Profeta Oséias - Aleijadinho |
Na forma como a nossa bíblia foi
organizada, sem ordem cronológica, mas seguindo o modelo da versão grega da
Septuaginta, o livro de Oséias vem logo após a mensagem de Amós, dentro do sub-bloco
profético denominado de “profetas menores” ou como os judeus preferem “o rolo
dos doze”. Assim, Amós, Oséias, Miquéias e Isaías representam um período de
abundância profética do Primeiro Testamento. Oséias é contemporâneo de Amós,
com uma diferença significativa, pois enquanto Oséias é natural do reino do
Norte (Israel – capital Samaria), Amós tem origem no reino do Sul (Judá –
capital Jerusalém). Ainda que ambos preguem uma mensagem contundente de juízo, arrependimento
e salvação (o triple de toda mensagem profética e de toda bíblia, incluindo
evangelhos e apocalipse), a mensagem de Oséias esta prenha de um amor profundo
por seu povo e contemporâneos israelitas. Em nenhum momento faz vistas grossas
aos pecados abomináveis de sua sociedade e como seu colega profeta os nomeia de
forma clara e sem qualquer subterfúgio, todavia, é facilmente perceptível a
linguagem amorosa de sua dura mensagem.
A literatura produzida pelos
profetas bíblicos, mais do que qualquer outra literatura, revelam de uma forma
única a Pessoa e as atividades de Deus em relação ao seu povo e ao mundo. É
impossível ler os profetas e não ficar impactado com a continua ação de Deus na
história humana – seja para salvar ou para condenar. Nestas literaturas todos
os povos se entrelaçam com a história israelita/judaica, que é o fio condutor,
mas não único, dos interesses divinos. Ainda que Israel/Judá sejam o povo de
exclusividade de Deus, aos quais se revela pessoalmente pela boca e ações de
seus profetas enviados, todas as demais nações, de perto ou de longe, direta ou
indiretamente, são objeto dos propósitos eternos de Deus. Assim, a soberania de
Deus se estende sobre tudo e todos – sobre todas as nações, povos e raças –
sobre todo o mundo!
O Profeta
Oséias torna-se de interesse
especial por todos os estudiosos da literatura bíblica. Como quase todos seus
colegas que exerceram o oficio profético, temos poucas ou quase nenhuma
informação pessoal, com uma exceção sua vida familiar/conjugal que será
explicitada como modelo da relação de Israel com seu Deus.
Mas
por inferências podemos construir um perfil interessante deste sofrido profeta.
O seu nome “Oshe’a” é um tempo
verbal mais do que um nome próprio. Diversos personagens aparecem com esse nome
nas narrativas bíblicas, inclusive um dos reis citados neste próprio livro. De
acordo com diversos comentaristas o nome significa “salvação” ou “libertação”.
Era o nome original de Josué, o grande líder da conquista de Canaã (Nm 13.8 e
16). Somos informados que seu pai se chama Beeri (poço de Jeová) que alguns
comentaristas fazem ligação a uma possível ligação com o sacerdócio, endossado
pelas diversas referências que Oséias faz das atividades sacerdotais (REED,
2005, p.28).
O texto o coloca como natural no
Reino do Norte. Uma tradição o coloca como descendente da tribo de Issacar, provavelmente
da região de Betel ou Samaria, capitais religiosas do país. No transcorrer da
narrativa vamos nos deparando com diversas inferências que reforçam as
informações acima. Faz alusões frequentes ao Líbano, Tabor, Samaria, Betel,
Jezreel, Ramá, todas referências geográficas da parte Setentrional de Israel.
Faz referências, mais de trinta vezes, a Efraim, um dos nomes que identifica o
Reino do Norte. Isso fica ainda mais evidente quando comparamos com seu
contemporâneo Amós, que sendo do sul, não arrisca detalhes muito pitorescos da
geografia nortista. As citações geográficas de Oséias estão sempre impregnadas
de sentimentos profundos, indicando uma identificação pessoal e nacionalista
que somente alguém da terra pode demonstrar ou explicitar. Também utiliza a expressão
“nosso rei” e da “terra” sempre se referindo ao Reino do Norte. Cleyde
Francisco faz uma interessante comparação entre os dois profetas: “Amós veio de Judá para pregar em Israel, sendo,
portanto, menos pessoal em sua pregação, o passo que Oséias pregou ao seu
próprio povo. Amós falou da justiça, à consciência; Oséias pregou do amor, ao
coração” (1969, p. 132).
Emana de sua mensagem algumas
características da personalidade do profeta Oséias – manso, pensativo, com
inclinação à melancolia, todavia, franco, afetuoso e profundamente patriota. Estas
características associada à sua linguagem poética o identifica com o grande
profeta do final dos dias do Reino do Sul – Jeremias, quase um século depois. Jorge
Robinson faz um paralelo entre os dois profetas que apesar de todo seus
esforços e perseverança em pregarem suas respectivas mensagens, viram seus
respectivos ouvintes se fazerem de surdos e sofrerem as terríveis consequências
do juízo de Deus:
Ambos eram patriotas ardentes, possuidores de naturezas
religiosas e profundamente sensíveis. Jeremias era mais consciente de si mesmo,
em sua dor; Oséias era mais sensível e apaixonado. Jeremias era mais um
teólogo; Oséias um poeta.” (1982, p. 11).
Seu livro é uma profecia e ao mesmo
tempo um poema; seu texto é um dos mais difíceis da literatura veterotestamentária,
mas também um dos mais evangélicos. Mesmo não contendo nenhuma referência
messiânica direta, sua ênfase no amor de Deus que perdoa reiteradamente,
antecipa em séculos “o novo mandamento” dos Evangelhos, sendo ele o primeiro
dos profetas a compreender o imensurável amor de Deus, e que o mais terrível
pecado de Israel foi rejeitar abertamente e escancaradamente esse amor divino.
Não sem razão muitos o chamam de “o Evangelista” do Antigo Testamento.
Casa-se com uma mulher chamada Gomer, filha de Diblaim, do
qual nascem três filhos: Jezreel, Lo-Ruama e Lo-Ami. Sua relação
conjugal/familiar conturbada e trágica vai ser utilizada por Deus para ilustrar
o seu próprio amor pelo seu povo, que o despreza e o trai. É impossível ler a
mensagem do profeta Oséias e não se sensibilizar com a forma persistente com
que continua amando uma mulher abertamente infiel – da mesma forma com que Deus
persistentemente continua amando a nação prostituta de Israel, sempre correndo
atrás do primeiro que lhe acena algum “beneficio” e/ou uma sensação de “segurança”
(alianças com outras nações).
Um paralelo com a realidade do
evangelicalismo brasileiro atual torna-se fácil. As lideranças e a membresia evangélica
é fácil e docilmente atraída por toda e qualquer sorte de benefícios reais ou
imaginários que a Sociedade lhe oferece. Um comentário positivo, uma insignificante
inserção na mídia, um insignificante benefício material/financeiro, e correm a
se submeterem docilmente, mesmo que isso lhes exija abandonar os princípios claramente
estabelecidos nas Escrituras.
Os “crentes” se esforçaram tanto
para serem reconhecidos e inseridos na Sociedade brasileira como iguais, que se
tornaram tão iguais à sociedade que perderam sua própria identidade como povo
de exclusividade de Deus, prostrando-se diante dos deuses consumista e hedonista,
correndo atrás da falsa sensação de segurança dos bens materiais – qualquer semelhança
com Israel nos dias de Oséias não é mera coincidência.
Assim sendo, como nos dias de Oséias
sua mensagem precisa ser urgentemente proclamada para uma igreja adultera e
cheia de prostituições. Assim como era eminente e posteriormente veio a ser
concretizado, o juízo de Deus está às portas da cidade/igreja. Aos que
responderem positivamente ao amor gracioso de Deus e arrependidos retornarem às
obras e práticas do primeiro amor, serão salvos; todavia, aos que permanecerem neste
evangelicalismo morno, insonso e sem frutos de retidão, serão arrancados e
lançados fora, exatamente como aconteceu com os israelitas dos dias de Oséias –
quem duvidar verá!
Data da Mensagem
Quando Oséias exerceu seu ministério
profético? Com toda certeza foi antes do cativeiro Assírio (810-725 a.C.). É
possível com um pouco de paciência e bom senso literário, estabelecermos um
limite cronológico para a mensagem do profeta, com base nos fatos mencionados e
por suas referências. Tudo indica que seu ministério foi um dos mais longos
dentre os profetas bíblicos. Logo na abertura (1.4) ele anuncia a destruição da
dinastia de Jeú. Veio a ser o rei Zacarias (não confundir com o profeta do
mesmo nome), filho de Jeroboão II, que foi brutalmente assassinado por Salum,
tendo reinado por irrisórios seis meses. Podemos afirmar que o profeta Jeroboão
(746 a.C.), pois com a morte deste importante rei israelita se estabelece uma
profunda anarquia política no Reino de Israel, que se reflete nas entrelinhas
da mensagem de Oséias. As referências (6.8; 12.11) indicam que tanto Gileade
quanto Naftali ainda eram territórios israelita, pois com a invasão e conquista
de Tiglate-Pileser (734 a.C.) passaram a serem territórios assírios. Por outro
lado, não qualquer referência na mensagem à guerra Síria/Israel contra o reino
de Judá (735-734, cf. Isaías 7.1-9 e II Reis 15.37-38), o que torna
significativo, pois dificilmente o profeta deixaria de mencionar um evento
desta magnitude política, se já estivesse exercendo o seu ministério naqueles
dias. Uma datação do ministério de Oséias mais conservadora seria entre 755-725a.C., um pouco depois da pregação do profeta Amós, sendo também contemporâneo
de Isaias e Miqueias ambos no Reino do Sul.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Referências Bibliográficas
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SICRE, José
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