e da alma e tomado pela angustia sufocante, trazer à memória a história de Jó torna-se uma fonte de água cristalina e um óleo curativo que refresca e revigora para enfrentar os dias terríveis por virem. Quando nem mesmo aquelas pessoas mais íntimas (esposa) ou seus amigos mais chegados não te compreenderem e até mesmo te acusarem injustamente, se lembrar de Jó fará toda a diferença. Quando formularmos a grande pergunta: Se Deus me ama, por que tudo isso está acontecendo comigo? Lembremo-nos de Jó. E quando somos acometidos pela culpa (principalmente pais e mães que se culpam pelas ações dos filhos) onde errei? O que fiz de tão grave? Uma vez mais precisamos ir até o livro de Jó. Mas também, oh! Glória! Quando tudo estiver bem, quando estivermos prosperando; quando houver festa e alegria – mais do que NUNCA precisamos ler e estudar o livro de Jó.
Há grandes benefícios para todo aquele que se desvencilhando de todo e qualquer preconceito ou medo, se dispõem a ler e estudar o livro de Jó. Parafraseando Paulo em sua epístola aos Efésios - na história de Jó podemos deslumbrar as insondáveis riquezas de Deus. Aproprio-me de uma lista elaborada por William Henry Green em seu livro “Conflict and Triumph” e que acredito ser abençoadora para nossas vidas:
§ Para nos aproximar mais ainda de Deus, aprendendo a nos refugiarmos nele.
§ Para nos treinar e estruturar para as grandes batalhas da vida.
§ Para compreender o terrível mal que o pecado produz.
§ Para descobrirmos aquilo que realmente somos e cremos.
§ Para produzir em nós um crescimento na graça.
§ Para nos afastar do amor e apego por este mundo.
§ Para nos fazer contemplar a glória eterna que nos está assegura.
§ Para glorificar e engrandecer unicamente ao Deus eterno.
A leitura do livro de Jó nos ajuda a uma compreensão da dimensão real da nossa vida neste mundo. Um folheto antigo e muito distribuído em atividades evangelísticas tinha como título: “Onde Você Passará a Eternidade”. Para obter uma resposta satisfatória você precisa estudar a Bíblia.
Poucos livros da bíblia revelam de forma tão visual e profunda a Soberania de Deus em ação, como na história de Jó. É muito significante que o livro inicia-se com Deus falando e conclui-se com Deus falando – e durante a pausa silenciosa da voz divina – temos o desenrolar de toda tragédia de Jó. Ele não compreende, sua esposa se desespera, seus amigos se calam quando o vê e quando falam agravam ainda mais o sofrimento de Jó. Somente quando Deus torna a falar é que Jó compreende e a vida torna a ter sentido. Somente quando Deus fala o caos da vida de Jó se transforma em beleza e harmonia (como na Criação em Gênesis).
Poucas vezes na literatura bíblica de ambos os Testamentos se menciona explicitamente a figura de Satanás e suas ações como aqui na abertura do livro de Jó. Aqui somos informados que seu prazer está em destruir àqueles que temem a Deus; que ele tem poder sobrenatural (mas limitado pela soberania de Deus); que ele é especialista em manipulação neste mundo (Adão e Eva que o digam); ele é a inspiração para toda sorte de males que assolam a vida humana; ele é o representativo de todo o mal. Mas é importante realçar que ele aparece apenas no inicio da narrativa e somente faz aquilo que lhe é permitido fazer, todavia, desaparece por completo no final, quando Deus restaura a vida de Jó.
Na medida em que vamos lendo o livro de Jó vamos aprendendo que Deus utiliza-se até mesmo do sofrimento mais intenso para fortalecer a nossa fé e manifestar seu poder através de nossas vidas, como tão bem apreendeu Paulo e que escreve – o poder de Deus se manifesta ainda mais em minhas fraquezas e quando penso que sou forte, descubro para minha vergonha que sou fraco, mas quando estou fraco descubro o quanto sou forte e o salmista completa o pensamento de Paulo – pois o Senhor é a minha força e a minha fortaleza, o que temerei? E a lição mais extraordinária é que mesmo quando Deus silencia, nunca, jamais, de forma alguma Ele deixa de cuidar de nós. Em todo o tempo e o tempo todo Deus faz com que todas as coisas contribuam para o nosso bem. Aleluia!
Mas o livro de Jó nos ensina também que devemos ter cuidado com os conselhos e opiniões dos especialistas. Todos os meios de comunicação tentam nos convencer que Deus não é real (crianças de 11, 12 e 13 anos estão se declarando ateus); os amigos de Jó foram uma benção para ele enquanto ficaram em silêncio, pois quando abriram suas bocas somente falaram do que não entendiam e ensinaram o que não sabiam. A eloquência deles em nada serviu, a não ser para afligir ainda mais a vida de Jó. Somente a voz (Palavra) de Deus pode trazer esperança e alegria à vida de Jó – o único filtro que precisamos para nossos ouvidos é o filtro da Palavra de Deus. Jesus ensinou de forma poética: as minhas ovelhas OUVEM A MINHA VOZ, pois elas me CONHECEM e me SEGUEM; qualquer outra voz é de ladrão e salteador, cujo único objetivo e matar, roubar e destruir a vida humana.
O que falamos até agora apenas arranha a superfície deste livro bíblico. Mergulharmos em suas águas profundas é uma tarefa que demanda paciência e capacitação do Espírito Santo. Esse é o grande desafio para o crente pós-moderno que estão vivendo comodamente em suas zonas de conforto, todavia, ao serem acometidos pelos grandes terremotos da vida, entraram em crise existencial e duvidaram de tudo e de todos, incluindo o próprio Deus. Mas para aqueles poucos crentes que se dispuser a mergulhar periodicamente neste maravilhoso rio que percorre toda a trajetória da experiência de Jó, nenhum abalo sísmico será grande demais para abalar suas convicções na soberania de Deus e roubar-lhes a esperança da glória celestial.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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