Nenhuma outra parte da Bíblia é tão
lida e tão querida quanto os Salmos. Esse pequeno conjunto de canções
(saltério) tem rasgado os séculos e continuam fecundos nas vidas de milhões de
pessoas em todo o mundo que tomam contato diariamente com eles. Quanto mais os
lemos, mais desejamos lê-los, pois nos identificamos com cada um deles.
Os Salmos foram compostos ao longo
da História Israelita e expressam sua relação com Yahweh (o Deus da Aliança)
que os formou, libertou e preservou nas mais extraordinárias situações, desde
os tempos de Moisés (Salmo 90) até o período do exílio ou pós-babilônico (Salmo
126).
Dos cento e cinquentas salmos que compõe o Saltério ao
menos setenta e dois deles são atribuídos a Davi, enquanto outros restantes são
de compositores diversos tais como: Salomão, Asafe, Hemã e os filhos de Coré.
Alguns dos salmos eram utilizados na liturgia do culto do templo (daí a frase “ao maestro do coro” em mais de cinquenta
títulos de salmos).
Os salmos são de tipos diferentes. Alguns são lamentos, tanto individuais (Salmo 42)
como comunitário (Salmo 44). Alguns são salmos de ação de graças (Salmo 100), enquanto outros são hinos, ou cânticos de louvor (Salmo 96). Alguns dos salmos são comumente
referidos hoje como salmos de sabedoria,
como os Salmos 1 e 119. Esses salmos tendem a serem reflexos da Palavra de
Deus. Alguns salmos, como os Salmos 69 e 109, são chamados de salmos imprecatórios.
Os escritores do Segundo Testamento referem-se ao livro
dos Salmos mais frequentemente do que qualquer outro livro do Primeiro
Testamento. Isso nos indica que um dos principais focos dos salmos é a obra do Messias e Seu reino. Visto que Cristo
ainda não havia aparecido, Ele é mencionado em geral em tipos e sombras do
caráter de Davi e sua dinastia. Em alguns salmos, no entanto, tradicionalmente
chamados de salmos messiânicos,
fala-se de Cristo direta e claramente. Esses salmos messiânicos incluem os
Salmos 2, 22, 45, 72 e 110. Assim, uma das formas de estudarmos o livro dos
Salmos para nossa edificação é procurar por Cristo.
Mas os salmos tem uma função muito interessante, como
refere Calvino: "uma anatomia de
todas as partes da alma". Nenhuma outra porção da bíblia expõe toda
intimidade humana do que os salmos. Não há roteiro melhor
para o desenvolvimento da comunhão e intimidade com Deus, do que o Saltério. Ao
menos quatro áreas devocionais podem ser apreendidas dos Salmos: meditação, expostulação,
oração e canto.
O exercício da meditação
cristã, tão cara e amada em tempos passados, atualmente é
completamente abandonada, trocada por um ativismo religioso inócuo e estéril. Uma
das razões desse abandono é o fato de que o termo “meditação” foi apropriado
pelos praticantes das chamadas religiões orientais ou transcendentais da Nova
Era. Assim, quando se fala de meditação nas igrejas evangélicas elas vem
transvestidas desses conceitos orientais e transcendentais do esvaziamento da
mente através de repetições de mantras, visando alcançar uma “elevação” espiritual
e tocar o sobrenatural, o que na verdade é algo totalmente estranho aos
salmistas. Para o salmista a genuína meditação é “o prazer de se deleitar na lei do Senhor” (Torá, Instrução, Bíblia –
cf. Sl 1.1), ou seja, de “toda palavra
que vem da boca do Senhor” (Dt 8.3). No contexto bíblico a meditação é o
exercício mental e espiritual em que o crente estuda e considera a Palavra de Deus
autoritativa e reflexiva para sua vida diária. A palavra hebraica para “meditar” trás a ideia de “ruminar, repetir,
pensar em voz alta”. A meditação pode ser caracterizada como um pensamento
profundo e reflexivo, ocorrendo quase sempre de modo repetitivo e contínuo e
estão associadas com expressões adverbiais como “dia e noite” (SI 1.2) e “durante
a vigília da noite” (SI 63.6). A meditação é tipicamente uma prática do
crente piedoso (Pv 15.28) na Lei do Senhor (SI 1.2), nos atributos de Deus (SI
63.6) e nas obras e ações efetuadas pelo próprio Deus (SI 77.12;
143.5). O Salmo 119 é um exemplo para o crente de uma meditação sobre a lei de
Deus. Praticamente todos os versos no salmo referem-se à Torá ou algum sinônimo
dela, onde o compositor procura expressar o valor inestimável da Palavra de
Deus para a vida de todo crente em todas as épocas. Esse exercício de meditação tem dupla finalidade:
recobrar o ânimo (Acendeu-se dentro em
mim o meu coração, e enquanto eu meditava ateou-se o fogo - Sl 39.3) e de
se conformar, moldar, assimilar, fazer à vontade de Deus, como fica evidente
nas orientações de Deus para Josué, quando assume a liderança do povo israelita
após a morte de Moisés: “Não cesses de
falar deste Livro da Lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto
nele está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás
bem-sucedido” (Js 1.8). Os verbos correlatos são: lembrar(-se) (SI 63.6;
143.5), ponderar (Sl 77.12).
Expostulação é outra palavra que
praticamente desapareceu do vocabulário do cristão atual. O verbo expostular é
definido (New Collegiate Dictionary de Webster) como “raciocinar sinceramente com uma pessoa para fins de dissuasão ou
contestação”, mas aqui no contexto dos salmistas trás a ideia de uma autoanálise,
de dialogar consigo mesmo (a expressão nossa “falando comigo mesmo”). É um degrau além da meditação, pois
impulsiona ou motiva a se colocar em prática o que se apreendeu da [meditação]
da Palavra de Deus, evitando e corrigindo aquilo que não está em conformidade
com a vontade de Deus. Deste modo, um crente quando está sendo tentado a pecar
dialoga consigo mesmo sobre as consequências do pecado sobre ele e sobre a
comunidade cristã em que está inserido, assim como o pecado desonra e afronta a
Deus. Este é o melhor caminho para que o crente possa desenvolver uma cosmovisão bíblica correta. Vários
salmos podem ser usados para a prática da expostulação. No Salmo 11, por
exemplo, Davi foi levado ao desespero, ou desencorajamento, pela pergunta: “Se os fundamentos são destruídos, o que os
justos podem fazer?” (verso 3), ou seja, as coisas estão desmoronando ao
nosso redor e somos tentados a entrar em pânico ou desistir, mas Davi responde
a si mesmo recordando que “o Senhor está
em seu santo templo”, “o Senhor prova
os justos” e odeia os iníquos e “os retos contemplam” a face de Deus (vv.
4–7) - Davi lembra a si mesmo, baseado nas coisas
que aprendeu da Palavra de Deus, que, independentemente de como as coisas
parecem, Deus ainda está no controle e Ele é o juiz de toda a
terra. Outros salmos que se constituem em modelos para a
expostulação são os Salmos 34, 37, 42, 43 e 62.
Nada é mais pobre do que a oração do
crente em geral. Nas orações públicas, aquela que podemos ouvir, fica evidenciada
a pobreza do vocabulário do crente em seu relacionamento com Deus. Em geral há
uma breve e quase imperceptível menção à grandeza e bondade de Deus, alguma
referência genérica da nossa real condição pecaminosa, umas poucas palavras de
gratidão pelas orações atendidas, concluídas por uma extensa lista de petições
e suplicas por nós mesmos e por outros, sobre as mais diversas e múltiplas necessidades
cotidianas. Mas para aqueles crentes que desenvolvem intimidade com a Palavra
de Deus o seu vocabulário torna-se rico em beleza e profundidade. Vejamos o
exemplo de Davi no Salmo 18, onde ele refere-se a Deus de uma forma
maravilhosa, como somente alguém que tinha prazer na Palavra de Deus poderia
fazê-lo: o Senhor (Deus)
é a sua força, sua rocha, sua fortaleza, seu libertador,
seu refúgio, seu escudo, o chifre (isto é,
o poder) de sua salvação e sua fortaleza.
De cada uma destas referências poderia se fazer milhares de sermões e estudos bíblicos.
Davi sabia que estava em meio a uma batalha espiritual por sua vida, de sua
família e de seu povo – e somente o seu Deus poderia ser-lhe conforto, força e
salvação. A maioria dos crentes atuais vive sem se aperceber da grande e
terrível batalha espiritual em que está inserido. Vivem e convivem passivamente
com este mundo, que jaz no maligno, sem tomar conhecimento do grande perigo a
que estão expostos todos os dias (diz Paulo, estamos expostos à morte
diariamente). Daniel viveu quase a totalidade de sua vida na Babilônia, em um
ambiente de total depravação e corrupção. Ele e seus três amigos tinham plena
consciência da terrível realidade espiritual que lhes acercava e assediava
diariamente. Então lemos que Daniel (e provavelmente seus amigos) orava três
vezes ao dia – todos os dias – eles conheciam o seu Deus; sabiam que suas vidas
estavam nas mãos do seu Deus e nunca estiveram nas mãos de Nabucodonosor ou de
quem quer que seja o mandatário do poder humano. Esse conhecimento, advindo das
Escrituras, nutriam suas orações e os capacitaram a enfrentarem a fornalha sete
vezes aquecida e a cova dos leões ferozes, com toda tranquilidade e segurança. A
pobreza do vocabulários das orações dos crentes hedonistas e materialista e
daqueles crentes ignorantes das Escrituras, por relaxo ou preguiça, é a razão
de seus fracassos, mau testemunhos e desesperos quando precisam passar pelos vales
tenebrosos da sombra da morte.
Por fim, os Salmos nos ensinam e
capacitam a cantar/louvar corretamente a Deus. Nos dias da Reforma, quando a genuína
adoração e louvor haviam sido desfigurados e desvirtuados (qualquer relação com
os shows gospel atuais não é mera coincidências), as igrejas reformadas
retornaram ao porto seguro dos Salmos para enriquecerem e adornarem seus cultos
de adoração. Martinho Lutero que amava a música e as melodias certamente
inspirado pela salmodia bíblica compôs lindos hinos de louvor. O apóstolo Paulo
orienta suas comunidades cristãs a louvarem a Deus com salmos,
hinos e cânticos espirituais (atente para a ordem sequencial). Pois a fonte pura e cristalina para inspiração
de qualquer melodia cristã foi e deve continuar sendo os Salmos bíblicos. O
vocabulário, a reverência, o amor e desejo de uma genuína adoração emana de
cada estrofe e de cada Salmo inspirado e preservado nas Escrituras pela
providência divina. Todos aqueles crentes que bebem continuamente desta fonte
cristalina é capacitado a compor os mais belos hinos de louvor ao seu Deus,
quer seja para sua adoração pessoal, quer seja para a adoração cúltica da
comunidade onde estejam inseridos. Nossos hinários estão repletos de
composições maravilhosas feitas por homens e mulheres que completamente
mergulhados na salmodia bíblica, compuseram hinos que tocam profundamente a
nossa alma e nos elevam à presença do nosso Deus. Mas o que vemos atualmente
são cânticos antropocêntricos, carnais, sensuais e materialistas, produzidos
por pessoas completamente ignorantes e alienados dos Salmos bíblicos, que
expressam em suas composições toda pobreza e mediocridade de um vocabulário mundano
e secularizado, corrompido por toda sorte de conceitos elaborados nas entranhas
do inferno e influenciados pelo próprio diabo. Cenas das mais inconcebíveis são
produzidas por tais tipos de composições, onde milhares de pessoas se reúnem para
gritar, pular, suar e extravasar todas suas mais baixas paixões, onde nem os
ritmos e nem as letras se aproximam da originalidade e pureza das composições da
salmodia bíblica, portanto, destituídas completamente de qualquer expressão genuína
de adoração e louvor ao Deus emanado das Escrituras. Na verdade estas grandes
concentrações são nada mais e nada menos do que expressa sua nomenclatura: shows
- deles para eles mesmos. Esta é uma das razões pela qual a igreja evangélica
brasileira perdeu sua capacidade de iluminar a sociedade brasileira que se
encontra envolta nas trevas tensas do pecado; a pobre e destituída igreja
evangélica desconectada da salmodia bíblica perdeu sua capacidade de salgar de
maneira que não é capaz de inibir o apodrecimento da sociedade brasileira que
está contaminada por toda sorte de conceitos anticristã e antibíblica. Os
Salmos 95–100, que fecham o Saltério, são exemplos particularmente poderosos de
cânticos de louvor que têm uma profunda e rica compreensão de quem Deus é, e
Seus caminhos e propósitos para com as pessoas do século XXI.
Para concluir todo cristão sincero e temente a Deus se
beneficia e enriquece sua vida cristã se alimentando diariamente de uma porção
consistente da salmodia bíblica. Em cada salmo é possível distinguir um paladar
peculiar e quando associados tornam-se superiores a qualquer outra alimento
para a alma e o coração do crente. Ao se apropriar de uma porção diária da
Palavra de Deus em sua forma salmodia o crente fortalece e amadurece sua fé e
seu testemunho cristão, tornando-se uma luz intensa no meio das tensas e
tenebrosas trevas da incredulidade humana pós modernista; preservar e dará
sabor à uma sociedade brasileira em franca e acelerada decomposição.
1 Louvai ao Senhor
(Aleluia).
Louvai ao Senhor em seu templo,
louvai-o no
firmamento de seu poder.
2 Louvai-o por
seus feitos poderosos,
louvai-o como
pede a sua grandeza.
3 Louvai-o
tocando a trombeta,
louvai-o com
harpas e cítaras.
4 Louvai-o com
tambores e danças,
louvai-o com a
corda e as flautas.
5 Louvai-o com
címbalos sonoros.
louvai o com címbalos
vibrantes
6 Todo ser que
respira louve o Senhor.
Louvai ao
Senhor (Aleluia).
Salmo 150
“O profeta convocou os habitantes do céu, depois todos as pessoas de todos
os tempos, finalmente todos os instrumentos musicais.
Louvar a Deus sem
interrupção é nosso sacrifício, nossa oferta, nosso
ministério mais nobre, que
reproduz a vida dos anjos” (Crisóstomo).
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
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Livros Poéticos e de Sabedoria
- Introdução Geral
Referências Bibliográficas
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