segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Salmos: Anatomia da Alma



            Nenhuma outra parte da Bíblia é tão lida e tão querida quanto os Salmos. Esse pequeno conjunto de canções (saltério) tem rasgado os séculos e continuam fecundos nas vidas de milhões de pessoas em todo o mundo que tomam contato diariamente com eles. Quanto mais os lemos, mais desejamos lê-los, pois nos identificamos com cada um deles.
            Os Salmos foram compostos ao longo da História Israelita e expressam sua relação com Yahweh (o Deus da Aliança) que os formou, libertou e preservou nas mais extraordinárias situações, desde os tempos de Moisés (Salmo 90) até o período do exílio ou pós-babilônico (Salmo 126). 
Dos cento e cinquentas salmos que compõe o Saltério ao menos setenta e dois deles são atribuídos a Davi, enquanto outros restantes são de compositores diversos tais como: Salomão, Asafe, Hemã e os filhos de Coré. Alguns dos salmos eram utilizados na liturgia do culto do templo (daí a frase “ao maestro do coro” em mais de cinquenta títulos de salmos).
Os salmos são de tipos diferentes. Alguns são lamentos, tanto individuais (Salmo 42) como comunitário (Salmo 44). Alguns são salmos de ação de graças (Salmo 100), enquanto outros são hinos, ou cânticos de louvor (Salmo 96). Alguns dos salmos são comumente referidos hoje como salmos de sabedoria, como os Salmos 1 e 119. Esses salmos tendem a serem reflexos da Palavra de Deus. Alguns salmos, como os Salmos 69 e 109, são chamados de salmos imprecatórios.
Os escritores do Segundo Testamento referem-se ao livro dos Salmos mais frequentemente do que qualquer outro livro do Primeiro Testamento. Isso nos indica que um dos principais focos dos salmos é a obra do Messias e Seu reino. Visto que Cristo ainda não havia aparecido, Ele é mencionado em geral em tipos e sombras do caráter de Davi e sua dinastia. Em alguns salmos, no entanto, tradicionalmente chamados de salmos messiânicos, fala-se de Cristo direta e claramente. Esses salmos messiânicos incluem os Salmos 2, 22, 45, 72 e 110. Assim, uma das formas de estudarmos o livro dos Salmos para nossa edificação é procurar por Cristo.
Mas os salmos tem uma função muito interessante, como refere Calvino: "uma anatomia de todas as partes da alma". Nenhuma outra porção da bíblia expõe toda intimidade humana do que os salmos. Não há roteiro melhor para o desenvolvimento da comunhão e intimidade com Deus, do que o Saltério. Ao menos quatro áreas devocionais podem ser apreendidas dos Salmos: meditação, expostulação, oração e canto.
O exercício da meditação cristã, tão cara e amada em tempos passados, atualmente é completamente abandonada, trocada por um ativismo religioso inócuo e estéril. Uma das razões desse abandono é o fato de que o termo “meditação” foi apropriado pelos praticantes das chamadas religiões orientais ou transcendentais da Nova Era. Assim, quando se fala de meditação nas igrejas evangélicas elas vem transvestidas desses conceitos orientais e transcendentais do esvaziamento da mente através de repetições de mantras, visando alcançar uma “elevação” espiritual e tocar o sobrenatural, o que na verdade é algo totalmente estranho aos salmistas. Para o salmista a genuína meditação é “o prazer de se deleitar na lei do Senhor” (Torá, Instrução, Bíblia – cf. Sl 1.1), ou seja, de “toda palavra que vem da boca do Senhor” (Dt 8.3). No contexto bíblico a meditação é o exercício mental e espiritual em que o crente estuda e considera a Palavra de Deus autoritativa e reflexiva para sua vida diária. A palavra hebraica para “meditar” trás a ideia de “ruminar, repetir, pensar em voz alta”. A meditação pode ser caracterizada como um pensamento profundo e reflexivo, ocorrendo quase sempre de modo repetitivo e contínuo e estão associadas com expressões adverbiais como “dia e noite” (SI 1.2) e “durante a vigília da noite” (SI 63.6). A meditação é tipicamente uma prática do crente piedoso (Pv 15.28) na Lei do Senhor (SI 1.2), nos atributos de Deus (SI 63.6) e nas obras e ações efetuadas pelo próprio Deus (SI 77.12; 143.5). O Salmo 119 é um exemplo para o crente de uma meditação sobre a lei de Deus. Praticamente todos os versos no salmo referem-se à Torá ou algum sinônimo dela, onde o compositor procura expressar o valor inestimável da Palavra de Deus para a vida de todo crente em todas as épocas. Esse exercício de meditação tem dupla finalidade: recobrar o ânimo (Acendeu-se dentro em mim o meu coração, e enquanto eu meditava ateou-se o fogo - Sl 39.3) e de se conformar, moldar, assimilar, fazer à vontade de Deus, como fica evidente nas orientações de Deus para Josué, quando assume a liderança do povo israelita após a morte de Moisés: “Não cesses de falar deste Livro da Lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem-sucedido” (Js 1.8). Os verbos correlatos são: lembrar(-se) (SI 63.6; 143.5), ponderar (Sl 77.12).
Expostulação é outra palavra que praticamente desapareceu do vocabulário do cristão atual. O verbo expostular é definido (New Collegiate Dictionary de Webster) como “raciocinar sinceramente com uma pessoa para fins de dissuasão ou contestação”, mas aqui no contexto dos salmistas trás a ideia de uma autoanálise, de dialogar consigo mesmo (a expressão nossa “falando comigo mesmo”). É um degrau além da meditação, pois impulsiona ou motiva a se colocar em prática o que se apreendeu da [meditação] da Palavra de Deus, evitando e corrigindo aquilo que não está em conformidade com a vontade de Deus. Deste modo, um crente quando está sendo tentado a pecar dialoga consigo mesmo sobre as consequências do pecado sobre ele e sobre a comunidade cristã em que está inserido, assim como o pecado desonra e afronta a Deus. Este é o melhor caminho para que o crente possa desenvolver uma cosmovisão bíblica correta. Vários salmos podem ser usados para a prática da expostulação. No Salmo 11, por exemplo, Davi foi levado ao desespero, ou desencorajamento, pela pergunta: “Se os fundamentos são destruídos, o que os justos podem fazer?” (verso 3), ou seja, as coisas estão desmoronando ao nosso redor e somos tentados a entrar em pânico ou desistir, mas Davi responde a si mesmo recordando que “o Senhor está em seu santo templo”, “o Senhor prova os justos” e odeia os iníquos e “os retos contemplam” a face de Deus (vv. 4–7) - Davi lembra a si mesmo, baseado nas coisas que aprendeu da Palavra de Deus, que, independentemente de como as coisas parecem, Deus ainda está no controle e Ele é o juiz de toda a terra. Outros salmos que se constituem em modelos para a expostulação são os Salmos 34, 37, 42, 43 e 62.
            Nada é mais pobre do que a oração do crente em geral. Nas orações públicas, aquela que podemos ouvir, fica evidenciada a pobreza do vocabulário do crente em seu relacionamento com Deus. Em geral há uma breve e quase imperceptível menção à grandeza e bondade de Deus, alguma referência genérica da nossa real condição pecaminosa, umas poucas palavras de gratidão pelas orações atendidas, concluídas por uma extensa lista de petições e suplicas por nós mesmos e por outros, sobre as mais diversas e múltiplas necessidades cotidianas. Mas para aqueles crentes que desenvolvem intimidade com a Palavra de Deus o seu vocabulário torna-se rico em beleza e profundidade. Vejamos o exemplo de Davi no Salmo 18, onde ele refere-se a Deus de uma forma maravilhosa, como somente alguém que tinha prazer na Palavra de Deus poderia fazê-lo: o Senhor (Deus) é a sua força, sua rocha, sua fortaleza, seu libertador, seu refúgio, seu escudo, o chifre (isto é, o poder) de sua salvação e sua fortaleza. De cada uma destas referências poderia se fazer milhares de sermões e estudos bíblicos. Davi sabia que estava em meio a uma batalha espiritual por sua vida, de sua família e de seu povo – e somente o seu Deus poderia ser-lhe conforto, força e salvação. A maioria dos crentes atuais vive sem se aperceber da grande e terrível batalha espiritual em que está inserido. Vivem e convivem passivamente com este mundo, que jaz no maligno, sem tomar conhecimento do grande perigo a que estão expostos todos os dias (diz Paulo, estamos expostos à morte diariamente). Daniel viveu quase a totalidade de sua vida na Babilônia, em um ambiente de total depravação e corrupção. Ele e seus três amigos tinham plena consciência da terrível realidade espiritual que lhes acercava e assediava diariamente. Então lemos que Daniel (e provavelmente seus amigos) orava três vezes ao dia – todos os dias – eles conheciam o seu Deus; sabiam que suas vidas estavam nas mãos do seu Deus e nunca estiveram nas mãos de Nabucodonosor ou de quem quer que seja o mandatário do poder humano. Esse conhecimento, advindo das Escrituras, nutriam suas orações e os capacitaram a enfrentarem a fornalha sete vezes aquecida e a cova dos leões ferozes, com toda tranquilidade e segurança. A pobreza do vocabulários das orações dos crentes hedonistas e materialista e daqueles crentes ignorantes das Escrituras, por relaxo ou preguiça, é a razão de seus fracassos, mau testemunhos e desesperos quando precisam passar pelos vales tenebrosos da sombra da morte.
            Por fim, os Salmos nos ensinam e capacitam a cantar/louvar corretamente a Deus. Nos dias da Reforma, quando a genuína adoração e louvor haviam sido desfigurados e desvirtuados (qualquer relação com os shows gospel atuais não é mera coincidências), as igrejas reformadas retornaram ao porto seguro dos Salmos para enriquecerem e adornarem seus cultos de adoração. Martinho Lutero que amava a música e as melodias certamente inspirado pela salmodia bíblica compôs lindos hinos de louvor. O apóstolo Paulo orienta suas comunidades cristãs a louvarem a Deus com salmos, hinos e cânticos espirituais (atente para a ordem sequencial).  Pois a fonte pura e cristalina para inspiração de qualquer melodia cristã foi e deve continuar sendo os Salmos bíblicos. O vocabulário, a reverência, o amor e desejo de uma genuína adoração emana de cada estrofe e de cada Salmo inspirado e preservado nas Escrituras pela providência divina. Todos aqueles crentes que bebem continuamente desta fonte cristalina é capacitado a compor os mais belos hinos de louvor ao seu Deus, quer seja para sua adoração pessoal, quer seja para a adoração cúltica da comunidade onde estejam inseridos. Nossos hinários estão repletos de composições maravilhosas feitas por homens e mulheres que completamente mergulhados na salmodia bíblica, compuseram hinos que tocam profundamente a nossa alma e nos elevam à presença do nosso Deus. Mas o que vemos atualmente são cânticos antropocêntricos, carnais, sensuais e materialistas, produzidos por pessoas completamente ignorantes e alienados dos Salmos bíblicos, que expressam em suas composições toda pobreza e mediocridade de um vocabulário mundano e secularizado, corrompido por toda sorte de conceitos elaborados nas entranhas do inferno e influenciados pelo próprio diabo. Cenas das mais inconcebíveis são produzidas por tais tipos de composições, onde milhares de pessoas se reúnem para gritar, pular, suar e extravasar todas suas mais baixas paixões, onde nem os ritmos e nem as letras se aproximam da originalidade e pureza das composições da salmodia bíblica, portanto, destituídas completamente de qualquer expressão genuína de adoração e louvor ao Deus emanado das Escrituras. Na verdade estas grandes concentrações são nada mais e nada menos do que expressa sua nomenclatura: shows - deles para eles mesmos. Esta é uma das razões pela qual a igreja evangélica brasileira perdeu sua capacidade de iluminar a sociedade brasileira que se encontra envolta nas trevas tensas do pecado; a pobre e destituída igreja evangélica desconectada da salmodia bíblica perdeu sua capacidade de salgar de maneira que não é capaz de inibir o apodrecimento da sociedade brasileira que está contaminada por toda sorte de conceitos anticristã e antibíblica. Os Salmos 95–100, que fecham o Saltério, são exemplos particularmente poderosos de cânticos de louvor que têm uma profunda e rica compreensão de quem Deus é, e Seus caminhos e propósitos para com as pessoas do século XXI. 
Para concluir todo cristão sincero e temente a Deus se beneficia e enriquece sua vida cristã se alimentando diariamente de uma porção consistente da salmodia bíblica. Em cada salmo é possível distinguir um paladar peculiar e quando associados tornam-se superiores a qualquer outra alimento para a alma e o coração do crente. Ao se apropriar de uma porção diária da Palavra de Deus em sua forma salmodia o crente fortalece e amadurece sua fé e seu testemunho cristão, tornando-se uma luz intensa no meio das tensas e tenebrosas trevas da incredulidade humana pós modernista; preservar e dará sabor à uma sociedade brasileira em franca e acelerada decomposição.
1 Louvai ao Senhor (Aleluia).
 Louvai ao Senhor em seu templo,
louvai-o no firmamento de seu poder.
2 Louvai-o por seus feitos poderosos,
louvai-o como pede a sua grandeza.
3 Louvai-o tocando a trombeta,
louvai-o com harpas e cítaras.
4 Louvai-o com tambores e danças,
louvai-o com a corda e as flautas.
5 Louvai-o com címbalos sonoros.
louvai o com címbalos vibrantes
6 Todo ser que respira louve o Senhor.
Louvai ao Senhor (Aleluia).
Salmo 150
“O profeta convocou os habitantes do céu, depois todos as pessoas de todos
os tempos, finalmente todos os instrumentos musicais. Louvar a Deus sem
interrupção é nosso sacrifício, nossa oferta, nosso ministério mais nobre, que
reproduz a vida dos anjos” (Crisóstomo).


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


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Salmo 119 - Introdução Geral
Livros Poéticos e de Sabedoria - Introdução Geral

Referências Bibliográficas
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