A passagem que estamos analisando (4.24) pode ser
classificada em relação aos vários períodos do ministério de Jesus, como sendo
um incidente de uma das viagens dele entre sua ida da Judéia para a Galileia. O
comentarista bíblico W. C. Taylor oferece uma boa discussão sobre a razão pela
qual Jesus tinha de passar por Samaria e conclui que:
Era
mister que Jesus passasse por Samaria do mesmo modo como era necessário para os
demais peregrinos. As estradas do Vale eram intransitáveis nessa época, ou pelo
menos lamacentas. ... Interpreto essa linguagem em sentido natural. Era tempo
do ano quando as viagens da Judéia para Samaria era feitas sem atravessar o
Jordão, isto é, cruzando a Samaria (1957, p. 56).
Por sua vez G. Hendriksen (1980, p. 167) comentando esta
mesma passagem opta por uma perspectiva mais teológica e conclui:
Sem
embargo, tenho em conta que neste Evangelho se insiste continuamente no
conhecimento que Cristo tinha de estar cumprindo o plano divino (veja-se 2.4;
7.30; 8.20; 12.23; 13.1; 14.31), e que o contexto imediato também o indica implicitamente
(4.1-3); o significado mais provável aqui é: tinha que passar por Samaria de
acordo com as ordens de Seu Pai Celestial; para fazer a vontade daquele que o
havia enviado, e acabar sua obra (4.34).[1]
É somente neste Evangelho que encontramos referências
preciosas sobre a atuação inicial de Jesus Cristo em Jerusalém e circunvizinhança. Somente aqui somos informados que por um breve período o
Senhor Jesus desenvolve seu ministério paralelamente ao ministério de João
Batista.
E justamente porque o ministério de Jesus, ratificado por
extraordinários milagres e corroborado por uma viagem vibrante, que começa a
ofuscar até mesmo o ministério do Batista, começa atrair a atenção e depois a
ira dos religiosos judaicos, evidentemente encabeçadas pelos fariseus (cf.
4.1), que tem suas esferas de atuação e popularidade fora do Templo. Esta
grande notoriedade de Jesus acaba se tornando um problema para Ele, pois passa
a sofrer ameaças contra sua vida.
Em decorrência disso, Jesus decide deixar a Judeia e
partir para a Galileia, ao norte da Palestina, onde a influência dos fariseus era
menor; e esta região acaba por se constituir no centro de suas atividades. E A.
T. Robertson (1990, p. 84) faz uma interessante observação: Cada vez que a
partir de agora, volta à Jerusalém e Judeia antes de sua última visita, se dá
um aberto confronto com os fariseus, que o atacam (5.1-47; 7.14; 10. 21-42;
11.17-53).
E justamente nessa travessia, ao passar por Samaria e se
deter junto ao poço de Sicar, temos o registro do diálogo de Jesus Cristo com a
mulher samaritana.
O propósito de Jesus nesta cena, em um consenso geral, é
que ele desejava demonstrar aos seus discípulos que a sua mensagem não estava
restrita a um gueto judaico, mas que haveria de se constituir em uma mensagem universal.
Jesus veio buscar e salvar o que está perdido. Não envidaria nenhum esforço
para levar adiante o propósito redentor de Deus. Proverbial era o ódio entre
judeus e samaritanos; porém Jesus Cristo não excluiu ninguém, pois seu
imensurável amor se estende a todos os eleitos em todas as épocas e todos os
lugares, e por eles derramaria até a última gota de sangue no calvário.
Como no dialogo, anterior, com Nicodemos Jesus utiliza-se
de expressões comuns, ditas em sentido material e imediato, para apresentar
verdades mais profundas sobre a realidade espiritual. Inicia seu dialogo com a
mulher samaritana, pedindo-lhe água para revelar que por meio dele ela poderia
saciar sua sede d’alma (cf. 7.15). Para demonstrar que tinha poder, Jesus traz
à luz particularidades da vida íntima daquela mulher (cf. 4.16-19). Chegando à
conclusão de que estava diante de um profeta, de origem judaica, a mulher
introduz o tema mais polêmico e explosivo entre judeus e samaritanos: em que
lugar Deus deveria ser adorado?
Jesus responde mostrando-lhe que o cerne da questão não é
onde as pessoas deveriam adora a Deus, mas como deveriam adorá-lo. A adoração
deveria ser “em espírito e em verdade”
(cf. 4.23), pois, como tão bem afirma F. F. Bruce: “Deus é Espírito; não
somente em Espírito entre outros, mas o próprio Deus é Espírito puro, e por
isso o culto no qual Ele tem prazer é espiritual ...” (1990, p. 104).
E este incomparável diálogo, encerra-se com o Senhor
Jesus Cristo afirmando categoricamente àquela mulher que Ele era de fato e de
verdade, o cumprimento de todas as profecias messiânicas, pois Ele mesmo era o
Messias (cf. 4.25,26). Isso é algo extraordinário, pois aos seus discípulos,
que não estão ali presentes, essa verdade vai sendo revelada paulatinamente e
mesmo assim, ao final eles pouco compreenderam esta verdade. Mas a uma mulher samaritana
Jesus fala abertamente sobre sua função messiânica. Jesus sempre levou em conta
a capacidade da mulher em melhor compreender sua mensagem e sua obra.
Próximo: Contexto Remoto
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro
Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
Artigos Relacionados
EXEGESE DE
JOÃO 4.24
Evangelho de João: Contexto
Religioso
EXEGESE DE JOÃO 4.24 - Autoria
Evangelho Segundo João: Ocasião e
Proposito http://reflexaoipg.blogspot.com/2017/02/evangelho-segundo-joao-ocasiao-e.html?spref=tw
VOCABULÁRIO
BÍBLICO – Evangelho
Referências Bibliográficas
BRUCE, F. F. João –
Introdução e Comentário. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova & Mundo Cristão, 1990.
HENDRIKSEN, Guilhermo. Juan – comentário del Nuevo Testamento.
Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada,
1980.
ROBERTSON, A. T. Imágenes Verbales em el Nuevo Testamento.
v. 5. Barcelona: CLIE, 1990.
TAYLOR, W. C. Evangelho de João – tradução e comentário.
v. 2. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1957.
[1] Concordando
com Hendriksen temos outro importante comentarista bíblico, J. Ramsey Michaels (1987,
p. 81).
Nenhum comentário:
Postar um comentário