O deus canaanita Baal |
A questão da influência e
envolvimento dos israelitas com as práticas religiosas da religião baalita tem
duas fases distintas. A primeira é
quando eles conquistam Canaã e passam a morar lado a lado com diversos povos que
já professam sua fé em Baal (lfb - dono,
amo, senhor ou marido – plural: Baalim),[1]
o deus mais adorado entre os fenícios-cananeus, responsável segundo eles pelas
tempestades, chuva, névoa, o orvalho, que fecunda a terra e, portanto, responsável
direto pela abundância das colheitas e manutenção da vida. Desta forma, Yahweh
continuava sendo o deus salvador/libertador do povo israelita, mas quem supria
suas necessidades materiais (colheita, pão, vinho, água e o linho) era Baal.
Há aproximadamente 89 referências ao
deus Baal
no Antigo Testamento, além disso, se faz referência a outras divindades dos cananeus,
incluindo a deusa da fertilidade Aserá (40 vezes), sendo representada
nos postes de madeiras entalhadas representando uma figura feminina, sendo
também descrita como “Rainha dos Céus” (tanto as colunas sagradas como os
postes sagrados eram símbolos sexuais); outra figura feminina mencionada nos
textos bíblicos é a deusa Astarte/Asterote (no grego, em hebraico, transliterado, temos Ashtoreth
em ugarítico ‘Attart e em acádico As-tar-tu - 10 vezes), também
vinculada à fertilidade, sexualidade e guerra, sendo muito popular nos cultos
cananeus, sendo também adorada pelos assírios/babilônicos com o nome de Ishtar.
No total, parece haver cerca de 139
referências claras às principais divindades cananeias nos escritos
veterotestamentário.
Logo após a morte de Josué, nos dias dos juízes, vai se
tornando uma pratica comum compartilharem o culto à Yahweh com o culto prestado
à Baal. Desta nova geração, o escritor de juízes escreveu:
Os israelitas fizeram o que era mau aos olhos do Senhor e
adoraram Baal; e abandonaram o Senhor, o Deus de seus pais, que os tirou da
terra do Egito; eles seguiram outros deuses, dentre os deuses dos povos que
estavam ao redor deles, e inclinou-se para eles; e provocaram o SENHOR à ira.
Eles abandonaram o Senhor, e adoraram Baal e os Astartes. (Juízes 2. 10-13).
Esta permanente relação dos israelitas com as divindades canaanitas
e mais especificamente os cultos à Baal podem ser constatados nas referências
textuais dos múltiplos lugares que são vinculados a esse deus canaanita:
baalberith ( "aliança Baal) era adorado em
Siquém depois da morte de Gideão ( Juízes 8.33; 9. 4); Baal-Gade [Dono de Gade (Boa Sorte)] pode se referir a uma cidade ao
sopé do monte Hermom, no vale do Líbano (cf. Jos 11.17; 12. 7; 13. 5); Baal-Hamon ("senhor da abundância
ou riqueza ") é mencionado em conexão com uma vinha frutífera pertencente
a Salomão (Cântico dos Cânticos 8:11 ); 4) Baal-Hermom
(" Baal-Hermon ") pode ser outro nome para Baal-Gade, talvez localizado
no norte de Israel perto do monte Hermon; Baal-Peor
( "Baal-Peor") era o deus das montanhas de Moabe (Monte Peor) que
tomaram seu nome e os israelitas se envolveram com esse culto moabita e por
causa disso 24.000 israelitas foram mortos por Deus ( Números 25. 1-9; Dt 4.
3); Baal-Zebube (“Senhor das moscas”
ou como alguns explicam, um deus considerado como provendo oráculos pelo voo ou pelo zumbido duma mosca. — 2Rs 1.2); Acazias,
rei de Israel, enviou mensageiros para indagar de Baal-Zebube se ele se
restabeleceria de seu grave ferimento. Yahweh, por meio do seu profeta Elias,
censurou Acazias, dizendo: “É porque não
há nenhum Deus em Israel que mandas consultar a Baal-Zebube, deus de Ecrom?
Portanto, no que se refere ao leito ao qual subiste, não descerás dele, porque
positivamente morrerás. ” — 2Rs 1.2-8.
As famílias ofereciam seus cultos à Baal em nome de Yahweh em
uma espécie de sincretismo religioso. Para qualquer outro povo isso seria
perfeitamente normal, todavia, quando se trata de Yahweh, que exige
exclusividade de seu povo, torna-se um grave problema a ser resolvido.
Nos dias de Davi essa anomalia
religiosa não só continuou como foi sendo cada vez mais assimilada pelo povo em
geral como elementos da religião de Israel. Crabtree (1960, p. 21) concluiu
sobre essa simbiose religiosa:
Não houve distinção entre os cananeus subjugados e absorvidos
pelo reino de Davi e os próprios israelitas. Assim não é possível determinar as
superstições e as práticas religiosas que o povo de Israel recebeu dos cananeus
misturados com os israelitas. Mas o profeta Oséias nos declara que os
israelitas não sabiam que os frutos que ofereciam a Baal eram recebidos do
Senhor Deus de Israel.
No reinado de Salomão, com sua
política esquizofrênica de estabelecer relações diplomáticas com todo tipo de
nações, através de alianças conjugais, escancarou a nação israelita à toda
sorte de religiões. Cada “esposa” trazia consigo suas práticas religiosas e
seus respectivos deuses, transformando uma nação “monoteísta” em um panteão de
deuses.
Como se diz popularmente, quando se
pensa que não pode ficar pior, sempre piora, torna-se uma realidade em Israel. Com
a divisão do reino os nortistas assumiram o nome Israel, enquanto os sulistas
assumiram o nome Judá.
Quando do reinado de Onri ele
resolver estabelecer uma aliança com os fenícios, para consolidar sua posição e
fortalecer seus laços comerciais. Para isso ele recorre à velha prática de
aliança conjugal, casando seu filho Acabe com a princesa fenícia Jezabel filha
de Etbaal, um rei profundamente envolvido com o culto à Baal. Jezabel unificava
os hábitos imorais e crueldade oriental com a força agressiva dos fenícios
(povo de Tiro) bem como a belicosidade religiosa selvagem do seu pai. Ao se
mudar para Israel a princesa traz consigo o culto à Baal e seus sacerdotes,
introduzindo nas entranhas da nação este culto idolatra que produzira consequências
funestas e será combatido sistematicamente por Elias, Eliseu e todos os demais
profetas do Reino do Norte. Essa princesa fenícia tornou-se uma figura funesta
na história israelita. Manipulou desde o princípio seu marido Acabe (IRs 21.25);
seus atos de perversidade tornaram-se proverbial em Israel (2Rs 9.22) e seu
nome se constituiu em sinônimo de uma religião rejeitada por Deus (Ap. 2.20). A
situação ficou tão caótica nos dias Acabe/Jezabel
que o culto à Yahweh quase foi suprimido totalmente no Reino do Norte, restando
em todo o reino apenas sete mil que não se prostraram à Baal. Foi neste momento
que o profeta hebreu Elias lança seu famoso desafio aos profetas de Baal no
Monte Carmelo em I Reis 18, quando ele desafiou os falsos profetas para fazer
descer fogo do céu. Quando os profetas de Baal não conseguiu fazer isso, o Deus
de Elias fez, resultando na matança dos profetas de Baal por uma multidão
enfurecida. Mas a adoração deste deus não será tão facilmente extinta.
Apesar
de todo o esforço do profeta Elias, o baalismo continuava encrustado na mente e
coração dos israelitas. Tanto Oséias quanto seu antecessor Amós fazem a mesma
leitura sobre a religião praticada pelos israelitas nos dias de Jeroboão II,
que encantados com a prosperidade material foram sendo cada vez mais atraídos
pela religião sensualista do baalismo em detrimento de seu afastamento
paulatino do culto de Yahweh.
O profeta Oséias natural do Reino do
Norte, mais do que seu colega que era do sul, testemunha dia-a-dia a perda do
entendimento da santidade, da justiça e do amor à Deus por parte da sociedade
israelita. Estavam tão seduzidos pelos trios elétricos baalitas que se tornaram
insensíveis aos seus próprios pecados e à sua própria apostasia. Iludidos pelos
seus sacerdotes (4.1-9; 5.1-9), atribuíam à Baal os mesmos conceitos de Yahweh,
imaginando que os sacrifícios, cultos cerimoniais e festas regadas à toda sorte
de orgias, seriam aceitas por Yahweh (a expressão bem brasileira “me engana que
eu gosto” cabe bem aqui).
Nos dias de Oséias os princípios da
Aliança haviam sido lançados no limbo do esquecimento. O conhecimento sobre o
caráter de Deus tinha se perdido; o povo iludido pelos sacerdotes achava que
podiam comprar o favor de Deus com ofertas e cultos de bajulação. Paralelamente
ao culto à Yahweh, eles mantinham seus altares aos Baalins espalhados por todo
o Reino do Norte no reinado de Jeroboão II (4.13; 10.1-2; 8.11); traziam
ofertas para obter a fertilidade dos campos e o aumento dos rebanhos (2.13;
11.2); achando que estavam prestando um serviço aceitável ao Senhor (5.6; 8.2),
entretanto, apenas multiplicavam seus pecados (8.11).
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro
Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Referências Bibliográficas
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TENNEY,
Merrill C. (Org.) Enciclopédia da bíblia
– cultura cristã, v. 1. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2008.
[1] A
principal fonte de informação a respeito do deus são as tábuas descobertas em
Ras Shamra, localidade do norte da Síria situada onde existiu o antigo reino de
Ugarit, que se desenvolveu em meados do segundo milênio antes da era cristã.
A descoberta dos arquivos ugaríticos teve grande importância para o estudo
bíblico, pois estes arquivos forneceram pela primeira vez uma descrição
detalhada das crenças religiosas canaanitas durante o período diretamente
anterior à colonização israelita. Estes textos mostram paralelos significativos
com a literatura hebraica bíblica, particularmente nas áreas do imaginário
divino e da forma poética. A poesia ugarítica tem diversos elementos
encontrados posteriormente na poesia hebraica: paralelismos, métricas e ritmos.
As descobertas de Ugarit levaram a uma nova apreciação do Velho Testamento como
literatura. Nesse endereço eletrônico você encontrara uma tradução completa do “Épico
de Baal” http://documentofantastico.blogspot.com.br/2011/05/textos-ugariticos.html
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