“Então Elias, profeta da cidade de Tesbi, em
Gileade” (1 Rs 17.1)
Tu dás aos teus anjos a rapidez dos ventos e o
terrível poder do fogo. (Sl 104.4)
Em um determinado momento de seu
ministério terreno Jesus, acompanhado de três dos seus discípulos, subiu a um
monte para orar. Enquanto orava duas figuras do Primeiro Testamento apareceram:
Moises e Elias - o primeiro representando a Lei e o segundo representando os
Profetas.
A figura de Elias é um memorial
extraordinário do oficio profético exercido ao longo de vários séculos, a
partir do momento em que os israelitas adentraram à terra de Canaã. Levantados
por Deus eram vozes inconfundíveis cujo único objetivo era trazer o povo e suas
lideranças civil e religiosa de volta aos princípios da Torá (Lei e/ou
Instruções) que havia sido estabelecida por meio de Moisés e que continham os
termos da Aliança que Deus mesmo firmara com seu Povo.
Certamente que houve muitos profetas
antes de Elias, mas pouco ou quase nenhuma informação sobre eles e seus
respectivos ministérios foram registrados. Sabemos por exemplo do profeta Natã
que exerceu seu papel profético nos dias do rei Davi e que inclusive teve
autoridade para confrontar o rei com seu pecado (adultério com Batseba ou
Bate-Saba).
Mas será a partir do ministério de
Elias que teremos um modelo estabelecido. Portanto, quando começamos a estudar
a vida e ministério de Elias haveremos de adquirir uma visão mais ampla do
papel que os profetas desempenhavam na Sociedade israelita/judaica.
Um
aspecto interessante da mensagem dos profetas bíblicos é que setenta a oitenta
por cento de suas mensagem tem como objetivo trazer à memoria de seus ouvintes
os termos da Aliança e exortá-los a se arrependerem e retornarem à comunhão com
Deus; apenas vinte ou um pouco mais da mensagem proclamadas por eles se
relacionam a eventos futuros.
Elias
vai se constituir no parâmetro do oficio profético, não em decorrência de suas
revelações futurísticas, Isaías, Daniel e outros profetas posteriores anunciam
muito mais; ou mesmo de suas ações sobrenaturais, seu sucessor imediato Eliseu
faz tanto ou mais milagres. Elias se constitui um modelo de profeta por sua
mensagem contundente de arrependimento e conversão aos termos da Aliança,
dirigida tanto aos líderes civis e religiosos, quanto ao povo de forma geral,
pois todos e cada um são responsáveis diante de Deus no cumprimento dos
princípios estabelecidos na Aliança.
Após
os profetas Malaquias, Ageu e Zacarias, todos pós Cativeiro Babilônico, houve o
que é denominado 400 anos de silêncio, onde Deus não levanta uma única voz
profética na nação judaica. Então, quando lemos a narrativa evangélica
produzida por Marcos, provavelmente a primeira a circular entre as comunidades
cristãs, nas suas primeiras linhas, o silêncio é quabrado, pela voz profética
contundente de João Batista. Muitos inclusive confundiam João Batista com o
próprio profeta Elias, pois igualmente João Batista prega o arrependimento e
conversão à Aliança (Reino de Deus) e confronta as autoridades constituídas e o
povo com a mesma ênfase.
Informações
Pessoais
Seu nome em hebraico significa “Javé
é meu Deus”. Apesar de toda sua “fama” não encontramos muitas informações
pessoais dele. Nenhuma referência à ancestralidade, lar, educação, pai, mãe,
companheiro ou amigo; e isso, também, durante todo o resto de sua
carreira, até quase a sua morte.
Ele surge nas narrativas do primeiro
livro de Reis como um Melquisedeque de seus dias. Até onde podemos inferir era
um peregrino sem moradia fixa e cuja roupa e alimentação eram as mais rusticas
e simples da vida diária. Desta forma antecede o ministério do próprio Jesus
que em suas próprias palavras declara: “não
ter onde reclinar a cabeça”.
Igualmente não encontramos qualquer
referência de onde poderia ter sido adequadamente preparado para o exercício de
seu ministério profético, nem mesmo a cena em que outros profetas são chamados
e vocacionados pelo próprio Deus. Rapidamente é informado que ele vem da cidade
de Tesbi localizada na parte remota da região de Gileade, a leste do rio
Jordão. Mas não é possível afirmar categoricamente que ele nasceu e viveu ali
até iniciar o seu ministério profético ou se ele simples estava vindo daquele
local para anunciar sua mensagem às demais localidades de Israel. Normalmente
ele vem do deserto e surgem abruptamente em locais mais povoados para
pronunciar suas pregações – por isso era conhecido como a “voz que clama no deserto ou talvez fosse melhor – a voz que clama a partir do deserto” –
sem alforje ou bolsa.
Um excelente professor, para modelar
e preparar vocações, é o lugar onde se nasce e cresce. Partindo da informação
de que Elias vem da cidade eou vila de Tisbe, na região de Gileade podemos
inferir como foi sua preparação pré-profética. Gileade era uma região dominada
pelas características do deserto e semiárido; situada a lesto do rio Jordão,
mas como o próprio nome indica “rochosa”, com suas ravinas e cursos de água,
seus currais e rebanhos de gado selvagem.[1] Por
causa de suas características geográficas montanhosas é chamada de "o
monte de Gileade" (Gn 31.25); ou ainda "a terra de Gileade" (Nm
32.1) e às vezes simplesmente "Gileade" (Sl 60.7; 37.25). Ela
compreendia as posses das tribos de Gade e Rubem e a parte sul de Manassés (Dt
3.13; Nm 32.40). Foi delimitada ao norte por Basã, e ao sul por Moabe e Amon
(Gn 31.21; Dt 3.12-17), regiões fronteiriças e, portanto, sempre sujeita a
invasões e batalhas.
Apesar da sua rudeza a região de
Gileade tem relevância na história bíblica: os juízes Jair e Jefté; o rei Jeú
de Israel; e o profeta Elias eram todos desta região. Muitos eventos bem
conhecidos da Bíblia ocorreram nas terras de Gileade (Gn 31.20-23; Dt 3.13-16;
34.1-4; Jz 20.1; 2Sm 17.24-26). Gileade era conhecida por produção e exportação
de bálsamo desde os primeiros tempos. O patriarca israelita José foi vendido
por seus irmãos a uma caravana de comerciantes ismaelitas que transportavam uma
carga que incluía bálsamo e iriam comercializa-lo no Egito (Gn 37.23-28). Às
margens do rio Jaboque Jacó vai lutar com o anjo enquanto aguarda apreensivo o
reencontro com seu irmão (Gn 32.30).
Com
exceção de algumas fortalezas nas montanhas, os habitantes da região por seu
estilo de vida nômade estavam satisfeitos em morar nas tendas de pano ou pelos
de cabra. É nesta terra árida que Elias vai ser moldado para a árdua
tarefa de pronunciar sua mensagem de arrependimento e juízo contra um
governante fraco, um sacerdócio dominado e um povo morno.
Uma
vez mais podemos perceber a soberania graciosa de Deus em e através da vida de
Elias; ele é o portador do bálsamo de Gileade para curar as feridas de seu
povo. Deus não escolheu um sacerdote (Ezequiel) ou mesmo alguém ilustrado da
corte (Isaías), não teve nem mesmo uma consagração pública (nada sabemos de seu
chamado e comissionamento); é um pregador itinerante das terras altas da
Palestina, formado na Escola da Natureza.
A
voz trovejante de Elias ressoa implacavelmente nos ouvidos do seu público, como
o fogo cuja luz resplandece em um dos momentos mais escuros da história
israelita.
Temos algumas descrições físicas de
Elias que nos permite esboçar um desenho falado dele: os mensageiros de Acazias
(2Rs 1.8) o descreve como “um homem peludo”; sobre seus ombros havia uma capa
solta, feito de pele de ovelha ou mais provavelmente de camelo (mais
resistente), presa ao peito com uma cinta de couro. Seus cabelos longos nos
leva a pensar, como no caso de Sansão, um significado de consagração ou um
distintivo de seu ofício profético. Era um homem de força física acostumado às
labutas das montanhas e do deserto, para enfrentar tanto o calor escaldante
quanto o frio extremo. Mesmo após um dia de luta, enfrenta uma caminhada de
dezesseis milhas, ultrapassando o grupo de mercenários do rei Acabe e se
posicionando na frente do portão de Jezreel por onde o rei haveria de passar.
Estava preparado para passar por privações e o longo jejum de quarenta dias no
monte Horebe. Portanto, não apenas sua mensagem, mas igualmente sua presença
física impunha respeito e atenção por parte de seus ouvintes (assim como João
Batista atraia atenção de pessoas de todos os lugares da Palestina judaica).
Revestido pela autoridade Divina
Elias encerrar as comportas dos céus e as chuvas deixam de descer sobre a
terra; com uma oração simples faz descer fogo do céu que consome um holocausto
regado a muita água; suas aparições e desaparecimentos repentinos é uma marca
distintiva deste profeta sem endereço permanente.
Seu compromisso com a mensagem que
transmitia lhe revestia de uma autoridade inquestionável, fosse diante de reis,
sacerdotes ou do povo. Mas ao mesmo tempo, Elias era uma pessoa semelhante a
nós (Tg 5.17), gente como a gente, sujeito a todas as pressões da vida. E essa
fragilidade humana é plenamente revelada quando o narrador descreve sua ida
para o deserto e o seu desejo de encerrar a carreira profética e morrer. Mas
como sempre acontece, inclusive conosco, quem da a última palavra é Deus e não
o profeta. Isso nos anima e sustenta, pois mesmo quando fraquejamos o nosso
Deus sempre há de nos sustentar e o nosso ministério termina apenas e tão
somente quando Deus entender que já cumprimos todo o propósito para o qual nos
designou. Jamais nos esqueçamos de que foi ante de qualquer outra cousa ou
mesmo apesar de qualquer outra cousa, que foi o treinamento e a graça de DEUS,
o poder do Seu Espírito operando dentro dele, que fez de Elias o homem que ele
foi. A mensagem e os sinais poderosos que Elias realizou foram decorrentes do
poder de Deus manifesta na e através de sua vida.
Elias era uma pessoa semelhante a nós!
Da mesma forma como Deus o capacitou
e usou para realização de Sua vontade e propósito, Deus também haverá de usar
nossas vidas com todas as nossas virtudes e fragilidades.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências
Bibliográficas.
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Antigo Testamento? Ed. Vida Nova, São Paulo, 1979.
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(Stuttgart: DeutscheBibelstiftung, c1967-77).
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de Educação Religiosa e Publicações, 1969, [1ª ed].
MACDUFF, J. R. Elijah, the prophet off ire. Michigan: Baker Book House, 1864
[1]
Gileade era densamente arborizada e esta era uma área ideal para animais de
pasto, as cabras desta região eram famosas (Cantares 6.5).
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