O evangelista Mateus escreve sua narrativa
evangélica muitos anos depois dos acontecimentos terem se desenvolvidos. Sua
narrativa tem um forte teor judaico e suas preocupações peculiares são a de colocar Jesus
de Nazaré como centro das revelações veterotestamentária e
ao mesmo tempo demonstrar que Jesus veio romper com um sistema
religioso pernicioso que havia substituído a verdadeira religião estabelecida
por Yahvé e arduamente proclamada por
todos os profetas anteriores e agora expressado no Evangelho proclamado e
vivenciado por Jesus Cristo.
Portanto, o Natal não é meramente uma
festa litúrgica ou religiosa, mas é também um momento de reflexão profunda que
deve sempre nos conduzir a uma ruptura com tudo o que de forma
direta ou indireta nos faz desviar da genuína fé evangélica. Este é o
tempo oportuno para efetuarmos as transformações radicais que são necessárias
em nossa vida cristã, que na medida em que o tempo vai passando,
distancia-se cada vez mais dos princípios estabelecidos pelo próprio Senhor
Jesus. Não é por acaso que na primeira carta, do conjunto de sete, que Jesus
envia às igrejas espalhadas pela Ásia Menor, após tecer alguns elogios à igreja
de Éfeso, Ele declara: “Contra você, porém, tenho isto: você abandonou
o seu primeiro amor.” (Ap 2.4).
Ao longo dos séculos os israelitas foram
desviando-se do espírito da Lei e se emaranhando cada vez mais
com a letra da Lei. O espírito da Lei era o único meio pelo qual
eles poderiam manter seu relacionamento sadio com Deus, quer fossem nos
momentos cúlticos quer fossem nos exercícios de seus relacionamentos sociais,
pois a Lei dada por Deus através de Moisés abrangia ambas as esferas:
religiosas e sociais. Mas a opção pela letra da Lei deformou totalmente tanto o
relacionamento com Deus, quanto os relacionamentos sociais. A religião israelita
tornou-se apenas mais um exercício religioso mecanizado e estéril, do qual Deus
reiteradamente declarava que não tinha nenhuma satisfação; como também a
religião judaica tornou-se um terrível instrumento de opressão e exploração da
grande maioria de pessoas, e um refúgio para a manutenção a qualquer preço o do
status de uma minoria privilegiada.
A proposta de Mateus é
deixar claro que Jesus Cristo vem resgatar o espírito da Lei, proporcionando a
oportunidade para um novo e sadio relacionamento com o Pai, sendo Ele mesmo o
único meio para se alcançar este objetivo. Mas Jesus vem também por meio de Seu
evangelho reestruturar de forma concreta os relacionamentos
sociais, de maneira que toda exploração ou alijamento do outro, fosse
totalmente abolida, e as pessoas pudessem reconhecer-se no outro proporcionando
relacionamentos sociais justos e construtivos.
O Natal é muito mais do que bolas
coloridas e troca de presentes. O Natal é o marco inicial desta
transformação radical, desta ruptura total – onde o relacionamento
com Deus volta a ser o ponto convergente da vida, pois para isto o ser humano
foi criado à imagem e semelhança de seu Criador; onde os relacionamentos
humanos devem expressar em grau, gênero e numero o agradável e positivo
relacionamento com Deus.
O propósito de Mateus desde as
primeiras linhas de sua narrativa é desenvolver estes temas centrais – o
verdadeiro relacionamento com Deus que refletem nos relacionamentos humanos
mais básicos e elementares.
Quando Mateus inicia sua narrativa
evangélica com a figura emblemática de Abraão ele traz à
memória de seus leitores judaicos o momento sublime em que Deus propõe uma
forma de se relacionar com o ser humano, resgatando os momentos iniciais do
Éden. E quando Deus declara a Abraão que esta aliança deveria abençoar todas as
famílias da terra, Ele está redimensionando os relacionamentos humanos, onde a
bênção recebida deve ser sempre compartilhada com todos e nunca armazenadas em
grandes e maiores celeiros.
Assim como o chamado de Abraão é o
marco inicial desta renovada forma de agir e interagir de Deus com o ser
humano, assim também, o Natal é o grande paradigma que deve nortear nosso
renovado relacionamento com Deus e com o próximo.
“Amaras a
Deus acima de todas as coisas e ao teu próximo como a ti mesmo.”
Que neste Natal eu e você possamos nos abrir para esta proposta
renovadora e remodeladora de Deus para
as nossas vidas; que possamos sentir os ventos do Espírito renovando nosso
relacionamento com Deus e com os nossos semelhantes.
Que este Natal possa produzir e
reproduzir as mudanças e rupturas que tanto se fazem necessário para retomarmos
ao nosso primeiro amor.
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