quarta-feira, 5 de outubro de 2022

NT - Síntese por Capítulos – Romanos

 


        A preciosa epístola que Paulo escreveu aos cristãos que viviam na cidade de Roma, se constitui em um dos documentos mais amado e estudado de toda a literatura neotestamentária. Milhares de comentários desta carta foram produzidos ao longo dos séculos, mas ainda não se esgotou todo o ouro preciso que se pode extrair dela.

 A epístola de Romanos é considerada pelos melhores comentaristas bíblicos como sendo a composição mais madura de Paulo, que já havia percorrido no mínimo vinte anos desde a sua conversão e que apesar dos planos futuros compartilhados com seus leitores, não muito tempo depois de envia-la haveria de ter encerrado o bom combate da fé cristã, quando haveria de ser decapitado na própria cidade de Roma.

O conteúdo geral é uma exposição escrita com maestria sobre a maravilhosa graça de Deus e a justificação pela fé que decorre dela. O seu tema tornou-se ao longo da História o ponto de partida para os maiores avivamentos e movimentos reformistas da Igreja Cristã. E ainda hoje impacta e transforma a vida de milhares de cristãos em todo o mundo.

Sem qualquer outra pretensão abaixo você encontrara uma micro síntese de cada capítulo desta amada e inestimável correspondência paulina.

Romanos 1—O Evangelho é o Poder de Deus
O primeiro capítulo nos apresenta as credenciais de Paulo, bem como de seus leitores e da mensagem do Evangelho ao qual Paulo foi chamado para proclamar a todas as pessoas. Desde as primeiras linhas o velho apóstolo deixa claro duas teses: a primeira é que todos pecaram (e continua pecando), de maneira que são indesculpáveis diante do tribunal de Deus; e a segunda é que somente no Evangelho da graça de Cristo o ser humano poderá reverter sua situação de condenação.  
Romanos 2—O Juízo Justo de Deus
Paulo começa advertindo seus leitores judeus, havia milhares de judeus vivendo em Roma e um número não especificado deles haviam aderido às comunidades cristãs, de que possuir e conhecer Lei mosaica  e de serem circuncidados na infância não os tornavam automaticamente justos aos olhos de Deus. Esses leitores e ouvintes de origem judaica certamente ficaram horrorizados com tal ensinamento, mas Paulo enfatiza que viver de acordo com regras e regulamentos só traz julgamento e condenação. Paulo conclui sua argumentação de que um verdadeiro judeu (cristão) é aquele que experimentou a circuncisão do coração (novo nascimento) que é uma ação exclusiva do Espírito de Deus.
Romanos 3—Justiça Independentemente da Lei
Paulo continua sua argumentação anterior ampliando ainda mais, pois agora ele coloca tanto os judeus quanto os gentios na mesma condição de culpados diante de Deus. Mas o apostolo acende uma luz no final deste terrível túnel do juízo de Deus e declara que a justiça (justificação) que a lei era impotente para nos dar, Deus a deu a nós gratuitamente ao enviar Jesus. Ele sustenta que esta justiça (justificação) vem pela fé para todos os que creem em Cristo Jesus independentemente da obediência perfeita à lei.
Romanos 4—Justificados pela Fé
Neste capítulo Paulo argumenta com testemunhos históricos de que a fé sempre foi o meio pela qual Deus nos justifica. Ele remete seus leitores de volta aos patriarcas do Primeiro Testamento que foram justificados pela fé, não pelas obras, para ilustrar seu ponto de vista. E o apostolo faz uso desses exemplos para comprovar sua tese central de que os gentios desde sempre estiveram inseridos na promessa que foi dada a Abraão. O mundo inteiro foi abençoado por meio dele porque ele creu em Deus e não pela obediência à Lei, visto que Abraão é antes da promulgação da Lei. Foi fé que lhe deu créditos para que alcance a justificação.
Romanos 5—Os Resultados da Justificação pela Fé
Exposto sua tese da justificação pela fé Paulo passa a demonstrar os seus resultados na vida do cristão. Fomos reconciliados com Deus por meio de Jesus Cristo. Deus não poupou Seu próprio filho, mas graciosamente O deu por nós desfazendo o que Adão havia feito no Éden. Se a morte veio pelo pecado de um homem, a vida vem mais abundante em todos os sentidos através do dom de Jesus. Paulo enfatiza que essa reconciliação não é algo que fizemos por merecer, mas em todos os sentidos da palavra, os crentes são justos, santos e aceitáveis ​​a Deus por meio de Cristo.
Romanos 6—Liberdade do Pecado
Este capítulo é fundamental para uma vida cristã autêntica. Aqui Paulo ensina enfaticamente que quando nascemos de novo, o poder do pecado é rompido em nossas vidas. Paulo defende que somos libertos do pecado e vivificados para Deus por meio de Jesus Cristo, não por obras ou pela obediência da Lei. Nossa natureza pecaminosa foi crucificada com Cristo quando fomos batizados em sua morte. Agora, por meio de dele, recebemos o dom de Deus, que é a vida eterna.
Romanos 7—Casado com Cristo
O apostolo passa a demostra o contraste entre viver preso à lei e viver pelo Espírito de Deus. Não vivemos mais em escravidão, mas agora somos livres para vivermos para Deus. A luta com a nossa natureza pecaminosa continua ferrenha (guerra) e deixa seus hematomas e cicatrizes, mas Paulo sustenta que não haveremos de sucumbir a ela. Em Cristo passamos a viver pelo Espírito e produzimos frutos de acordo com nossa nova natureza.
Romanos 8—Vida no Espírito
Viver pelo Espírito é experimentar da paz que passa a nortear os nossos corações. É o Espírito Santo que continuamente testifica com nosso espírito de que somos de fato e de verdade filhos de Deus. Ele é a nossa garantia de que nada jamais poderá nos separar do amor de Cristo. Esta é uma passagem que nos enche de esperança e reafirma que nosso futuro é glorioso em Cristo.
Romanos 9—Filhos da Promessa pela Fé em Cristo
Aqui Paulo retorna ao ponto anterior que não são filhos naturais que são filhos de Deus, mas sim filhos da promessa. A promessa vem pela fé em Cristo, não pelas obras da Lei. Ele usa o exemplo dos israelitas, que buscaram a justiça pela lei sem obtê-la, e dos gentios, que a buscaram pela fé e obtiveram a justiça por meio de Jesus Cristo. O capítulo 9 é a reafirmação de que somente a fé em Cristo nos salva.
Romanos 10—A Palavra da Fé
Paulo trata especificamente a questão da fé. Ao confessar com nossa boca que Jesus Cristo é o Senhor e crendo nisso em nossos corações, somos salvos – nada mais, nada menos. Cristo é o fim da lei, pois ele cumpre toda a lei, para que possamos ser justificados e tornados justos somente pela fé nele. A fé vem por ouvir esta mensagem do evangelho e responder a ela. Paulo encoraja seus primeiros leitores até os dias atuais de que “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”.
Romanos 11—Um Remanescente de Israel
Paulo traz a discussão de que, embora Israel como nação tenha rejeitado Jesus como o Messias, pela graça um número remanescente haverá de crer para a salvação. Mesmo diante da rejeição deles em relação a Jesus a mensagem de salvação foi então aberta aos gentios. Eles rejeitaram Cristo, mas Cristo não os rejeitou, visto que o plano de Deus inclui conceder misericórdia a toda humanidade, incluindo os judeus.
Romanos 12—Sacrifícios Vivos
Mediante tudo que foi anteriormente exposto Paulo conclama a todos os seus leitores a se oferecerem como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus – é a única resposta que podemos dar. Fazemos isso renovando nossas mentes para a verdade da palavra de Deus, servindo e abençoando o corpo de Cristo por meio de nossos dons e, acima de tudo, amando e sendo dedicados uns aos outros. Paulo conclama seus leitores a viver uma vida de paz, servindo fielmente ao Senhor em todas as coisas e vencendo o mal do mundo pela fé.
Romanos 13—Submissão às Autoridades
Paulo continua exortando os cristãos a se revestirem de Cristo Jesus e viverem como Seus filhos neste mundo presente. Como cristãos devemos nos submeter às autoridades constituídas e prestar respeito onde for devido. Devemos viver e servir ao Senhor por amor, mostrando aos outros a luz do evangelho.
Romanos 14—Os Fracos e os Fortes
Paulo amplia um pouco mais e encoraja seus leitores para que tudo que fizerem seja feito visando, almejando a glória de Cristo. Somos chamados para contribuir de todas as formas para que haja paz e edificação mútua dentro do corpo de Cristo (Igreja). Em hipótese alguma devemos condenar ou desprezar aqueles que são mais fracos na fé, mas estarmos plenamente convencidos do que é aceitável em nossas próprias mentes, pois tudo o que não vem da fé é pecado.
Romanos 15—Unidade entre os crentes
Paulo conclui sua carta enfatizando a necessidade de unidade dentro do corpo de crentes (igreja). Devemos tomar o encorajamento das escrituras e de Cristo como nosso exemplo e aprendermos a convivermos em harmonia apesar das diferenças e limitações de cada irmão. E uma vez que compreendemos o que é o Evangelho somos responsabilizados para comunicá-lo com todas as pessoas, sejam quais forem e onde estiverem.
Romanos 16—Elogios e Saudações
Este capítulo é precioso, pois revela a gratidão que Paulo tem para com todos aqueles que de alguma forma tinham contribuído com sua vida e seu ministério missionário. Quanto aos cristãos em Roma, dos quais a maioria ele não conhecia pessoalmente, declara seu afeto e ele aproveita estas últimas linhas para lhes dar uma orientação final quanto ao cuidado com as falsas doutrinas e ensinamentos, bem como com aquelas pessoas que poderia causar divisão entre eles. Ele os lembra de que Satanás logo será esmagado sob seus pés e que o Evangelho é capaz de sustentá-los até o dia de Jesus.
 
            Certamente ficaria uma enorme lacuna no cânon neotestamentário se esta extraordinária carta de Paulo aos Romanos não tivesse sido incluída. Aqui vemos com toda a clareza a ação do Espírito Santo na composição não apenas na individualidade dos escritos bíblicos, mas também na seleção e inclusão de cada uma destas literaturas reunidas nesta sobrenatural biblioteca divina. E tudo isso para a nossa edificação e sabedoria.
 
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
 
Artigos Relacionados
Epístola de Paulo aos Romanos: Estudo Devocional (1.8-15)
https://reflexaoipg.blogspot.com/2019/05/epistola-de-paulo-aos-romanos-estudo.html
Epístola de Paulo aos Romanos: Estudo Devocional (1.1-7)
https://reflexaoipg.blogspot.com/2019/04/epistola-de-paulo-aos-romanos-estudo.html
NT - As Epístolas Paulinas: Introdução Geral
https://reflexaoipg.blogspot.com/2018/02/nt-as-epistolas-paulinas-introducao.html
Epístolas Paulinas: Romanos (Tema e Propósito)
https://reflexaoipg.blogspot.com/2019/03/epistolas-paulinas-romanos-tema-e.html
Epístolas Paulinas: Romanos (Autoria e Data)
https://reflexaoipg.blogspot.com/2019/03/epistolas-paulinas-romanos-autoria-e.html
Epístolas Paulinas: Data e Autoria Conservadores e Liberais
http://reflexaoipg.blogspot.com/2016/07/epistolas-paulinas-data-e-autoria.html?spref=tw
Cartas ou Epístolas?
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/07/cartas-ou-epistolas.html
O Mundo do Apóstolo Paulo: A Filosofia
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/09/o-mundo-do-apostolo-paulo-filosofia.html
 
Referências Bibliográficas
BARCLAY, William. Romanos - El Nuevo Testamento comentado. Buenos Aires (Argentina), Asociación Editorial la Aurora, 1974.
BRUCE, F. F. Romanos – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1991.
CALVINO, João. Exposição de Romanos. Tradução Valter Graciano Martins. São Paulo: Edições Paracletos, 1997. [Comentário à Sagrada Escritura].
CRANFIELD, C. E. B. Carta aos Romanos. Tradução Anacleto Alvarez. São Paulo: Edições Paulinas, 1992. [Grande Comentário Bíblico].
ERDMAN, Charles R. Comentários de Romanos. Tradução Waldyr Carvalho Luz. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, s/d. (Fhiladelphia: The Westminster Press, 1925).
 

domingo, 2 de outubro de 2022

Comentário Devocional: Salmos 119.1-8 - Letra Alef (א)


            Esse e os demais artigos extraídos do Salmo 119 são resultantes das Devocionais Matinais que venho mantendo com alguns irmãos que tem perseverado. Esse alimento matinal extraído da Palavra de Deus tem nos dado sustância para as lidas de nosso cotidiano, bem como tem nos dado a oportunidade de reservamos um tempo precioso de comunhão com Deus e uns com os outros.

            Portanto, querido leitor, por serem preparados para momentos devocionais, não espere encontrar profundas analises hermenêutico-exegéticas, mas com certeza encontrara uma exposição bíblica plenamente saudável e harmoniosa com os melhores comentários devocionais dos Salmos.  

            Como pode ser visto em artigo anterior introdutório o Salmo 119 foi composto no estilo ou formato acrostico (9, 10, 25, 34, 37, 111, 112, 119 e 145). O compositor teve o cuidado exaustivo de compor cada estrofe com uma especifica letra do alfabeto hebraico, iniciando com a letra Alef (א) e concluindo vinte e duas estrofes depois com a letra Tav (ת) a última letra do alfabeto.[1] Em algumas poucas versões se manteve o nome das Letras, outras trazem um espaço maior entre cada estrofe, mas infelizmente na maioria das versões em português não há qualquer identificação desta característica acrosticas do Salmo[2].

            Esse formato acrostico por si é um trabalho belíssimo de poesia, mas o salmista acrescenta ainda mais uma peculiaridade – o tema de todo o Salmo, assim como cada uma das suas vinte e duas estrofes, é a Torah, as Escrituras hebraica e/ou o Antigo Testamento (atualmente identificado nas academias por Primeiro Testamento). É uma linda e profunda declaração de amor do Salmista pela Palavra de Deus, que por sua vez expressa todo o seu amor pelo Deus revelado por meio destas Escrituras.

            Em algumas poucas versões em português se manteve o nome das Letras, outras trazem um espaço maior entre cada estrofe, mas infelizmente em muitas versões não há qualquer identificação desta característica acrosticas do Salmo.

            A palavra Torah (תוֹרָה)[3] ainda que possa ser traduzida por Lei, em referência ao conjunto de leis que Deus ordenou ao povo de Israel por meio de Moisés registrada no Pentateuco,[4] enquanto habitaram quarenta anos no deserto, após terem sido libertados da escravidão do Egito; abrange um significado muito mais amplo, pois se refere a toda a Instrução que Deus comunicou ao seu povo ao longo de toda sua existência e desta forma incluem os Profetas e demais literaturas contidas no Primeiro Testamento. A Torah é a bússola que dirige todo crente, em meio a este mundo tenebroso, na direção correta da vontade de Deus e sempre corrigi a nossa rota quando tomamos uma direção errada.

O Caminho da Genuína Felicidade

Neste artigo inicial veremos a Primeira Estrofe que começa no verso 1 até o verso 8 – se sua bíblia não faz distinção aproveite e marque, pode até pintar com lápis de cera (versos 1-8) e ao lado do primeiro verso anote o nome da primeira letra - alef.  

O salmista começa com uma descrição do caminho para a verdadeira felicidade, assim como Jesus começou seu Sermão da Montanha, e o mesmo tema do Primeiro Salmo que abre todo o conjunto dos Salmos (saltério).

A Felicidade é o objetivo de todas as pessoas (Silvio Santos vendeu milhões de carnês do Baú da Felicidade). A questão é que as pessoas procuram a Felicidade em Caminhos que não irão encontrar. Parafraseando o autor de Provérbios: “há caminhos que parecem conduzir à felicidade, mas o final deles é decepção, amargura e a total infelicidade”. O salmista apresenta nesse longo Salmo o único caminho seguro para genuína felicidade aqui e na eternidade.

Entretanto, o termo hebraico fala de uma felicidade objetiva e concreta e não apenas emocional e subjetiva. Em toda a Bíblia este termo é utilizado para descrever a vida das pessoas, e somente estas, que são alvo das bênçãos de Deus. A Salvação é a maior e mais extraordinária das bênçãos que somente o crente recebe e por isso ele é um bem-aventurado, uma pessoal realmente feliz. O que não significa que ele está isento de enfrentar fornalhas ardentes, cova de leões ferozes ou passar pelos vales da sombra da morte. A genuína felicidade é aquela que enfrenta e suporta todas as adversidades na plena certeza de que todas as coisas cooperam para o seu bem e de maneira que até mesmo as mais difíceis e inexplicáveis situações que surgem na sua vida Deus transformara cada uma delas em bênção (cf. a vida de José nos ensina). 

Mas quem são estas pessoas Felizesque encontraram a verdadeira bênção? O salmista responde na primeira linha do Salmo:

Felizes são aqueles que fazem da Lei do Senhor o seu caminho

e andam por ela sem se desviar.

Caminho aqui é uma forma poética para se referir a uma forma especifica de se viver. Desta forma o poeta bíblico mantém a metáfora de andar/viver explicando que somente aquele que anda ou vive em conformidade com a Torah será verdadeiramente abençoado ou feliz.  

Há dois princípios aqui: o primeiro é o quanto estamos dispostos a viver diariamente dentro dos Padrões estabelecidos pela Palavra de Deus – do quanto de fato e de verdade estamos dispostos a fazer dela a nossa única Regra de Fé e Prática. O segundo é o quanto estamos dispostos a perseverar neste propósito de obedecer a Palavra de Deus.

O verso dois traz uma questão interessante: a verdadeira Felicidade, usufruir as bênçãos de Deus exige ESFORÇO:

“Felizes aqueles que se esforçam para obedecer”

Obedecer a Palavra de Deus não é para preguiçosos; para negligentes; para displicentes – exige Esforço, Dedicação, Abnegação. É só nos lembrarmos do Getsêmani (enquanto Jesus orava, até que seu suor se transformasse em gotas de sangue; os discípulos dormiam sossegados). A Torah é para ser praticada, pois ela não é um conjunto de pensamentos filosóficos abstratos, mas um manual vivencial – deve ser amalgamada em todas as esferas da nossa vida cotidiana.

 

Mas o salmista aperta ainda mais o parafuso: obedecer de todo o coração aparece seis vezes neste Salmo (119.2 , 10 , 34 , 58 , 69 , 145 ) – integralmente, sem reservas..., portanto esta felicidade não é para aqueles que estabelecem limites - eu vou obedecer até aqui..., não é para aqueles que escolhem apenas o que lhes interessam do Evangelho..., isto eu estou disposto a fazer, mas este ponto não (sou crente, mas não sou fanático). Infelizmente hoje Deus tem sido procurado cada vez mais nas frias pesquisas acadêmicas e nos compêndios teológicos e cada vez menos com o coração. 

E no verso quatro ele explica porque devemos obedecer integralmente a Palavra de Deus: Tu nos destes os teus mandamentos, para serem obedecidas diligentemente (na Linguagem de Hoje: para serem obedecidas de verdade) e não para pendurar em quadrinhos de parede, adesivos de carro e camisetas.

Ele nos oferece ao menos duas razões para obedecermos diligentemente, de verdade: primeiro Satanás é terrivelmente astuto e diligente em nos tentar; segundo somos por demais débeis e frágeis.

No verso 6 ele faz uma declaração interessante:

Fazendo isso, eu sei que ninguém poderá me acusar de coisa alguma, Então não terei vergonha de respeitar todos os Teus mandamentos”.

Fazendo da Palavra de Deus o nosso caminho, podemos andar de cabeça erguida, pois toda acusação que pesava sobre nós e todos os nossos pecados foram pregados na Cruz – não temos medo do Tribunal de Deus, pois a Justiça de Cristo nos reveste. O apostolo Paulo declarou: “Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem é que condena? Pois é Cristo quem morreu, ou antes, quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós” (Rm 8.33,34). Tristemente vemos hoje muitos evangélicos que tem vergonha de declarar "Eu sou um cristão!”, ou “Eu Creio na Bíblia!”. O salmista declara com toda convicção: “não terei vergonha de obedecer todos os Teus mandamentos”.

Livres do medo e já resgatados, vivendo em obediência à Palavra de Deus, não temos medo de nada e a paz que excede todo entendimento faz sossegar nosso coração e nossa alma – nem o inferno e nem as circunstâncias podem tirar isso de nós!

Diante dos benefícios de fazer da Palavra de Deus o seu Caminho (a sua maneira de viver nesse mundo); o Salmista declara seu desejo de louvar a Deus (expressar sua gratidão):

Eu Te louvarei com retidão de coração.

A Felicidade do Crente inicia em Deus e se manifesta em Louvor a Deus! Todo conhecimento que não produz uma vida de louvor a Deus é inútil, carnal e diabólico. Uma mente cheia do conhecimento bíblico e um coração vazio de gratidão a Deus é antagônico e uma afronta a Deus. Satanás tinha conhecimento da Bíblia, mas a distorce para tentar o próprio Cristo.

E o salmista conclui com um pedido:

“Por favor, não me deixes sozinho!”.

Nunca me deixes com as minhas próprias forças, nem com o meu próprio coração! Não desista de mim! Sua confiança de que cumpriria os mandamentos de Deus baseava-se unicamente no fato de que Deus não o abandonasse. Não há outro fundamento de persuasão de que seremos capazes de guardar os mandamentos de Deus do que aquele que se baseia na crença e na esperança de que Ele não nos deixará.

O salmista tem plena consciência de suas limitações para obedecer na prática os mandamentos de Deus, e diferente da postura de Pedro que achava capaz por si mesmo de suportar as pressões que viria, mas que vergonhosamente nega seu Mestre três vezes, o salmista tem a humildade para pedir que Deus em hipótese alguma o deixe por conta própria. O salmista entenderia muito bem as palavras de Cristo – “porque sem Mim (separados de Mim) vocês não podem fazer coisa alguma”.

Quantas vezes nos falta essa humildade do salmista e sobra aquela autoconfiança de Pedro, e aqui está a distinção de uma vida cristã bem aventurada, feliz e uma vida cristã medíocre, que não se destaca na qualidade, no valor ou na originalidade e, portanto, torna-se uma vida cristã infeliz. Ao contrário o Salmista aspira obedecer plenamente os Mandamentos de Deus, pois o ama de todo o seu coração, forças e entendimento.

“Ó, não me abandone nem um momento que seja!”.

 

Vamos orar:

Nosso Deus eterno, cheio de misericórdia e graça, desejamos obedecer todos os teus mandamentos, pois te amamos com toda a intensidade de nosso ser. Todavia, esbarramos em nossas próprias limitações e fragilidades humanas, por isso ó Deus te rogamos: não nos abandone! Precisamos sentir sua presença junto conosco em todo o percurso desta nossa vida. Sem Ti nada somos e sem Ti nada podemos fazer. Ouça esta nossa oração, pois a fazemos em o nome do Senhor e Salvador Jesus Cristo. Amém e Amém!

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

 

Artigo Relacionado

Salmo 119 - Introdução Geral

https://reflexaoipg.blogspot.com/2018/03/salmo-119-introducao-geral.html?spref=tw

A Bondade de Deus - Salmo 136    

http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/02/a-bondade-de-deus-salmo-136.html 

Salmo 23.1 - O Cuidado Pastoral de Deus

http://reflexaoipg.blogspot.com/2016/09/salmo-231-o-cuidado-pastoral-de-deus.html?spref=tw
Salmos: Anatomia da Alma

https://reflexaoipg.blogspot.com/2018/10/salmos-anatomia-da-alma.html

Classificação dos Salmos

https://reflexaoipg.blogspot.com/2017/06/classificacao-dos-salmos.html

 Os Livros Poéticos e de Sabedoria - Introdução Geral

http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/02/os-livros-poeticos-e-de-sabedoria.html

Referências Bibliográficas

ARNOLD, Bill T. e BEYER, Bryan E. Descobrindo o Antigo TestamentoSão Paulo: Cultura Cristã, 2001.

BAXTER, J. Sidlow. Examinai as Escrituras, v.3, São Paulo: ed. Vida Nova, 1993.

BRIDGES, Charles. An Exposition Of PSALM 119. grace-ebooks.com (eBook).

BULLOCK, C. Hassell.  Psalms, 73-150, v. 2. Published by Baker Books, 2017.  (Teach the Text Commentary Series).

_________________. Encountering the book Psalms. Published by Baker Academic, 2001. (Encountering biblical studies).   

CALVINO, João. O livro dos salmos. Tradução Valter Graciano Martins. São Paulo: Edições Parakletos, 2002.

CHOURAQUI, André. A Bíblia – louvores II (Salmos), v. 2. Tradução Paulo Neves. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1998. [Coleção Bereshit].

HARMAN, Allan M.  Comentários do Antigo Testamento - Salmos. Tradução Valter Graciano Martins. São Paulo: Cultura Cristã, 2011.

KIDNER, Derek. Salmos 73-150 – introdução e comentário, v. 14. São Paulo: Sociedade Vida Nova e Mundo Cristão, 1981. [Série Cultura Cristã].

MANTON, Thomas. An Exposition of Psalm 119. Monergism (eBook).

MONLOUBOU, L. (Org.). Os salmos e os outros escritos. Tradução Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1996. [Biblioteca de ciências bíblicas]

PURLISER, W. T. O livro de Salmos, v.3 Tradução Valdemar Kroker e Haroldo Janzen. Rio de Janeiro: CPAD, 2005. [Comentário Bíblico Beacon, 2ª ed.].

RAGUER, Hilari. Para compreender os Salmos. São Paulo: Loyola, 1998.

WILSON, Ralph F. Experiencing the Psalms: A Bible Study Commentary. Ed. JesusWalk Publications, 2010. (JesusWalk Bible Study Series).



[1] Cada uma das vinte e duas estrofes (parágrafos) tem oito linhas (versos), e cada uma das linhas em cada estrofe começa com a letra hebraica apropriada que marca essa estrofe.

[2] Lamentavelmente na maioria das versões da Bíblia as composições poéticas não são identificadas e assim se perde uma parte significativa da força e beleza destes textos.  Grandes porções dos textos proféticos foram escritos em formato poético para que os primeiros ouvintes, que não dispunham da facilidade do texto escrito, pudessem mais facilmente memorizar as mensagens e reproduzi-las com maior grau de fidelidade. Jesus aplica esse método em abundância em seu ministério: as bem-aventuranças; as parábolas.

[3] A Lei de Deus também é chamada de sua palavra, mandamentos, declarações, juízos, estatutos, ordenanças, instruções, preceitos, injunções, testemunhos, promessa, caminho e vereda e pelo menos um destes termos ocorre em quase todos os versículos do salmo.

[4] Pentateuco significa “cinco rolos ou livros” e se refere aos cinco primeiros livros da Bíblia e cuja autoria é referendada a Moisés.

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

EVANGELHO DE JOÃO: Jesus sempre existiu

              Enquanto Marcos inicia seus relatos a partir do batismo de Jesus às margens do rio Jordão; Mateus mergulha fundo na literatura dos profetas israelitas preservadas no Primeiro Testamento e Lucas inclui detalhes impressionantes obtidos por testemunhas oculares dos acontecimentos por ele narrado, distintamente de seus companheiros evangélicos, João opta por iniciar sua narrativa sobre o nascimento de Jesus – antes do tempo.

                É muito provável que João tenha tido acesso aos relatos de seus companheiros e contemporâneos. Ao propor uma nova edição dos acontecimentos evangélicos ele prefere dar uma nova perspectiva da origem de Jesus. Ele transcende o tempo e espaço e localiza Jesus no princípio da Criação. Marcos enfatiza a divindade de Jesus no momento do seu batismo, Mateus e Lucas deixam evidente a divindade de Jesus nos acontecimentos que se relacionam ao seu nascimento e João ratificando as informações de seus antecessores declara que Jesus sempre existiu desde o momento iniciante da Criação de todas as coisas. Para ele nunca houve um tempo em que Jesus não existisse – Ele existe desde sempre!

               Vamos resgatar a forma singular com que João nos apresenta seu relato natalino.

“No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era Deus.”[1] 

 “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.”[2] 

 “Antes de ser criado o mundo, aquele que é a Palavra já existia. Ele estava com Deus e era Deus.”[3]

“Antes de existir qualquer coisa, Cristo já existia, e estava com Deus.”[4]

“No princípio era o Logos e o Logos estava voltado para Deus (com Deus) e o Logos era Deus”[5]

                Os relatos que lhe antecedem localizam a origem de Jesus no tempo (Lc imperadores romanos) e espaço (Mt cidade de Belém) João abre sua narrativa evangélica com um enunciado em três partes, onde nos arremete para a origem atemporal  de todas as coisas.

No princípio era o Verbo [Palavra] - Ele vai buscar na expressão que abre as páginas da Torá judaica (primeira parte da Bíblica cristã), “No princípio” para indicar a origem eterna (atemporal) de Jesus. Mas há uma substancial diferenciação entre a expressão no livro de Gênesis e a expressão utilizada por João. Em Gênesis a expressão “No princípio[6] marca o ponto de partida de onde todas as coisas passaram a existir, pois antes não existiam; mas o evangelista utiliza a mesma expressão “No princípio” para localizar a existência de Jesus antes da existência da própria Criação. Para João quando todas as coisas passaram a existir, Jesus já existia e se fazia presente, portanto, não apenas o evangelista conecta o relato evangélico com o início da história da criação, mas como que indica que o nascimento de Jesus é um prolongamento da página inicial da Bíblia inteira.

“No princípio era o Verbo”. Ao utilizar o verbo “era [ser]” no imperfeito[7] para completar o sentido de “princípio” João esta indicando a pré-existência de Jesus; o escritor evangélico esta escrevendo da perspectiva histórica, olhando para trás a partir da Encarnação do Verbo (nascimento físico de Jesus), portanto, Jesus não veio a existir no ato da Criação, mas Ele já existia[8] antes do tempo em que todas as coisas foram trazidas à existência, e no transcorrer da narrativa joanina (8.58) Jesus demonstra ter plena consciência desta verdade ao fazer essa declaração contundente: “Antes que Abraão fosse, eu sou”.

 O Verbo [Palavra] estava com Deus – Se a expressão anterior revela a pré-existência do Verbo com Deus, a segunda revela a distinção entre eles. A preposição grega “com – pros (πρός)” indica um movimento em direção a algo ou alguém, de modo que, aquele que “estava” desde o princípio, nunca esteve sozinho, mas sempre compartilhou da companhia de Deus (Pai) [9]. Aqui tem também a ideia de comunhão entre o Logos e o Pai (Théos), de maneira que fazem todas as coisas em perfeita harmonia (Jo 14.11, 20; 17.5,24).

 Era Deus – e concluindo sua afirmação inicial o evangelista mantém com toda clareza a distinção entre os dois seres, todavia, afirma sua unidade de essência. Aqui “Théos - Deus” esta sem o artigo, portanto, faz referencia à qualidade e natureza de Deus e não mais à pessoa do Pai especificamente. O Logos é distinto do Pai, todavia, partilha da natureza divina em toda sua plenitude e assim também é Deus. Aqui João não tem nenhuma pretensão de adentrar nas especulações do Logos do judaísmo helenista ou das ideias gnósticas tão em voga nos seus dias. Mas ciente de sua própria incapacidade, o evangelista não tem a mínima aspiração de explicar os detalhes desta coexistência de Jesus com Deus. Assim como seu antecessor ao abrir o livro de Gênesis, ele apenas faz uma declaração simples e direta da divindade de Jesus. Demonstra total ignorância qualquer ser humano que pensa poder desvendar os mistérios da natureza divina, pois se fosse possível fazê-lo Deus estaria restrito e limitado ao conhecimento humano. Para João os fatos são: em primeiro lugar o Verbo existiu desde o princípio; em seguida, que ele existiu com Deus; e por último que ele era Deus.

            Quando paramos para pensar nessas palavras iniciais do evangelista João, podemos perceber que o evento que dá origem ao Natal Cristão não é e jamais será apenas uma “festa”; o Natal Cristão é, foi e sempre será o momento incomparável quando o Deus Eterno, na Pessoa do Filho, adentra à nossa História e mais ainda, assume a plenitude de nossa humanidade, para comunicar pessoalmente a nós a Salvação da qual tanto necessitamos.

Assim como a partir da “Palavra – Logos” a primeira Criação veio a existir, semelhantemente a partir de Jesus (Palavra – Logos) encarnado, a segunda e/ou nova Criação esta sendo trazida à existência (“Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação” II Co 5.17, cf. Gl 6.15).

Do mesmo modo como nos comunicamos através das palavras, que expressam o nosso conhecimento e a nossa vontade, Deus escolheu se comunicar conosco através de Jesus (Palavra), manifestando a nós o Seu conhecimento e a Sua vontade.

Mas assim como utilizamos as palavras para revelar os nossos sentimentos mais profundos, Deus escolheu manifestar seu mais profundo sentimento de amor para conosco por meio de Jesus (Palavra). Desta forma, somente podemos compreender e sentir o imensurável amor de Deus, quando ouvimos e nos relacionamos com Jesus (Logos).

Da mesma forma que pela Palavra Deus trouxe ordem e harmonia ao planeta que estava em caos, por meio de Jesus (Palavra) Deus trás ordem e salvação à toda pessoa que esta vivendo em completo caos.

Portanto, o Natal Cristão é a forma encontrada por Deus, para falar a cada ser humano, o quanto Ele nos ama!

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

 

 Artigos Relacionados

Exegese João 4.24 - Contexto Próximo

http://reflexaoipg.blogspot.com/2017/03/exegese-no-evangelho-segundo-joao-424.html

Exegese João 4.24 - Análise Histórica do Texto     http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/01/exegese-de-joao-424.html

Exegese João 4.24 - Contexto Religioso no Quarto Evangelho

http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/01/nt-evangelho-joao-contexto-religioso.html

Exegese João 4.24 – Autoria do Quarto Evangelho

http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/01/exegese-de-joao-424.html

Exegese João 4.24 - Ocasião e Proposito do Quarto Evangelho

http://reflexaoipg.blogspot.com/2017/02/evangelho-segundo-joao-ocasiao-e.html?spref=tw

Vocabulário Bíblico – Evangelho

http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/01/vocabulario-biblico-evangelho.html


[1] NVI - Versão em Português: Nova Versão Internacional

[2] RA - Versão em Português: João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada

[3] BLH - Versão em Português: Nova Tradução na Linguagem de Hoje

[4] BV – Versão em Português: Bíblia Viva [paráfrase]

[5] Tradução de A. Feuillet

[6] Gênesis, [hebraico בראשׁית – Bereshith], proferida pela palavra grega [εν αρχη]

[7] Diferentemente do verbo no tempo aoristo, que indica um tempo especifico para a ação, no tempo imperfeito a ação se prolonga indefinidamente desde o momento iniciante, produzindo a ideia de algo que transcende o tempo. O verbo “ser” no imperfeito trás a ideia de existência – de algo que existe desde o princípio, que existe de maneira absoluta, desde sempre.

[8] O Ap. Paulo tem o mesmo entendimento (Col 1.15).

[9] Nos textos do Segundo Testamento, a palavra Théos (θεός), com o artigo, comumente refere-se à pessoa do Pai, no contexto da Trindade.